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Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais na área de especialização de Estudos Políticos de Área, realizado sob a orientação científica do Tenent

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Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos

necessários à obtenção do grau de Mestre em

Ciência Política e Relações Internacionais na área de especialização de

Estudos Políticos de Área, realizado sob a orientação científica do

Tenente-coronel Luís Fernando Machado Barroso e

Professora Doutora Teresa Maria Ferreira Rodrigues

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“Somos o que fazemos, mas somos principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”

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O Conflito da Região dos Grandes Lagos em África:

Relatório de Estágio no Instituto de Estudos Superiores Militares

ANDREIA ROQUE VENÂNCIO

RESUMO

Este relatório de estágio divide‐se em três partes fundamentais. A primeira consiste numa breve apresentação do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), e mais concretamente do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM (CISDI). A segunda parte baseia-se numa descrição pormenorizada de todo o trabalho realizado no âmbito das atividades do CISDI, salientando o envolvimento enquanto elemento do núcleo editorial. A terceira parte diz respeito ao trabalho de investigação desenvolvido ao longo do estágio, independente das tarefas do IESM, e cujos resultados serão publicados no próximo número da Revista de Ciências Militares, uma das publicações do Instituto. Este trabalho de pesquisa e análise incidiu sobre o caso do conflito dos Grandes Lagos, e nele se pretendeu demonstrar até que ponto o Relatório Brahimi constituiu um ponto de viragem na questão do uso da força para a resolução do conflito.

ABSTRACT

This internship summary is divided in three fundamental parts. The first one consists on a brief presentation of the Portuguese War College (IESM) where the focus lies on the Security and Defense Investigation Center (CISDI). The second part relies on a detailed description of the workload executed during CISDI activities, while emphasizing the involvement as a member of the editorial core. The third part relates to the research that took place along the internship apart from the tasks of the IESM, where the results will be published in the next edition of the Military Sciences Magazine, one of the publications of this Institute. This research has its main focus on the Great Lakes conflict with the main objective; to illustrate to what extent the Brahimi Report consisted as a turning point of the use of force as an instrument to resolve the conflict.

PALAVRAS-CHAVE: Instituto de Estudos Superiores Militares, Centro de Investigação de Segurança e Defesa, África, Grandes Lagos, Relatório Brahimi, Uso da Força.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 1

PARTE I - Instituto de Estudos Superiores Militares ... 2

1. Missão e Valores ... 2

2. Composição Orgânica ... 3

3. Centro de Investigação de Segurança e Defesa ... 3

PARTE II - Atividades desenvolvidas no IESM ... 6

1. Centro de Recursos do Conhecimento ... 6

2. Artigo de Reflexão ... 6

3. Participação em Eventos Científicos ... 19

3.1. Workshop Multi-Universitário de Geopolítica... 19

3.2. Conferência Internacional Europa-África ... 21

3.3. Seminário “O Conflito da Síria: As dinâmicas de Globalização, Diplomacia e Segurança” ... 23

PARTE III - O Uso da Força como Mecanismo de Resolução de Conflitos: O caso do Conflito dos Grandes Lagos ... 25

1. Introdução ... 26

2. O Uso da Força como mecanismo de Manutenção da Paz nas Nações Unidas ... 28

2.1. O uso da força no âmbito do Direito Internacional ... 28

2.2. As Operações de Manutenção da Paz e o Relatório Brahimi ... 31

3. Do conflito dos Grandes Lagos ao Conflito da República Democrática do Congo ... 37

3.1. As missões de paz das Nações Unidas ao longo do conflito da República Democrática do Congo ... 38

3.2. A Exceção da parte oriental da República Democrática do Congo ... 42

4. Conclusão ... 45

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 50

1. Artigo de Reflexão ... 50

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACP: África, Caraíbas e Pacífico

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento

CEMC: Curso de Estado-Maior Conjunto

CIRGL: Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos

CISDI: Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM

CRC: Centro de Recursos do Conhecimento

DPKO: Departamento de Operações de Manutenção da Paz

EMGFA: Estado-Maior-General das Forças Armadas

EUSEC: Missão da União Europeia para a Reforma do Sector de Segurança

FCSH: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

FDLR: Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda

FMI: Fundo Monetário Internacional

FPA: Facilidade de Paz para África

GNR: Guarda Nacional Republicana

IED: Investimento Estrangeiro Direto

IESM: Instituto de Estudos Superiores Militares

LRA: Exército de Resistência do Senhor

M23: Movimento de 23 de março

MONUC: Missão das Nações Unidas no Congo

MONUSCO: Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo

NEPAD: Nova Parceria para o Desenvolvimento de África

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ONUC: Operação das Nações Unidas no Congo

OUA: Organização da Unidade Africana

RDC: República Democrática do Congo

SADC: Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral

TIJ: Tribunal Internacional de Justiça

UA: União Africana

UE: União Europeia

UNCTAD: Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento

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INTRODUÇÃO

O estágio curricular efetuado no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM) teve incício a 01 de outubro de 2013 e terminou a 27 de junho de 2014, tendo sido realizado com base no protocolo e respetiva carta de acordo celebrados entre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa e o IESM, constituindo a componente não letiva do 2º ano do Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, Especialização em Estudos Políticos de Área.

A escolha do IESM para a realização deste estágio prendeu-se com o facto de esta instituição estar fortemente relacionada com a análise e gestão das crises e dos conflitos internacionais, área pela qual possuo grande interesse. Sendo esta uma instituição militar, a maior parte dos seus docentes e discentes já frequentaram missões e operações de paz em cenários de guerra, o que contribui significativamente para o conhecimento mais alargado desta temática.

No presente relatório será feita uma apresentação e descrição dos trabalhos desenvolvidos no âmbito das várias atividades efetuadas durante todo o programa de estágio no IESM, que se centraram essencialmente no apoio e colaboração enquanto membro da equipa do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM (CISDI).

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PARTE I

Instituto de Estudos Superiores Militares

1. Missão e Valores

Com base no Decreto-Lei n.º 28/2010, de 31 de março1, o IESM enquanto estabelecimento de ensino superior público universitário militar é uma instituição de alto nível orientado para a criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação e do desenvolvimento experimental, tendo por missão ministrar aos oficiais dos quadros permanentes das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana (GNR) a formação nos planos científico, doutrinário e técnico das ciências militares necessária ao desempenho das funções de comando, direção, chefia e estado-maior, ao nível do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), dos ramos das Forças Armadas, da GNR e em forças conjuntas e combinadas e em organizações internacionais.

O IESM reforça igualmente a possibilidade de se associar com outros estabelecimentos de ensino superior, nacionais ou estrangeiros, para a realização de ciclos de estudos bem como para o desenvolvimento de projetos de ensino em rede e estabelecimento de parcerias nacionais e internacionais geradores de sinergias entre as instituições e optimizadores da utilização dos recursos docentes e materiais existentes. Pretende, ainda, contribuir para a cooperação internacional e para a aproximação entre os povos, com especial destaque para os países de língua portuguesa, os países europeus e outros países aliados membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Atenta à necessidade de reforçar a coordenação do ensino superior público militar através de uma visão integrada e coerente, capaz de forjar consensos sólidos e estáveis, consagra-se que o IESM, tal como para restantes estabelecimentos de ensino superior militar, desenvolve as suas atividades em estreita ligação com o conselho do ensino superior militar, tendo em conta a missão e as atribuições deste órgão, que

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assegura a conceção e coordenação e acompanha a execução das políticas que, no domínio do ensino superior militar, cabem ao Ministério da Defesa Nacional.

2. Composição Orgânica

Organograma do IESM

Fonte: Sitio eletrónico do IESM

(http://www.iesm.pt/s/index.php/pt/home/organizacao/organograma)

3. Centro de Investigação de Segurança e Defesa

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A atividade de investigação desenvolvida no IESM é coordenada pelo CISDI e integra-se nos domínios, áreas e subáreas2 de investigação definidos em linha com os conteúdos afins das Ciências Militares.

1. Domínio I Elementos Nucleares das Ciências Militares:

a. Área de Investigação I.1: Estudo das Crises e dos Conflitos Armados; b. Área de Investigação I.2: Operações Militares;

c. Área de Investigação I.4: Técnicas e Tecnologias Militares;

d. Área de Investigação I.3: Comportamento Humano em Contexto Militar. 2. Domínio II Elementos Complementares das Ciências Militares:

a. Área de Investigação II.1: Ciências da Gestão; b. Área de Investigação II.2: Ciências Políticas; c. Área de Investigação II.3: Ciências Jurídicas; d. Área de Investigação II.4: Ciências Policiais; e. Área de Investigação II.5: Ciências da Engenharia; f. Área de Investigação II.6: Ciências Médicas.

O CISDI está organizado em Núcleos de Estudos e compreende um Centro de Recursos do Conhecimento (CRC), que assegura a divulgação do conhecimento científico, através do seu Núcleo Editorial e dispõe de um quadro próprio de docentes investigadores militares de reconhecida experiência e competência profissional, que, entre outras responsabilidades, dirige e realiza trabalhos de investigação, de laboratório e de campo.

Presentemente, as Linhas Editoriais do IESM geridas pelo CRC/CISDI são as seguintes:

 Revista de Ciências Militares – Publicação semestral digital com impressão limitada, que tem como objetivo olhar para às questões da segurança e defesa em geral e da

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estratégia, operações e administração das Forças Armadas e da GNR em particular, tanto no plano nacional como internacional. Constitui-se ainda como um fórum de reflexão, debate e divulgação da produção académica, científica e de investigação realizada no IESM, através da apresentação de temas e artigos de relevante qualidade, interesse e oportunidade;

 Coleção ARES Linha editorial constituída por livros, que visa publicar teses de mestrado e doutoramento de investigadores do CISDI ou de outras proveniências desde que sejam sobre temas dos elementos nucleares das Ciências Militares. Além disso, divulga o resultado da produção académica, científica e de investigação realizada por investigadores do IESM ou em parceria com outros investigadores nacionais ou estrangeiros;

 Cadernos do IESM Pretende divulgar os resultados da investigação desenvolvida sob a égide IESM, autonomamente ou em parcerias, considerando-se como objeto os trabalhos de investigação dos investigadores do CISDI ou de outros investigadores que se enquadrem no âmbito das Ciências Militares; os trabalhos de investigação de reconhecida qualidade efetuados pelos discentes e auditores dos Cursos lecionados no IESM; papers e ensaios produzidos pelos docentes; comunicações de investigadores do CISDI efetuadas em eventos científicos em Portugal ou no estrangeiro;

 IESM Atualidade – Visa publicar eletronicamente no sítio do IESM ensaios ou artigos de opinião sobre temas de segurança e defesa da atualidade, preferencialmente da autoria de docentes do IESM, de investigadores do CISDI ou de outros investigadores nacionais ou estrangeiros, a convite do Diretor ou por iniciativa própria.

No CRC, órgão que faz parte da estrutura permanente do CISDI, está integrada a Biblioteca do IESM que gere o acervo documental à guarda do Instituto, organizado de acordo com os domínios, áreas e subáreas de investigação previamente definidos.

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PARTE II

Atividades desenvolvidas no IESM

1. Centro de Recursos do Conhecimento

O envolvimento enquanto elemento da equipa editorial do CISDI concretizou-se através da revisão e tradução de textos científicos e de opinião das várias linhas editoriais do IESM, designadamente em dois números da Revista de Ciências Militares (Vol. I, N.º 2 e Vol. II, N.º 1) e nos primeiros exemplares dos Cadernos do IESM, da Coleção ARES e IESM Atualidade, cujos títulos são respetivamente: “Subsídio para um Referencial de Competências destinado ao Exercício da Liderança no Contexto das Forças Armadas Portuguesas”; “Entre a República e a Grande Guerra”; “Estudos Estratégicos”; “Intervenção Militar Francesa no Mali - Operação SERVAL”. Ainda neste âmbito, a colaboração complementou-se com o desenvolvimento e atualização de conteúdos do respetivo sítio eletrónico (http://www.iesm.pt/cisdi/).

A participação assentou também no apoio aos trabalhos de divulgação da Biblioteca do IESM, nomeadamente na elaboração das novidades bibliográficas (BIBNEWS) com uma periodicidade mensal, onde as obras em destaque são sempre do interesse das relações internacionais e ainda, no estabelecimento de contacto com bases de dados internacionais de informação relevante da atualidade na área da segurança e defesa, como foi o caso da “Jane’s Intelligence Review”, da “Stratfor” e da EBSCO.

2. Artigo de Reflexão3

“A NOVA CORRIDA A ÁFRICA”

“THE NEW SCRAMBLE FOR AFRICA”

3 Artigo que irá ser publicado num próximo número da Revista de Ciências Militares, que irá

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Em 2004, a conceituada revista The Economist, num artigo sobre as relações comerciais da China com África, aplicou o termo “nova corrida”, traduzido do inglês (“new scramble”), usado para descrever a crescente importância do petróleo africano para o mercado chinês e os efeitos a nível económico e comercial que esse facto poderia causar no cenário internacional (The Economist, 2004 cit. por Frynas & Paulo, 2007, p. 230). Noutro documento do mesmo ano, o termo “nova corrida” foi igualmente utilizado para se referir aos interesses dos Estados Unidos em África (Abramovici, 2004 cit. por Frynas & Paulo, 2007, p. 230). A preocupação com a China e os Estados Unidos em expansão refletiram as discussões nos corredores políticos de Washington e Pequim acerca de uma nova rivalidade Sino-Americana em África, onde já tinha também surgido a questão de uma potencial rivalidade Franco-Americana no continente (Schraeder, 2000 cit. por Frynas & Paulo, 2007, p. 230).

“Não há como negar que África se tornou um continente muito procurado num curto espaço de tempo, graças à sua importância estratégica” (Comissário da União Europeia para o Desenvolvimento cit. por Carmody, 2011, p. 1). Na origem deste novo interesse está uma conjugação complexa de fatores económicos, geopolíticos, tecnológicos, demográficos, ideológicos e intelectuais – que constroem a imagem de África como a derradeira “fronteira de sucesso e esperança futura” (Oliveira, 2009, p. 109). Este ressurgimento do interesse africano por parte das grandes potências mundiais como destino para investimento e, principalmente, pelos seus recursos naturais tem vindo a ser denominado, assim, por diversos autores como “a nova corrida a África” (Frynas & Paulo, 2007).

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se basearia no princípio da ocupação efetiva, ou seja, uma potência europeia só detinha real posse de um território quando tivesse no local tropas e funcionários, capazes de defender e administrar esse território, de forma a mostrar controlo efetivo sobre ele. A riqueza em recursos naturais do continente africano constituiu um fator chave para esta primeira corrida (Carmody, 2011, pp. 2-3).

Tendo em conta a duração da era colonial (cerca de um século), esta deixou em África uma marca muito profunda, influenciando a sua economia esta servia exclusivamente para responder às exigências das metrópoles, produzindo e exportando essencialmente matérias-primas que esteve sempre orientada, não para servir e responder às necessidades dos nativos, mas sim de outras pessoas, noutros territórios, estrutura que se mantém praticamente inalterada na era pós-colonial (Amin, 1976 cit. por Carmody, 2011, p. 2-3).

As independências africanas ocorreram numa atmosfera que promoveu a inclusão das ex-colónias como membros da sociedade internacional de Estados soberanos. Pela primeira vez, a soberania do Estado era aceite na base jurídica de reconhecimento por parte de outros Estados soberanos e não na base empírica de capacidades de governação, defesa e extração fiscal que desde sempre constituíra a prova crucial da viabilidade dos Estados. Esta mudança de paradigma é imprescindível para compreender a viabilização dos Estados africanos pós-coloniais (Oliveira, 2009, p. 95).

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podiam ter acesso aos fundos de emergência de instituições, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao Banco Mundial. Essas organizações contribuíram com fundos, os chamados programas de ajustamento estrutural, que visavam liberalizar as economias africanas e aumentar o papel do setor privado, tendo como principal meta o desenvolvimento do continente africano para que este se pudesse tornar económica e politicamente independente, abrindo-se ao comércio e recebendo o investimento de possíveis potências em ascensão. No entanto, o efeito destes fundos em África não produziu os resultados esperados para o desenvolvimento do continente, aumentando a sua marginalidade e dependência das mesmas instituições. Denota-se que o tipo de relações estabelecidas nesta segunda corrida eram, portanto, assimétricas e muito baseadas no envolvimento das grandes potências mundiais nas políticas externas dos novos Estados africanos independentes (Carmody, 2011, p. 4), através da imposição de normas institucionais e modelos económicos (Pautasso, 2010), por outras palavras, pode dizer-se que houve uma certa “exportação de valores europeus”, como refere Oliveira (2008, p. 36).

Atualmente, nesta nova “corrida a África” em curso há competições geoeconómicas e estratégicas entre diferentes polos económicos que visam o acesso a recursos para as suas empresas, bem como o acesso a mercados africanos. Contudo, os países africanos tornam o acesso aos recursos para as multinacionais dependentes de negócios com as elites locais que ganham uma grande parte dos rendimentos obtidos. Assim, os Estados africanos são agora poderes regionais que individualmente têm potencial para desempenhar papéis de maior relevo à escala continental e internacional (Carmody, 2011, p. 5). Exemplo disso é o caso de Angola e da Nigéria, que têm desenvolvido relações mais amplas com a comunidade internacional, incluindo não só os doadores externos como, em particular, as superpotências económicas e instituições financeiras, que incidem especial atenção à indústria petrolífera, criando oportunidades aos países de alcançarem uma imagem positiva como potências regionais.

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da população global, a procura de alimentos deverá aumentar em 50%. Isto significa que a combinação de mais pessoas e menos terra da alimentação um investimento. Sendo a terra escassa e cara na Europa e nos E.U.A., desenvolver novas terras será possível em África, Ásia e América do Sul. Desta forma, os investidores encaram África como um continente “alpha”, sinónimo de investimento de baixo risco e com alto retorno de lucros. Ambas as partes beneficiam: por um lado, o alcance ao crescimento e à modernização dos sectores agrícolas de Estados menos desenvolvidos; e por outro, que os investidores estrangeiros sejam capaz de produzir alimentos suficientes para um planeta prestes a ser povoado por 9,1 bilhões de pessoas (Knaup & Mittelstaedt, 2009).

Banqueiros, especuladores, empresas e entidades apoiadas pelo Estado (no caso da China) estão a adquirir vastas extensões de terra, com o propósito de reduzir a sua dependência do mercado internacional e das importações, ao mesmo tempo que procuram consolidar o seu poder e garantir a segurança futura (idem).

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assim, o espaço de manobra dos regimes africanos na cena internacional, que, segundo Oliveira (2009, p. 110) foram “muito debilitados durante os anos de hegemonia ocidental”.

Mais uma diferença de destaque entre as duas “corridas”, é a de que nesta se pode dizer e notar que os Estados africanos são legal e economicamente independentes de terceiros, acrescendo a importância de uma boa negociação e relação com as elites africanas para que se consiga ter acesso aos recursos vitais/estratégicos, para a sobrevivência e competitividade de grandes empresas multinacionais (Carmody, 2011, p. 8). Estes novos empreendedores e empresas movem-se pela procura de lucro e não por ideologias, procurando adotar uma postura apaziguadora com, a cada vez menor, presença ocidental (Oliveira, 2009). Para este novo grupo de atores, África revela-se como sendo um importante espaço para ampliação dos seus interesses e de presença nos negócios e cena internacionais. Associam, também, aos fundos de ajuda contratos que lhes sejam igualmente vantajosos. Por outras palavras, estabelecem uma relação/parceria do tipo win-win. Para África é vantajoso, uma vez que diversifica os seus parceiros comerciais em novos mercados, dinamizando, deste modo, a sua economia. É benéfico para este grupo de novos atores, pois maximizam também as suas próprias estratégias económicas e interesses políticos ao se relacionarem com África (Kimenyi & Lewis, 2011).

O crescimento do investimento deste novo grupo de atores, tem vindo a crescer de forma notável, tornando-se atores deveras importantes na política e negócios internacionais de África, alterando a antiga dinâmica comercial do continente e criando novos desafios e oportunidades para as economias africanas (Kimenyi & Lewis, 2011), não se podendo, no entanto, desvalorizar a presença dos países ocidentais na economia internacional, nem o seu papel como parceiros a nível de segurança, economia e política dos países africanos.

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soberania nacional dos Estados africanos, conquistado no período pós-colonial, que é visível através da criação de mecanismos de integração e desenvolvimento regionais, como por exemplo a Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD), assim como pela estruturação de novos espaços diplomáticos, como a União Africana (UA), possibilita a capacidade de criação de espaços de decisão autónomos e o estabelecimento de novas parcerias com outros países, que se vêm apresentando como uma alternativa atraente às parcerias já estabelecidas com os E.U.A. e a Europa (Pautasso, 2010). O crescimento de alguns países africanos e as reformas políticas contribuíram igualmente, desta forma, para o aumento de comércio e investimento (Kimenzi & Lewis, 2011).

Várias novas potências económicas foram, assim, afirmando a sua presença no continente, nomeadamente os países ditos “emergentes” como a China, Índia e Brasil. Interessa aqui definir como países emergentes aqueles que tenham recursos de poder em expansão; capacidade para contribuir para a gestão do sistema internacional e ambição e reconhecimento para ocupar um papel mais influente na política mundial (Pautasso, 2010). Esta influência abre certamente novos horizontes nas decisões políticas e estratégicas dos Estados africanos, dotando-os de um maior poder de negociação na esfera internacional.

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Em termos estatísticos, segundo o último Relatório de Investimento Mundial da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), os fluxos de IED para os países africanos cresceram 5% em 2012, um aumento de 5% em relação ao ano anterior, com o IDE global a cair 18%. Estes fluxos de investimento destinaram-se maioritariamente às regiões do Norte de África, África Central e África Oriental, enquanto as regiões da África Ocidental e Austral foram as únicas que registaram algum declínio. No entanto, conclui-se que o IDE dos países em desenvolvimento está gradualmente a aumentar, tendo sido a Nigéria, Moçambique, África do Sul, República Democrática do Congo e o Gana os cinco maiores recetores destes fluxos nos anos de 2011 e 2012 (UNCTAD, 2013a).

África é dos poucos continentes que tem vindo consecutivamente a usufruir de um crescimento de fluxos de IED desde 2010. A região do Norte de África denotou alguns sinais de retoma nas atividades de investimentos transfronteiriços, após a turbulência política da região em 2011, com a reviravolta no Egito, tendo registado uma subida de 35% em 2012; na África Ocidental o IDE diminuiu 5%, com o investimento canalizado para os dois principais países produtores de petróleo da região a permanecer estável para o Gana e a diminuir relativamente no caso da Nigéria, contudo os interesses de mineração na Mauritânia ajudaram a contrabalançar esta tendência; na África Central os recursos naturais também continuam a atrair investimentos para o setor da mineração por parte de empresas transnacionais, onde a exploração de cobre e cobalto se faz sentir fortemente na República Democrática do Congo; a descoberta de recursos energéticos, tais como as reservas de gás descobertas na Tanzânia e campos de petróleo no Uganda, relevaram igualmente um aumento significativo do IDE na região da África Oriental (idem); por último, na África Austral os fluxos de IDE decresceram em 2012 devido principalmente à queda de aplicação de capital em Angola e África do Sul, porém os fluxos em Moçambique compensaram esta situação, onde o recurso a enormes depósitos de gás offshore ajudou a atrair o interesse dos investidores (UNCTAD, 2013b, p. 40).

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supramencionado, a Malásia, China e Índia são as maiores fontes de IDE em África. A Malásia investiu aproximadamente $19 bilhões em África no ano de 2011 um pouco por todos os setores, em que os mais significativos foram o agronegócio (concentrado na parte oriental e ocidental do continente) e o financeiro (centralizado nas Maurícias). A China realizou um investimento de $16 bilhões no mesmo ano (idem), com mais de 2.000 empresas difundidas pelos diversos Estados africanos em indústrias como a agricultura tradicional, a mineração, a construção, processamento de recursos do produto, fabricação industrial, finanças, logística comercial e imobiliário. Até ao final de 2012, a China assinou tratados de investimento bilaterais com 32 Estados africanos e estabeleceu mecanismos de comissão económica conjunta com 45 países do continente (Mengjie, 2013). Já a maior parte dos $14 milhões de IDE da Índia em África em 2011/2012 destinaram-se às ilhas Maurícias, Quénia, Tanzânia, Moçambique e África do Sul para setores como o da energia, mineração e telecomunicações. Todavia os dados de projetos de investimento greenfield4 indicam que os investimentos indianos em países africanos sem costa marítima estão em ascensão (UNCTAD, 2013b, p. 40).

Apesar de o Brasil não ser mencionado no relatório como um dos países com fortes investimentos em África, ele representa, tal como acontece com outros países BRICS5, uma presença crescente no continente. Conforme apresenta o Programa África e Américas de novembro de 2012, o investimento brasileiro tem até agora centrado grande parte do seu capital no setor dos recursos e da construção. Atualmente, as linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) beneficiam empresas brasileiras que investem essencialmente na África do Sul, Moçambique e Angola, sendo concedido a este último o maior volume de crédito. Para além dos empréstimos financiados pelo Estado brasileiro, o BTG Pactual (Banco de

4 Consiste numa forma de investimento estrangeiro direto, onde uma empresa-mãe começa um novo

empreendimento no estrangeiro através da construção de novas instalações operacionais e da criação de novos postos de trabalho a longo prazo no país de acolhimento. A contratação de novos empregados, o investimento em conhecimento e tecnologia é adquirido para aumentar o capital humano do país. Este tipo de investimento ocorre quando as multinacionais entram em países em desenvolvimento construindo novas fábricas e/ou lojas. Em contrapartida, estes países oferecem frequentemente potenciais incentivos fiscais, subsídios e outro tipo de benefícios que estimulam a fixação de empresas estrangeiras.

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investimentos da América Latina) lançou em 2012 um fundo de $1000 milhões para ser investido exclusivamente em África (Stolte, 2012).

No que diz respeito ao papel da África do Sul, sendo o único representante africano na aliança dos países ditos “emergentes”, encontra-se numa posição geo-estratégica de peso como ponto de entrada para o resto do continente. Assim, a sua participação permite não só alargar as suas próprias possibilidades de parcerias estratégicas, bem como a dos seus vizinhos africanos (Nott, 2012). A África do Sul tem igualmente atuado na diplomacia mundial, defendendo a construção de um mundo multipolar e promovendo o multilateralismo no continente africano (Vizentini, 2003).

Concludentemente, as relações entre África e Europa têm, nas últimas décadas, sido condicionadas pela presença e a influência de outros países no território africano. No entanto, a Europa tem uma posição única em relação a África, geograficamente, historicamente e economicamente, e ainda no papel que tem vindo a desempenhar na ajuda ao desenvolvimento.

Em termos económicos, a Europa é um parceiro importante de África, não apenas a nível comercial, mas o maior importador de produtos agrícolas africanos. O que fortalece esses laços é o apoio firme mostrado pela Europa como o principal doador de ajuda oficial ao desenvolvimento (Michel & Barroso, 2008). A Europa continua e continuará a ser um parceiro importante no plano económico, político e de segurança, mas África reorienta os seus interesses económicos e a natureza das relações entre a União Europeia e África alteraram-se.

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primeiro, após o 11 de setembro de 2001, as disfuncionalidades dos Estados assumiram um lugar preponderante e África surgiu então como a região de maior incidência da fragilidade do Estado; segundo, a competição pelos recursos estratégicos; e, por último, os desafios transnacionais, como as migrações e preocupações ambientalistas, que adquiriram proeminência na agenda política europeia (Franco, 2012).

A União Europeia reagiu a estes desenvolvimentos colocando África num lugar mais elevado da sua agenda de relações externas. Em 2005, a Comissão Europeia adotou uma nova estratégia com o título “A UE e África: Rumo a uma Parceria Estratégica”. O objetivo do documento foi criar um quadro abrangente, integrado e de longo prazo para a política UE-África, uma grande estratégia para as relações da Europa com o continente. O objetivo maior era o de apoiar os esforços para atingir as Metas de Desenvolvimento do Milénio até 2015 e tornar as parcerias europeias com a África mais eficientes. A estratégia foi construída em torno de quatro pilares: boa governação; paz e segurança; comércio e saúde; educação e um ambiente seguro. Este documento marcou desta forma o início de uma série de importantes iniciativas da UE como a adoção de uma Estratégia Conjunta UE-África na II cimeira UE-África, em dezembro de 2007. A Estratégia tinha como argumento o afastamento de uma relação tradicional entre África e Europa, com o propósito de desenvolverem uma verdadeira parceria caracterizada pela igualdade e prossecução de objetivos comuns (Huliaras, 2012).

“Portugal, que se tem empenhado na consolidação da relação da Europa com África e, nesse sentido, na construção de uma política para África no âmbito da política externa europeia, usou das prerrogativas da presidência do Conselho Europeu para alcançar a concretização da cimeira” (Franco, 2012, p. 11). Esta parceria estratégica de carácter continental entre os dois grupos de países consagrou o reconhecimento de África como um parceiro importante na gestão da ordem internacional e a vontade de incutir um cunho marcadamente mais político às relações UE-África, demonstrando a sua importância simbólica ao desafiar ambos os atores (Franco, 2012).

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abranger campos além dos domínios tradicionais de cooperação e a canalizar melhor a sua ajuda (Michel & Barroso, 2008). Neste contexto, a IV cimeira UE-África, ocorrida já este ano, debateu uma nova forma de cooperação entre os dois blocos. Segundo dados da Euronews, a ajuda ao desenvolvimento continuará a existir, mas o investimento e comércio deverão ter cada vez maior papel na relação bilateral. No ano africano da agricultura e da segurança alimentar, a UE comprometeu-se a disponibilizar, nos próximos 7 anos, €3 mil milhões para a agricultura em 30 países africanos. Acordos de Parceria Económica e integração na Organização Mundial do Comércio foram outros dos temas em cima da mesa. Em matéria de paz e segurança, a UE lançou oficialmente a operação E UFOR RCA com o envio de cerca de mil soldados para a República Centro-Africana, país devastado por conflitos inter-religiosos, e, por outro lado, pretende despender €750 milhões, nos próximos 3 anos, para apoiar operações de apoio à paz em África, no âmbito do mecanismo Facilidade de Paz para África. Da cimeira saiu ainda um plano de ação contra a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos, onde se prevê o reforço da gestão de fronteiras, da melhoria das políticas de regresso e da proteção aos refugiados. Por fim, a parceria UE-África apontou como prioridade os direitos humanos, a democracia e a boa governação (Euronews, 2014).

O facto é que o proselitismo europeu dos valores está em recuo e o ênfase na democracia e abertura económica parecem ter cedido espaço a métodos e meios de desenvolvimento económico, em que prevalece a primazia do Estado. Esta situação é possivelmente uma consequência do impacto das relações entre África e outros países estrangeiros, naturalmente com perceções, políticas e formas de negociar diferentes das europeias.

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Conclusão

É hoje claro o aumento da importância internacional de África. A atual “corrida a África” definida pela atração aos recursos naturais, investimento, novos mercados e terras aráveis é substancialmente diferente das anteriores, por modificar as dinâmicas regionais e internacionais levando a uma nova expansão estratégica no continente, onde as potências estrangeiras competem por influência. O novo estabelecimento de parcerias com potências em ascensão abre África a novos mercados, oferecendo à região novas oportunidades de desenvolvimento (Kimenyi & Lewis, 2011).

A ascensão de países emergentes, concretamente da China, como principais parceiros comerciais em África é de grande relevância nesta matéria. No entanto, com base na análise histórica, económica e nas relações internacionais, conclui-se que a existência de uma “nova corrida” ou até de uma competição entre as antigas parcerias europeias e as novas parcerias deve ser uma discussão tratada com alguma precaução. A existência de uma “corrida” deve ser enquadrada, em termos mais precisos, como um aumento do interesse internacional em recursos e infraestruturas que implicam um maior investimento privado e empenho diplomático de um maior número de atores externos (Frynas & Paulo, 2007, p. 251).

É importante também ressalvar que as atividades que alguns países desempenham presentemente em África não são uma tendência recente. Caso disso é o exemplo brasileiro, em que as dinâmicas políticas e económicas remontam da década de 1970 com a independência dos países africanos de língua oficial portuguesa, e os exemplos indiano e chinês, que desde a Conferência de Bandung em 1955 estreitaram relações de cooperação económica e cultural, especialmente com países do Norte e Leste de África.

Por conseguinte, a influência crescente dos países ditos “emergentes” veio ampliar a margem de manobra dos países africanos nas suas relações externas. África poderá ter um papel mais relevante, na medida em que possui uma retaguarda geopolítica com impactos tanto a nível interno como internacional.

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continentais na criação de condições para uma cooperação mais íntima entre os países do continente e para uma verdadeira política de integração (Vizentini, 2003). De salientar ainda a cooperação trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul desenvolvida com o intuito de promover as relações Sul-Sul. “África representa o fortalecimento da dimensão Atlântica da inserção externa brasileira e a ampliação das ambições indianas no Oceano Índico, fundamentais à segurança nacional e regional de ambos” (Pautasso, 2010, p. 4).

3. Participação em Eventos Científicos

3.1. Workshop Multi-Universitário de Geopolítica

O Workshop realizado no dia 3 de dezembro de 2013, no âmbito da Unidade

Curricular de Geopolítica, teve como tema geral “A Centralidade das Bacias Oceânicas”, integrado no plano de estudos do Curso de Estado-Maior Conjunto (CEMC) do IESM.

Esta atividade letiva teve como finalidade estimular a reflexão e discussão sobre as principais questões que afetam, na atualidade, o contexto geopolítico internacional, promovendo o debate entre os alunos militares do CEMC e os alunos de estudos pós-graduados de instituições de ensino universitário civil na área da geopolítica. Incrementar a capacidade de análise e de interpretação do quadro evolutivo internacional, tendo por base conceitos teóricos propostos pela geopolítica foi outro dos objetivos desta iniciativa, que também pretendeu fomentar a discussão académica sobre matérias onde a diversidade de perceções, decorrentes das várias experiências, são uma mais-valia para o processo de aprendizagem.

Os participantes do workshop foram organizados em grupos de trabalho em termos da instituição de origem dos discentes, em que cada grupo teve o propósito de analisar e discutir uma das seguintes temáticas propostas:

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Tema 2: “A bacia do Ártico tendo em vista o novo estatuto de observador que Portugal, tal como a Espanha, têm no Conselho do Ártico”, moderado pela Professora Doutora Sandra Balão do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas;

Tema 3: “A bacia do Pacífico enquanto novo pivô da política externa norte-americana”, moderado pelo Professor Doutor Luís Tomé da Universidade Autónoma de Lisboa; Tema 4: “A bacia do Índico enquanto autoestrada marítima global”, moderado pela Professora Doutora Ana Paula Brandão da Universidade do Minho.

O tema abordado por cada grupo de trabalho acima identificado ficou ao critério dos participantes. Cada grupo de trabalho organizou-se internamente (coordenador, porta voz, restantes) de acordo com aquilo que os elementos e o moderador entenderam como sendo a forma mais adequada para a transmissão necessária dos conteúdos. Na apresentação em plenário das conclusões das análises e discussões suscitadas durante os trabalhos em sala, os dados apresentados resultaram da interação dos participantes presentes em cada grupo temático e de alguma pesquisa efetuada auxiliar à exposição final.

A observação geopolítica e geoestratégica das principais questões que determinam o ambiente estratégico internacional e a caracterização do potencial estratégico que cada bacia oceânica detém no seu espaço hidrográfico específico constituiu o ponto de partida desta exposição.

Dentro da temática geral “A Centralidade das Bacias Oceânicas”, o subtema escolhido para o desenvolvimento desta atividade foi o tema 4 relativo à “Bacia do Índico enquanto autoestrada marítima global” por representar um dos Oceanos menos evidenciados no que diz respeito à geopolítica, sendo, porém, o terceiro maior do mundo e por nele ser transportado quase 70% do petróleo mundial, bem como grande parte das matérias-primas oriundas do Golfo Pérsico e do continente africano em direção ao Sudeste Asiático e à Europa.

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trabalho pretendeu debater e desenvolver. A relevância e aplicabilidade destes assuntos para a área de Relações Internacionais apresentam uma considerável utilidade prática no futuro profissional, em que a pertinência do tema e respetivos subtemas abrem caminho para uma reflexão mais aprofundada de novos conceitos, designadamente o de “hidroestratégia”.

3.2. Conferência Internacional Europa-África

A Conferência Internacional intitulada “O Jogo Global Mudou: Qual o Papel das Relações Europa-África?”, realizada no dia 29 de abril de 2014 na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, foi promovida pelo Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, em parceria com diversas organizações. Teve como objetivo analisar a Parceria UE-África, incidindo nos resultados da IV Cimeira que teve lugar nos dias 2 e 3 de abril do mesmo ano e debateu as opotunidades e desafios entre os dois continentes num contexto de dinâmicas continentais e globais em rápida mutação.

Como fazer avançar as relações UE-África? foi a questão central do debate, tendo como base a necessidade de uma transformação política e de mentalidades nestas relações. O debate foi organizado em três painéis: (1) Os resultados da IV Cimeira UE-África; (2) África, Europa e Atores Emergentes; (3) Prioridades para o Futuro: A Parceria UE-África e os Desafios Globais.

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Parceria no futuro, discutindo as tensões e estímulos que afectarão estas relações nos próximos anos, bem como o que será necessário para conciliar interesses divergentes, facilitar a realização de objetivos comuns e responder de forma efetiva aos desafios globais. Neste debade referiu-se ainda que se deve assegurar uma maior participação, melhor cooperação e um diálogo político reforçado em assuntos globais, como a Agenda para o Desenvolvimento pós-2015.

Estes painéis contaram com a presença de figuras ilustres como o ex-Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros português, Luís Amado, e o atual Ministro, Rui Machete; Françoise Moreau, Diretora da Unidade da Parceria África-UE e da Facilidade de Paz para África (FPA), da Comissão Europeia; Obadiah Mailafia, Chefe de Gabinete do Secretário-Geral do Grupo de Estados de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) em Bruxelas (Bélgica); Oladiran Bello, Representante do Instituto das Relações Internacionais em Joanesburgo (África do Sul); Serguei Ouattara, Presidente da Câmara do Comércio UE-África em Bruxelas (Bélgica).

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3.3. Seminário “O Conflito da Síria: As dinâmicas de Globalização, Diplomacia e

Segurança”

O Seminário sobre “O Conflito da Síria: As dinâmicas de Globalização, Diplomacia e Segurança” no âmbito da Conferência Final do I Curso de Pós Graduação em Globalização, Diplomacia e Segurança entre o IESM, a FCSH e o Instituto Diplomático, realizado no dia 28 de maio de 2014, consistiu numa atividade letiva que teve como objetivo geral criar condições para que os estudantes pudessem aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos durante o curso, relacionados com as questões da globalização, da segurança e da diplomacia no contexto do conflito sírio, que analisou os antecedentes, o presente e o futuro daquele país e da daquela região.

Este Seminário, efetuado no IESM e aberto à restante comunidade do Instituto, organizou-se em quatro partes distintas. A primeira delas foi a sessão inaugural com a presença de uma especialista de reconhecido mérito, a Professora Doutora Maria João Tomás, que deu como título à sua comunicação “O Conflito da Síria – Primavera ou Inverno Árabe?”, onde apresentou o quadro global do conflito sírio. De seguida, o Tema I denominado “Avaliação Estratégica do Conflito” foi apresentado por duas comunicações de alunos da Pós Graduação intituladas de: “O Ambiente Estratégico” e “O Ambiente Informacional”. No âmbito das dinâmicas estratégicas a avaliação foi centrada nos fatores-chave do conflito, nos centros de gravidade dos atores em confronto e nas opções de resposta estratégica; já o papel dos media sociais no conflito e a sua relação com os media tradicionais foram alvo de análise no âmbito das dinâmicas da globalização. Esta comunicação veio reforçar o argumento de que o conflito da Síria será a “primeira guerra dos mediasociais”, evidenciando a importância destes enquanto ferramenta para fins políticos, militares e geoestratégicos.

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prospetiva, tendo sido a esse propósito identificados e caracterizados oito possíveis cenários suportados em três eixos de contrastação: (1) conflitualidade e corrida armamentista; (2) crise sunita; e (3) fragmentação de Estados.

Por fim, na sessão conclusiva, os alunos do Curso de Pós Graduação, representados por Luís Almeida, desenvolveram uma análise sumária dos falhanços identificados, concluindo que o conflito sírio tem uma dinâmica diferenciada dos eventos da Primavera Árabe mas que poderá ser a força motriz de uma transformação que ainda agora se iniciou. O tempo parece favorecer a radicalização do conflito, a adição de mais atores regionais e não-regionais e a redefinição de novas dinâmicas e alianças. Segundo eles, os desafios que se colocam às seguranças regional e global são complexos, contudo, apesar dos insucessos e dos falhanços, é à Diplomacia que ainda está reservado o papel principal.

Considero que a minha participação neste Seminário como espectadora foi mais uma vez importante devido à relevância e atualidade do tema para as Relações Internacionais. A interdisciplinaridade entre os oradores, finalistas da Pós Graduação, contribuiu para uma abordagem da problemática mais diversificada e complementar.

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PARTE III

O Uso da Força como Mecanismo de Resolução de Conflitos:

O caso do Conflito dos Grandes Lagos

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Resumo

Este trabalho pretende demonstrar até que ponto o Relatório Brahimi constituiu um ponto de viragem na questão do uso da força no caso do conflito dos Grandes Lagos, mais especificamente na República Democrática do Congo (RDC).

No quadro de reconstrução da RDC, propõe-se analisar a continuidade do conflito e as suas constantes tentativas de resolução, bem como os mecanismos adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a concretização desse fim, no âmbito da sua missão de estabilização no país. A criação e implementação de uma brigada de intervenção para combater grupos armados, como o Movimento de 23 de março, revela um dos mecanismos recentemente utilizados pelas Nações Unidas com vista à instauração de zonas de segurança tanto na RDC como na região dos Grandes Lagos, por forma a garantir a paz sustentável em toda a região.

Palavras-chave: Uso da força, Relatório Brahimi, ONU, Grandes Lagos, RDC.

Abstract

This work aims to demonstrate how far the Brahimi Report was a turning point in the question of the use of force in the case of the Great Lakes conflict, more specifically in the Democratic Republic of Congo (DRC).

Within the framework of reconstruction of the DRC, the goal is to foster continuity for examination of the conflict and its constant attempts to achieve a solution concomitant to the mechanisms adopted by the United Nations (UN) as

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means to achieve this end, as part of its stabilization mission in the country. The creation and implementation of an intervention brigade to combat armed groups such as the Movement of March 23 can be seen as one mechanism recently adopted by the UN for the establishment of security zones in both the DRC and in the Great Lakes region, in order to ensure sustainable peace throughout the region.

Keywords: Use of force, Brahimi Report, UN, Great Lakes, DRC.

1. Introdução

O conflito dos Grandes Lagos, que envolve diretamente os países do Ruanda, Burundi, República Democrática do Congo e Uganda, tem-se tornado numa questão cada vez mais complexa devido à proliferação de grupos armados provenientes das guerras do Congo, ainda em aberto na parte oriental do país. As Nações Unidas, presentes na região desde 1960, têm tentado pôr termo ao conflito, bem como à presença e influência estrangeira na RDC, através das suas sucessivas missões de paz. Contudo, alguns insucessos marcaram o percurso da ONU na região e no país. Foi caso disso a Missão das Nações Unidas no Congo (MONUC) que sofreu de uma capacidade operacional limitada, gerando opiniões divergentes relativamente ao uso da força dentro das Nações Unidas.

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O objetivo deste trabalho é perceber se os efeitos do Relatório Brahimi quanto ao emprego da força nas operações de paz das Nações Unidas representam ou não uma mudança de paradigma na execução das operações de manutenção da paz na região dos Grandes Lagos. Para isso, torna-se necessário definir termos importantes que sustentam a mudança de paradigma como o de operações preventivas e operações robustas, conceito igualmente central do Relatório Brahimi. O primeiro termo trata da questão da força preventiva usada pelas unidades militares das Nações Unidas para evitar ataques contra civis e perturbar a capacidade militar dos grupos armados ilegais, que tem sido um assunto bastante controverso dentro e fora da organização, mas que no fundo serve como um elemento de dissuasão determinante para impedir a continuidade das atividades de grupos armados. O segundo termo diz respeito à necessidade de uma doutrina e estratégia robustas para as operações de manutenção da paz, em que as forças de paz das Nações Unidas devem ser capaz de se defender, tal como o próprio mandato e outros componentes da missão, especificando de forma clara a autoridade de uma operação usar a força como outro elemento dissuasor credível.

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2. O Uso da Força como mecanismo de Manutenção da Paz nas Nações Unidas

2.1. O uso da força no âmbito do Direito Internacional

Um dos temas mais emblemáticos da singularidade do Direito Internacional tem sido o uso e a condenação da força. Até ao início do século passado, vivia-se num regime de aceitação do uso da força no contexto das relações internacionais e o Direito Internacional assentava numa dicotomia fundamental entre o ius ad bellum e o

ius in bello. O primeiro representava o setor do Direito Internacional que estabelecia

os termos e as condições para decretar o estado de guerra, definindo o respetivo formalismo e as partes que o pudessem fazer, assim consagrando um direito dos Estados de recorrer à força no âmbito das relações internacionais; e o segundo atendia às normas que regulavam os conflitos armados, na convicção de que haveria uma ordem normativa no meio do caos que um conflito bélico sempre pressupõe (Gouveia, 2012, pp. 759-765). Notoriamente no século XX é que se estabeleceria a afirmação jurídico-internacional da proscrição do uso da força, progressivamente distribuída em quatro momentos da história: a proibição do uso da força na cobrança de dívidas contratuais; a moratória de guerra no âmbito do Pacto da Sociedade das Nações7; a renúncia geral ao uso da força no Pacto Briand-Kellog8; e a proibição geral na Carta das Nações Unidas (idem, p. 766).

No final da II Guerra Mundial, a sociedade internacional, consciencializada dos horrores e excessos verificados durante o período da guerra, estava disposta a definir, em termos gerais, a proibição do uso da força (Pereira, 2009, p. 211). Sob este princípio foi, portanto, edificada no ano de 1945 a ONU, onde os representantes dos

7 A moratória de guerra foi a primeira limitação processual geral ao uso da guerra que, no âmbito do

Tratado de Versalhes, selou o fim da I Guerra Mundial. Não sendo uma proscrição propriamente dita, impôs o retardamento do uso da força por três meses, com a finalidade de permitir ao Conselho da Liga das Nações pronunciar-se e fazer com que as partes em conflito chegassem a acordo, admitindo apenas a força como medida coerciva ou como legítima defesa (Gouveia, 2012, pp. 767-768).

8 O Tratado de Renúncia Geral do Uso da Força de 1928, comummente designado por Pacto

Briand-Kellog, em homenagem aos seus promotores, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Francês e o Secretário de Estado Norte-Americano respetivamente, foi um acordo em que as partes contratantes aceitaram que o uso da força deixasse de pertencer à respetiva capacidade jurídico-internacional, como desde os tempos imemoriais sempre se aceitou, renunciando a guerra como instrumento de política internacional e admitindo esta somente como medida de ultimo ratio. Este momento ficou na História por ter sido o primeiro de proibição geral do uso da força nas relações internacionais, pondo termo à

“competência discricionária da guerra”. Embora substantivamente proibisse o uso da força, não

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51 Estados se comprometeram a “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”. Os autores da Carta das Nações Unidas procuraram estabelecer uma ordem normativa que restringisse severamente o recurso à força. Nos termos do Artigo 2.º (4) da Carta, os Estados deveriam “abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outra forma incompatível com os propósitos das Nações Unidas”. Na Carta havia apenas duas exceções relativamente a esta proibição: a utilização da força autorizada pelo Conselho de Segurança e em legítima defesa. De acordo com o Artigo 39.º, o Conselho tem competência para determinar uma possível “ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão”. Se o Conselho de Segurança assim o determinar, pode autorizar o uso da força contra um Estado agressor no âmbito do Artigo 42.º (Arend, 2003, pp. 91-92). Já quanto à segunda exceção, o Artigo 51.º prevê que:

“Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho de Segurança para levar a efeito, em qualquer momento, a ação que julgar necessária à manutenção ou restabelecimento da paz e a segurança internacionais.” (GDDC, 2014a).

Ainda que os contornos básicos deste Artigo pareçam simples, o seu efeito sobre o direito consuetudinário9 da legítima defesa preventiva, ou antecipatória, não é de todo claro. Ao analisar-se a literatura académica sobre esta disposição, os juristas parecem divididos em dois campos. Por um lado, há aqueles que partem de uma interpretação restritiva, onde os métodos tradicionais de interpretação de tratados se focam no entendimento usual dos termos. Assim sendo, estes afirmam que a intenção

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do Artigo 51.º é explicitamente limitar o uso da força em legítima defesa apenas a situações de ataque armado efetivo. Sob esta lógica, o elemento literal do referido Artigo “no caso de ocorrer um ataque armado”, impossibilitaria o uso da força em qualquer tipo de ação preventiva, sendo ilegal caso o fizessem. Embora, este Artigo se refira a um “direito inerente” de autodefesa, na ótica destes académicos, esse direito só poderia ser exercido após um ataque declaradamente armado (Arend, 2003, p. 92).

Outros estudiosos, no entanto, rejeitam esta interpretação, afirmando que a teleologia da Carta não é restringir o direito consuetudinário preexistente de antecipação da autodefesa, pois, segundo esta perspetiva, não é necessário esperar pela efetividade de um ataque adversário, sendo suficiente que tal intenção esteja inequivocamente provada para que os Estados possam tomar iniciativas no plano da autodefesa. A referência a um “direito inerente” representa a continuação do amplo direito consuetudinário pré-Carta das Nações Unidas, consagrando a antecipação da autodefesa. Tanto a ocorrência de um “ataque armado” como a sua iminência são circunstâncias que autorizariam o Estado lesado a agir em legítima defesa. Como o juiz norte-americano do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), Stephen Schwebel, observou, o Artigo 51.º não diz “se, e somente se, ocorrer um ataque armado”. Para este grupo de juristas, o Artigo não limita explicitamente o exercício da autodefesa apenas à circunstância de um ataque armado (idem, pp. 92-93).

Apesar desta disposição de Schwebel acerca da legítima defesa preventiva, nem o TIJ, nem o Conselho de Segurança da ONU determinaram o significado preciso do Artigo supracitado. Como consequência, o texto da Carta admite claramente as duas interpretações sobre a permissibilidade da força preventiva (idem, p. 93). Porém, a maioria dos autores chama a atenção para o que há de arbitrário e de mutável numa tal conceção, suscetível de abrir as portas a uma abusiva invocação da existência de uma ameaça (Machado, 2003, p. 477).

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Como o Tribunal Permanente de Justiça Internacional, antecessor do TIJ atual, observou:

“O Direito Internacional regula as relações entre Estados independentes. As regras de direito obrigatórias para os Estados, portanto, emanam de sua própria vontade, expressas em convenções ou costumes geralmente aceites como expressão de princípios estabelecidos do direito, a fim de regular as relações entre essas comunidades independentes coexistentes ou com vista à realização de objetivos comuns. Restrições sobre a independência dos Estados não podem ser presumidas.” (Arend, 2003, p. 93).

Esta conceção baseada no consentimento do Direito Internacional tem um significado fundamental para um exame da prática do pós-Carta da ONU sobre o uso preventivo da força. Tendo em conta que a carta é suficientemente ambígua sobre esta questão e que havia uma regra preexistente do direito consuetudinário internacional permitindo a autodefesa antecipatória, não é necessário, segundo Anthony Arend (2003, p. 93), o reconhecimento de uma norma consuetudinária que permita aos Estados o uso da força de forma preventiva, a fim de que tal uso da força seja legítimo.

2.2. As Operações de Manutenção da Paz e o Relatório Brahimi

Domínio que tem assumido igualmente importância na atividade da ONU é o das operações de paz, que têm sido decretadas praticamente desde a sua fundação. Contudo, a Carta das Nações Unidas não refere a possibilidade de a ONU determinar tais operações, que implicam a utilização de meios militares para a efetivação da paz, sem exercer diretamente a força. A solução encontrada para esta problemática tem sido através da interpretação extensiva dos poderes literalmente previstos, presentes nos capítulos VI e VII da Carta, apoiando-se no preâmbulo e no seu objetivo primordial de manutenção da paz e da segurança internacionais (Gouveia, 2012, pp. 780-781).

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instituiu a primeira força militar em missões de paz das Nações Unidas a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF) – e formulou os princípios da imparcialidade, da não ingerência nos assuntos internos do país de acolhimento e do não uso da força, exceto em legítima defesa, que regem as operações de paz da ONU até aos dias de hoje (Bildt, 2011, p. 6).

Uma série de acontecimentos alteraram profundamente a premissa de manutenção da paz da ONU desde a Crise de Suez. O fim da Guerra Fria deu origem a conflitos intraestatais de origem política, étnica e religiosa, criando condições para que uma nova abordagem das operações de manutenção da paz surgisse. Para este efeito,

a Agenda para a Paz de 1992 do antigo Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros

Boutros-Ghali, veio preconizar uma diplomacia preventiva em que a manutenção da paz passou a assumir um papel de relevo. Este relatório, elaborado em resposta a um pedido do Conselho de Segurança, consistiu na recomendação de futuras reformas que visavam fortalecer todo o processo de manutenção da paz dos conflitos no mundo pós-Guerra Fria. O documento propôs a ideia de que unindo mecanismos institucionais dantes separados (diplomacia preventiva, criação da paz, manutenção da paz) a ONU seria capaz de dar resposta à ambiguidade da “nova ordem mundial”. A centralidade do conceito “consolidação da paz pós-conflito” introduzido por Boutros-Ghali, definido como a “ação de identificar e apoiar estruturas que tenderão a fortalecer e solidificar a paz, a fim de se evitar uma recaída do conflito”, visou contribuir para a criação de “pontes” entre órgãos da ONU e suas respetivas competências muitas vezes sobrepostas (Gama, 2005, p. 77; Gray, 2008, pp. 272-273).

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operacional. (Berdal, 1999, p. 47). No entanto, o aumento do número de guerras civis ocorridas na década de 1990 e os insucessos de algumas operações relativos à incapacidade da ONU em prevenir desastres como o genocídio do Ruanda em 1994 ou os massacres de Srebrenica em 1995, na Bósnia-Herzegovina, contribuíram para o reconhecimento de profundas incoerências e limitações que estas operações de manutenção da paz, até então praticadas, demonstraram como sendo insuficientes para assegurar uma paz duradoura (Durand, 2012).

Neste sentido, e em alinhamento com a Agenda para a Paz, o Relatório do Painel sobre as Operações de Paz das Nações Unidas, escrito em agosto do ano 2000 por um grupo de dez especialistas10 com ampla experiência nas áreas de manutenção e consolidação da paz, desenvolvimento e assistência humanitária, teve como propósito a realização de uma revisão completa das atividades de paz e segurança das Nações Unidas e a apresentação de um conjunto claro de recomendações específicas e práticas, que ajudassem a ONU na melhoria da condução de tais atividades no futuro (United Nations, 2000, p. i). No fundo, o Relatório Brahimi, nome pelo qual ficou assim conhecido devido a Lakhdar Brahimi, ex-ministro das Relações Externas da Argélia, que presidiu o painel de personalidades a pedido do anterior Secretário-Geral, Kofi Annan, pretendeu “reformar a reforma proposta” (Gama, 2005, p. 79) em 1992 de modo a revitalizar a credibilidade e legitimidade da ONU quanto ao seu desempenho internacional. Por conseguinte, este documento tornou-se uma referência ao sugerir mudanças substanciais na maneira como a manutenção da paz da ONU e a consolidação da paz pós-conflito são concebidas, planeadas e executadas (Durch, et al., 2003), incidindo não só nos âmbitos da política e estratégia, mas também em áreas operacionais e organizacionais (United Nations, 2000, p. viii).

No Relatório são apresentadas as condições fulcrais para o sucesso de futuras operações complexas: o apoio político (a concertação dos Estados para o mesmo fim), a rápida implantação de uma operação de paz com uma postura de força robusta e uma estratégia clara de consolidação da paz. Cada recomendação no presente

10 Para além de Lakhdar Brahimi, este Painel foi constituído pelo diplomata norte-americano John Brian

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relatório destina-se, de uma forma ou de outra, a garantir que estas três condições sejam cumpridas. A necessidade de mudança é ainda justificada através dos recentes acontecimentos na Serra Leoa11 e pela perspetiva de ampliação da operação da ONU na RDC12 (idem, p. 1).

No início do documento são definidos os conceitos de prevenção de conflitos, restabelecimento da paz (peacemaking), manutenção da paz (peacekeeping) e consolidação da paz (peacebuilding), que compõem as ações fundamentais das operações de paz das Nações Unidas. A prevenção de conflitos aborda as fontes estruturais do conflito, a fim de construir uma base sólida para a paz. Esta medida tem por objetivo evitar a eclosão do conflito em violência ou impedir o seu reacendimento através de iniciativas diplomáticas, presentes no Artigo 33.º do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, como a diplomacia preventiva, a mediação, negociação e conciliação. Tal ação preventiva é por definição uma atividade de baixo perfil, pois quando bem-sucedida pode até passar despercebida. Já o restabelecimento da paz, apesar de empregar o mesmo leque de opções anterior, aborda os conflitos em curso na tentativa de conduzi-los a uma cessação, acrescentando medidas de natureza jurídica como o estabelecimento de acordos de paz ou cessar-fogo (idem, p. 2; Fernandes, 2011).

A terceira linha de ação pressupõe um apoio logístico, militar, financeiro e humanitário a países em conflito que almejem o caminho de transição para a paz. Isto implica a utilização de ferramentas eficazes como as operações de apoio à paz, que, segundo Marrak Goulding, são “operações estabelecidas pelas Nações Unidas, com o consentimento das partes interessadas, para ajudar a controlar e resolver os conflitos entre elas, sob comando e controlo da ONU, custeadas coletivamente pelos Estados-membros, e integrando pessoal militar e outro, bem como equipamentos fornecidos voluntariamente por aqueles, atuando imparcialmente para com as partes e utilizando

11 A Guerra Civil da Serra Leoa começou em 1991 pela Frente Revolucionária Unida que lutava para

derrubar o governo central do país. Em 1999, os líderes mundiais tentaram estabelecer a paz no país por meio de conversações entre as partes, que resultou na assinatura do Acordo de Paz de Lomé. Em maio de 2000, os rebeldes avançaram novamente sobre a capital, levando o governo britânico a intervir através do envio de uma força de combate para salvar a missão da ONU e reestabelecer a ordem no país.

12 Que na altura chegou mesmo a ser ampliada devido ao ambiente complexo do conflito (ver tópico 2.1.

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