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Políticas Públicas e Produtos Locais: a não inserção do açaí (Euterpe Oleracea Mart.) na Alimentação Escolar no Estuário Amazônico

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POLÍTICAS PÚBLICAS E PRODUTOS

LOCAIS: A NÃO INSERÇÃO

DO AÇAÍ (EUTERPE OLERACEA MART.)

NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

NO ESTUÁRIO AMAZÔNICO*

LÍVIA NAVEGANTES ALVES, LUIZA DE NAZARÉ MASTOP DE LIMA***, ANA PAULA DIAS COSTA****

O

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem por objetivo tam-bém o de contribuir para a “... formação de hábitos saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período em que permanecem na esco-la.” (BRASIL, 2014, p. 10), de forma a dinamizar a economia local, respeitando hábitos alimentares e a agricultura locais. Outro marco do PNAE, que deveria favorecer mais efetivamente a inserção de produtos locais na alimentação escolar, é decretado pela lei 11.947 de 2009, que estabelece que no mínimo 30% da aquisição de gêneros alimentícios Resumo: o objetivo desse artigo é analisar as dificuldades de inserção na alimentação escolar do açaí produzido localmente. No estuário amazônico, os cardápios escolares são, geralmente, baseados em produtos industrializados, produzidos em outros estados, o que gera descontenta-mento da sociedade local. As principais dificuldades identificadas foram: frágil organização social, falta de estrutura das instituições locais e retardo dos processos democráticos locais. Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Ribeirinhos. Hábitos Alimentares. Igarapé-Miri. Baixo Tocantins.

* Recebido em: 09.01.2015. Aprovado em: 19.02.2015. .

** Doutora em Agroescossistemas por SUPAGRO-Montpellier (FR). Professora do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural (NCADR) da Universidade Federal do Pará. E-mail: lnavegantes@ufpa.br. *** Doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia/UFPA. Professora do

Instituto de Estudos em Desenvolvimento Agrário e Regional. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). E-mail: luizamastop@unifesspa.edu.br.

**** Mestranda em Agricultura familiar e Desenvolvimento Sustentável pela UFPA-NCADR. E-mail: apd. costa@terra.com.br

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da alimentação escolar devem ser provenientes da agricultura familiar local. No entanto, tem-se observado que este marco tem apresentado dificuldades para ser alcançado em diversos locais, como é o caso do problema da não inserção do açaí na alimentação escolar no estuário amazônico.

O açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.) é uma das espécies vegetais mais importantes para as populações do baixo Amazonas e da região do estuário, indo desde seu uso coti-diano enquanto alimento cercado de múltiplas prescrições até a construção da identidade regional, passando pelo consumo como motivo estético amplo (música, poesia, crônica, paisagismo, cor), na edificação de instalações provisórias, na medicina tradicional, dentre outros (XIMENES, 2013). Essa palmeira, nativa da Amazônia, encontra-se distribuída naturalmente, de maneira mais densa, na área estuarina do Amazonas, às margens de rios e igarapés (CALZAVARA, 1972). O açaí se destaca como principal alimento de grande parte das famílias ribeirinhas, sendo também importante para a população dos centros urbanos da região.

Ademais, o fruto do açaí apresenta excelente valor nutricional. Quando comparado a outros alimentos, apresenta quantidades significativas de Omega 6 e Omega 9, além de ele-vado valor em energia, fibras, vitamina E, proteínas e minerais, como magnésio, ferro, zinco cobre e cromo (PORTINHO; ZIMMERMANN; BRUCK, 2012). Na forma liofilizada, o açaí apresenta-se altamente calórico (489,39 kcal/100g e 42,53% de carboidratos totais), com teor lipídico em torno de 40,75% e teor proteico de 8,13g /100g (MENEZES; TORRES; SRUR, 2008).

Atualmente, a produção de açaí por ribeirinhos não se constitui apenas como sis-tema de coleta de frutos, mas envolve uma gama de técnicas cada vez mais intensivas e com-plexas. Brondizio (2008) descreve-as detalhadamente e conclui que as formas de manejo de açaizais por ribeirinhos no estuário amazônico se caracteriza muito mais como um sistema agrícola do que extrativista, rompendo, assim, com o paradigma de que os ribeirinhos não usariam técnicas complexas de manejo e gestão dos recursos naturais. Assim, a produtividade dos açaizais é elevada, podendo chegar a 46.875 kg de frutos/ha (ROGEZ, 2000), consti-tuindo-se em 70% da formação da renda dos extrativistas ribeirinhos do estuário amazônico (NOGUEIRA et al., 2013).

Apesar da importância do açaí para povos tradicionais e não tradicionais na Ama-zônia, esse produto não tem conseguido ser incluído no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE (popularmente conhecido como Merenda Escolar). Isso vem ocorrendo ape-sar da proporção que vem assumindo o PNAE e de seus avanços, ocorridos principalmente a partir de 2003, devido ao seu impulso pelo programa estratégico do governo federal deno-minado Fome Zero, demonstrado pelo aumento de 112% dos recursos aplicados entre 2003 e 2009 (FNDE, 2015). Outro marco do PNAE, que deveria favorecer mais efetivamente a inserção de produtos locais, é decretado pela lei 11.947 de 2009, que estabelece que no míni-mo 30% da aquisição de gêneros alimentícios da alimentação escolar devem ser provenientes da agricultura familiar local.

A inserção do açaí na alimentação escolar poderia contribuir decisivamente na di-namização do desenvolvimento local sustentável, na valorização de tradições e conhecimentos alimentares e produtivos, no fortalecimento das organizações coletivas (como as cooperativas que já estão constituídas e que já organizam o acesso coletivo a mercados). Esta valorização das tradições alimentares poderia chegar às escolas da cidade, uma vez que o açaí, na

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Ama-zônia, é consumido tanto no meio rural quanto no urbano. Além do mais, isso poderia abrir caminhos e quebrar as barreiras para entrada na merenda escolar de outros produtos oriundos da agricultura familiar, especialmente aqueles típicos da Amazônia: como o peixe, o cupuaçu (Theobroma grandiflora) a a castanha do Pará (Bertholletia excelsa) e outros.

Nesse artigo propõe-se a analisar as dificuldades de inserção na alimentação escolar do açaí produzido localmente no estuário amazônico. Para tanto, demonstra-se inicialmente quais as principais produções regionais e que o açaí não está presente nos cardápios escolares. Procede-se, em seguida, a análise da relação que se estabelece entre o Estado e os produtores locais, por meio da política de aquisição de alimentos.

METODOLOGIA

Esse artigo surgiu de reivindicações de ribeirinhos e suas organizações quanto à inserção do açaí na alimentação escolar, conforme discorreremos nos tópicos a seguir. Essa demanda foi levantada pela inserção dos autores em comunidades ribeirinhas do estuário amazônico, o que vem proporcionando diálogos constantes com esses sujeitos, através de reuniões e conversas, possibilitadas por vivências nas comunidades. O trabalho com esse grupo social envolve uma série de projetos de pesquisa, de monografias de es-pecialização e dissertações de mestrado, todos vinculados ao Programa de Pós-graduação em Agriculturas Amazônicas, da Universidade Federal do Pará - UFPA. Essas pesquisas vêm sendo realizadas desde 2012, prosseguindo até o momento, tendo-se perspectivas de continuidade.

Além disso, as análises apoiam-se em informações tanto qualitativas quanto quan-titativas, baseadas em coleta de dados secundários e primários, obtidas através dos métodos descritos abaixo, e fundamentadas no ponto de vista pessoal das autoras quanto à situação agrária regional e local.

A área de estudo está localizada no estuário amazônico, mais especificamente no município de Igarapé-Miri, na microrregião geográfica de Cametá, conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e conhecida localmente como o Baixo Tocantins. Essa microrregião está inserida na região Nordeste Paraense, que também se cons-titui em escala de análise, quando em referência a uma abordagem mais ampla do contexto agrário regional. Na escala local, se trabalhou em comunidades localizadas ao longo do Rio Santo Antônio, ou em suas proximidades.

Foram levantados dados sobre a aquisição de alimentos para a alimentação escolar no Nordeste Paraense, junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Foram também levantados dados do IBGE, referentes à produção agrícola regional.

Dessa forma, identificou-se o município de Igarapé-Miri como foco desse estudo. Esse município foi selecionado por estar dentro da zona onde a produção de açaí é importan-te, e ao mesmo tempo por ter uma produção agrícola diversificada e elevada, quando compa-rada com outros municípios da mesma microrregião.

Foram realizadas entrevistas com informantes-chave diretamente envolvidos na compra de alimentos para as escolas, no município de Igarapé-Miri, no Baixo Tocantins, entre 2014 e início de 2015. Assim, foram entrevistados os secretários de educação e de agri-cultura desse município, a nutricionista e um agente administrativo responsável pela

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chama-da pública para aquisição de alimentos e pela prestação de contas ao FNDE. O objetivo chama-das entrevistas era identificar como eram selecionados os produtos que comporiam os cardápios escolares, como funcionavam os instrumentos de compra e qual sua relação com o que era produzido e tradicionalmente consumido pela população local.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A Produção Regional de Alimentos

No Nordeste Paraense a produção agrícola é baseada em estabelecimentos familia-res. Os dois únicos produtos de importância regional que não são provenientes, preponde-rantemente, dessa categoria de produtor é a carne bovina e o dendê (Elaeis guianeensis). Por se tratar da região de colonização mais antiga do estado do Pará, com relação a outras regiões, ela possui uma situação fundiária melhor definida e, em geral, uma infraestrutura mais desen-volvida. Apesar de esses dois aspectos ainda apresentarem forte limite para o desenvolvimento agrícola regional.

Os aspectos socioeconômicos influenciam fortemente um quadro de produção agrí-cola onde as culturas de ciclo curto apresentam-se com maior destaque. Porém, a diversidade sociocultural de cada local, aliada a uma diversidade de ecossistemas naturais, determinam uma diversidade produtiva. Nos dois ecossistemas naturais preponderantes regionalmente (as florestas de terra firme e de várzea) destacam-se diferentes produtos, com significados especí-ficos e importantes quanto aos modos de vida e hábitos alimentares, como é o caso da farinha de mandioca e do açaí, respectivamente.

Em termos de área colhida, a mandioca (Manihot esculenta) se destaca como prin-cipal produto regional (Figura 1). Do total da área plantada no Nordeste Paraense, 43% eram ocupados por mandioca, em 2012. Praticamente a totalidade da mandioca produzida é destinada a fabricação de farinha, destinada à alimentação humana, diferindo de grande parte da mandioca produzida no restante do país, destinada a fécula para alimentação animal ou a polvilho. A maioria da farinha de mandioca é produzida de forma bastante rudimentar e manual, em “casas de farinha” localizadas nos lotes dos agricultores, que realizam o proces-samento. O elevado consumo diário de farinha de mandioca é um hábito comum tanto no interior como nos centros urbanos.

Afora o dendê (Elaeis guianeensis)., depois da área colhida de mandioca aparecem as áreas de milho (Zea mays) e feijão regional (Vigna unguiculata) (Figura 1). Portanto, as lavou-ras temporárias têm projeção regional, o que é característico de um tipo comum de agricul-tura familiar que prioriza a produção voltada para o consumo. Esses cultivos são produzidos no sistema de corte-queima, com produção itinerante e em áreas reduzidas (entre 1 e 5 ha) em termos individuais. Porém, como as culturas temporárias estão presentes na maioria dos estabelecimentos agrícolas familiares, a área total é bastante extensa. Com efeito, somando a área colhida de todos os tipos de lavoura temporária, se obtém uma distribuição espacial maior que 60% da superfície de área colhida no Nordeste Paraense.

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Figura 1: Distribuição da área colhida da lavoura temporária e permanente no Nordeste Paraense, em 2012

Fonte: IBGE (2015). Nota: elaborado pelos autores.

Com relação às culturas perenes, ou semiperenes, as frutíferas se destacam. Poden-do se tratar tanto de espécies originárias da região, como de espécies introduzidas. Em termos de espécies nativas, se sobressaem o açaí (Euterpe olerecea), cupuaçu, (Theobroma gradiflora) cacau (Theobroma cacao) e a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa). Porém, somente o cacau aparece no gráfico 1, pois essa é a única espécie cuja produção é baseada em cultivos racionais, segundo a classificação dos órgãos de estatística oficiais, as demais são consideradas como oriundas do extrativismo, e, portanto, não são contabilizadas em termos de área plantada e colhida. Ressalta-se ainda que muitos produtos do extrativismo local não são contabilizados oficialmente, como é o caso da pupunha (Bactris gasipaes), do biribá (Rollinia mucosa) e do piquiá (Caryocar villosum), entre outros.

Existe grande divergência entre os dados estatísticos oficiais relativos à produção de açaí, assim como pode ocorrer com outros produtos agrícolas. Porém, não há nenhum cadas-tro ou fiscalização da produção de açaí, e a maior parte da comercialização é informal. Assim, segundo dados do IBGE (2015), a produção paraense de açaí, em 2013, foi de 111.073 to-neladas, e 109.345 t, em 2011, já a SAGRI (2011), que não realiza pesquisas regularmente, estimava a produção anual em 706.000 toneladas, uma diferença de 645%, comparando-se os mesmos anos. Contudo, há consenso quanto ao Pará ser o maior produtor brasileiro de açaí (detendo pouco mais de 50% da produção), e dentro do estado, a região do estuário amazônico se destaca pela elevada produção (aproximadamente 75% da produção paraense). A falta de informação oficial quanto à produção rural, ou sua inconsistência, cons-titui-se em importante obstáculo para que os resultados das políticas públicas favoreçam os produtos locais. Dessa forma, tanto o planejamento como o controle das ações públicas ficam comprometidos.

As contradições entre as políticas de estímulo a produção agrícola regional tam-bém desfavorece os produtos locais. Essas políticas são determinantes dos rumos da dinâmica agrícola. O estímulo à produção de dendê na Amazônia é emblemático dessas contradições

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políticas, e vai ao encontro às constatações de Almeida (2012) quanto ao interesse do Estado em atender um crescimento econômico baseado principalmente em commodities minerais e agrícolas. Como efeito, a produção de dendê no Nordeste do Pará teve um aumento da ordem de 100%, entre os anos 2000 e 2010 (IBGE, 2015), apoiada pelo Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNBP, juntamente com outras políticas.

Por outro lado, são instituídas políticas federais, como o PNAE, que pretendem ser promotoras da inclusão social, das tradições, dos direitos das populações locais, e de uma produção sustentável. Dentre os objetivos do PNAE está a dinamização da economia local e o respeito aos hábitos alimentares e a vocação agrícola locais (BRASIL, 2006). Po-rém, no Baixo Tocantins, esse programa não tem inserido os principais produtos locais: o açaí e a farinha de mandioca.

A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NÃO INCLUI OS PRODUTOS LOCAIS

No município de Igarapé-Miri, a alimentação escolar não inclui o açaí e a farinha de mandioca, o que é uma situação bastante comum aos outros municípios da região. O cardápio é composto, principalmente, por produtos industrializados, oriundos de outros estados. Os alimentos mais frequentes, nas refeições institucionalmente planejadas, são: arroz, ma-carrão, açúcar, leite, frango, biscoito, ovo, salsicha e feijão. O feijão servido nas escolas, conhecido localmente como “feijão do sul” (Phaseolus vulgaris), é de espécie diferente da-quele produzido na região, denominado localmente de “feijão da colônia” ou “trepa pau” (Vigna unguiculata).

A alimentação escolar não valoriza os produtos locais e, dessa forma, pode estar contribuindo para a desvalorização de identidades sociais, ainda mais por estar presente no dia-a-dia de crianças e jovens. Apoiando essa argumentação, Da Matta (1986) faz a dis-tinção entre alimento e comida. Para esse autor, alimento é universal e geral, o que significa que é relativo somente ao aspecto nutritivo. Por outro lado, comida ajuda a estabelecer uma identidade e é determinada culturalmente. Como fala Sinico1, um dos interlocutores da nos-sa pesquinos-sa, “o açaí é tudo para nós: é nosnos-sa comida, nosnos-sa renda, é nosnos-sa vida!”, em outros momentos ele diz: “o açaí é a força do ribeirinho”.

Os argumentos dos técnicos responsáveis pela execução da política no município de Igarapé-Miri podem ser distinguidos em dois pontos de vista: 1) o da saúde – voltado para o balanço dos nutrientes e para aspectos relativos à higiene da matéria prima; 2) o econômico – centrado nos preços, na escala e regularidade do fornecimento. Além disso, a burocracia dos editais públicos impediria a fragmentação das compras e exigiria uma série de documentação dos fornecedores, o que inviabilizaria o acesso dos agricultores familiares a mercados institu-cionais.

A observância exclusiva dos aspectos acima referidos pode, de fato, dificultar muito a inserção de produtos locais na alimentação escolar. Porém, a própria legislação que rege o PNAE vem flexibilizando as normas de aquisição de alimentos provenientes de agricultores familiares locais, em uma postura clara de apoio a essa categoria social. De fato, um avanço expressivo da lei 11.947, de 2009, é a dispensa do processo licitatório para fornecedores cate-gorizados como agricultores familiares. Além disso, as resoluções que amparam e aperfeiçoam essa lei, lançadas frequentemente, vêm cada vez mais proporcionando maior aproximação en-tre as exigências formais de acesso a mercados institucionais e as condições reais dos

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agricul-tores familiares e suas organizações. Dessa forma, por exemplo, os fornecedores não precisam mais estar organizados em grupos formais, com entidade jurídica, sendo aceito fornecedores individuais, a partir da Resolução CD/FNDE nº 26, de 2013. Assim como já era possível a obtenção de alimentos provenientes de os grupos informais de agricultores familiares.

Porém, na Amazônia, muitos municípios não estão preparados para acompanhar os avanços recentes do PNAE, e/ou não tem interesse em fazê-lo. A fragilidade das instituições é claramente mais importante no nível municipal do que no nível federal. As infraestruturas são precárias, com contingente acesso à internet, o que dificulta a comunicação e a infor-mação. Existem também obstáculos quanto a atualização e continuidade do corpo técnico, além do difícil controle social e do profundo enraizamento de práticas políticas autoritárias e elitistas. Portanto, o problema está para além das questões estruturais das instituições locais, mas os processos democrático também precisa avançar, inclusive quanto a aprendizagem das organizações sociais quanto ao seu protagonismo.

Nessa linha, Triches e Schneider (2010) demonstraram a importância da coesão e da interação social local na efetivação dessas políticas. Esses autores, ao estudarem o PNAE no Rio Grande do Sul, observaram com resultado dessa política o fomento de práticas de produção consideradas menos nocivas e uma revitalização das perspectivas produtivas dos agricultores familiares diante da abertura de mercados institucionais.

Apesar dos avanços em termos de concepção do PNAE, no sentido de apoiar a aproximação entre consumidores e produtores no nível local (TRICHES; SCHNEIDER, 2010), os resultados no Baixo Tocantins não tem conseguido favorecer a produção local de alimentos por agricultores familiares.

Tanto os cardápios das escolas quanto os números relativos à aquisição de alimentos pelo PNAE demonstram essa fragilidade dos resultados. Segundo dados da prestação de con-tas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (2015), foram adquiridos pelo PNAE, no Nordeste do Pará, um total de R$ 2,84 milhões em produtos da agricultura familiar, em 2013, cerca de 23% do montante total repassado para a compra da alimentação escolar. Na região do Baixo Tocantins, a proporção de compra de alimentos oriundos da agri-cultura familiar é ainda menor, 22,4% do montante total. Porém, em dois municípios dessa região esse montante não chegou nem a 5% do total.

A DEMANDA DOS RIBEIRINHOS PELA INSERÇÃO DO AÇAÍ NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

Foi-nos expresso pelos ribeirinhos de Igarapé-Miri um grande descontentamento com os alimentos servidos na merenda escolar, relativo ao fato dos produtos servidos serem industrializados, não serem produzidos na região e não respeitarem a tradição alimentar local. A maior reivindicação é focada na inserção do açaí na merenda, uma vez que esse é o produto mais importante dos ribeirinhos. As crianças que moram nas proximidades da escola costu-mam ir de canoa para casa, no intervalo das aulas, para poderem merendar o açaí.

O açaí consumido e processado tradicionalmente pelos ribeirinhos tem um signi-ficado único naquele contexto e para aquele grupo social. O açaí está interligado à própria maneira de comer e à concepção do que é para os ribeirinhos uma refeição de qualidade. Reiteradamente ouve-se dos ribeirinhos: “não sei comer sem açaí”. O açaí é o que torna uma refeição completa e boa. É mais do que um hábito alimentar, ele faz parte da própria

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identi-dade social do ribeirinho, que afirma “não saber viver sem açaí”, ou seja, o açaí à mesa é um indicador de qualidade de vida para os ribeirinhos..

Os ribeirinhos são um grupo socialmente diferenciado, que expressa sua identidade também a partir da produção do açaí. O açaí seria então um marcador social da diferença (STARLING; SCHWARCZ, 2005-2006) entre este e outros grupos que compõem a socie-dade regional. Isso explica o descontentamento dos ribeirinhos em não ter seu produto em-blemático valorizado pelas políticas públicas, e por não estar presente nas escolas frequentadas por seus filhos.

As lideranças sociais dos ribeirinhos conhecem seus direitos quanto à inserção de seus produtos na alimentação escolar, através do PNAE, e identificam que esses direitos não vêm sendo cumpridos. No entanto, individualmente poucos ribeirinhos conhecem esses di-reitos. Desse modo, o desafio coletivo de acessar as políticas públicas fica fragilizado. Mesmo assim, observa-se o início de um movimento de mudança de comportamento dos ribeirinhos em reivindicar a inserção do açaí na merenda escolar, expresso, em primeiro plano, por seu descontentamento com a conjuntura atual e a identificação de um objetivo comum de trans-formação, embasados na identidade coletiva em torno do açaí.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Amazônia, a não inserção do açaí na alimentação escolar é inconcebível, uma vez que, esse é um dos produtos mais emblemáticos dessa região e responde às diretrizes da política de alimentação escolar, quanto ao respeito às tradições alimentares, ao valor nutritivo e dinamização da socioeconomia local.

Mostramos o apelo local dos ribeirinhos para que o açaí faça parte da merenda de seus filhos nas escolas. Porém, a coesão e a interação social desse grupo precisa avançar para desafiar coletivamente o poder local e garantir seus diretos. Para isso, é importante que te-nham mais acesso a informação, sendo a comunicação entre eles e com as lideranças de suas organizações uma via possível. Contudo, esses avanços na organização social local precisam interagir e contar com a participação dos diferentes níveis de poder político, tanto municipal, mas também o estadual e federal, para efetivar mudanças no acesso às políticas.

Por outro lado, consideramos como maior dificuldade para a promoção da aqui-sição governamental de alimentos, de forma mais favorável para os ribeirinhos do estuário amazônico, a falta de estrutura das instituições locais e a imaturidade do processo democrá-tico local. Apesar dos avanços na concepção teórica do PNAE, quanto à aspectos relativos ao controle social, apoio à agricultura familiar local, respeito à aspectos culturais e desburocrati-zação, os resultados ainda estão longe do esperado por grande parte da sociedade local. Por-tanto, a concepção e descentralização da política não é suficiente, ela precisa estar adaptada ao contexto sociopolítico local, que por sua vez pode ser modificado e contribuir para modificar a política em si.

PUBLIC POLICY AND LOCAL PRODUCTS: FAILURE TO INTEGRATE AÇAÍ (Euterpe oleracea Mart.) INTO SCHOOL LUNCH PROGRAMS IN THE AMAZON ESTUARY Abstract: in this paper, we look to analyze the difficulties associated with integrating locally pro-duced açaí into school meal programs. In amazona estuary, school menus are currently based on

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processed foods produced in other states, a fact that generates discontent in the local society. The main difficulties identified were fragile social organization, lack of structure within local institu-tions, and delays in local democratic processes.

Keywords: National school lunch program (PNAE). Riverine communities. Eating habits. Igara-pé-Miri. Baixo Tocantins. 

Nota

1 Como é conhecido um ribeirinho, morador da comunidade Santo Antônio, localizada à margem do rio de mesmo nome, em Igarapé-Miri (PA). Ele é casado, nasceu e cresceu nessa comunidade, tem 56 anos e quatro filhos.

Referências

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Imagem

Figura 1: Distribuição da área colhida da lavoura temporária e permanente no Nordeste Paraense, em 2012 Fonte: IBGE (2015).

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