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UNIÃO ESTÁVEL*

EURIDES DIVINO VAZ**

FUNDAMENTAÇÃO PSICOLÓGICA

P

assamos a partir de agora a uma fundamentação psicológica sobre a união estável, defendendo a tese de que para o homem Deus criou umamulher. Iniciamos com a afirmação de um índio americano:“Dentro de todo homem existe o reflexo de

Resumo: este artigo busca refletir como o plano originário de Deus sobre a união estável,

sem querer discriminar ninguém ou mesmo condenar as pessoas que estão optando pela união com pessoas do mesmo sexo, também acontece em relação à integração interior entre ‘anima’ e ‘animus’. O ‘animus’ é a integração interior presente na mulher e a ‘anima’ é, por sua vez, a integração interior presente no homem. Quando os dois se encontram se dá o caminho da individuação, onde uma vez integrados, há o complemento originário entre os seres humanos criados por Deus. Mas isso não quer dizer que, a partir do encontro, a integração se dará de modo perfeito. Quando a desintegração acontece homem e mulher são chamados à reintegração.

Palavras-chave: Anima. Animus. Integração. Individuação. Desintegração

* Recebido em: 16.01.2012. Aprovado em: 17.02.2012.

** Doutor em Teologia com Especialização em Bíblia pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Mestre em Exegese pelo Pontifício Instituto Bíblico. Contador. Professor de Exegese e Teologia no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, do Seminário Santa Cruz e na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Empresário. Autor de vários livros e artigos acessados através da digitação de seu nome completo no Google. E-mail: eurides@libero.it.

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uma mulher, edentro de cada mulher existe o reflexo de um homem” (STORM,1962, p.14). Esta não era uma tese defendida apenas por ele,mas uma crença antiga dentro das tribos indígenas americanas. No fundo, trata-se de uma interiorização natural que está presente no homem e na mulher, desde que foram criados um para o outro (Gn 2,18).

Depois de muito se observar o relacionamento entre homeme mulher nas tribos, os povos indígenas chegaram a estaconclusão. Para eles o homem não está sozinho, mas carrega-dentro de si uma interiorização feminina. O mesmo acontececom a mulher que se comple-menta pela interiorizaçãomasculina, a qual é parte integrante do seu coração.

Na antiguidade existiam muitos alquimistas quedefendiam a mesma tese: “Nosso herma-frodito adâmico,embora se apresente sob forma masculina, carrega consigoEva, ou parte feminina oculta em seu corpo”. A palavrahermafrodita é originária da cultura grega, sendo formada pela jun-çãode Hermes e Afrodite. Trata-se do deus Hermes e da deusa Afrodite, que fazem parte da cultura grega. Isso confirma a fundamentação bíblicaonde Deus criou para Adão um complemento: “Não é bomque o homem esteja só, vou fazer para ele um complementoque lhe corresponda” (Gn 2,18).

Desse modo, para os antigosalquimistas, o homem não é apenas um ser masculi-no, poispossui uma alma gêmea que o complementa. Por maismachão que o homem queira apresentar-se, ‘no fundo’ elepossui uma interiorização feminina. Se ele a nega, maismachão ele pode se revelar, mas isso o impossibilita dechegar à sua integração.A própria Bíblia confir-ma o plano da criação: “Nodia em que Deus criou Adão, ele o fez à iconfir-magem de Deus.Criou-os macho e fêmea. Abençoou-lhes e deu-lhes onome de Homem” (Gn 1,27).

O primeiro homem, então, foiformado segundo uma integração entre o masculino e ofeminino. Integração que só foi perdida com a desobediênciaoriginária. E a mulher não foi formada de modo diferente:“Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, eeste adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou acarne em seu lugar” (Gn 2,21). Deus os forma usando parte de um no outro para confirmar que são partes integrantes entre si. Os dois são chamados à uniãoexterior porque interiormente já estão integrados: “Portanto-deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e se unirá à suamulher, e serão ambos uma só carne” (Gn 2,24). No encontro eles se tornam uma só carne, justamente porque no início já foram criados assim: um como carne do outro (Gn 2,21).

Assim, se no início os dois estavam unidos e não conheciama desintegração, ela surge por meio da desobediênciaoriginária (VAZ, 2004, p.10). Por isso, um sente a falta do outro: “Ela se estáaproximando cada vez mais de mim, e eu acordo com elacomo se fosse com a minha própria esposa” (ELIADE, 1974,p.72). Na verdade, os dois estão unidos inte-riormente desdeque foram formados um para o outro. E mesmo antes da uniãomatrimonial realizada publicamente, um sente o complementoque o outro lhe proporciona.

O ser humano é, então, um ser andrógeno. A palavraandrógeno quer dizer, em gre-go, homem (andros) e mulher(gynos). O que é confirmado pelo filósofo russo Berdyaev(1960, p. 61-2):“O homem é não só um ser sexual, mas igualmente um ser bissexual, quecombina em si o princípio masculino e o feminino em proporções diferentes e,não raro, mediante um duplo conflito. O homem em que o princípio femininoestivesse completamente ausente seria um ser abstrato, inteiramenteseparado do elemento cósmico. A mulher em que o princípio masculinoestivesse completamente ausente não seria uma personalidade... Somente aunião desses dois princípios é que constitui o ser humano completo. A uniãodeles se realiza em todo homem e em toda mulher, dentro de sua naturezabissexual, andrógina, e isto ocorre também através da inter-comunhão entreas duas naturezas, a masculina e a feminina”.

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O que significa que homem e mulher foram criados para uma integração entre si. Quando não se sentem chamados a buscar essa integração entre si, se dá a desintegração em relação à própria natureza originária.

Os chineses preferem falar por meio de imagens conhecidas como Yang e Yin. Yang é representado por bandeiras ondulando ao sol. É o mesmo que algo que brilha sobre alguma coisa, ou que possui uma luminosidade própria. Yang representa o masculino designado pelo céu, pelo firmamento, pelo brilho, pela criatividade. Yin é o nublado, o obscuro. Representa o feminino designado pela terra, pelo escuro, úmido e receptivo. Yang é o lado sul da montanha onde brilha o sol, e o lado norte do rio. Yin, por sua vez, é o lado norte da montanha e o lado sul do rio (I CHING, 1984, p.84).

Segundo os chineses Yang e Yin não representam apenas o masculino e o feminino, mas também os dois pólos espirituais onde gira toda a vida. A integração masculina presente no homem e a integração feminina presente na mulher não é apenas uma constatação antiga.

Na modernidade, o psicólogo alemão C.G. Jung procurouretomar tal tese. E o fez chamando o oposto presente namulher de animus e, aquele presente no homem, de anima. O que é conhecido também como “lado” feminino e “lado”masculino.Não é difícil compre-ender isso se vimos que Deus, chegando à conclusão que não é bom que o homem esteja só, gerou um do outro, ou se quiser, um para integrar o outro. Os dois pólos, masculino e femi-nino, ou animus e anima,podem se integrar ou não.

Portanto, é fundamental o conhecimento de si mesmo, pois muitas pessoas vivem na superficialidade. Não se conhecem em profundidade. Devido à agitação, ao barulho, às so-licitações da sociedade de consumo, da busca de vantagens e do gozo à vida não empreendem essa necessária viagem ao fundo do coração. Não se conhecem. Um velho e antigo adágio diz: “A sabedoria vem do conhecimento de si mesmo” (CNBB, 57). Conhecer-se a si mesmo nada mais é do que buscar uma integração própria, caminhar rumo à individuação, numa palavra, ser perfeito, como Jesus, Deus feito homem é perfeito (VAZ, 2005, p.15).

A integração dos pólos, segundo Jung, é chamada de“obra-prima” (JUNG, 1953, p.29). Trata-se de uma obra que o serhumano é chamado a desenvolver durante toda a sua vida e,ela nunca estará pronta e acabada por causa da desintegraçãooriginária: “Como se vê, a normalidade cristã é integração. Éharmonia, síntese entre o elemento natural e o sobrenatu-ral.Não é só ausência de sintomas ou de dificuldade de trabalhar,amar e sentir alegria de viver (normalidade clínica)” (MANENTI,1998, p.121). É normalidade vivida através da união es-tável entre homem e mulher, segundo o plano originário de Deus que continua e continuará valendo, inalterável aos seus olhos.

Contudo, na Idade Média não era possível falar daanima e do animus como partes integrantes da personalidadehumana:“Quando um homem descobria uma anima, ele con-servava isso em segredo,para que o juiz não o mandasse queimar como uma feiticeira. Ou, se umamulher descobrisse um animus, e este homem fosse destinado a ser umsanto, ou um salvador, um grande médico ou curandeiro... Somente agora,através do processo analítico, é que a anima e o animus, que antes ficavamsempre fora da jogada, estão começando a apare-cer, transformados emfunções psicológicas” (JUNG, 1965, p.1-25). O que ajudam o homem e a mulher a compreender a si mesmo, buscando a viver integrados de acordo com o plano originário, onde para cada homem Deus criou uma mulher.

Mas o que seria a anima e o animus para Jung? A animapara ele nada mais é do que o complemento masculinopara o homem. O animus, por sua vez, é o complementofeminino

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para a mulher: “Chamei este elemento masculinona mulher de animus e o elemento feminino correspondenteno homem de anima” (JUNG, 1970, p.177). Ele define o que é aanima para o homem: “A anima é a personificação de todasas tendências psicológicas femininas na psique do homem,os humores e sentimentos instáveis” (JUNG, 1985, p.177).

ParaJung trata-se até mesmo de uma questão genética: “A animaé uma forma arque-típica, que expressa o fato de que umhomem possui algo que não desaparece nele” (JUNG, 1977,p.88). A mulher, por sua vez, também possui uma minoria degenes masculinos. Justa-mente porque Deus criou um do outro (Gn 2,18).

O relacionamento entre o homem e a mulher podeacontecer também mediante projeções. O homem podeprojetar a sua anima numa mulher que não seja a sua outrameta-de no universo. Quando a mulher sente que um homemprojetou nela a sua anima, pooutrameta-de se sentir lisonjeada, orgulhosa,enfim, cheia de si. Principalmente diante de outras pessoas que-reconhecem aquele homem como uma pessoa importante nasociedade. Ela fica cega e não consegue ver mais nada ao ser redor. Por cegueira aqui se deve entender não o fato da pessoa perder a visão fisicamente falando, mas sim ver, mas não conseguir enxergar mais nada além de sua projeção.

Por isso, a projeção pode se tornar pegajosa. O homem,percebendo isso, poderá “declarar-lhe com impaciência queela está vendo, no relacionamento, mais coisas do que as querealmente existem” (CASTILLEJO, 1943, p.174). Ele não se sente à vontade, justamente porque percebe que não é a sua alma gêmea. A não ser que ele corresponda à projeção e tam-bém se sinta lisonjeado, passando a viver de modo surdo. Por surdez aqui se entende o fato de não ouvir mais ninguém, a não ser aquela que projetou nele a sua anima, e, às vezes, nem mesmo ela.

Jung se sentia emposição desagradável quando isso acontecia:“Quando alguém pro-jeta o animus sobre mim, sinto-me como se fosse umtúmulo com um cadáver dentro, um peso morto peculiar, sou como umdesses sepulcros de que Jesus fala, com toda espécie de vermes por dentro. E,além disso, positivamente o cadáver de mim mesmo, de modo que se tornaimpossível sentir a própria vida. Uma real projeção do animus é assassina,porque a gente se transforma no local em que o animus é sepultado; e ele ésepultado exatamente como os ovos de uma vespa no corpo de uma lagarta,e quando os filhotes saem começam a se comer por dentro, o que é muitonocivo” (JUNG, 1976, p.493).

A referência a sepulcros caiados feita por Jesus é assim: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcroscaiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” (Mt 23,27-28). A pessoa que não percebe a possessão da anima passa a apresentar-se por fora, aquilo que realmente não é por dentro e, se deixa levar pela se-dução. O ditado popular afirma desse modo: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. Nesse sentido ela fica muda no caminho da integração. Por mudez se compreende o fato da pessoa não quer falar mais nada com ninguém a respeito da projeção que está vivendo, pois só tem voz para a pessoa cuja anima foi projetada.

Isto acontece quando a mulher que aparece não é aquelaúnica criada por Deus para complementar um único homem.Contudo, pode se tratar até mesmo de sua alma gêmea tornando-sedependente dele. Isso confirma que a integração só é possívelcom aquele que é único para a mulher (Gn 2,18). Mas cada um deve,antes de tudo, buscar uma integração

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consigo mesmo, para quea integração anima e animus seja verdadeira. O que é chamado por Jung de processo de individuação.

Dante é um exemplo de que a história conhece sobre a projeçãode animano sen-tido positivo. Ele conheceu sua anima logo cedo, aos nove anos deidade. Beatriz tinha a mesma idade dele. Ele se enamorou dela àprimeira vista. Os detalhes do encontro não foram esquecidos:“Sua roupa naquele dia era de uma cor muito nobre, um leve e belo tom decarme-zim, enfeitado e bordado de maneira adequada à sua tenra idade.A tal momento, devo dizer com o máximo de verdade que o espírito devida, que habita o quarto mais secreto do cora-ção, começou a tremer tãoviolentamente que as mínimas pulsações do meu corpo ficaram abaladas;e tremendo, eu disse estas palavras: ecce deus fortior me, quiveniensdominabitur-mihi (eis uma divindade mais forte do que eu, que, vindo,consegue dominar-me)... A partir de então, o Amor passou a governar aminha alma” (DANTE, 1950, p. 1059). E tratou-se de um governar verdadeiro, sem se sentir lisonjeado ou mesmo cego, mudo e surdo no caminho da individuação. Ele passou a ouvir a sua inspiração, a partir do encontro transcendental com a sua cara-metade. Ele passou a ver o sentido de sua vida, a partir da primeira vez que viu a sua alma gêmea. Dante passou ouvir a voz que orienta no caminho da integração consigo mesmo, com Deus, com tudo e com todos, a partir do dia mais feliz de sua vida quando se deparou com a única mulher criada para ele no universo.

Por longo tempo Dante e Beatriz não se encontraram mais.Contudo, ela ficou em sua mente e em seu coração.É o que acontece com todos quando se dá o encontro entre a anima e o animus pela primeira vez. Eles sentem uma plena comunhão que antecipa o céu aqui na terra (VAZ, 2004, p. 20). E não é necessário que estejam um do lado do outrocor-poralmente falando para que a integração aconteça. No fundo, elatambém passou a conhecer exteriormente o seu animus, ou seja, oúnicohomem criado por Deus para ela e que, no fundo, já era parte integrante do seu ser. Numa palavra: identificaram-se um com o outro a partir do encontro originário que lhes foi proporcionado pelo Criador de tudo.

O segundo encontro foi aos dezoito anos de idade. Eele não deixou de observar os detalhes de tudo:“Aconteceu que a mesma dama maravilhosa apareceu diante de mim, todavestida de puro branco. E, ao atravessar a rua, voltou seus olhos para ondeeu estava do-lorosamente envergonhada; e, através de sua cortesia sempalavras... ela me cumprimentou com uma atitude tão bela, que eu pareciater alcançado os limites extremos da felicidade... Saí dali como se estivesseintoxicado. Depois, como eu já possuía certo grau da arte de discursar comrima, resolvi fazer um soneto” (DANTE, 1950, p. 1059). A inspiração para compor, para enfim, criar, executar e viver, surge a partir do encontro verdadeiro entre os parceiros invisíveis: anima e animus, ou se preferir, entre a alma gêmea gerada para o homem e para a mulher na origem da criação de Deus.

Este foi o primeiro dentre vários sonetos compostospara Beatriz. Ele compôs até mesmo uma obra-prima, emque ela aparece como sua guia para o céu.A anima conduz o único que foi criado para ela até os céus, ou seja, até Deus, seu criador. Céu que começa aqui na terra (VAZ, 2004, p.10).

Mas Beatriz se casou com outro aos trinta e três anos.Porém, não foi um casamen-to duradouro. Na verdade, durouapenas um ano, pois ela veio a falecer um ano depois. No fundo, não era aquele único criado por Deus para ela, pois Beatriz era a musa inspiradora de Dante. Contudo,ela não deixou de continuar sendo a sua alma gêmea.Ele fez dos poucos encontros com ela sua fonte inspiradorapara continuar escrevendo. Aproveitou o encontro

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com aanima para continuar desenvolvendo sua arte poética. E o mesmo acontece com todo ser humano que sabe caminhar de modo integrado com sua anima, mesma que esta não esteja presente. Trata-se de um caminhar onde não há possessão e sim um processo de individuação que se constitui na integração com a alma gêmea.

Entretanto, temos notícia de outro caso históricode um personagem importante que se deixou levar pelapossessão de sua anima. Trata-se de Marco Antônio, umgeneral ro-mano. Depois do assassinato de Júlio César, elepassou a ser o imperador do Oriente. Quando viajou parareceber as honras dos vários reis e rainhas que estavam sob oseu poder, conheceu a sua alma gêmea:“Cleópatra era uma grego-macedônia de origem, e mais provavelmenteloura do que morena. Ela não era especialmente bonita; mas a graça do seusemblante, a vivaci-dade do seu corpo e de sua mente, a varievivaci-dade dos seuscumprimentos, a suavivivaci-dade de suas maneiras, a própria melodia de sua voz,combinavam-se com sua posição real para fazer dela um vinho atordoantemesmo para um general romano. Ela conhecia a história, a literatura e afilosofia grega; falava grego, egípcio e siríaco, e mais superficialmente outraslínguas também; ela reunia o fascínio intelectual de uma Aspásia ao sedutorabandono de uma mulher comple-tamente desinibida” (DURANT, 1944, p.187).

Marco Antônio devia conquistar Cleópatra. Contudo, elepassou de conquistador a conquistado. O encontro com ela foi fatal:“Numa embarcação com velas de púrpura, polpa dourada, remos de prata queacompanhavam o ritmo da música de flautas, pífaros e harpas. Suas servas,vestidas como ninfas e sereias do mar, formavam a tripulação, ao passo queela pró-pria, vestida como Vênus, ficava sob um baldaquim revestido de tecidode ouro” (DURANT, 1944, p.187).

A tragédia romântica de um dos amores maisconhecidos pela história começou a partir deste encontro:“Os que tomam a decisão do casamento e da vida familiar precisam serperitos na arte de amar. Desejam realizar-se no amor. O amor interpessoaldá fundamento à decisão de união das vidas e da construção de uma família.Ninguém vive sem dar e receber amor. A experiência prova a cada instanteesta afirmação. Quem não se realiza no amor não vive. Passa pela vida semvivê-la. Os que se casam precisam ter ideias claras a respeito do amor. Maisainda. Precisam experimentar o amor em profundidade” (CNBB, 63).

Desse modo,quem ama não escraviza, mas ajuda a libertar-se. Transmite grande ale-griade viver, grande vontade de lutar pelos filhos e por uma sociedade dehomens e mulheres livres, plenamente respeitados em sua dignidade, em seusdireitos. Homem e mulher, conser-vando sua individualidade, se completammutuamente e partem contra todas as formas de opressão e escravidão(FERNANDES, 2001, p.29). No fundo, quem ama não quer se apossar de sua alma gêmea e nem mesmo ser apossado por ela.

Cleópatra tocou tão profundamente o coração dogeneral romano que ele não teve dúvidas de que se tratavadaquela única criada para ele. Até aqui, tudo bem, pois se trata do encontro verdadeiro entre anima e animus. A questão é que Marco Antônio enamorou-se perdidamentepor Cleópatra. Enamorar-se perdidamente nada mais é do que ficar cego, surdo e mudo. E esse foi o seu erro, pois se deixou levar pela possessãode sua anima: “Como um ho-mem que já não tinha controlede suas faculdades, que, sob os efeitos de alguma drogaou má-gica, ainda se achavam voltadas para trás, como queprocurando alguma coisa” (COLLIER, 1909, p.363).

Na marcha contra Otaviano, imperador do Ocidente,embora tendo um exército mais potente e com maisexperiência na arte da guerra, Marco Antônio toma umadecisão

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er-rada. A possessão de sua anima o estava deixandocego. Em vez de combater por terra, o que era mais lógico,ele decide enfrentar seu inimigo por mar. E toma tal decisãosozinho. Sua anima, a qual tinha uma frota de Marco Antônio,não lhe pôde dar nem mesmo o consentimento: “A tal ponto estava ele agora reduzido a um mero apêndice da pessoa deCleópatra que, embora fosse muito superior ao inimigo em forças atuantesem terra, mesmo sem a aprovação de sua mestra e senhora, desejou quea vitória fosse ganha por mar” (COLLIER, 1909, p. 383).

Marco Antônio poderia ter ganhado a batalha se nãotivesse se deixado levar pela pos-sessão de sua anima:“Mas a sorte do dia ainda não estava decidida e a batalha apresentava igual-dadede condições, quando, subitamente, sessenta navios de Cleópatra foram vistoslevantando as velas e afastando-se velozmente pelo mar, passando diretono meio das embarcações em comba-te... O inimigo ficou atônito ao vê-lasafastar-se, auxiliados por um vento favorável, em direção ao Peloponeso”. É o que acontece com muitos seres humanos: perdem as batalhas da vida por não buscar a integração entre anima e animus. Ficam cegos no relacionamento. Passam a não ver mais nada a não ser a alma gêmea de maneira desintegrada. Passam a não ouvir mais nada a não ser o próprio ser desintegrado.

Foi aí que Marco Antônio mostrou ao mundo inteiro que não mais agia movido pelos pensamentos ou pelos motivos de um comandante ou de um homem,ou mesmo segun-do o seu próprio critério afinal, e que ficava bem provasegun-docomo sensegun-do uma grande verdade o que certa vez se dissera por gracejo: “Aalma de uma amante vive no corpo de outra pessoa. Pois, como se ele tivessenascido já constituindo uma parte dela e fosse obrigado a segui-la para ondequer que ela fosse, assim que viu o navio dela indo embora, ele abandonoutodos os que estavam lutando e sacrificando suas vidas por ele, e embarcounuma galera de cinco pares de remos, [...] para segui-la, justamente quandoesta começara a provocar o fracasso dele, decidida, de então em diante, aconcretizá-lo totalmente” (COLLIER, 1909, p. 387). Uma verdadeira derrota na vida por causa da desintegração entre anima e animus.

No matrimônio a projeção pode acontecer quando aenergia criativa do esposo ul-trapassa os seus limites e encontrarefúgio em outra mulher (VON FRANZ, 1972, p. 13). Isso podeser resultado de alguma frustração do esposo em relaçãoà sua esposa. Certamente ele não está mais encontrandoem casa aquilo que precisa para se complementar: amor,carinho, afeto e compreensão (GS, 50).

Por isso, emboranão justifique, arrisca-se buscando fora. Isso se concretizaquando encontra alguém que o inspire. Mas neste caso nãose trata de uma projeção naquela que é a sua cara-metade,e sim em outra qualquer. O fim pode ser a traição, masesta deve ser evitada enquanto é tempo. Basta cortar o malpela raiz antes que o fim do matrimônio aconteça, uma vezque está em jogo a vida da Igreja, da família, enfim, a baseda sociedade. Aqui também vale o conselho evangélico: “E, se a tua mão te escandalizar, corta-a; melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que nunca se apaga, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga. E, se o teu pé te escandalizar, corta-o; melhor é para ti entrares coxo na vida do que, tendo dois pés, seres lançado no inferno, no fogo que nunca se apaga, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga. E, se o teu olho te escandalizar, lança-o fora; melhor é para ti entrares no reino de Deus com um só olho do que, tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga” (Mc 9,43-48). Cortar a mão aqui quer dizer justamente: deixe de fazer o que você está fazendo para que isso não te leve à desintegração com sua alma gêmea no caminho de individuação. Já cortar o pé quer dizer não caminhar pelos caminhos que levam

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à desintegração (VAZ, 2006, p. 28). Por sua vez, arrancar o olho quer dizer deixar de olhar para aquilo que te deixará cego na via da integração, mesmo que no início tal olhar possa apresentar algo claro, agradável e transparente.

Dessa forma, tanto o esposo quanto a esposasão chamados a deixar tudo para que se integrem consigomesmos:“De pouco adianta o autoconhecimento simplesmente pelo prazer decontemplar-se com alegria pelas qualidades e tristezas pelos defeitos. Oconhecimento de si tem como finalidade orientar melhor a vida, perseguir osentido da caminhada, encontrar o mis-tério de Deus na trama do cotidiano emelhorar o relacionamento com os outros” (CNBB, 57). Aqui também tem sentido as Palavras do Deus feito Homem: “Se alguémvem a mim e não ‘odeia’ seu próprio pai, mãe, mulher, filhos,irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo”(Lc 14,26). Odiar aqui não quer dizer detestar, abandonar,mas sim não estar apegado aos entes queridos e à própriavida. Apego que impede a integração do ser humano.Apego que, no caso de Marco Antônio, o conduziu a uma derrota sem retorno na vida. O caminho da individuação é percorrido pelo desapego de si mesmo, de tudo e de todos, para que, como Dante, haja uma integração entre anima e animus.

Mas será que a complementação entre anima e animusnão pode acontecer na vida de grandes santos como, porexemplo, São Francisco e Santa Clara? A resposta será dadanuma fundamentação religiosa que será apresentada no próximo artigo.

STABLE UNION?

Abstract: This article that here is presented aims to reflect how the original plan of God on

sta-ble, without discriminating against anyone or even condemn people who are opting for a union between persons of the same sex, also goes for the interior integration between anima and animus. The animus is the inner integration present in the female and in turn, the anima is the inner integration present in the male. When the two meet takes the path of individuation, where once integrated, there is a supplement originating among human beings created by God. But, does not mean, after the meeting, the integration will be so perfect.

Keywords: Anima. Animus.Integration.Individuation.Disintegration. Referências

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