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A esperança em acção : a experiência da esperança em pais de crianças com uma doença crónica

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Academic year: 2021

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A ESPERANÇA EM AÇÃO

A experiência da esperança em pais de crianças com uma doença crónica

MARIA TERESA GOUVÊA MAGÃO

Orientadora: Professora Doutora Maria Antónia Rebelo Botelho Alfaro Velez

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem

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com a colaboração da

A ESPERANÇA EM AÇÃO

A experiência da esperança em pais de crianças com uma doença crónica

MARIA TERESA GOUVÊA MAGÃO

Orientadora: Professora Doutora Maria Antónia Rebelo Botelho Alfaro Velez Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem Júri:

Presidente: Doutor Óscar Proença Dias

Professor Catedrático da Faculdade de Medicina e Presidente da Comissão Científica de Enfermagem da Universidade de Lisboa.

Vogais:

Doutor Hélder José Alves da Rocha Pereira

Professor Coordenador da Escola Superior de Enfermagem de Ponta Delgada da Universidade dos Açores.

Doutor Joaquim Manuel de Oliveira Lopes

Professor Adjunto da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal. Doutora Maria do Céu Aguiar Barbieri de Figueiredo

Professora Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem do Porto. Doutora Maria Leonor Lamas Oliveira Xavier

Professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutor Paulo Jorge Granjo Simões

Investigador Auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Doutora Maria Antónia Miranda Rebelo Botelho Alfaro Velez

Professora Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (orientadora). 2017

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1 AGRADECIMENTOS

À orientadora desta tese, Professora Doutora Maria Antónia Rebelo Botelho, toda a minha gratidão pelo acompanhamento e pela esperança, sem os quais este trabalho não teria sido possível;

Aos pais de crianças com doença crónica que me acolheram e me possibilitaram o acesso à sua experiência de esperança;

À Escola Superior de Enfermagem de Lisboa por todo o apoio concedido.

A todas e todos os colegas pelo encorajamento, pela partilha e por terem estado presentes quando eu não pude estar. Aos estudantes, com quem me tenho cruzado ao longo deste caminho e que me têm desafiado a ser melhor. A todos os rostos da ESEL, a todos e a cada um, em maior ou menor grau, devo um sentido de pertença e comunidade que também não é alheio à minha esperança neste caminho;

Aos colegas dos seminários de doutoramento pelo “aceno fenomenológico”. Às minhas amigas, pela amizade e pelo incentivo a perseverar.

À minha família pelo apoio incondicional, pelo cuidado e por terem esperado com confiança; A todos os outros que na minha vida e, em particular, no período em que decorreu este estudo, ajudaram, de algum modo, a torná-lo possível,

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2 RESUMO

A esperança tem ganho significativo reconhecimento em saúde pelo seu potencial terapêutico, em tempos de perda, sofrimento e incerteza e no conforto dado àqueles que acompanham a pessoa em sofrimento, contudo a experiência da esperança, em pais de crianças com doença crónica tem sido uma área pouco investigada. No estudo da experiência da esperança, no contexto da saúde e doença, poucos trabalhos se focalizam na família ou pessoas significativas para o doente, o que é considerado uma necessidade na literatura. Na experiencia da doença crónica na criança e jovem, o papel parental assume especial relevância não apenas pela natureza única da relação entre pais e filhos mas também porque as doenças são vividas e seus tratamentos têm que ser geridos, no contexto familiar quotidiano. Este estudo qualitativo tem como objetivo compreender a experiência vivida da esperança por pais de crianças com uma doença crónica. A partir de uma compreensão da experiencia vivida como foco de atenção em enfermagem, apoiada principalmente no pensamento de Parse e Watson, o desenho do estudo adotou uma abordagem fenomenológico-interpretativa. O acesso à experiência foi feito através de entrevistas individuais, a sete pais de crianças com doença crónica, em torno da exploração da experiência de esperança de cada mãe e pai. Na análise da informação utilizou-se o método Análise Fenomenológica Interpretativa (Smith, Flowers & Larkin, 2009), tendo sido identificados dois temas major : antecipar possibilidades na incerteza e perseverar em conjunto na existência. A esperança enquanto possibilidades refere-se a esperanças específicas, de cada mãe e pai, que têm um carácter transitório, dinâmico e situacional, de curto ou longo prazo. Perseverar em conjunto na existência remete para a natureza interpessoal da esperança e sua relação com o cuidado e o imperativo de ter esperança enquanto mãe ou pai. Os resultados corroboram os de estudos anteriores sobre a esperança em geral e oferecem nova informação sobre a esperança parental.

Palavras-chave: esperança, doença crónica, pais, crianças, enfermagem, experiência vivida, análise fenomenológica interpretativa

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3 ABSTRACT

There is significant recognition across health disciplines that hope has the potential to assist, in a variety of ways, those who suffer. Among these ways is hope’s influence on coping, specifically during times of loss, suffering, and uncertainty as well as in the provision of comfort to those who surround the suffering person. The experience of hope in parents of children with chronic illnesses is an area under investigated in nursing research. In hope research on health and illness contexts, there is a need evidenced in the literature for studies on families or persons of significance to the patient. In the experience of chronic illness in children, parental role assumes special relevance not only by the unique nature of the relationship between parents and child, but since illnesses are lived and treatments must be managed in everyday family contexts.

This qualitative study aims to understand the lived experience of hope in parents of children with chronic illness.

With an understanding of the lived experience as a nursing focus supported by the works of Parse and Watson, we adopted a phenomenological interpretative approach. Accordingly, individual interviews with seven parents of children with chronic illnesses were transcribed verbatim and analyzed using Interpretative Phenomenological Analysis (Smith, Flowers & Larkin, 2009). Two major themes seem to be present in these parents’ lived experience of hope: To anticipate possibilities in uncertainty and to persevere together in existence. Possibilities refer to the specific hopes of each parent. They have a transitory, dynamic, and situational character and are either of a short or long term variety. To persevere together in existence refers to the interpersonal nature of parents’ hope, its relation to care and the imperative of having hope as a parent. These results corroborate those of previous studies on hope in general and offer new information on parental hope.

Keywords: hope, chronic disease, parents, child, nursing, lived experience, interpretative penomenological analysis.

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4 ÍNDICE

INTRODUÇÃO 7

PARTE 1 14

1. A ESPERANÇA – BREVE VIAGEM DISCIPLINAR 15

2. A EXPERIÊNCIA VIVIDA COMO FOCO DE ATENÇÃO DE ENFERMAGEM 35

PARTE 2 46

3. DA ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA AO MÉTODO 47

3.1. O ACESSO FENOMENOLÓGICO À EXPERIÊNCIA VIVIDA 47

3.2. MÉTODO 53

3.2.1. Objetivo e tipo de estudo 53

3.2.2. Os participantes e o acesso à sua narrativa 54

3.2.3. Análise fenomenológica interpretativa - o trabalho de análise e interpretação 56

3.2.4. Considerações éticas 58

4. A ESPERANÇA DE PAIS DE CRIANÇAS COM DOENÇA CRÓNICA – VOZES DA EXPERIÊNCIA VIVIDA 61

4.1. ANTECIPAR POSSIBILIDADES NA INCERTEZA 61

4.1.1. A esperança vive num lugar de incerteza, adversidade e perda 61

4.1.1.1. Da promessa de vida ao “choque terrível” e insuportável 62

4.1.1.2. Da estranheza de um “enigma a decifrar” inesperado e quase fatal 65

4.1.1.3. Da ignorância e “incerteza” à revelação do mal 68

4.1.1.4. Da incerteza do futuro ao impensável que se revela “ali, naquele dia, naquela hora” 72

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5 4.1.1.5. “Não me venham dizer que não é o fim do mundo,

é o fim do mundo” 73

4.1.1.6. “A esperança vem sempre ligada ao estar perdido” 76

4.1.1.7.“Eu fiquei de rastos, um buraco, caiu-me tudo” 79

4.1.2. Manter a esperança possível 82

4.2. PERSEVERAR EM CONJUNTO NA EXISTÊNCIA 84

4.2.1. “Não desistir” ou a esperança como “exercício de perseverança” 84

4.2.2. A esperança na relação com o Outro 87

4.2.3. A esperança parental como imperativo de existência 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 125

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6 ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1. A palavra esperança e seus usos 22

Figura 2. Guernica. Pablo Picasso. 1937 23

Figura 3. Noese e Noema 53

Figura 4. Hope I. Gustav Klimt 1903 68

Figura 5. The Corridor. Vieira da Silva 1950 70

Figura 6. Clarification. Paul Klee 1932 73

Figura 7. Destruction of Arras. G.Lambert 1916 77

Figura 8. Rentrée des bateaux de peche à Belle Isle en Mer. M.Maufra 1910 80

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7 Introdução

A esperança é muito importante porque senão não tinha forças para lutar. E nenhum pai. (...) se me derrotassem à partida, ia lutar com quê?

Esperança tenho, e espero continuar a ter. (...) continuo a ter esperança. Não deixo de dizer que não tenho receios porque tenho mas isso...todos nós não sabemos para o que estamos guardados. A pessoa tem que tentar pensar positivo senão não consegue viver, não é?

A noção de esperança tem especial importância no contexto dos cuidados de saúde, pois a dor, incerteza e medo acompanham frequentemente a experiência da doença e acidente.

Estes testemunhos de pais de crianças com cancro, recolhidos no âmbito de um trabalho anteriormente desenvolvido (Magão & Leal, 2001;2002) ilustram o que acabo de referir. Os provérbios e ditados populares “enquanto há vida há esperança” e “a esperança é a última coisa a morrer” revelam com sabedoria como a esperança é essencial à vida.

Contudo, Frei Bento Domingues, num artigo de opinião do Público em 12 de Fevereiro de 2012 já dizia:

Temos de ter cuidado, no entanto, com a repetição beata de que é preciso ter esperança, de que a esperança é a última a morrer, de que o ser humano é aquele que espera, de que Deus não nos abandona e outras sabedorias do género. A esperança não é um automatismo. Precisa de razões impulsionadoras, de ser alimentada e de pernas para andar.

A esperança e a ajuda são inseparáveis e Large (1990), citado por Cutcliffe (1995), suporta também este argumento sugerindo que é impossível falar sobre esperança sem mencionar

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8 ajuda. Em enfermagem vários autores realçam a relação cuidar-ajudar-esperança (Benner,1984,2001; Benner & Wrubel, 1989; Cutcliffe, 1995;Vaillot,1970; Watson,1985;1988;).

Para Colliére (1989) “Cuidar é primeiro que tudo um acto de VIDA” (p.235) na medida em que visa manter, sustentar e promover a vida da pessoa cuidada: “a vida retira-se de cada vez que a preocupação com o que morre é maior do que a preocupação com o que vive” (Colliére, 1989, p.238). Ao ajudar a pessoa alvo de cuidados a procurar um “percurso intensificador de vida” a enfermeira valoriza os cuidados que contribuem para a manutenção da vida, “cuidados permanentes e quotidianos que sustentam a vida, restabelecendo-a de energia, seja de natureza alimentar, a necessidade de água, calor, luz, ou de natureza afetiva, psicossocial, etc, cada um destes aspetos interferindo entre si“ (p.137). Poderíamos então dizer que promover a vida é também promover a esperança e que, não só enquanto há vida há esperança como também enquanto há esperança há vida. A esperança é considerada como foco de atenção em enfermagem por vários autores: como inerente aos processos de cuidar identificados por Swanson (1991, 1993), na sua relação com o cuidado (Hesbeen, 1997), como uma experiência universal de saúde (Parse, 1999), como inseparável da ajuda (Cutcliffe, 1995), a sua promoção é considerada uma atividade crucial em enfermagem (Benner,1984; Benner & Wrubel, 1989; Cutcliffe,1995; Watson,1979;) e é ainda evidenciada a relação cuidar-ajudar-esperança por, entre outros, Benner, (1984), Benner & Wrubel, (1989), Cutcliffe, (1995) e Watson, (1979).

A investigação disciplinar em enfermagem, medicina, filosofia, teologia e psicologia, tem aumentado a nossa compreensão da esperança em pessoas em situação de saúde e doença, nas últimas três décadas, embora permaneçam muitas questões a ser respondidas e muito a fazer para aumentar a nossa compreensão deste complexo construto (Cutcliffe e Herth,2002; Herth, 2005). No estudo da experiência da esperança, no contexto da saúde e doença, poucos trabalhos se focalizam na família ou pessoas significativas para o doente, o que é considerado uma necessidade na literatura (Kylma & Vehvilainen-Julkunen, 1997).

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9 A experiência da esperança, em pais de crianças com doença crónica, e a sua promoção no âmbito dos cuidados de enfermagem tem sido uma área pouco investigada. A esperança tem ganho significativo reconhecimento em Enfermagem pelo seu potencial numa variedade de domínios entre os quais a influência no coping (processos de enfrentamento) efetivo especificamente em tempos de perda, sofrimento e incerteza (Morse & Penrod, 1999; Urquhart,1999) e no conforto dado àqueles que rodeiam a pessoa em sofrimento (Borneman, Stahl, Ferrell & Smith, 2002; Gelling,1999; Herth,1992; 2005).

As relações dialéticas entre esperança e desespero, necessidade e possibilidade, têm sido consideradas o paradoxo existencial da doença crónica (Barnard, 1995; Chesla, 2005). Viver o paradoxo significa para quem tem uma doença crónica e para as pessoas que lhes são significativas, o confronto com limitações, ao mesmo tempo que abraçam a possibilidade, esperança e novas aberturas.

Tendo cuidado enquanto enfermeira, ou enquanto docente de enfermagem, orientado estudantes, no cuidado a crianças com doença crónica e suas famílias, nunca pude deixar de ficar impressionada pelo impacto no curso das suas vidas do confronto quotidiano com os desafios associados com problemas de saúde e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a surpreendente resiliência de muitas crianças e pais face à adversidade. Os modos como confrontam os desafios e ameaças do sofrimento e perda atestam as capacidades do espírito humano, que são profundamente inspiradoras.

Estas impressões forneceram a motivação geral para, da constelação de processos individuais e sociais associados com a adaptação face à adversidade da doença crónica, ter iniciado o estudo do tema da esperança da criança e família, no âmbito da vivência da doença crónica da criança, quando desenvolvi a minha tese de mestrado em psicologia da saúde.

Na experiência da doença crónica na criança, os pais assumem especial relevância como cuidadores e facilitadores da adaptação da criança. A exigência de adaptação psicossocial da

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10 criança e família é referida em vários estudos (Samson et al, 2009). Quando confrontados com uma doença crónica pai e criança partilham uma relação recíproca (Cohen, 1999). Assim, a situação de um pode ser melhorada ou exacerbada pela do outro (Hamlett, Pellegrini, & Katz, 1992). Por exemplo a falta de esperança num pai pode veicular um sentimento de futilidade a uma criança ou impedir a sua capacidade de transmitir à sua criança um sentimento de segurança (Raleigh, 1992; Wilkinson, 2005).

Em alternativa a esperança elevada de uma criança pode inspirar a determinação de uma mãe ou de um pai. É sugerido que a capacidade de ter esperança é igualmente importante para pais como para crianças, quando estas enfrentam uma doença crónica (Venning, Eliott, Whitford, & Honnor, 2007). Um diagnóstico de doença crónica ou viver com uma doença crónica é relatado como causando grande medo e trauma psicológico tanto para a criança como pais, associado a ansiedade, confusão, impotência e depressão (Janoff-Bulman, 1989; Weaver & Flannelly, 2004). A limitada investigação existente sobre esperança parental enquanto experiência, no contexto da doença na infância ou adolescência, sugere que a esperança parental está associada à qualidade de vida relacionada com a saúde, em adolescentes com spina bífida (Kirpalani et al., 2000) e é essencial para sustentar e energizar o trabalho de uma mãe no cuidado a seu filho deficiente (Larson, 1998). Em pais com filhos com deficiência intelectual a esperança ajuda no coping (Padencheri e Russell, 2002). A esperança parental é parte integrante no ajudar crianças e famílias a lidar com a experiência de cancro (Eapen e Revesz, 2003).

Numa metassíntese sobre a experiencia de esperança em cuidadores familiares é evidenciado que a experiência da esperança, em pais de crianças com doença crónica, está pouco investigada (Duggleby et al, 2010).

Numa revisão sistemática de literatura sobre a esperança em pais de crianças com doença crónica (Charepe, 2011) apenas 5 estudos, de natureza qualitativa, se focavam na esperança enquanto experiência: em pais de crianças e adolescentes com cancro (Magão e Leal, 2001;

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11 Kylma e Juvakka, 2007); em pais de crianças com deficiência (Kausar, Jevne e Sobsey 2003; Kearney e Griffin, 2001) e em pais de crianças com Distrofia Muscular de Duchenne (Samson et al, 2009).

As experiências dos pais de crianças com doenças crónicas têm sido estudadas a partir de dois pontos de vista: a investigação focada em diagnósticos específicos (e.g.. diabetes, asma), tratamento requerido e seus efeitos nas vidas das famílias e por outro lado os estudos que procedem da ideia de que apesar dos diferentes diagnósticos há certas similaridades nas experiências dos pais baseadas na natureza de longa duração da condição da criança (Charron-Prochownic, 2002; Fisher, 2001). É nesta última perspetiva que se situa o presente estudo. A doença crónica é no âmbito deste estudo concebida como uma condição de vida e de desenvolvimento tendencialmente stressante, como outras condições de vida adversas (Barros, 1999; 2003).

Apesar da importância das diferenças entre as várias doenças, é possível a referência, numa perspetiva psicossocial, a um conceito geral de doença crónica, na medida em que partilha as seguintes características de grande impacte na vivência subjetiva da criança e dos seus familiares:

-ser indesejável;

-ser incontrolável ou só parcialmente controlável -ter consequências pouco claras ou pouco previsíveis

-envolver separações temporárias (da família e dos amigos, da escola, da casa) -envolver perdas permanentes e/ou temporárias (da saúde, de funcionalidade)

-envolver diminuições de opções (sociais, ocupacionais, escolares, profissionais, familiares)

-poder envolver perigo ou risco de vida, ou propiciar a uma catastrofização das consequências antecipadas (doenças degenerativas, terminais, asma, diabetes...) (Goodyer,1990)

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12 A doença crónica, segundo Goodyer (1990), altera a vivência direta da criança (e família) de duas formas diferentes: obriga a experiências aversivas que a criança e família têm de enfrentar (comunicação do diagnóstico, exames, tratamentos, hospitalizações, dor, alterações no aspeto exterior, separações, etc.) e impede ou limita as experiências de vida normativas, desejáveis e facilitadoras do desenvolvimento da criança que a doença não permite ou restringe. A experiência da doença crónica coloca às famílias e seus membros múltiplos desafios que mudam ao longo do tempo em natureza e intensidade (Knafl, 1986; 2002). Dar um sentido à doença em termos do seu significado para a vida da pessoa, gerir regimes terapêuticos, adaptar a rotina da família e orçamento às exigências da doença, criando uma vida "normal" para a criança e família apesar da doença, e negociar com profissionais de saúde e da educação são desafios enfrentados pelas famílias tipicamente citados na literatura (Knafl, 1986; 2002).

O presente estudo tem como objetivo compreender a experiência vivida de esperança de pais de crianças com doença crónica.

Da confluência de interrogações e assunções pessoais, profissionais e disciplinares surge a questão: Qual é a experiência vivida da esperança por pais de crianças com doença crónica? Compreender a tematização das experiências vividas das pessoas em matéria de saúde pode orientar os enfermeiros para uma abertura à compreensão das perspetivas individuais e para perceber temas que podem ser colocados pelos clientes na relação, de forma menos explícita (Cohen, Kahn e Steeves, 2002).

Este estudo inscreve-se numa compreensão da enfermagem como ciência humana do campo da saúde, tendo optado, na abordagem disciplinar ao fenómeno, por uma conceção de enfermagem que se situa no âmbito do paradigma unitário-transformativo, sendo convocado o pensamento teórico de Jean Watson e Rosemarie Rizzo Parse sobre a natureza unitária e dialógica da pessoa e a importância da abertura às experiências humanas da saúde, em particular a de esperança.

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13 Do ponto de vista metodológico optamos por um desenho fenomenológico interpretativo, inspirado na fenomenologia e hermenêutica. Através do acesso, sob a forma de entrevistas fenomenológicas às narrativas de 7 pais de crianças com doença crónica, a experiência vivida da esperança revela-se ao longo de uma análise fenomenológico-interpretativa que articula propostas sobretudo de Smith, Flowers e Larkin (2009) e Van Mannen (1990).

O presente trabalho organiza-se em duas Partes. A primeira refere-se à apresentação do enquadramento do estudo e a segunda refere-se ao estudo efetuado. Na primeira parte faz-se uma breve incursão disciplinar sobre o conceito esperança e reflete-se sobre a experiência vivida enquanto foco de atenção em enfermagem, caracterizando a experiência humana e discutindo a importância para a enfermagem do acesso à experiência vivida dos fenómenos que lhe dizem respeito.

Na segunda parte abordam-se alguns pressupostos filosóficos e metodológicos da fenomenologia e hermenêutica que norteiam os procedimentos adotados no método e depois apresenta-se a descrição e interpretação da experiencia vivida de esperança por pais de crianças com doença crónica.

Por último no capítulo considerações finais, apresentam-se a discussão, principais conclusões do estudo e implicações para a prática, investigação e formação em enfermagem.

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14 PARTE 1

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15 1. A Esperança – Breve Viagem Disciplinar

Que fenómeno é este que é considerado essencial para a sobrevivência e que nos faz avançar, muitas vezes, contra probabilidades desconhecidas? Porquê considerar a Esperança?

Há uma longa tradição de usar o mito do jarro de Pandora (ou da caixa, consoante as interpretações) para refletir sobre a natureza enigmática do conceito esperança. A versão mais influente do mito é a de Hesíodo em Trabalhos e Dias (Geoghegan, 2008). Os deuses e os homens (não existiam ainda mulheres humanas) encontram-se para discutirem as relações apropriadas entre os dois grupos. Prometeu, rouba o fogo de Zeus e dá-o aos homens. Em retaliação Zeus decide punir os homens enviando-lhes Pandora (que significa todos os dons) a primeira mulher humana, oferecendo-a a Epimeteu, irmão de Prometeu. A acompanhar Pandora - na versão de Hesíodo Trabalhos e Dias – vai um jarro que ela abre, permitindo que todas as calamidades do mundo saiam, ficando apenas no jarro a esperança. De acordo com Hesíodo, Zeus tencionava que Pandora e o seu jarro fossem uma grande calamidade para a humanidade, contudo não é dita a natureza e extensão deste castigo e principalmente o papel da esperança nesta provação (Geoghegan, 2008). Uma das possibilidades é a de que a esperança faz parte do castigo. Zeus, nesta leitura, sabendo a propensão dos homens para desejar, “permitiu à humanidade manter esta enervante presença no jarro, pensando sempre que as coisas podem melhorar e para ser sempre amargamente desapontada” (Geoghegan, 2008,p.27).

Tal é a interpretação do mito feita por Nietzsche na sua obra Humano, demasiado humano, não tendo duvidas das intenções malignas de Zeus e do efeito corrosivo do “dom” da esperança. A esperança não é o único bem entre os males mas sim o pior dos males que prolonga o seu tormento (Geoghegan, 2008).

Contudo a interpretação predominante é a de que a presença da esperança no jarro foi uma expressão da misericórdia de Zeus. Queria punir a humanidade mas não destrui-la e assim

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16 deu-lhe os recursos da esperança para a ajudar a sobreviver na adversidade. Manter a esperança fechada, não para a aprisionar mas para a proteger, mantendo-a em segurança e perto, como recurso humano perene (Geoghegan, 2008).

A própria palavra esperança tem múltiplos usos na medida em que pode ser usada como nome (há esperança), verbo (eu espero) ou adjetivo (estou esperançada). Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (1999) o nome esperança significa: confiança na aquisição de um bem que se deseja; virtude teologal que inclina a vontade a confiar na bondade e omnipotência divinas e a espera na vida eterna; o verbo esperar pode ter o sentido de: ter esperança em; confiar; manter-se em expectativa; é ainda referido o verbo esperançar com o significado de: dar esperanças a; animar; finalmente enquanto adjetivo, o mesmo dicionário apresenta a expressão esperançado, significando aquele(a) que tem esperança e esperançoso como aquele(a) que tem ou dá esperanças.

Como pode ser usada de múltiplos e diferentes modos e ter múltiplos e diferentes significados, alguns autores como Elliot e Olver, (2002) referem que em vez de tentar criar uma definição de esperança a ênfase deve ser dada à compreensão de significados específicos de esperança, para pessoas específicas em tempos específicos das suas vidas. Eliott e Olver (2002) apresentam uma análise de esperança, tal como percebida por um grupo de doentes com cancro á medida que falavam sobre tomada de decisão em fim de vida, em particular a decisão de não ressuscitar. Assim, Elliot e Olver (2002) referiram que quando a esperança era descrita como nome era representada como uma entidade e, assim, no sentido de existir independentemente do individuo. Neste âmbito a esperança estava “lá fora” e tanto podia ser ganha como perdida.

Uma das características interessantes da esperança enquanto nome é a de que é vista como tendo uma existência a priori. Se a esperança já existe a implicação é de que não pode ser criada mas apenas reunida em menores ou maiores quantidades. Portanto a esperança pode crescer e aumentar ou igualmente pode diminuir e desaparecer. Outra característica da esperança como

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17 nome é a de que tem que ter um objeto. Há uma esperança por ou de algo acontecer. Este objeto pode ser uma coisa concreta ou algo menos tangível como um estado de ser. Em qualquer das formas a esperança tem um objeto de desejo.

A esperança como nome

A esperança vista como nome tende a orientar a pessoa para uma visão moderna da realidade em que aspetos da realidade ou existem em principio, como nas formas Platónicas, ou existem como entidades físicas e mensuráveis. Quando a esperança é concebida como já existindo no mundo real de uma forma ou de outra transporta a noção que pode ser ganha, dada, ou descoberta (O’Hara, 2013). Isto tem tanto aspetos positivos como negativos. A visão de que a esperança existe nalguma forma e de que precisa ser procurada significa de algum modo que existe a expectativa potencial positiva de alcançar o objeto de esperança ou de alcançar mais da qualidade de algo desejado. Do lado negativo o objeto de esperança pode ser retido ou estar indisponível.

Esperança dada ou tirada

Outra característica da esperança como nome é a de que é muitas vezes concebida como estando fora do controlo pessoal. Por exemplo, Elliot e Oliver (2002;2007) relataram que doentes submetidos a tratamento médico ligavam muitas vezes a esperança a cura. A esperança então torna-se associada à presença ou ausência de um facto empírico objetivo. A esperança neste contexto é vista como estando nas mãos do médico. Se o médico transmite uma palavra positiva a esperança é possível; em alternativa um relato negativo pode mais provavelmente conduzir a uma perda de esperança. Há aqui um sentido presente de que a esperança pode ser dada ou tirada. Quando a esperança existe como entidade fora do individuo há o perigo de que seja representada

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18 como um absoluto, com a sua possibilidade ou impossibilidade já predestinada. A esperança vista como estando fora do controlo pessoal tem como aspeto negativo o poder levar a inação.

No contexto dos cuidados de saúde esta visão confere aos profissionais de saúde todo o poder. Só eles podem fazer a diferença no estado de ser individual (O’Hara, 2013).

A esperança, compreendida como pré-existente, tem também uma dimensão positiva. Muitas pessoas relacionam-se com a esperança, como um aspeto inerente à espiritualidade e/ou religioso. Por exemplo nas religiões monoteístas Deus é o dador de esperança. A esperança é compreendida como possível porque um poder maior que o individuo é capaz de a dar (O’Hara, 2013).

Esperança descoberta

Concebendo a esperança como existindo objetivamente, outra resposta possível é procurar a esperança ativamente. Semelhante à perspetiva anterior, o seu foco é potencialmente mais ativo. Esta visão vê a pessoa como estando numa viagem de descoberta. Se a esperança falta e existe, então em princípio pode ser descoberta. Tal como a esperança dada, a esperança descoberta implica que a própria esperança tem uma característica quantitativa – pode crescer ou diminuir. Tal visão também tem um aspeto positivo e empoderador da pessoa, porque se a esperança pode crescer em quantidade então o esforço humano pode fazer a diferença (O’Hara, 2013). Quanto mais procuro aquilo que persigo e quanto mais me liberto de bloqueios à sua realização, mais provável é que consiga atingir o meu objetivo.

A esperança como nome implica ter alguma forma de existência independente e de algum modo fora da pessoa. Contudo não tem que permanecer exterior à pessoa pois se é dada e recebida, ou ativamente procurada e descoberta, a esperança pode ser ganha e tornar-se possessão psicossocial e espiritual da pessoa (O’Hara, 2013).

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19 Assim, apoiando-nos em O’Hara, (2013) a esperança como nome terá as seguintes características: entidade objetiva pré-existente – pode aumentar ou diminuir; envolvimento passivo do sujeito – pode ser dada ou fornecida; pode ser recebida; envolvimento ativo do sujeito – pode ser perseguida e descoberta; pode ser possuída.

A esperança como verbo

A esperança como verbo introduz um sujeito. Há alguém que espera. Enquanto a esperança como nome evidencia a natureza objetiva da esperança, a esperança como verbo evidencia as suas características subjetivas. Na esperança como verbo a dimensão de ação é personalizada, fornecendo mais poder ao individuo para escolher o objeto de esperança.

Segundo O’Hara (2013) a esperança como verbo tende a focar-se em possibilidades, o futuro é mais aberto. Em contraste a esperança usada como nome é mais provável que faça referencia a resultados específicos, uma resposta prescrita. A esperança como ação requer alguma resposta comportamental por parte do individuo. A esperança tem que ser evidenciada de algum modo e habitualmente envolve um nível de risco ou confiança noutra pessoa ou em alguma possibilidade. Expressões de esperança que envolvam mais do que reconhecimento concetual de resultados desejados mas requerem antes uma ação pela pessoa esperançada.

A esperança como verbo envolve um sentido de motivação, uma energia dirigida para uma ação. Quando usada como verbo a esperança implica ação. Um aspeto importante da esperança é que ela é intencional. É dirigida para o atingir de algum objeto desejado ou estado de ser (O’Hara, 2013).

Assim, apoiando-me em O´Hara (2013), a esperança como verbo é uma realidade subjetiva, é aberta, supõe envolvimento ativo do sujeito (é motivacional, emocional; intencional; é criada).

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20 A esperança pode então ser um nome, conceptualizada como existindo objetivamente e também possuída e internalizada pelo individuo e como verbo, um estado de ação. Estas várias facetas da esperança têm, na opinião de O’Hara (2013), uma relação reciproca, opinião de que comungamos.

Fig. 1 A palavra esperança e seus usos Fonte: Adaptado de O’Hara, 2013

A Esperança é um conceito “fronteira” (Barnard, 1995) não sendo pertença exclusiva de uma única disciplina.

A Esperança tem sido amplamente discutida na literatura – por exemplo para André Malraux “um mundo sem esperança é irrespirável”, como refere em L’Espoir, o seu romance testemunho da guerra civil espanhola.

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21 Fig 2. Guernica. Pablo Picasso. 1937

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A esperança é também objeto de reflexão em filosofia, teologia, psicologia, e enfermagem. Há muitas facetas da esperança a partir de diferentes perspetivas teóricas e as diversas abordagens de investigação e resultados, evidenciam a sua polissemia.

Em filosofia e teologia

A esperança tem sido um tópico de investigação para alguns filósofos e teólogos, para quem ela é essencial à vida (Fromm,1968; Lynch,1965 citado por Parse, 1999; Marcel,1998). A esperança foi sempre um tema maior da reflexão filosófica e teológica. O pensamento da esperança caminha em diferentes vias consoante o seu objeto é considerado como natural ou sobrenatural.

Enquanto para os gregos a esperança sai da caixa de Pandora ou, segundo Aristóteles, é o sonho de quem está acordado, para a filosofia cristã “a esperança é a fala escatológica do futuro com Jesus Cristo” (Ahlert, 2009, p.5). Ela trabalha a realidade da ressurreição de Jesus Cristo e anuncia o futuro do ressuscitado. Produz-se, assim, uma fé apoiada na esperança. Segundo

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22 Moltmann, “... por meio da fé, o homem entra no caminho da verdadeira vida, mas somente a esperança o conserva neste caminho” (Moltmann, 1971, p. 8).

A esperança, uma das virtudes teologais na linguagem cristã, é “…um dom divino mediante o qual o crente se sente inclinado a confiar no cumprimento das promessas divinas, nomeadamente a promessa da salvação …” (Sousa, 1981, p.23)

Essa esperança nascida da fé, que na conceção de Moltmann trata da fé cristã, também pode ser relacionada com a fé antropológica; assim, segundo Ahlert (2007):

A fé é uma dimensão antropológica inerente a todo o ser humano, seja cristão, budista, ateu marxista, ateu secularizado, etc. Porque a fé é uma estrutura de valores significativos para existência humana, que mostra a cada um o que deve fazer e como deve estruturar a sua vida, além de ser um princípio cognoscitivo que permite distinguir o que é importante para cada um (Ahlert, 2007, p. 327).

Entralgo (1984) partindo de uma reflexão antropológica, recorre a São Paulo, para se referir à esperança cristã como uma orientação para o futuro, conduzida pela paciência, segurança, alegria e paz, que permitem o empenho de suportar e o ânimo de enfrentar as limitações e sofrimento rumo a uma meta que se deseja e espera. Menciona também na sua obra princípios que regem a fundação ontológica da esperança numa perspetiva cristã, a partir de Santo Agostinho (viver o passado no presente para projetar um futuro com esperança – memória e esperança) e São Tomás de Aquino (esperança como fortaleza e virtude que regula a paixão de esperar), entre outras referências.

Marcel (1998) em Homo Viator explora a fenomenologia e metafísica da esperança a partir de uma perspetiva judaico-cristã. Vê a esperança enquanto um mistério de natureza espiritual e que surge em resposta a provações pessoais que ele considera uma forma de cativeiro. Para Marcel (1998) a esperança é paradoxal na medida em que surge em situações aparentemente

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23 desesperadas. Ter esperança é reconhecer as limitações nas situações, ao mesmo tempo acreditando que as oportunidades também existem.

A intersubjetividade das relações humanas é fundamental na filosofia da esperança de Marcel dada a natureza intersubjetiva da esperança e a indissolúvel ligação que junta a esperança e o amor (Marcel,1998). Marcel considera absurdo questionar a objetividade da esperança; acredita que se alguém tem esperança então a sua esperança é real. A sua análise fenomenológica da esperança enfatiza a natureza intersubjetiva, transcendente e paradoxal da esperança.

Para Marcel (1998) a esperança não consiste na mera espera de algo, consiste numa espera fundada numa abertura daquele que espera e do que é esperado. A esperança encontra-se pois fundada na transcendência. Significa algo individual, e tem um carácter filosófico no que se refere ao ser e não simplesmente ao ter. Esperar é levar dentro de si o gérmen da confiança no futuro, uma segurança em como, apesar das dificuldades, se alcançará aquilo por que se espera.

A esperança pressupõe aquilo a que Marcel (1998) chama um tempo aberto por oposição ao tempo fechado. Tempo fechado que não é necessariamente o tempo do desespero em que nada se vislumbra e em que nada se espera de ninguém, é também o tempo da pessoa fechada no círculo das suas tarefas diárias, na rotina cega.

Para Entralgo (1984) o primeiro e mais fundamental dos conceitos que uma teoria da esperança exige é o da espera, enquanto ingrediente básico e essencial da existência humana. Neste sentido a espera humana – espera vital, espoir – “é um hábito da natureza primeira do homem, consistente com a necessidade vital de desejar, projetar e conquistar o futuro” (p.571). Aquele que espera aspira a “continuar sendo”. O projeto é a forma primária da espera humana o qual implica a pergunta e a fiança – este último termo é usado pelo autor como um “sentimento radical da disposição da existência humana face à continuidade do seu ser: a ‘segurança insegura’ de continuar sendo que corresponde a um ente cujo ser é criado e contingente, inteligente e falível” (p.571).

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24 Entralgo (1984) define então esperança natural como “um hábito da segunda natureza do homem, por obra do qual este confia de modo mais ou menos firme na realização das possibilidades de ser que pede e oferece sua espera vital” (p.572) e refere-se à desesperança como “hábito oposto que consiste em desconfiar de modo mais ou menos extremo do êxito do ser a que a espera tende” (p.572). Contudo nem a esperança é ‘uma segurança positiva’ de alcançar o que se espera nem a desesperança é ‘segurança negativa’ quanto a esse êxito; ambas são formas da tensão ‘segurança-insegurança’, mais segura a primeira mais insegura a segunda.

Tendo como base a definição de esperança atrás referida, para Entralgo a esperança é espera confiada. Confia “quem crê no bom termo da insegura e irrenunciável pretensão de ser que a ‘fiança’ é ” (p.573). Confia, com reserva e cautela, na realidade, no todo do real. O descanso da confiança em algo refere sempre o homem ao todo em que esse algo se inscreve, ao todo da realidade. O “com” que eleva a fiança a confiança exige, pela índole da condição do homem de espírito corporizado, essa referência ao todo. A confiança é o momento que eleva a espera a esperança.

Na perspetiva de Honoré (2005) a esperança caracteriza o homem essencialmente, como o pensamento, como o amor. Adianta que no seu significado corrente a esperança designa o facto de esperar, de aguardar na confiança e paciência alguma coisa ou algum acontecimento como um bem futuro. Designa também a disposição ou o sentimento que leva a ter esperança. Por extensão a esperança designa também o objeto, esperado. Estas definições de dicionário reenviam para o verbo esperar que, na sua transitividade fala de um ato ou ritmo do processo psíquico ou espiritual no qual se inscreve esse ato. Esperar é considerar aquilo a que se aspira como devendo ou podendo realizar-se. O verbo é usado para ligar o sujeito que espera ao objeto da sua esperança. Este objeto toma formas diferentes segundo o tempo, o lugar, as circunstâncias, a história de uma pessoa.

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25 Mas esperar também se usa para nomear em quem e em quê é colocada a confiança que acompanha a esperança – em alguém, em Deus, no futuro.

Em Psicologia

No âmbito da literatura psicológica sobre a esperança duas perspetivas gerais podem ser encontradas: a dinâmica e a cognitivo-comportamental (Jacoby, 1993).

As teorias do desenvolvimento e psicodinâmicas influenciaram amplamente a literatura de psicologia sobre a esperança. Estas teorias situam as origens da esperança no desenvolvimento precoce (Erikson,1964 e van Kam, 1976 citados por Parse, 1999) e veem a esperança como um comportamento humano fundamental que ativa, molda e sustem o desenvolvimento psicológico. A teoria do crescimento e desenvolvimento psicossocial de Erikson (1964) citado por Parse, (1999) considera a esperança como uma de várias qualidades básicas do ego, ou virtudes, cada uma das quais tendo o seu tempo de origem e crise, mas persistindo ao longo da vida. Para Erikson a esperança é a mais precoce e mais estável das qualidades básicas do ego e é “a virtude mais indispensável inerente ao estado de se ser vivo” (Coles, 2000, p.115). De acordo com Erikson a esperança é o resultado positivo do estádio precoce da confiança versus desconfiança, e surge da mutualidade entre o bebé e os que dele cuidam. Os primórdios da esperança assentam assim no “primeiro encontro do novo ser com pessoas maternais confiáveis [trustworthy maternal persons], que respondem à sua necessidade de ingestão e contacto num contexto de calor e calma, providenciando alimento tanto agradável de ingerir como fácil de digerir e que previnem experiências que regularmente deem “demasiado pouco demasiado tarde” (Coles, 2000, p.192). Mantendo uma lente desenvolvimentista sobre a esperança, este autor sugere que a esperança adquire novas qualidades em diferentes estádios de desenvolvimento à medida que o individuo se move para a idade adulta até “na sua forma madura [se tornar] fé...não essencialmente dependente na evidência ou razão”(Coles, 2000, p.153).

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26 Apesar da sua proposição de que a esperança se desenvolve no indivíduo a esperança de Erikson é também socialmente situada. Mesmo que um adulto tenha adquirido a necessária virtude de esperança na sua infância, esta esperança não é inviolável mas em necessidade de contínua afirmação, providenciada por práticas sociais.

O trabalho de Erikson sobre a esperança junta-se aos de outros que consideraram a esperança com fundamental importância na vida humana mas, também forneceu um quadro de referência que estabelece laços explícitos entre a esperança nos indivíduos, as suas interações interpessoais próximas e a sociedade na qual vivem.

A perspetiva, cognitivo comportamental, da esperança é evidenciada pelo trabalho clássico de Stotland (1969) citado por Snyder, (1995), autor que define a esperança como “uma expectativa maior que zero de atingir um objetivo. O grau de esperança é o nível desta expectativa ou a probabilidade percebida, pela pessoa, de alcançar um objetivo” (p.2). Sendo essencialmente uma teoria de motivação do comportamento, a teorização de Stotland sobre a esperança teve origem em teorias cognitivas da psicologia social (Snyder,1995).

Snyder (1995) foi o principal proponente de um modelo unidimensional de esperança a que chamou Hope Theory (1995). Vários estudos têm sido baseados na sua ideia de esperança, usando escalas derivadas desta teoria para distinguir indivíduos com níveis altos e baixos de esperança. A linguagem usada por Snyder para descrever as suas ideias sobre esperança é característica. Segundo ele a esperança é o “processo de pensar sobre os seus objetivos e a motivação de se mover na sua direção (agency) e os meios de alcançar (pathways) esses objetivos” (p.355). A teoria de esperança de Snyder concentrou-se em objetivos e como as pessoas alcançam esses objetivos. Focou-se em processos cognitivos, incluindo pensamentos e perceções, e como as cognições pessoais ajudam a alcançar objetivos. As emoções são apenas um reflexo dos pensamentos de um individuo sobre a sua esperança numa dada situação. Snyder (1995) também argumentou que a esperança é principalmente uma disposição e, em resultado disso,

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27 relativamente estável ao longo do tempo – assim uma pessoa pode ser considerada como tendo um alto nível de esperança ou um baixo nível de esperança. E isto tende a ser consistente independentemente das experiências pessoais. Snyder admite, contudo, que a esperança enquanto traço de personalidade pode ser mudada ao longo do tempo com intervenção tipo counselling. Em síntese, Snyder (1995) descreve a esperança como um “modo concreto de pensar sobre si próprio na relação com objetivos” (p. 357).

Em Enfermagem

Um dos primeiros autores a considerar a esperança como preocupação vital da enfermagem foi Madeline Vaillot que acreditava que a esperança era essencial para restaurar a totalidade do ser e que era possível mesmo quando se estava a morrer. Vaillot publicou no American Journal of Nursing, em 1970, um estudo onde descreve o papel das enfermeiras na inspiração de esperança em doentes em fase terminal de vida . Reflete vários temas anteriormente desenvolvidos por outros autores que construíram a esperança como essencial à vida, presente nos laços entre indivíduos e influenciada pelas ações de outros (Vaillot, 1970). Novo na sua reflexão sobre a esperança é o considerar que inspirar esperança se constitui como uma atividade específica dos enfermeiros (Eliott, 2005). Identificou como finalidade da enfermagem ajudar o doente “a alcançar uma plenitude de ser que é sempre possível” (Elliot, 2005, p. 272). As enfermeiras eram obrigadas a ativamente trabalhar para inspirar esperança. Não inspirar esperança no doente era falhar num dever de cuidar. Esta esperança era mais que uma questão de obrigação moral embora o fosse também: era institucionalizada, instalada como uma prática do local de trabalho. Assim se tornou incumbente na profissão de enfermagem encontrar (melhores) meios de inspiração de esperança por parte dos enfermeiros que teve como resultado adicional uma procura efetiva e, aprovação, da tentativa de intervir na esperança de um doente. A investigação sobre a esperança começou a ser vista como uma prioridade.

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28 Vários estudos foram desenvolvidos para descrever o fenómeno da esperança e identificar os seus fatores constitutivos. Desses estudos decorrem modelos teóricos que concebem a esperança como experiência multidimensional envolvendo relações interpessoais, um foco no futuro, e realização de objetivos.

De entre eles destacamos em seguida o de Dufault e Martocchio (1985).

Modelo multidimensional de Dufault e Martocchio

A esperança é um conceito multifacetado e por isso pode ser usado para expressar vários significados. Reconhecendo as várias nuanças da esperança, estas investigadoras de enfermagem Dufault e Martocchio (1985) desenvolveram um quadro de referência que ajuda a identificar diferentes facetas da esperança mantendo a sua coerência geral.

O modelo de esperança de Dufault e Martocchio (1985) foi desenvolvido no âmbito de uma dissertação em Enfermagem que estudou doentes idosos com cancro usando métodos qualitativos. O seu artigo integrou muita da investigação prévia sobre esperança para fornecer um modelo inclusivo. Este trabalho é frequentemente citado no âmbito da teoria e investigação sobre esperança e Elliot (2005) sugeriu que tentativas subsequentes para criar um modelo de esperança usando análise qualitativa foram apenas simples variações do modelo de Dufault e Martocchio (1985). Estas autoras definem esperança como “uma força de vida dinâmica e multidimensional caracterizada por uma expectativa confiante contudo incerta de alcançar um bem futuro que, para a pessoa com esperança é realisticamente possível e pessoalmente significativo” (p. 380, ênfase no original). Confiança e incerteza refletem diferentes dimensões de esperança e portanto podem coexistir na pessoa.

No modelo multidimensional de esperança proposto por estas autoras há duas esferas da esperança contendo seis dimensões comuns. As duas esferas são esperança generalizada e

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29 esperança particularizada e na sua visão estas esferas estão relacionadas mas são distintas em natureza.

A esperança generalizada - um sentido de algumas mudanças futuras benéficas mas indefinidas, de âmbito amplo e não estando ligada a qualquer objeto de esperança concreto ou abstrato; protege contra o desespero quando a pessoa é privada de esperanças particulares, e preserva ou restaura o significado da vida - passado, presente e futuro - em todo o tipo de circunstâncias; estende-se para além dos limites do tempo e fornece uma motivação geral para a pessoa continuar a viver. As autoras definem a esperança como “um sentido de alguns desenvolvimentos futuros benéficos mas indeterminados” (Dufault & Martocchio,1985,p.380) e referem que é de âmbito amplo e não ligada a qualquer objeto concreto ou qualidade de ser. Esta forma de esperança pode ser compreendida como um estado de espírito ou orientação de vida.

A esperança generalizada fornece uma perspetiva ampla para a vida e a sua posição pragmática confere uma flexibilidade e abertura às vicissitudes da vida.

Embora possa ser referido que uma orientação de vida positiva é otimismo a esperança generalizada difere daquele. O otimista acredita que “ boas coisas, em oposto às más, acontecerão de forma geral na sua própria vida” (Scheier & Carver, 1993, p. 26). A pessoa com esperança generalizada também tem esta visão. A diferença é que o otimismo é predominantemente um estado cognitivo, o otimista espera que a vida vá correr bem e de acordo com o esperado. A pessoa esperançosa é mais realista e reconhece que a vida pode não correr como planeado mas todavia decide manter uma perspetiva positiva. Van Hooft (2011, p. 53) ao distinguir a pessoa esperançosa da otimista diz ” a sua esperança é constituída por uma vontade de agir na prossecução dos seus objetivos, de aceitar o risco, de fazer os esforços necessários e de aceitar os resultados mesmo que provoquem desapontamento. É antes uma postura prática em vez de uma crença cognitiva.”

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30 A outra esfera de esperança, no modelo multidimensional de Dufault e Martocchio (1985) é nomeada, como atrás referido, como esperança particularizada. Como o nome sugere a esperança particularizada centra-se no atingir de um resultado específico. Os objetos de esperança podem ser de natureza concreta ou abstrata - resultado, bem, ou estado de ser que é particularmente valorizado. A esperança particularizada clarifica, estabelece prioridades e afirma aquilo que a pessoa perceciona como mais importante na vida. Preserva e restaura o significado na vida. Encoraja o investimento e compromisso com algo específico que se estende para além do momento presente e fornece um objeto, em direção ao qual as energias da própria pessoa e de outros podem ser investidas. A esperança, nesta esfera, fornece um incentivo, para coping construtivo face a obstáculos e para encontrar meios alternativos para realizar o objeto de esperança. Também fornece um ponto de referência para avaliar o progresso em direção ao objeto de esperança (Dufault & Martocchio,1985).

A esperança particularizada é caracterizada pelo esperar que:

o que existe no presente pode ser melhorado; o que a pessoa não tem no momento presente pode ser alcançado ou recebido; as circunstâncias desejadas que rodeiam um acontecimento ocorrerão; o que é valorizado no presente pode ser parte do futuro da pessoa que espera; não ocorrerão possibilidades desfavoráveis (Dufault & Martocchio,1985, p.380-381).

Focando-se em objetos específicos de desejo a esperança particularizada ajuda a clarificar e afirmar prioridades de vida. Este tipo de esperança ajuda-nos a perseverar quando encontramos obstáculos e desafios de vida. Em última análise é aquilo que esperamos que nos dá um ponto de referência, para o sentido na vida; ilumina o que é importante. A esperança generalizada e particularizada trabalham em cooperação. Por vezes o sucesso da esperança particularizada dá suporte a uma esperança generalizada em declínio. Outras vezes a esperança generalizada amortece esperanças específicas quando os objetos de desejo não são ganhos ou recebidos. A

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31 esperança generalizada pode também fornecer um clima propício a que esperanças específicas possam ser formuladas e arriscadas (Dufault e Martocchio,1985; O’Hara, 2013).

Dufault & Martocchio (1985) identificam também, como referido atrás, seis dimensões da esperança: afetiva, cognitiva, comportamental, afiliativa, temporal e contextual. Sugerem que cada uma destas dimensões tem componentes que estruturam a natureza e experiência da esperança. Coletivamente estas dimensões formam os processos de esperança.

As esferas da esperança contêm estas seis dimensões que se sobrepõem mas são analiticamente distintas.

A dimensão afetiva diz respeito às sensações e emoções do processo de esperança. Componentes da dimensão afetiva incluem:

Uma atração pelo resultado desejado; um sentido de importância pessoal do resultado para o bem-estar da pessoa com esperança; sentimentos de confiança sobre o resultado; sentimentos relacionados com alguma incerteza sobre o resultado, um amplo espectro de sentimentos que pode acompanhar a esperança. (Dufault & Martocchio, 1985, p 382) A esperança tem um forte aspeto baseado na emoção. Enquanto muitos autores situam a esperança num quadro de referência cognitivo outros descrevem a esperança como uma emoção (Averill, Catlin & Chon, 1990; Scioli, Nyugen & Scioli, 2011).

A dimensão cognitiva foca-se nos “processos através dos quais os indivíduos desejam, imaginam, perguntam, percebem, pensam, lembram, aprendem, generalizam, interpretam e julgam em relação com a esperança” (Dufault & Martocchio, 1985, p. 384). A dimensão comportamental reporta-se à orientação para a ação da pessoa com esperança. As ações podem funcionar no sentido de alcançar uma esperança ou as ações podem ser motivadas pela esperança.

A dimensão afiliativa foca-se no sentido de ligação e relações com outros, Deus, poder superior, e outros seres vivos. A dimensão temporal diz respeito à “experiencia do tempo na pessoa com esperança (passado, presente e futuro) na sua relação com esperanças e com o

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32 esperar” (Dufault & Martocchio,1985, p.387). Finalmente, a dimensão contextual, foca-se nas circunstâncias de vida que rodeiam, influenciam e são parte da esperança de uma pessoa.

De acordo com Dufault e Martocchio (1985) a esperança é orientada em termos de processo estando continuamente em mudança. Também argumentam que há sempre esperança – alguma esfera ou dimensão de esperança está sempre presente. Só quando a esperança é interpretada como unidimensional, em vez de multidimensional e orientada em termos de processo, se pode dizer que não há esperança. Além disso a esperança pode ser influenciada e suportada por aqueles que cuidam e que ajudam (Dufault & Martocchio,1985).

Modelo de Esperança e desesperança de Farran, Herth e Popovich

Outro modelo multidimensional de esperança baseia-se no trabalho de Farran, Herth & Popovich (1995). Muita da investigação de Farran et al (1995) se baseia em descrições implícitas de esperança. Descrevem quatro atributos centrais da esperança e desespero: processo experiencial (dor da esperança), processo espiritual ou transcendente (alma da esperança), processo de pensamento racional (mente da esperança) e processo relacional (coração da esperança). A esperança é definida como:

… uma experiência essencial da condição humana. Funciona como um modo de sentir, um modo de pensar, um modo de se comportar e um modo de relacionamento consigo próprio e com o mundo. A esperança tem a capacidade de ser fluida nas suas expectativas, e no caso de não ocorrer o objeto ou resultado desejado, a esperança pode ainda estar presente (Farran et al,1995, p.6).

A desesperança, também, é considerada como “ uma experiencia essencial da condição humana. Funciona como sentimento de desespero e desencorajamento; um processo de pensamento que nada espera; e um processo comportamental em que a pessoa tenta pouco ou leva a cabo ação inapropriada” (p.25)

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33 Componentes Universais de Esperança de Morse e Doberneck

Tal como a teoria de esperança de Snyder, no âmbito da psicologia (referida anteriormente), o modelo de Morse e Doberneck (1995) é também orientado para objetivos. Baseado em investigação com quatro grupos distintos de participantes: doentes à espera de transplante cardíaco, doentes com lesão vertebro-medular, sobreviventes de cancro da mama, e mães que amamentam com intenção de continuar a fazê-lo enquanto a trabalhar. A partir da sua investigação Morse e Doberneck (1995) propuseram a seguinte definição de esperança:

a esperança é uma resposta a uma ameaça que resulta no estabelecimento de um objetivo desejado; a consciência do custo de não atingir o objetivo; o planeamento para tornar o objetivo uma realidade, avaliação, seleção e uso de todos os recurso internos e externos e apoios que assistam no alcançar do objetivo; e a reavaliação e revisão do plano enquanto suportam, trabalham e se esforçam por alcançar o objetivo desejado (p.284).

A análise qualitativa de entrevistas conduziu a uma conceptualização de esperança que envolveu sete componentes universais de esperança e quatro padrões de esperança (Morse & Doberneck, 1995). Os sete componentes universais de esperança são: uma avaliação inicial realista do predicamento ou ameaça, prevendo alternativas e estabelecendo objetivos, preparando-se para resultados negativos, uma avaliação realista de recursos pessoais e de condições e recursos externos, a solicitação de relações de suporte mútuo, a continua avaliação de sinais que reforcem os objetivos estabelecidos e uma determinação de aguentar. Os quatro padrões de esperança derivaram-se com base no modo como os componentes universais de esperança se aplicaram aos quatro grupos estudados (Morse & Doberneck, 1995). Os quatro padrões de esperança correspondentes aos grupos estudados foram os seguintes: esperar por uma oportunidade - padrão de esperança dos doentes à espera de transplante cardíaco; esperança com incremento - padrão de esperança dos doentes com lesão vertebro-medular; esperança contra a esperança - o de sobreviventes de cancro da mama e esperança provisória - o padrão de

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34 esperança de mães a amamentar e com intenção de manter amamentação enquanto a trabalhar. O modelo de esperança de Morse e Doberneck delineia uma série de passos que os indivíduos progrediram à medida que trabalharam para alcançar os seus objetivos.

Em resumo, modelos unidimensionais de esperança focam-se principalmente em objetivos. Quando o atingir de objetivos escapa largamente ao controlo individual estes modelos unidimensionais não conseguem reconhecer outros aspetos da esperança.

Os elementos conceptuais da esperança, empírica e teoricamente derivados, parecem indicar que a esperança é multidimensional, dinâmica, empowering,1central à vida, relacionada com a ajuda externa, relacionada com o cuidado, orientada para o futuro e, altamente personalizada (Cutcliffe & Grant, 2001).

Partimos para este estudo com as seguintes assunções face à esperança: a esperança é tanto uma experiência universal como extremamente pessoal; a esperança é um conceito complexo com aspetos multidimensionais da experiência humana; a esperança é uma

experiência com aspetos tangíveis e intangíveis que poderão nunca ser elucidados; a esperança parece implicar algum sentido de temporalidade, em particular uma orientação para o futuro; o valor da esperança está enraizado na experiência pessoal; a esperança parece estar ligada a um sentido de realismo.

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35 2. A Experiência Vivida Como Foco De Atenção De Enfermagem

Para podermos situar a experiência vivida como foco de atenção em enfermagem, enquanto disciplina e profissão, importa começar por uma breve incursão pelos paradigmas que em enfermagem refletem as posições existentes quanto à conceção de homem e saúde (Parse,1987).

Uma disciplina do conhecimento e prática profissional necessita ser definida por declarações sobre o domínio – as fronteiras teóricas e práticas dessa disciplina e prática Litchfield e Jónsdóttir (2008). O domínio de enfermagem inclui os fenómenos de interesse, problemas a que se dirige, principal conteúdo e métodos usados, e papeis requeridos aos membros da disciplina (Kim,1997; Meleis, 1997). Os processos e práticas da comunidade disciplinar desenvolvem-se a partir destas assunções referentes ao domínio. Teorias de enfermagem contendo descrições sobre o domínio de enfermagem podem incorporar o foco da disciplina. O foco pode incluir declarações sobre preocupações humanas, sociais e ecológicas abordadas pela enfermagem. O foco da disciplina de enfermagem é uma declaração clara do mandato social e serviço, usado para orientar o estudo e prática de enfermagem (Newman, Sime, & Corcoran-Perry, 1991).

Newman, Sime e Corocoran-Perry (1991), identificam uma evolução paradigmática da disciplina de enfermagem em três períodos, a que denominaram de Singular-Determinista, Interativo-Integrativo e Unitário-Transformativo. Em cada um dos paradigmas é possível identificar assunções que orientam não só a prática como a investigação. Descrevendo os três paradigmas de investigação, reconheceram a necessidade de uma declaração sobre o foco de atenção da enfermagem que veiculasse o seu mandato social.

Na perspetiva de Newman, Sime & Corcoran-Perry (1991), o foco de uma disciplina deriva de um sistema de crenças e valores acerca do compromisso social da profissão, natureza do seu serviço e área de responsabilidade para o desenvolvimento do conhecimento. Assim, o

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36 foco da disciplina de enfermagem será o estudo do cuidar no contexto da experiência humana de saúde. Newman citada por Litchfield e Jónsdóttir (2008) explicou que “cuidar designa a natureza da participação da prática de enfermagem…a dimensão experiencial caracteriza o fenómeno (de saúde humana) como algo para além da perspetiva objetiva-subjetiva tradicional” (p.87). Este foco implica um mandato social e uma identidade de serviço e especifica um domínio para o desenvolvimento do conhecimento (Newman, Sime & Corcoran-Perry, 1991).

Considerar a enfermagem no ramo das ciências humanas, coloca o seu processo de investigação centrado na pessoa, ser que age intencionalmente no mundo e em que “as suas acções são portadoras de significados cuja estrutura importa compreender, isto é, explicar e interpretar” (Oliveira & Botelho, 2010, p. 20).

Segundo Kim (2015) é o que os enfermeiros fazem na prestação direta de cuidados que constitui o núcleo (core) da enfermagem como disciplina prática. A designação disciplina prática é utilizada por autores como Litchfield & Jonsdottir (2008) referindo-se a disciplinas do conhecimento ou áreas do saber em que o saber “é obtido tanto da prática profissional a que respeita por processos indutivos como por processos de abstração teórica, como exploração conceptual e análise conceptual. O saber disciplinar tem também um interesse prático” (Basto, 2009, p.12)

Na sua perspetiva não são as ações ou relações per se como entidades discretas que fazem o que a prática de enfermagem é mas sim o modo como são integradas por uma enfermeira ou enfermeiro no contexto da pessoa em necessidade de assistência e serviço (Kim, 2015). As ações discretas, ou tarefas, apesar de poderem ser valiosas e essenciais como segmentos da prática de enfermagem são “técnicas” em si mesmas que podem ser realizadas com perícia a quem for dado treino ou por quem tenha experiência. “E porque técnicas são só instrumentos e métodos aplicáveis no contexto de uma finalidade, desenho, ou produção, é o contexto de aplicação que é da maior importância” (Kim, 2015, p.2).

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37 Na perspetiva de Kim (2015) a enfermagem é um tipo de serviço humano socialmente mandatado,

cuja natureza e exigências mudam com as mudanças que ocorrem nas instituições sociais mais amplas e cultura. Por isso, a prática de enfermagem não pode ser presumida como tendo um carácter estático, mas deve ser considerada em evolução e mudança (p.2). No sentido de fornecer uma visão compreensiva que permita extrair as características essenciais da prática de enfermagem como prática profissional de serviço humano, Kim (2010; 2015) elaborou um modelo analítico configurado por cinco estruturas: a) a perspetiva, b) o conhecimento, c) a filosofia, d) a dimensão e e) o processo.

A perspetiva identifica os sistemas de valores que guiam a prática de enfermagem: a) holismo, b) orientação para a saúde, c) cuidar, e d) pratica centrada na pessoa. Embora evoluindo estes sistemas de valores fornecem a base para todas as outras estruturas que determinam a natureza da prática de enfermagem.

O conhecimento determina a natureza do conhecimento necessário para a prática de enfermagem. Esta estrutura é pré-configurada pela perspetiva, mas ao mesmo tempo é a base a partir da qual a estrutura da perspetiva se pode desenvolver.

A filosofia fornece os fundamentos filosóficos para o modo como a prática de enfermagem deve ser desenvolvida e consiste em três orientações filosóficas: a) a filosofia do cuidar, b) a filosofia da terapia, e c) a filosofia do trabalho profissional.

A dimensão refere-se ao conjunto das características que compõem a natureza da prática de enfermagem e que se baseia em cinco “racionalidades organizadoras” para caracterizar a prática de enfermagem. São as “dimensões científica, técnica, ética, estética e existencial, guiadas por cinco racionalidades organizadoras que especificam cinco formas diferentes de «modus operandi» na prática de enfermagem” (Kim, 2015, p.19).

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