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Comunidade quilombola: escutando dizeres sobre sua cultura / Quilombola community: listening to say about your culture

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Academic year: 2020

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Comunidade quilombola: escutando dizeres sobre sua cultura

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Quilombola community: listening to say about your culture

DOI:10.34117/bjdv6n5-451

Recebimento dos originais: 10/04/2020 Aceitação para publicação: 22/05/2020

Rosely Ribeiro Lima

Professora Adjunta da Universidade Federal de Jataí (UFJ). E-mail: roselyl@gmail.com

Margareth Araújo e Silva

Professora Adjunta da Universidade Federal de Jataí (UFJ).

Anna Clara Trindade Lima

Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG – Regional Jataí), período de 2017-2018.

Solange de Jesus Silva

Bolsista do Programa Bolsas de Licenciatura (PROLICEN) da Universidade Federal de Goiás (UFG – Regional Jataí), período de 2017-2018.

RESUMO

Esse artigo faz parte de estudos desenvolvidos junto ao plano de trabalho de pesquisa denominado A cultura negra dentro de um Quilombo, vinculado ao projeto de pesquisa intitulado Comunidade Quilombola: constituição identitária e vivências formativas escolares e não escolares que busca compreender como estão sendo tecidas as constituições identitárias e as vivências formativas escolares e não escolares do grupo de sujeitos moradores de uma Comunidade Quilombola. Buscamos nesta parte dos trabalhos alcançar principalmente os seguintes objetivos: estudar, refletir e escrever sobre os diversos conceitos de cultura e acerca da cultura negra; visitar e fazer observações na Comunidade Quilombola. Uma vez que partimos de paradigmas da área da Psicologia e da Educação, duas áreas que apenas recentemente passaram a se interessar pelos estudos sobre temáticas étnicas, a Antropologia faz-se necessária para complementar os subsídios teóricos que respaldam esse estudo. Em uma das visitas técnicas promovemos oficinas e realizamos entrevistas. Os resultados indicam que a cultura desse povo é negligenciada na escola e possivelmente não refletida no espaço do quilombo para fomentar o pensamento crítico dos adolescentes quilombolas.

Palavras-chave: Comunidade Quilombola. Cultura. Escuta. ABSTRACT

This article is part of studies developed together with the research work plan called The Black Culture within a Quilombo, linked to the research project entitled Quilombola Community: identity constitution and school and non-school training experiences that seeks to understand how the constitutions are being woven identity and school and non-school formative experiences of the group of subjects living in a Quilombola Community. We seek in this part of the works to achieve mainly the following objectives: to study, reflect and write about the different concepts of culture and about black culture; visit and make observations in the Quilombola Community. Since we started from paradigms in the area of Psychology and Education, two areas that have only recently become interested in studies on ethnic themes, Anthropology is necessary to complement the theoretical subsidies that support this study. During one of the technical visits, we promoted workshops and

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conducted interviews. The results indicate that the culture of this people is neglected at school and possibly not reflected in the quilombo space to foster critical thinking among quilombola teenagers.

Keywords: Quilombola Community. Culture. Listening. 1INTRODUÇÃO

O racismo no Brasil pode ter várias origens dependendo da formação de cada pessoa. Muitos pesquisadores sobre a temática afirmam que o ambiente no qual estamos inseridos pode despertar essa atitude discriminatória, uma vez que nosso pensamento pode ser influenciado por grupos e pessoas que fazem parte do nosso dia-a-dia.

As pessoas não herdam, geneticamente, ideias de racismo, sentimentos de preconceito e modos de exercitar a discriminação, antes os desenvolvem com seus pares, na família, no trabalho, no grupo religioso, na escola. Da mesma forma, podem aprender a ser ou tornar-se preconceituosos e discriminadores em relação a povos e nações (LOPES, 2005, p. 188).

Levando em conta essa afirmação, diversos historiadores já afirmaram que a escravidão no Brasil se iniciou com a chegada dos portugueses ao nosso país em meados do século XVI. Eles traziam consigo os africanos nos porões dos navios negreiros, em condições sub-humanas, alguns morriam antes de chegarem ao destino. Aqueles que conseguiam sobreviver eram vendidos pelos portugueses como mercadorias, os que apresentavam melhores condições e disposição para trabalhar eram comprados por um preço maior.

Na época o Brasil era povoado por vários grupos indígenas e muitos deles foram utilizados como escravos; mas os missionários portugueses perceberam que os índios não conseguiam desempenhar as funções impostas aos escravos, uma vez que, eles eram acostumados a fazerem apenas atividades para sua sobrevivência, a partir daí os cristãos passaram a catequizá-los, interrompendo o processo de escravidão dos mesmos.

A produção de cana de açúcar no território brasileiro obrigou os negros a trabalharem nas zonas rurais; as lavouras careciam de uma mão-de-obra forte. As condições de trabalho eram precárias e desumanas, qualquer distração era motivo para que os negros fossem chicoteados, a alimentação era regrada, durante a noite eles viviam presos em senzalas, muitos tentavam fugir, mas eram impedidos e castigados.

A partir daí os negros ficaram submissos, foram obrigados a abandonar seus costumes e tradições. Todos esses fatores contribuíram para que eles fugirem em grandes grupos para os quilombos, que são considerados os locais de refúgio dos escravos. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil foi o último país do mundo a abolir o trabalho escravo.

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Os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas; mas também as heranças, doações, recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após a sua extinção. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO, 2002, p.130).

Essa breve história mostra o quanto os negros foram discriminados e explorados na época da escravatura no Brasil, eles foram desrespeitados, tiveram seus direitos violados por outra raça que se julgava superiores. O tempo passou e o racismo tornou-se uma prática proibida, porém o que se percebe é que ainda existe a discriminação racial na sociedade brasileira.

Para Lopes (2005):

Um olhar atento sobre a realidade do povo brasileiro mostra uma sociedade multirracial e pluri-étnica que faz de conta que o racismo, o preconceito e a discriminação não existem. No entanto, afloram a todo momento, ora de modo velado, ora escancarado, e estão presentes na vida diária. (LOPES, 2005 p. 186).

A autora evidencia que independente das leis e das normas que visam acabar com atitudes racistas e discriminatórias contra os negros, ainda é possível afirmar que grande parte dos brasileiros continua alimentando suas ideias e atitudes preconceituosas, de forma consciente e inconsciente.

Perante o exposto, entendemos a necessidade de se acompanhar as constituições identitárias e as vivências de grupos de pessoas que moram nos quilombos, para conhecermos os vários mecanismos que acionam em suas vivências para lidar com esta sociedade que ainda carrega atitudes, comportamentos e ideias preconceituosas.

Partindo desse problema social, este artigo é resultante de uma pesquisa integrada aos estudos sobre a Comunidade Quilombola, localizada no município de Mineiros, Estado de Goiás, vinculada ao projeto de pesquisa intitulado Comunidade Quilombola: constituição identitária e vivências formativas escolares e não escolares que recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal de Goiás, sob o Número 1.864.576. A iniciativa está vinculada na busca por conhecer o que seja a cultura negra. O trabalho se justifica na necessidade de valorizar a cultura negra do Estado de Goiás, na tentativa de mapear sua realidade a partir das vivências e apresentar uma possível imagem identitária da mesma.

Buscamos alcançar principalmente os seguintes objetivos: estudar, refletir e escrever sobre os diversos conceitos de cultura e acerca da cultura negra; visitar e fazer observações na Comunidade Quilombola do Cedro. Na visita utilizamos como técnica de coleta de dados observações, com o uso

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de caderno de campo. A partir deste caderno de campo fizemos reflexões sobre as categorias cultura e cultura negra, ambas vivenciadas no local e relacionadas com as referências bibliográficas sobre o tema. A pesquisa se valeu de uma abordagem qualitativa, junto a Psicologia Social, valorizando os trabalhos etnográficos.

2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE QUILOMBOLA

A compreensão do mundo que dirige a vida das pessoas é organizada em virtude de fatos em que o ser humano sincroniza seus projetos em um tempo e espaço que impõem a sua biografia. Nessa ideia, a interação social tem papel importante na vida cotidiana. É mediante a situação face a face que os sujeitos podem se constituir enquanto seres sociais, e é através da interação social que modelos são apreendidos na sociedade e, também, é a partir dela que o sujeito constrói sua identidade.

Segundo Berger e Luckmann (2004), a sociedade, enquanto realidade subjetiva, é construída a partir da interiorização de fatos e compreensões do cotidiano. Assim, é na infância que a criança, através do convívio familiar e, posteriormente, por meio da escola, apreende os significados sociais e naturaliza sua participação no mundo e caminha para a autonomia do adulto.

Berger e Luckmann (2004) nos ensinam que, no que tange à identidade, é possível verificar um movimento dinâmico, pois a identidade constrói o social, entretanto, é construída socialmente. Deste modo, não somente o conhecimento e a realidade são produtos da atividade humana, como também, a própria identidade que não se forma individualmente. Diante do que foi dito, a singularidade do sujeito é algo social, se considerarmos que só existe em confronto e conciliação com o ‘outro’, na interação e na relação de partilha de universos de significados.

Constantemente, o ser humano cria várias significações para lidar com o mundo. Gestos, linguagens, ferramentas - utensílios domésticos, equipamentos eletrônicos, entre outros - e interações sociais fazem parte das práticas dos sujeitos para compreenderem a realidade, agirem nela e se desenvolverem em suas existências. Depreendemos, desta maneira, que os sujeitos necessitam adquirir e ampliar seus conhecimentos para melhor viver.

Com o intuito de obter tal grau de compreensão sobre o mundo, os sujeitos precisam mediar seus entendimentos uns aos ‘outros’ para facilitar suas vidas. Esta intenção proporcionou a criação do discurso, em que todos podem obter, conhecer, criar e re-criar reflexões sobre a realidade. Diante do exposto, as possibilidades de interação, de se fazer entendido e de compreender os significados atribuídos para diversas realidades e seus objetos são constantemente construídas e reconstruídas em um dinâmico movimento de influências mútuas.

Conforme Berger e Luckmann (2004), a construção social da realidade é um processo complexo e dinâmico, é o conhecimento obtido pela simbolização, significação, interpretação e domínio de

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fatos e objetos do mundo físico e social. Conforme o exposto, podemos afirmar que a elaboração de conhecimento do sujeito e dos grupos sociais e a própria prática discursiva facilitam a criação, como, também, a recriação de conhecimentos, são potencialidades principais para a consolidação da formação humana, englobando os conhecimentos formados e mediados pela cultura, tradição, ciência e religião de um povo.

Esses dizeres que se cruzam são aqueles que adquirimos no passado com a interação entre sujeitos; são também estes resultados dos diálogos que realizamos nas situações concretas da realidade, no falar com o ‘outro’ e soma-se àqueles tantos outros discursos que recebemos da cultura, da sociedade, da arte em geral, da ciência e da ideologia que nos envolve. Portanto, quando falamos/ouvimos/gesticulamos/desenhamos/etc sobre algo estamos construindo significações acerca do assunto tratado a partir das significações que já temos, tanto em formato singular por nossas vivências, como no ato do diálogo do ‘eu’ com o ‘outro’, além mais, acrescenta-se as significações sociais e ideológicas que estão inseridas na nossa consciência individual e social.

Na multiplicidade de discursos interiores e exteriores, onde falamos/ouvimos/gesticulamos/desenhamos/etc obtemos entendimentos acerca do mundo. Conforme Bakhtin/Volochinov (2006), mediante a alteridade que os sujeitos se constituem e se modificam constantemente. A alteridade é fundamento da identidade, pois o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, a existência do "eu-individual" só faz sentido se estiver contato com o outro. Desta forma, ao se moldar e modificar, se constitui identidade.

Mediante esses processos de significações e simbolizações das coisas do mundo, as pessoas dialogam, formam e organizam suas culturas, expõem e representam seus pensamentos, criam objetos, práticas e normas sociais. Os signos são fundamentais, pois fornecem ao sujeito uma dimensão simbólica, que o conecta as realidades sociais e naturais. Todavia, o entendimento de mundo é vivo, pois o ser humano é um sujeito histórico-cultural, em que media conhecimentos repassados/reproduzidos para novas gerações.

A formação humana se dá nas interações sociais. Entender uma realidade determinada depende dos conhecimentos locais, grupais em uma específica época. Todavia, sabemos que existem referências de significados consensuais, representações sociais que possibilitam entendimentos e práticas comuns dentro de uma comunidade. É neste jogo de relações de unicidade e de consensualidade de significações que a cultura quilombola está situada.

Perante esse entendimento, propusemos saber como os quilombolas compreendem sua cultura e constroem a sua realidade, conhecendo assim, as enunciações que conectam, ligam, consolidam, constituem, envolvem, entrelaçam, a teia de compreensões sobre a comunidade.

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3 REFLEXÕES ACERCA DOS TRABALHOS DESENVOLVIDOS

O presente trabalho abordou a cultura negra de um quilombo, com este intuito foi organizada e realizada uma viagem para a Comunidade Quilombola do Cedro/Mineiros/GO, com a participação de alunos de diversos cursos da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí, que aconteceu no dia 18 de novembro de 2017. A intenção da viagem foi conhecer um pouco da cultura do quilombo, sua história e, especialmente, seus modos de vida e de pensamento, como também oferecemos oficinas pedagógicas, principalmente para levar diversão e entretenimento para as crianças da comunidade.

Em primeiro momento tivemos a oportunidade de conhecer o espaço do laboratório onde produzem os remédios medicinais. São todos fabricados com plantas naturais, o local também possui uma loja para a venda dos remédios, conhecida por eles como farmacinha. Visitamos também a horta onde cultivam hortaliças e as plantas medicinais.

Após essa atividade, observarmos o espaço predial da comunidade, uma parte dos alunos foi conhecer uma das várias nascentes de água existente próximo à comunidade, até chegarmos ao rio denominado Rio Verde, que está aproximadamente situado a três quilômetros de distância de onde os espaços prediais da comunidade estão localizados. Conseguimos ter acesso à beira do rio, pois o nível de água se encontrava abaixo do considerado normal.

Após o almoço os responsáveis pelo quilombo fizeram uma roda de conversa apresentando um vídeo onde mostra um pouco da história da Comunidade Quilombola do Cedro, como surgiu, a época em que chegaram à cidade de Mineiros – GO. Falaram sobre sua cultura, como eram e são as crenças religiosas, danças, costumes e o preconceito racial que ainda sofrem nos dias atuais.

Além dos trabalhos propostos no plano de trabalho, realizamos estudos do trabalho de Roberto Cardoso de Oliveira (1998), com o título O trabalho do antropólogo. Acrescentamos esta referência ao nosso projeto para que pudéssemos ter uma melhor inserção dentro da Comunidade Quilombola visitada. Perante este estudo de Oliveira (1998), compreendemos as melhores maneiras de guiar nosso pensamento e nossas ações perante a comunidade que nos recebeu na visita de campo.

Oliveira (1998) aborda em sua obra orientações facilitadoras para o trabalho de um antropólogo, orientações essas voltadas para o estudo das ciências sociais, dando ênfase a pesquisa empírica com interpretação dos resultados obtidos. Induz o pesquisador a indagar sobre as principais “faculdades do entendimento” sócio – cultural. O processo de pesquisa de um antropólogo se dá por meio de três etapas para que se possa chegar a uma reflexão e produção de conhecimento, sendo essas etapas o olhar, ouvir e escrever, sendo sempre questionados, mesmo parecendo simples de serem realizados. Na maioria das vezes, a primeira experiência que um antropólogo tem em suas pesquisas de campo é o olhar, por este motivo o pesquisador precisa se domesticar teoricamente; ou seja,

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aprofundar seus estudos sobre o determinado tema ou lugar que será estudado, podendo observar com clareza todos os aspectos e características existentes em um determinado ambiente.

Oliveira (1998) mostra um exemplo em uma pesquisa em uma tribo indígena, o pesquisador deve observar como as pessoas que compõem essa tribo se portam; como trabalham e agem em situações diversas. Mas pode-se destacar que o olhar por si só não é o suficiente para alcançar um resultado favorável, o pesquisador deve se apropriar de algo sobre o tema pesquisado antes das observações para obter um entendimento, facilidade e clareza.

Além do olhar tem também o ouvir, que está relacionado com entrevistas feitas com nativos, pois apenas com o olhar o antropólogo não é capaz de colher as informações necessárias para fomentar uma pesquisa. A obtenção de informações através do ouvir é considerada matéria-prima para os antropólogos.

Pode-se destacar que a maior dificuldade encontrada para se obter êxito com as entrevistas e a limitação da linguística, pelo fato de existir diferentes idiomas e culturas. No momento da entrevista faz com que crie uma intimidade entre pesquisador e nativo, quebrando barreiras com algum pré-conceito concebido de ambas as partes. O pesquisador deve ter uma relação de igual para igual com o nativo, que não haja um receio existindo então uma verdadeira interação de conhecimentos.

O olhar e o ouvir podem ser considerados como atos cognitivos preliminares no trabalho de campo, e é na parte final do trabalho que se torna crítico, pois entra o ato de escrever, relatar de uma forma escrita os materiais que foram colhidos durante a pesquisa de campo.

Cardoso de Oliveira (1998, 2003) diz que segundo Geertz, o antropólogo deve-se partir da ideia de separar e avaliar duas etapas distintas de uma investigação empírica, sendo a primeira a procura em qualificar o ato do antropólogo, ter realmente vivenciado o estudo em campo, e a segunda, é a experiência de viver ou trabalhar em determinada situação vivenciada. Assim, podemos entender que o olhar e o ouvir fazem parte da nossa percepção de realidade e o escrever é associado ao ato do pensamento, ao ato de pensar, estando todos sintonizados com um sistema de valores.

Além de olhar e ouvir, é preciso saber quem são as pessoas que queremos conhecer. Nesta linha de reflexão, buscamos autores que trazem um pouco sobre partes da realidade vivida pelo grupo de participantes desta pesquisa. Rocha (2007) em sua tese expõe a Educação de crianças negras em Goiás na época de 1871 a 1889, pois a partir da criação da Lei do Ventre Livre nº 2040, de 28 de setembro de 1871 surgiu a possibilidade de inserir crianças negras na educação escolar. A autora teve como principal referencial teórico a abordagem antropológica segundo Geertz.

Através dessa abordagem antropológica, Rocha (2007) embasou sua pesquisa para a cultura e educação de crianças negras, e estudando o conceito de cultura notou-se que não existe apenas uma cultura que se sobreponha às demais, mas sim culturas, cada uma da sua maneira de ser e acreditar;

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diante disso, entende-se que o processo de cultura é inseparável ao processo de educação, onde os dois andam juntos, fomentando contribuições mútuas.

A intenção dessa pesquisa de Rocha (2007) foi a de certificar se existiu espaço para crianças negras na educação brasileira, pois ao menos na teoria crianças negras da época eram livres para galgar do direito a educação. Para a autora existiu duas instituições consideradas de ensino que eram conhecidas como Colônia Orfanológica Blasiana e a Companhia de Aprendizes Militares. O ensino da primeira instituição era meramente voltado para a formação da mão-de-obra, pois o trabalho agrário estava em alta e também o ensino da segunda era voltado para a formação militar. Observa-se que a inObserva-serção da criança negra não ocorreu da maneira como deveria, pois, essas crianças ainda eram vistas como escravos, pois governantes e pessoas da elite buscavam manter a mão-de-obra barata, não respeitando a Lei do vento Livre.

Vários abolicionistas participaram de movimentos para a libertação dessas crianças, para que pudessem usufruir dos direitos constituídos pela lei, mas foi apenas com a criação da Lei Áurea em 1888 que afirmou a liberdade para todos os negros e seu direito enquanto cidadão, oportunizando, possibilidades de emancipação jurídica.

Em Goiás a educação era voltada para a relação estimulo-resposta, enquadrava-se nas habilidades manuais, pois acreditavam que era a única coisa que conseguiam dominar. Acreditavam que a educação dessas crianças deveria comtemplar a violência como forma de educação, que estava relacionado ao pensamento de adestramento, ou mesmo ao pensamento da sociedade escravocrata.

Em 1888, foi fundada a comunidade do Cedro no município de Mineiros, Estado de Goiás. Vindo de Moçambique, Francisco de Antônio Moraes, mais conhecido como Chico Moleque, foi o fundador da comunidade. Depois que chegou ao Brasil, foi instalado em Minas Gerais, como escravo dos fazendeiros. Naquela época, quando os filhos dos fazendeiros casavam, estes ganhavam de presente um casal de escravos; Moraes entrou dentro destes casos.

Moraes era comprometido com os trabalhos da fazenda, construía cercas, carros de boi, sabia organizar vários setores, comportamento que promoveu confiança ao seu dono. Junto a esta boa relação, ele foi liberado para trabalhar nas horas vagas para construir cercas para outros fazendeiros da região de Minas. Com isto, ele foi ganhando seu próprio dinheiro, consequentemente, comprou a sua liberdade e também de sua esposa.

A partir dessa conquista, eles foram trabalhar por conta própria, com o mesmo intuito de economizar seus ganhos. Obtendo uma quantia importante, tomaram ciência da venda de terras na região de Mineiros, no Cedro. Sendo terras habitadas por índios, Moraes construiu amizades com os mesmos, obtendo a compra de parte destas terras. Quando diversos escravos fugiam de diferentes

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espaços, Moraes os abrigaram nestas terras do Cedro. A libertação dos escravos veio muito tempo depois.

No Cedro, eles trabalhavam em mutirão, faziam reunião para fazer a roça de um compadre, outro dia roça de outro. Ao passar dos anos foram casando entre si, sendo todos fugitivos. O compadre é quem fazia o casamento entre seus filhos, que ficavam casados ao longo de toda a vida.

Quando contraiam doenças, eles mesmos se curavam com plantas medicinais. Até hoje, eles mantêm essa cultura, e têm os seus próprios centros comunitários de plantas medicinais do Cedro, aonde vão pessoas de todos os lugares comprarem as garrafadas, o remédio caseiro para se curarem, pois tem remédio para todos os tipos de doenças. Somente as mulheres é que trabalham no centro comunitário, ganharam um curso para saber como trabalhar com as plantas medicinais, de como engarrafar para não perder o remédio, a validade de cada remédio para consumido.

Após essas compreensões buscamos organizar os dados recolhidos na oportunidade da visita ao Quilombo do Cedro. Em relação às entrevistas, fizemos a transcrição de seis, sendo o total de contatos obtidos. Todos tinham ancestralidade étnica advinda do quilombo. Tivemos oportunidade de entrevistar três adultos de 45, 41 e 40 anos e três adolescentes de 13 anos. Dois adultos informaram que concluíram o ensino médio e um deles parou no 6º ano do ensino fundamental. Os adolescentes estão cursando a segunda fase do ensino fundamental.

Os dados indicam que os adultos apresentam a concepção que ser quilombola está diretamente ligado à família e a uma importante ancestralidade de pessoas que lutaram para a conquista da liberdade para seu povo. Narram que sentem orgulho da sua etnia e que não sentem vergonha da cultura que vivenciam, desde as roupas e os rituais. O conhecimento principal que destacaram sobre sua cultura é o saber sobre as plantas medicinais e seu uso.

Para os adolescentes ser quilombola está vinculado ao local de vivência do quilombo, lugar em que realizam atividades e brincadeiras. Alguns narram a importância de preservar a cultura de seu povo, todavia, não souberam responder quais são os conhecimentos mais importantes de sua cultura.

É importante destacar a valorização apresentada por todos os entrevistados acerca da cultura vivenciada no Quilombo do Cedro. Todavia, pode-se perceber que é preciso trabalhar de forma mais sistematizada esta valorização e o regate de saberes dos antepassados, com uma educação cultural mais próxima dos adolescentes e crianças, pois eles não conseguem dizer sobre qual é o principal papel do quilombo e da importância dele para suas vidas. Quando falamos, estamos apresentando o que sabemos sobre determinado tema, de outra forma, é fácil falar sobre o que somos; de outro lado, não dizer sobre algo tão próximo, que faz parte de sua identidade, apenas por não saber dizer, pode ser sinal de distanciamento do tema em questão.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses resultados indicam que a cultura desse povo é negligenciada na escola e possivelmente não refletida no espaço do quilombo para fomentar o pensamento crítico dos adolescentes quilombolas. Conforme Rocha (2007), as crianças negras eram educadas com o intuito de serem mão-de-obra barata para a classe dominante, atualmente, elas não conseguem refletir sobre a sua identidade quilombola. Isto é resultante de uma história da educação escolar que negou intencionalmente o fomento da cultura deste povo.

Segundo Geertz (1978) em todos os formatos das sociedades está a cultura, que pode ser definida como um sistema cultural de organização, como também, de controle dos grupos. Para o autor isto se dá nas relações de poder estabelecidas entre os grupos, formando padrões de significados transmitidos historicamente, fazendo uso de símbolos, conhecimentos, valores, atitudes para a concretização em comportamentos individuais/grupais/sociais.

Perante o exposto, refletimos nesta pesquisa que as formas de dominação e controle da cultura negra permaneceram, todavia, com outras características que precisam ser identificadas, combatidas para, assim, pensarmos em uma sociedade justa, igualitária e solidária.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12 ed. São Paulo: HUCITEC, 2006. 201 p.

BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Tradução Floriano de Souza Fernandes. 24 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 247 p.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O Trabalho do Antropólogo. Brasília/ São Paulo: Paralelo Quinze/Editora da Unesp. 220 pp. 1998. Pág. 17 a 35.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade étnica, identificação e manipulação. In Sociedade e Cultura nº6, nº2 (jul/dez, 2003) pp. 17 a 132. Goiânia: Departamento de Ciências Sociais, FCHF/UFG, 2003.

GEERTZ, C. A. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

LOPES, Vera Neusa. Racismo, Preconceito e Discriminação. In: Superando o racismo na escola. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizada e Diversidade. Brasília: MEC, 2005. Disponível em : <http://etnicoracial.mec.gov.br/2013-03-06-18-02-36>. Acesso em: 25 nov. 2015.

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ROCHA, Fernanda Franco. Cultura e educação de crianças negras em Goiás (1871-1889). Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2007.

SCHMITT, Alessandra; TURATTI, Maria Cecília Manzoli and CARVALHO, Maria Celina Pereira de.A atualização do conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Ambient. soc. [online]. 2002, n.10, pp. 129-136. ISSN 1809-4422. Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S1414-753X2002000100008>. Acesso em:07 fev. 2016.

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