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Estado, segurança pública e mediação

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Academic year: 2020

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Andrine Oliveira Nunes Advogada. Aluna do Mestrado em Direito Constitucional do Programa de Pós-graduação em Direito Mestrado e Doutorado em Direito Cons-titucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail: andrinenunes@hotmail.com

RESUMO: O processo civilizatório da sociedade compreende

transfor-mações tecnológicas, culturais, econômicas, sociais. Estas geram novas situações, diferentes conflitos e questionamentos, principalmente, sob o Estado e a segurança. Há a percepção da dissociação entre governança e sociedade, entre a atuação dos agentes de segurança e a comunidade, demonstrando a complexidade dos conflitos e a necessidade de novos mecanismos que possibilitem a transformação do conflito e a construção da paz. A mediação de conflitos é o procedimento de resolução pacífica de conflitos por meio do diálogo e da construção de consenso, que identi-fica a complexidade das controvérsias e contribui para a inclusão social.

Palavras-chave: Estado; Segurança Pública; Mediação.

ABSTRACT: The civilization process of the society understands

technological, cultural, economic, social transformations. These generate new situations, different conflicts and questionings, mainly, under the State and the security. It has the perception of the division between government and society, enters the performance of the security agents and the community, demonstrating the complexity of the conflicts and the necessity of new mechanisms that make possible the transformation of the conflict and the construction of the peace. The mediation of conflicts is the procedure of pacific resolution of conflicts by means of the dialogue and the construction of consensus, that identifies the complexity of the controversies and contributes for the social inclusion.

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INTRODUÇÃO

Poucos problemas sociais mobilizam tanto a opinião pública como a criminalidade e a violência. Pois estes são alguns daqueles problemas que afetam toda a população independentemente de classe, raça, credo religi-oso, sexo ou estado civil. As consequências desses problemas se refle-tem tanto no imaginário cotidiano das pessoas, como nas cifras extraordi-nárias a respeito dos custos diretos da criminalidade violenta.

Para tanto, o objetivo do presente trabalho é analisar a influência da crise do Estado sob o aspecto da segurança pública. Para, ao final, dispor sobre a necessidade de associação entre a atuação policial e o respeito aos direitos humanos.

1 ESTADO E POLÍCIA: STATUS QUO E PERSPECTIVAS

Na sociedade denominada primitiva, segundo historiadores, as rela-ções entre os setores da vida social se davam diretamente. A cultura, a economia e a política existiam em razão do território e só tinham emana-ções no seu interior. O território pertencia aos seus moradores e esses pertenciam àquele território. Criava-se, portanto, uma identidade entre as pessoas e seu espaço geográfico. Para manter essa identidade e os seus limites, necessitava-se ter clara a ideia de domínio e poder. Formava-se, assim, um conjunto indissociável entre a política, a economia, a cultura, a linguagem, criando-se, paralelamente, a ideia de comunidade, como a de um contexto limitado no espaço.

Com a globalização, esta limitação de espaço ficou pormenorizada, consequentemente, a dissociabilidade deste conjunto ficou visível, haja vista que este novo instrumento de informação e associação nem sempre informa e associa. O que marca a globalização como forma cristalina de ruptura desse processo de identidade entre território e comunidade. Não é a toa que François Chesnais traduz a globalização como “a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque e conduta ‘globais’”(CHENAIS, 1996, p. 17).

Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente infor-ma as pessoas. A partir desse mito e do encurtamen-to das distâncias – para aqueles que realmente podem viajar – também se difunde a noção de tempo e espa-ços contraídos. É como se o mundo se houvesse

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tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço do atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramen-te universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. (SANTOS, 2005, p. 18-19).

Essa ingerência de valores nas sociedades acaba por criar uma ilusão no inconsciente das pessoas, tendo como conseqüência uma sociedade alienada com ares de informatizada. Informação sim, conscientização não. A idéia é passar para a popula-ção que todos detêm o conhecimento das coisas, que não existe predomínio de nenhuma nação ou ideologia, entretanto, o sistema consagra o discur-so único, qual seja: o poderio do dinheiro, isto é, do poder pelo poder. (NUNES, 2008, p. 125).

Assim, este modelo de sociedade vigente não favorece a solidarie-dade, mas sim a concorrência; não o diálogo e o consenso, mas a disputa e a luta de todos contra todos. Por isso, as virtudes humanas da sensibili-dade pelo outro e de colaboração desinteressada são secundarizadas para dar lugar aos sentimentos que se nutrem da violência, da exclusão e da vantagem pessoal.

O aumento da violência urbana, em grande parte fruto de uma política econômica de exclusão social, tem em muito contribuído para a violação de direitos humanos e para o aumento da criminalidade em nos-sas cidades. Diante de uma população que se sente desprotegida, o Estado (União, Estados e Municípi-os) tem que oferecer uma resposta imediata, pois apesar das causas sociais, a criminalidade também tem seu caráter patológico, e deve ser combatida em qualquer situação social, esta é uma responsabili-dade obrigatória do Estado para com a população. (ROCHA, 2005).

Daí questiona-se: como fazer para associar à postura do Estado o desenvolvimento econômico e a concretização dos direitos sociais; a so-berania da nação nos seus aspectos sociais, culturais e econômicos e a influência mercadológica de outras culturas? Qual o papel do Estado di-ante da atual violência e exclusão social vivenciada pelos indivíduos das diferentes camadas da sociedade?

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O monopólio estatal da violência1 é um dos maiores desafios da

instauração do Estado de Direito, tanto pelo lado do efetivo controle, por parte da sociedade civil e do governo, das forças repressivas de estado, na imposição responsável de lei e ordem, quanto pelo do controle da vio-lência endêmica na sociedade civil, que faz valer a vontade do mais forte pelo uso de armas. Notadamente, vê-se a guerra entre quadrilhas pelo controle do tráfico.

A relação de oposição estabelecida entre poder e violência revela-se quando a afirmação absoluta de um significa a ausência do outro. A redução do poder pelo déficit da capacidade de agir em conjunto é um convite à violência, pois aqueles que perdem esta capacidade – sejam governantes ou governados – dificilmente se opõem à tentação de subs-tituir o poder que está desaparecendo pela violência (ARENDT, 1994, p. 41-44).

O mito de que a soberania do Estado é capaz de garantir ordem e controle da criminalidade foi derrubado. A internacionalização dos crimes e a extrapolação da justiça de um território é outro fator da tendência a privatizar a segurança, transferir a necessidade individual à responsabili-dade de cada indivíduo.

Ao longo de mais de cem anos de vida republicana, a violência em suas múltiplas formas de manifesta-ção permaneceu enraizada como modo costumeiro, institucionalizado e positivamente valorizado – isto é, moralmente imperativo -, de solução de conflitos decorrentes das diferenças étnicas, de gênero, de classe, de propriedade e de riqueza, de poder, de privilégio, de prestígio. Permaneceu atravessando todo o tecido social, penetrando em seus espaços mais recônditos e se instalando resolutamente nas instituições sociais e políticas em princípio destina-das a ofertar segurança e proteção aos cidadãos. (ADORNO, 1995, p. 301).

As raízes históricas da violência no Brasil mostraram-se translúcidas na forma de hiato entre o mundo das leis e o mundo real; no autoritarismo socialmente implantado, enfim, na lacuna entre os direitos civis, sociais e políticos.

1 Para Max Weber (1970, p. 56), o monopólio estatal da violência legítima não significa

apenas ter o direito exclusivo da violência, mas sim o monopólio de ditar e interditar a violência.

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No processo de constituição da vida política brasileira, pode-se ob-servar que a violência sempre repercutiu e esteve presente em momen-tos da sua história como na estruturação do poder local, nos movimenmomen-tos pré e pós-independência, no estado de sítio, como também nos golpes de estado, na ditadura da era republicana, e na contenção dos movimentos populares.

Nesse contexto, como cobrar do Estado postura diferenciada das práticas históricas? Por outro lado, não se pode ignorar que o primeiro passo já foi dado, com a consagração de uma Constituição cidadã, pro-mulgada em 1988. O resguardo dos direitos fundamentais, como a vida e a liberdade, e dos direitos sociais, como a educação, a saúde e o trabalho, nas cláusulas pétreas demonstra a disposição para fazer valer a normatização. Todavia, apesar dos esforços governamentais2, a prática

ainda continua bastante dissociada da teoria disposta constitucionalmen-te, isto é, não se desconhece a existência de um abismo entre o que é e o que deveriam ser práticas de governo no exercício da governança.

Ademais, em virtude das transformações tecnológicas, econômicas, culturais e sociais, as quais perpassam o processo civilizatório, a socieda-de tem vivenciado conflitos socieda-de natureza diversa, o que resulta em questionamentos tanto sobre o papel do Estado como sobre o seu próprio papel na consecução da segurança e da pacificação social.

[...] cada vez mais a sociedade brasileira tem compre-endido que segurança pública não corresponde a um problema necessariamente de polícia, mas a um dever do Estado e uma responsabilidade coletiva. As medidas nessa área demandam ações complexas e articuladas entre instituições, sociedade e distintas esferas do poder público. (TEIXEIRA, 2005, p. 5).

Portanto, a segurança pública não pode ser entendida apenas como obrigação do Estado, mas, também, e muito principalmente, como res-ponsabilidade de todos, conforme descreve a Constituição Federal em seu artigo 1443, o que a caracteriza como direito difuso4 e fundamental5.

Daí a segurança pública deve ser compreendida como um conjunto de

2 O Governo Federal, por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com

Cidada-nia – PRONASCI está investindo mais de seis bilhões de reais em segurança pública, isto é, em um novo paradigma: a associação entre segurança e cidadania, tudo com o intuito de diminuir os índices de criminalidade e perpassar para a sociedade um ideal de inclusão social, cidadania e desenvolvimento.

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atividades desenvolvidas pelo Estado, em parceria com a sociedade, com objetivo de criar ações e oferecer estímulos positivos para que os cida-dãos possam conviver em paz entre si.

Segurança pública é uma forma de política pública estatal, que envolve diversas outras políticas públi-cas em sua aplicação, entre elas, educação de quali-dade para população, urbanização regular das cida-des, mercado de trabalho satisfatório para os traba-lhadores, oferecimento em abundância e de qualida-de qualida-de cultura, esporte e lazer para juventuqualida-de, em fim, uma série de ações que se destinam ao respeito aos direitos humanos da população, que uma vez ofertadas refletem em tranqüilidade social (ROCHA, 2005).

No Brasil, o enfrentamento da criminalidade tem sido, preponderante-mente, realizado pelas agências de segurança pública (Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar e as Guardas Municipais). Entretanto, não resta dúvida que, diretamente, os agentes da segurança pública são essenciais para a realização desta ação protecional. Daí a nobreza e a importância do exercício desta profissão, haja vista a confiança que a sociedade e o Estado depositam nestes servidores públicos. Esta importância e responsabilidade atribuídas ao agente de segu-rança pública, seja ele de qualquer instituição, infelizmente, em muitos casos, é inversamente proporcional à valorização pecuniária e ao aperfei-çoamento do serviço e do profissional. O que não justifica, mas em muito

3 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é

exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 19 ago. 2009.

4 Entende-se o direito a segurança como direito difuso por ser transindividual, de

nature-za indivisível, com titulares indeterminados e ligamento fático (não jurídico). Maiores considerações verificar: ALVIM, J.E. Carreira. (2005). Direito à segurança pública e dever de segurança pública – ação civil pública como instrumento de defesa da cidadania. Revista do TRF, 3ª Região, São Paulo: IOB-Thomson, v. 77, p. 85-98, maio/jun. 2006.

5 Fundamental por estar disposto no caput do artigo 5º da Constituição Federal, portanto,

inviolável e garantido como cláusula pétrea. Maiores considerações verificar: ALVIM, J.E. Carreira. (2005) Direito à segurança pública e dever de segurança pública – ação civil pública como instrumento de defesa da cidadania. Revista do TRF, 3ª Região, São Paulo: IOB-Thomson, v. 77, p. 85-98, maio/jun.2006.

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explica os relatos corriqueiros de corrupção6, o envolvimento com atos

ilícitos7 e, consequente, desrespeito aos direitos humanos.

O agente de segurança pública, sob várias circunstâncias, não se vê detentor desta importância ou então a questiona, por não ver retratado em matéria o reconhecimento do seu trabalho, bem como, por não sentir o cuidado do Estado e, até mesmo, da sociedade com a sua pessoa. E quando este se vê detentor da deferência que lhe é peculiar, depara-se com um sistema complexo, cheio de nuances, estratégias, enfim, por ve-zes, a inclusão não ocorre, o que é vivenciado é aderência ao modelo já posto. Logo, a postura do agente de segurança pública na comunidade dificilmente será de inclusão social, ou seja, de incluir o cidadão no proce-dimento operacional, de integração com a comunidade. Assim, como fica a relação agente de segurança e comunidade? Como o agente é visto na comunidade? Para tanto, se faz necessário o aprimoramento da forma-ção do agente, o respeito à sua dignidade humana e a viabilizaforma-ção de condições reais de realização do serviço.

Em nosso país tem se pecado no que diz respeito à valorização desses profissionais, muitas vezes vio-lando os direitos humanos destes agentes. É neces-sário que tenhamos uma política de segurança pú-blica em que se inclua como condição sine qua non o oferecimento de condições de trabalho para o ser-vidor público desta área. Inclui-se ai, salários dig-nos, assistência social a suas famílias, seguro de vida permanente, formação profissional completa e de qualidade, políticas de assistência social especi-fica, entre outras. É necessário, também, que estes servidores tenham seus direitos humanos respeita-dos, como forma do Estado cobrar dos mesmos que respeitem os direitos humanos da população indife-rentemente de classe social, cor, religião, orientação sexual, atividade profissional, etc. Neste sentido, em especial os regimentos internos e estatutos

discipli-6 Sobre o tema verificar matérias disponíveis em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/

noticia/27879.shtml>. Acesso em: 15 ago. 2008; <http://www.terra.com.br/istoe/1756/ brasil/1756_policial_corrupto_01.htm>. Acesso em: 15 ago. 2008; <http:// oglobo.globo.com/rio/mat/2007/09/25/297887251.asp>. Acesso em: 15 ago. 2008; <http:/ /www.forumseguranca.org.br/artigos/corrupcao-policial>. Acesso em: 15 ago. 2008.

7 Sobre o tema visualizar pesquisa disponível em: <http://www.scielo.br/

scielo.php?pid=S1517-45222002000200005&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 15 ago. 2008.

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nares dos órgãos de segurança pública em nosso país precisão ser revisto, adequando-os aos novos preceitos constitucionais advindos com a Consti-tuição Federal de 1988, democratizando de direito e de fato estas instituições (ROCHA, 2005).

Felizmente, autoridades políticas e de segurança pública estão visualizando as deficiências e propondo mudanças. Exemplo característi-co é o movimento de característi-conferências livres, municipais e estaduais sobre segurança pública com cidadania proposta pela Secretaria de Segurança Publica do Governo Federal, em que sociedade, agentes e gestores de segurança pública estão discutindo e elegendo princípios e diretrizes para um novo modelo de segurança pública, que será eleito, conclamado e difundido nacionalmente.

Assim, em conformidade com o texto-base da 1ª Conferência Naci-onal de Segurança Pública, o profissiNaci-onal de segurança pública deve de-ter suas ações para a proteção da sociedade, por ser antes de tudo um cidadão, e, nesta cidadania, fundamentar sua razão de ser, não agindo com dualidade ou antagonismo, isto é, com dissociações entre “sociedade civil” e “sociedade policial”. O agente de segurança pública deve ser um “pedagogo da cidadania”, um “protagonista dos direitos humanos” en-quanto cidadão e profissional qualificado para a prestação dos serviços de segurança pública à população.

Nesta perspectiva, é um pleno educador em permanente contato com a comunidade. Essa atitude pedagógica, que deve norteá-lo, não lhe furta o direito ao exercício do uso da força quando necessário. Devem ser as polícias, instituições enérgicas contra criminosos, fortes nas suas ações de combate à criminalidade na mesma intensidade que respeitosa para com os direitos fundamentais de cada cidadão e cidadã. Ao ter de usar da força para prevenir ou combater o crime, o agente de segurança pública deve fazê-lo, pois é seu dever, mas sempre norteado pelo princí-pio de que o faz para proteger a comunidade e não para se sobrepor a ela. Seu objetivo é proteger as pessoas, aí está o fator que reveste de nobreza o exercício da sua atividade profissional. Qualquer atitude ilegal ou que afronte os direitos fundamentais da pessoa humana, praticada por agen-tes de segurança, deve ser coibida rigorosamente.

Nesta linha de uma ação enérgica contra o crime e respeitosa com a população, a atividade policial e a defesa dos direitos humanos são ações aliadas, pois certamente o cidadão tendo seus direitos humanos fundamentais respeitados, entre eles, direito à saúde, educação, emprego,

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alimentação, lazer, será mais fácil para o exercício da atividade do agente de segurança pública, além de se possibilitar a este exercer outras ativi-dades junto à comunidade dentro de uma visão pedagógica e solidária. A concretização dos direitos humanos se constitui em uma ação fundamen-tal de enfrentamento à criminalidade e à violência, logo, deve caminhar lado a lado com as ações voltadas para a efetivação da segurança pública.

2 A SEGURANÇA INCLUSIVA POR MEIO DA MEDIAÇÃO

Para tanto, o ideal da construção de uma coletividade mais justa e fraterna perpassa pela educação em direitos humanos, “os enfrentamentos atuais para a construção da democracia no Brasil passam, necessaria-mente, pela ética e pela educação para a cidadania” (SOARES, 1997, p. 12). Logo, a segurança não pode se restringir à ação policial ostensiva e repressiva contra o crime.

Contrapondo-se a essa abordagem, que já se mostrou ineficaz no Brasil e em outros países, tem-se buscado – como objetivo específico ou transversalmente às outras áreas de trabalho desenvolvidas – instigar a participação da sociedade em políticas voltadas para a prevenção e redu-ção da violência, para a modernizaredu-ção do aparelho de segurança e para a democratização do sistema de justiça no Brasil. Pois se objetiva essenci-almente estimular a atuação efetiva da sociedade civil por meio de instru-mentos que possam apoiar sua participação, quer na formulação e implementação, quer no acompanhamento e na avaliação das políticas públicas de segurança.

Assim, a mediação de conflitos encaixa-se nesta metodologia de trabalho por ser um instrumento propício à educação em direitos huma-nos e à transformação dos conflitos, concretizando, por oportuno, uma segurança inclusiva, em que as partes decidem, por meio do diálogo, a melhor solução para as controvérsias, solução esta que seja passível de convivência e realização.

A mediação é um procedimento consensual de solu-ção de conflitos por meio do qual uma terceira pes-soa imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse con-flito são as responsáveis pela decisão que melhor as satisfaça. A mediação representa assim um meca-nismo de solução de conflitos utilizado pelas

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pró-prias partes que, movidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. (SALES, 2007, p. 15).

A mediação possibilita a visualização dos envolvidos no de-sentendimento de que o conflito é algo inerente à vida em sociedade, não trazendo apenas malefícios, pois possibilita a mudança e o progresso nas relações, sejam eles pessoais ou interpessoais, profissionais ou afe-tivos, familiares ou de amizade. Enfim, quando é evidente a insatisfação, surge, concomitantemente, a necessidade de transformação da realidade inerente ao conflito, isto é, a transformação do conflito. Por ser funda-mentada no diálogo, a mediação inclui as partes, tendo em vista a necessidade imanente de sua participação, daí a relação com a prática da polícia cidadã.

A colaboração das pessoas envolvidas no conflito gera a solução adequada, visto serem estas as criadoras e receptoras do consenso, além de transformadoras do conflito. Isto acontece, pois o conflito passa a ser visualizado como algo próprio e necessário para o aprimoramento das relações humanas, encontrando, nas diferenças, pontos de convergência e que estimulam a percepção do problema para além do seu interesse individual (SALES, 2004, p. 21).

A mediação, portanto, é um procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoa imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envol-vidas nesse conflito são as responsáveis pela deci-são que melhor as satisfaça. A Mediação representa assim um mecanismo de solução de conflitos utiliza-do pelas próprias partes que, movidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. O mediador é a pessoa que auxilia na construção desse diálogo.

A solução de conflitos, por meio da facilitação do diálogo e da ressigni-ficação de interesses e valores, configura-se no objetivo mais evidente da Mediação. O diálogo participativo, que é o caminho a ser seguido para se alcançar essa solução, deve ter como fundamentos o ganho mútuo, a visão positiva do conflito, a cooperação entre as partes e a participação do mediador como facilitador dessa comunicação. Outro objetivo da Me-diação é a prevenção da má administração dos conflitos, pois, como um

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meio para facilitar o diálogo entre as pessoas, estimula a cultura da comu-nicação pacífica. A partir do diálogo direto, participativo e inclusivo, mui-tos indivíduos ou grupos passam a vivenciar um novo contexto de integração, melhorando e aprimorando as relações. Isso pode gerar novas relações e novos projetos conjuntos. A experiência do processo de Mediação esti-mula e permite a sua utilização em novos conflitos que apareçam.

A mediação visa a conscientizar e a mobilizar as partes para a admi-nistração de seus próprios problemas, mediante um facilitador imparcial que não decide, mas apenas auxilia as partes a converter esses conflitos em ações. Mediante o procedimento da Mediação, as partes são introduzidas à cultura da administração pacífica de seus próprios proble-mas ou dos conflitos do grupo do qual participa e à conversão de um conflito de interesses em possibilidades reais. Portanto, permite o desen-volvimento do protagonismo, ou seja, fortalece a capacidade de as pes-soas analisarem situações e tomarem decisões efetivas sobre si mesmas. A mediação busca não só a assimilação de novos comportamentos, no sentido de novas respostas às demandas divergentes, mas também a flexibilização de valores das partes envolvidas e ao ganho de autonomia.

Por meio da mediação, buscam-se os pontos de con-vergência entre os envolvidos na contenda que possam amenizar a discórdia e facilitar a comunica-ção. Muitas vezes as pessoas estão de tal modo ressentidas que não conseguem visualizar nada de bom no histórico do relacionamento entre elas. A mediação estimula, através do diálogo, o resgate dos objetivos comuns que possam existir entre os indi-víduos que estão vivendo o problema.

Na mediação procura-se evidenciar que o conflito é natural, inerente aos seres humanos. Sem o conflito seria impossível haver progresso e provavelmente as relações sociais estariam estagnadas em algum momento da história. Se não houvesse insatisfação, as situações da vida permaneceriam iguais, cons-tantes. Portanto, o conflito e a insatisfação tornam-se necessários para o aprimoramento das relações interpessoais e sociais. O que se reflete como algo bom ou ruim para as pessoas é a administração do conflito. Se for bem administrado, ou seja, se as pes-soas conversarem pacificamente ou se procurarem a ajuda de uma terceira pessoa para que as auxilie nesse diálogo – será o conflito bem administrado. Se as pessoas, por outro lado, se agredirem física ou moralmente ou não conversarem, causando

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prejuí-zos para ambas, o conflito terá sido mal administra-do. Assim, não é o conflito que é ruim, pelo contrá-rio, ele é necessário. A sua boa ou má administração é que resultará em desfecho positivo ou negativo. (SALES, 2007, p. 15-16).

Outrossim, a mediação tenta demonstrar que é possível uma solu-ção de conflito em que ambas as partes ganhem8, tentando, por meio do

diálogo, restaurar as benesses que fizeram parte da relação, e ainda reco-nhecer e coreco-nhecer os conflitos reais oriundos dos conflitos aparentes per-filados pelos envolvidos, suscitar o questionamento da razão real do de-sentendimento, provocar a cooperação mútua e o respeito ao próximo ao analisar que cada pessoa tem a sua forma de visualizar a questão e faci-litar a compreensão da responsabilidade que cada um possui em face do problema e na sua resolução e, assim, encontrar uma saída em que todos aceitem, concordem e acreditem que a divergência será solucionada.

No modelo tradicional de solução de conflitos – Poder Judiciário –, existem partes antagônicas, la-dos opostos, disputas, petição inicial, contestação, réu, enfim, inúmeras formas de ver o conflito como uma disputa em que um ganha e o outro perde. Na mediação a proposta é fazer com que os dois ga-nhem – ganha-ganha. Para se alcançar esse senti-mento de satisfação mútua, é necessário se discuti-rem bastante os interesses, permitindo que se en-contrem pontos de convergência, dentre as diver-gências relatadas (SALES, 2007, p. 18).

Diante do exposto, a mediação é um instrumento hábil para o desen-volvimento desta proposta, qual seja: a segurança inclusiva, por ser um mecanismo de educação em direitos humanos em que um terceiro media a vontade das partes por meio da construção do consenso. O que faz nítida a existência de uma convergência de objetivos entre a mediação e a segurança pública sob o aspecto da proposta de uma polícia comunitá-ria, por possuir um denominador na construção e na vivência dos direitos humanos, da justiça social, da cultura de paz e do desenvolvimento huma-no e social.

8 Para maior entendimento e aprofundamento sobre a teoria do ganha-ganha, que é

defen-dida pelos autores Richard Bolstad e Margot Hamblett, defensores da transformação por meio da comunicação, pode ser visualizada em artigo disponível em: <http:// www.golfinho.com.br/artigos/artigodomes1299.htm>. Acesso em: 28 jun. 2009.

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CONCLUSÃO

O Brasil observa na atualidade um agudo quadro de conflitos sociais que se estende por diferentes esferas, dentre elas a segurança pública. Alternativas que visualizem a sociedade, sem segmentações, baseadas nos ditames sociais de dignidade e de fraternidade, que auxiliem a elabo-ração de normas, direcionadas pelos direitos fundamentais, expressos na Constituição Federal de 1988, e baseadas na Carta Internacional de Di-reitos Humanos, a fim de que a orientação para o trabalho legislativo e a sua fundamentação seja coerente com a construção de desenvolvimento social, que norteiem políticas de segurança públicas sob o viés da media-ção de conflitos, são algumas das possibilidades para a efetivamedia-ção dos direitos sociais e propagação de uma cultura de paz.

A transformação de conflitos e a mediação utilizam uma metodologia inclusiva, de cooperação, de não persuasão, e indicam a necessidade de se perceber tudo ao entorno dos conflitos, não apenas para resolvê-lo ou transformá-lo de forma adequada, mas para estabelecer as responsabili-dades de um e de todos naquela decisão.

A importância de se estudar os mecanismos de construção da paz, por meio do diálogo, e a crescente procura por aprofundamento teórico sobre esses temas abrem a discussão e revelam-se imprescindíveis para mudanças que valorizem o ser humano, que permitam sua participação nas escolhas e que existam meios pacíficos de solução de conflitos.

Assim, há uma necessidade imanente em se aprimorar e estimular mecanismos de solução de conflitos por meio do diálogo, permitindo a valorização do ser humano e a impressão de uma cultura de valores e paz, o que resultaria no que se entende por segurança inclusiva, ou seja, a aprendizagem da tolerância, a aceitação do “outro”, a vivência da solida-riedade e da cidadania fundada na participação popular.

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Data Recebimento: 22 de agosto Data Aceite: 22 de setembro

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Camptostoma obsoletum risadinha Columbina talpacoti rolinha Turdus leucomelas sabiá-branco Turdus albicollis sabiá-coleira Turdus fumigatus sabiá-da-mata Turdus

Celeus lugubris Celeus flavescens Dryocopus lineatus Campephilus melanoleucos Taraba major Thamnophilus doliatus Thamnophilus sticturus Pyriglena leuconota

A linha de pesquisa abrange investigações sobre os processos de ensino, aprendizagem, desenvolvimento e formação de professores no âmbito da educação escolar..

Nota  no.  48­1 ­ Threnetes leucurus, constante das primeiras edições desta Lista, é hoje considerado o imaturo de Glaucis hirsuta. 

Neste trabalho, será apresentada uma proposta para facilitar o aprendizado em metodologias para a gestão da qualidade de dados que foi fundamentada no desenvolvimento de