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A Atuação de Paschoal Lemme em Defesa da Escola Pública no Processo de Tramitação da LDBN 4.024/61

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DA LDBN 4.024/61

Eloá Soares Dutra Kastelic 1 Maria Cristina Gomes Machado 2

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo uma releitura de alguns aspectos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/61. Tem-se em conta que alguns educadores já desenvolveram pesquisas sobre a temática, entretanto, a proposta é analisar a mesma sob a ótica do educador Paschoal Lemme (1904-1997), um pioneiro da educação. Para tanto, será evidenciada a atuação desse educador no contexto da elaboração da referida lei, na década de 1960, destacando-se a sua produção por algumas passagens peculiares contidas em sua trajetória ao priorizar seus artigos produzidos entre 1950 a 1960. Nesse período, Lemme, preocupado com o conteúdo da Lei, combateu o substitutivo de Carlos Lacerda, com um artigo intitulado “A volta à Idade Média”. Nesse artigo, Lemme chama a atenção dos leitores para um possível retrocesso na conquista da educação pública.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Escola pública. História da educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

1 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Profa. do Centro de Educação e Letras e do

Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Foz do Iguaçu. End.: R. Tarobá, 491. Ed. Shangrilá, apto. 402. Foz do Iguaçu - PR. CEP 85851-220. E-mail: elaosoares@hotmail.com

2 Dra. em Filosofia e História da Educação, pela Faculdade de Educação da UNICAMP e Profa. do Depto. de

Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. End.: R. São João, n. 117, Apto 902, Zona 7, Maringá-PR. CEP 87030-200.

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THE SUPPORT OF PASCHOAL LEMME TO PUBLIC SCHOOLS IN THE PROCESS OF THE LDBN 4.024/61

ABSTRACT: This study aims at a reassessment of some aspects of the Brazilian Law of Guidelines and Bases of Education (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal), 4024/61. It may be thought that some educators have already developed research on the topic, however the proposal is to analyze it from the perspective of the educator Paschoal Lemme (1904-1997), a pioneer in education. It is evident the performance of that educator in the context of that law in the 1960s, especially his production by some passages contained his peculiar way to prioritize his articles produced between 1950 to 1960. Lemme was very concerned about that Act, and fought against the substitutive by Carlos Lacerda, with the article (A Volta à Idade Média) “The return to the Middle Ages.” In this article, Lemme draws readers’ attention to a possible setback in the achievement of public education.

KEY WORDS: Education. Public school. History of education. Brazilian Law of Guidelines and Bases of Education.

INTRODUÇÃO

P

ropor uma releitura da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naci onal de 1961, sob a ótica de Paschoal Lemme, é dar voz e vez a um autor pouco estudado, Lemme (1904-1997), professor e servidor público. Evidencia-se a luta que Lemme e seus companheiros, os signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, empreenderam em busca da transformação da educação no Brasil. Nesse contexto, o autor pon-tuou em sua obra que haveriam de enfrentar certos limites sociais para se trans-formar ou retrans-formar a educação brasileira. Apesar de ter sido um dos signatários do Manifesto de 32, denominado por ele de “a primeira fase”, percebeu a exis-tência de uma resisexis-tência politico-religiosa, enquanto seus pares ainda pareci-am crer no papel propulsor da educação. É neste sentido que Lemme discutiu a problemática da educação no Brasil, apontando para questões para além da escola, como a fome e a miséria do povo brasileiro.

A escolha pelo autor fez-se por se considerar que as Universidades têm desenvolvido poucas pesquisas sobre sua atuação e porque a preferência dos pesquisadores tem recaído sobre os nomes de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Essa preferência justifica-se dada à importância do reconhecimento de suas obras pela comunidade intelectual , referencial que tanto tem auxiliado nas pesquisas sobre História da Educação Brasileira. O interesse por Lemme justifica-se, portanto, por sua história de vida muito próxima à história de tantos educadores brasileiros. Ele foi importante, em parte, por sua longevidade, tendo

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atuado no cenário nacional desde as primeiras décadas do século XX até quase a virada do milênio. Por outro lado, destaca-se sua experiência de educador, visto que transitou entre a sala de aula e cargos administrativos sempre ligados à instrução pública.

O texto apresenta-se organizado em duas partes. Na primeira, analisa-se a defesa que Lemme realiza em favor da escola pública ao longo de sua trajetória. Na segunda, discorre-se sobre seu envolvimento com questões relacionadas ao projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação em tramitação no Congresso Nacional após 1948.

1 PASCHOAL LEMME E A DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

Considera-se que uma carreira de setenta e três anos dedicados à instru-ção pública possa ter proporcionado ao autor, Lemme, alguma intimidade com parte dos problemas que os educadores brasileiros enfrentavam, ou seja, no contexto da necessidade de modernização do país nas primeiras décadas do século XX, tais como ter a clareza de compreender que existiam limites para a renovação e reconstrução da sociedade brasileira por meio da educação. Pode-se inferir que Lemme, nas trincheiras das lutas pela educação pública, tenha conquistado legitimidade para discutir a educação nacional. Entretanto , ele não pôde desenvolver uma obra sistemática, não por lhe faltar as ferramentas para fazê-lo, mas sim por ter que lutar por sua própria sobrevivência. Porém, mesmo sob pressão, como professor e servidor público, Lemme foi sempre fiel às suas convicções políticas. Segundo Brandão (1999, p. 9), Lemme não fala, como muitos de nós, dos limites decorrentes das condições concretas de vida, ele os viveu.

A atuação de um professor simpatizante do socialismo, num contexto de repressão política, inspira a busca, em seus escritos, de passagens em sua carreira de educador, como questões que eram apontadas como a problemática da educação brasileira. Assim se posicionava:

Diariamente, pela manhã, mais ou menos às seis horas, tendo, pois de levantar-me cerca de cinco horas, tomava um trem da Central do Brasil até a estação de Campo Grande, prosseguindo a viagem, a partir daí um “bondinho” elétrico muito precário, que freqüentemente saltava dos trilhos obrigando os passageiros a recolocá-lo no devido lugar. Em marcha ronceira, ia deixando os passageiros, a maioria professores, que desembarcavam próximos as suas respectivas escolas, até a última situada na praia de Guaratiba. Havia outros trens que poderiam nos levar à estação de Campo Grande,

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mas que só podiam ser tomados na estação Central Pedro II ou na estação de Cascadura, e era preciso fazer ainda um percurso do Méier até uma dessas estações. A volta dava-se à tarde, pois os horários dos “bondinhos” eram muito espaçados, e assim, para um período de trabalho que não ultrapassava umas quatro horas, consumia-se praticamente o dia inteiro [...] custeava-se todas as despesas de passagens, refeições e outras” extraordinárias, inclusive material escolar para as crianças, que eram pau-pérrimas naquela zona, como em todas as outras escolas semelhantes do Distrito Federal. [...] O meio era muito pobre, e as crianças iam quase todas descalças, levando pouca alimentação e bebendo água de um poço de qualidade duvidosa. Entretanto, procurava desincumbir-me da melhor forma das minhas tarefas, mais por intuição e usando a pequena experiência que já adquirira, do que inspirado em quais-quer princípios de pedagogia e prática de ensino, quase inteiramente inexistente no curso “profissional” que fizera, e mesmo de difícil aplicação nas condições concretas com que me defrontava. (LEMME, 1988, v. 2, p. 12)

O contexto da citação colocada pelo autor é datado de 6 de maio de 1924. Era sua primeira experiência como professor, observa-se que, ao descrever suas dificuldades com locomoção e a falta de material para as crianças, o autor retratou parte dos entraves para o exercício do magistério. Constatou que a educação recebida e ofertada nos cursos de formação de professores, basea-das nos princípios da pedagogia, não os preparavam para a realidade concreta, na qual a fome e a miséria concorriam com as propostas educativas dos profes-sores. Nota-se que o autor apontou as questões de ordem social como entrave para se educar no cotidiano escolar.

A historiografia brasileira tem reconhecido as primeiras décadas do século XX como um período de efervescência ideológica. Segundo Lemme, o início desse século foi marcado pela Semana de Arte Moderna, um movimento nacio-nalista que proclamava a necessidade de se ter um estilo próprio para expressar a arte nacional e romper com a tendência européia. Em 1926, o governo tentou sufocar os movimentos de rebeldia de caráter social, político e militar que explo-diram a partir da primeira sublevação armada dos “tenentes”, em 5 de julho de 1922, ainda no governo de Epitácio Pessoa. (LEMME, 1988, v. 2, p. 14)

As medidas que se anunciavam eram de desafogo econômico e financeiro, o restabelecimento das liberdades constitucionais fez com que se criasse uma espécie de trégua nas lutas político-sociais que o povo brasileiro travava e cuja manifestação mais ostensiva era o inconformismo dos jovens oficiais do Exérci-to. Esse movimento teve continuidade na Coluna Prestes, alcunhado de “Cava-leiro da Esperança”, que, com a posse de Washington Luis à Presidência da

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República, compartilhou desse sentimento de trégua e foi para a Bolívia. Lemme colocou que a euforia e as ilusões não foram duradouras, a repressão política se voltava para a classe operária nesse período, liderada pelo Partido Comunista.

Em 1927, foi votada a chamada Lei Celerada, tal Lei cerceava a liberdade de imprensa e o direito de reunião. Nesse contexto de repressão, o próprio presidente não hesitava em afirmar que “a questão social era caso de polícia” (LEMME, 1988, v. 2, p. 16). Assim, os antigos e novos problemas reaparecem num período posterior, porém, já movidos pela crise mundial de 1929 e culmi-nando com o movimento armado de 1930, que pôs fim a primeira República ou República velha com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder como governo provisório.

A capital da nova República, a cidade do Rio de Janeiro, não tinha autono-mia política, o presidente em exercício fazia as nomeações para os cargos públicos sem maiores critérios. Como o desenvolvimento físico da capital se dava desordenadamente, foi importado da Europa um arquiteto francês, mas seus projetos logo foram abandonados pela descontinuidade dos governantes (LEMME, 1988, v. 2, p. 17). Percebe-se que o grupo de educadores que vai fazer parte da elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, já se organizava com a criação da Associação Brasileira de Educadores em 1924, a ABE. Esses educadores tiveram, por meio dessa associação, um ambiente propício para as discussões sobre o futuro do movimento renovador numa Con-ferência Nacional de Educadores. Lemme, no texto abaixo, registra o momento de criação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, do qual fez parte.

O tema geral a ser discutido nessa conferência tinha como título: As grandes diretrizes da Educação popular. Instalada essa conferência sob a presidência do próprio chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas e do Ministro da Educação, Francisco Campos -os educadores presentes foram convocad-os por essas autoridades a definirem o “sentido pedagógico” da Revolução de 1930, o qual se comprometiam a adotar na obra de reorganização do País, em que estavam empenhados, no tocante aos problemas de educação e ensino [...]. A outra conseqüência dessa conferência seria a elaboração de um documento, no qual, os mais representativos educadores do País traçariam a orientação geral, a que deveria obedecer a uma política educacional pelo poder público na organização do ensino público, em todos os aspectos, modalidades e níveis, e em todas as esferas administrativas. Esse documento apareceria [...] com o título: A Reconstrução educacional no Brasil. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. [...]. (LEMME, 1988, v. 2, p. 94)

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Na ABE, estiveram reunidos educadores como Fernando de Azevedo, Aní-sio Teixeira, Lourenço Filho. Lemme referia-se a esses autores em suas memó-rias como os “cardeais da educação”. Considerava difícil exprimir todo o signifi-cado que deveria estar presente na companhia dos mais destasignifi-cados edusignifi-cado- educado-res brasileiros e de outros intelectuais de renome como co-autor de um dos documentos mais representativos e que a inteligência brasileira produziu naque-le período histórico (LEMME, 1988, v. 2, p. 114). O autor preocupava-se, então, com sua participação na construção do Manifesto dos Pioneiros de 1932.

Ao discutir as questões sobre educação e ensino, Lemme abordava-as de forma crítica e deixou pontuado em sua obra que as compreendia entrelaçadas às questões sociais, políticas e econômicas. Para ele, o movimento da socie-dade estava sendo impulsionado pelas bases econômicas, influenciando nas diretrizes da educação nacional, no sentido de atender à demanda social do capital que se reorganizava. Com a Primeira Grande Guerra Mundial e seu refle-xo na economia e educação brasileira e aliados a importantes fatos que permeavam a sociedade. Verifica-se, ao longa da história, que os traumas cau-sados pela Primeira Guerra conduziram parte dos educadores a crer que a edu-cação teria o poder de promover a paz entre os homens. Essa leitura pode ser percebida em alguns de seus escritos:

Havia, além disso, após a catástrofe de 1914-1918, uma aspiração generalizada de que, através dessa educação assim renovada, pudesse se conseguir a formação de um homem novo, que passaria a encarar a convivência entre os povos em termos de entendimento fraternal, o que conduziria a humanidade a uma era de paz duradoura, em que os conflitos sangrentos fossem definitivamente banidos e substituídos pelos deba-tes e resoluções de assembléias em que se estivessem representados todos os povos. (LEMME, 1988, v. 4, p. 25)

No fragmento, o autor evidencia o caráter idealista (ou utópico) com que boa parte da sociedade brasileira, bem como seus pares, pensavam; para esse grupo de educadores e intelectuais, seria possível amenizar os problemas soci-ais via educação. A proposta de se formar um novo homem, nessa perspectiva, estaria excluindo a luta que os homens travam historicamente ao se pretender a transformação social. É interessante destacar que, entre a intelectualidade bra-sileira, prevalecia a ideia de que o Brasil vivia um período crucial de sua história, podendo permanecer ou sair do “atraso”. Assim foi vista a cultura brasileira na-quela época, dado que o parâmetro de então era a educação na Europa.

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educacional ainda nos meados da década de 1930, porque entre as propostas dos renovadores, estavam as ideias que combatiam o clientelismo político. Nes-se Nes-sentido, quando trabalhava na gestão de Anísio Teixeira, foi realizada uma reforma junto aos Inspetores do Rio de janeiro, e as vagas para os servidores públicos de todos os níveis seriam preenchidas por meio de concurso público, desde que esses preenchessem os requisitos necessários para o desempenho da função. Em conseqüência dessas medidas, muitos servidores foram demiti-dos, e dentre os servidores públicos demitidos estavam pessoas apadrinhadas por políticos e a luta agravou-se ainda mais. Esse era o contexto histórico de luta pela renovação e da trajetória de Paschoal na luta para transformação da educação brasileira. É importante marcar que boa parte do período em estudo esteve sob o governo Getúlio Vargas, já que sua gestão durou de 1930 a 1945. Foram quinze anos que inauguraram uma nova fase, ele impôs o seu estilo de governo e modificou profundamente a vida política, econômica, social e cultural do país. Lemme explica:

O “Estado Novo” (1937-1945) talvez tenha adotado uma orientação mais “realista” em matéria de educação, pois considerou o ensino profissional, para formação de mão-de-obra, como o dever básico do Estado: e, mais tarde, reformou o ensino de segundo grau, dividindo-o em compartimentos estanques, cada um para atender, separadamen-te, às necessidades de formação de juventude, de acordo com a divisão em classes realmente existentes na sociedade brasileira (ensino secundário, normal, industrial, comercial e agrícola). (LEMME, 1988, v. 2, p. 32)

Como educador, Lemme conseguiu com seus textos amarrar suas ideias, ao mostrar com transparência as questões educacionais atreladas ao movimen-to da sociedade. Esse período conturbado pela Segunda Guerra, com (seu) início em 1939, foi vivido e marcado nos escritos do autor, bem como seus reflexos na educação, conduzindo a uma nova fase, pós Segunda Guerra. Nes-se panorama, surgiu uma nova necessidade de organização de educação e ensino em todos seus aspectos.

Essas análises exigem a compreensão de certos desdobramentos históri-cos, que se configuraram por meio dos embates político-pedagógicos ocorridos a partir do Manifesto de 1932, situados no conjunto de esforços das elites para consolidar o capitalismo. Marca-se a atuação de Lemme quando participa do Manifesto de 1959, no qual os educadores são convocados a assinar novamen-te um documento. Magaldi e Gronda (2003) comentam: ¨[...] a perspectiva de continuidade entre aquele fundador e a retomada da luta, em outro contexto¨

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estão expressos no seguinte texto; “toda a história do ensino nos tempos mo-dernos é a história de sua inversão em serviço público”. Nesse contexto, os educadores foram chamados à luta, a burguesia, por sua vez, fazia alianças, abrindo leques que acenavam aos interesses das camadas populares e, por isso, em determinados momentos, apoiava os educadores. Aos trabalhadores, interessavam a escola e os avanços, mesmo limitados, que ela pudesse ofere-cer.

Segundo Lemme, com a vitória sobre o nazi-fascismo das chamadas “po-tências democráticas” em coalizão com a União Soviética, aconteceram no Brasil, como repercussão, a reconstitucionalização do País e a promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946. Nessa, reapareceriam, com algumas ampliações, os dispositivos sobre a educação e o ensino constantes na Cons-tituição de 1934 e, além disso, dispunha como novidade maior, a elaboração de uma “Lei de diretrizes e bases da educação nacional”. Era um momento de transição, no qual novos paradigmas emergiam evidenciando que a educação era parte da proposta desenvolvimentista para transformação da sociedade no período.

A pedagogia nova, que sustentou em grande parte as questões educacio-nais de 1930 ao início dos anos 60, é substituída pela pedagogia tecnicista, sustentada pela mesma matriz ideológica que sustenta a pedagogia nova. Nela, firma-se o racionalismo ligado ao processo de desenvolvimento industrial, ver-tente inicial do taylorismo e do fordismo, uma vez que é na linha de montagem, na fragmentação e especialização do trabalho que se desenvolve o seu proces-so de consecução dos meios.

Oficialmente, o Estado Novo de Getúlio Vargas terminou em 29 de outubro de 1945, após a deposição desse presidente. Em seguida, inicia-se o projeto da LDB, embora ele tivesse sido encaminhado à Câmara Federal em 29 de outubro de 1948, só a 29 de maio de 1957 é que se iniciou, naquela Casa do Congresso, a primeira discussão sobre o Projeto das Diretrizes e Bases da Educação Naci-onal. Durante todo esse tempo, o projeto foi matéria de estudos, às vezes mais intensos, outras vezes mais morosos, primeiro na Comissão Mista de Leis Com-plementares e, depois, na Comissão de Educação e Cultura da Câmara Fede-ral.

2 PASCHOAL LEMME E A DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO

Na tentativa de evidenciar a defesa feita por Lemme em prol da educação pública, é importante retomar as discussões preliminares em torno da

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constru-ção do projeto original. Ele foi elaborado em 1948 pela comissão de especialis-tas constituída pelo Ministro da Educação Clemente Mariani, membro da União Democrática Nacional e Ministro da Educação e Saúde, tinha a seguinte estru-tura (SAVIANI, 1997, p. 12 ):

Título I - Do direito à educação Título II - Dos fins da educação

Título III - Da administração da educação Título IV - Dos sistemas de ensino Título V - Da educação pré-primária Título VI – Da educação primária Título VII- Da educação de grau médio Capítulos I, II, III, IV

Título VIII – Do colégio universitário Título IX - Do ensino superior Capítulos I, II, III, IV

Capítulo X - Dos recursos para Educação Título XI - Da Conferência Nacional de educação Título XII - Disposições gerais e transitórias.

Esse projeto caracterizava-se por uma tendência descentralizada, esposa-da desde a décaesposa-da de 1930 pela Associação Brasileira de Educação (ABE). Almeida Júnior, Relator Geral do projeto no período, buscou fundar essa concep-ção descentralizadora no exame estrito do texto constitucional. Ao combinar o artigo quinto __ à União compete legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional __ com o artigo sexto __a competência federal para legislar sobre as matérias do artigo quinto __, não exclui a legislação estadual supletiva ou com-plementar, acrescidos dos artigos 170 __ a União organizará o sistema federal de ensino com caráter meramente supletivo e o sistema dos territórios __ e 171 __ os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino. Sobre esta questão, houve divergência de opiniões entre o relator geral Almeida Junior e Gustavo Capanema.

Segundo Saviani (1997), tendo entrado no Congresso em outubro de 1948, o projeto foi distribuído às Comissões de Educação e Cultura e de Finanças e designado relator Eurico Salles. Em 8 de dezembro, foi remetido ao Senado para ser submetido à apreciação da Comissão Mista de Leis Complementares, tendo como indicado relator o deputado Gustavo Capanema. Em longo e erudito parecer, emitido em 14 de julho de 1949, Capanema, após discorrer sobre o

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[...] sentido constitucional das diretrizes e bases da educação nacional, sobre os sistemas de ensino locais, a tendência centralizadora das federações, o caráter nacio-nal da educação e a dispersão da ordem pedagógica, conclui que o projeto deve ser refundido ou emendado. (SAVIANI, 1997, p. 13)

Gustavo Capanema destacou o caráter descentralizador do projeto, consi-derando-o contrário ao espírito e à letra de Constituição. Para ele, a interpreta-ção do termo “diretrizes”, reforçada pelo acréscimo da palavra “bases” no texto constitucional, ensejou uma concepção centralizadora da organização da edu-cação nacional. No artigo 171 que, ao determinar que “os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino”, parecia contrariar, de forma explícita, a interpretação de Capanema. Sobre essa questão, no que diz respei-to à expressão “diretrizes e bases,” a técnica aplicada foi de caráter ampliativo, no tocante a “sistemas de ensino”, a técnica apresentou uma índole restritiva: sistema tomou significado de sistema administrativo. Sistema de ensino signi-ficava a organização de serviço público constituída pelas atividades e institui-ções educativas de cada Estado ou do Distrito Federal. A Constituição queria que, em cada unidade federativa, existisse e funcionasse, consoante com as exigências locais de educação e cultura, um adequado sistema de repartições e estabelecimentos de ensino, sob a gestão, o controle ou a assistência do respectivo governo. (CAPANEMA, apud SAVIANI, 1997, p. 11)

Segundo Saviani (1997), quando se exclui da noção de “sistema de ensino” os princípios e regras educacionais, em suma, ao criar uma legislação autôno-ma, buscou-se compatibilizar a concepção centralizadora da educação nacio-nal com o texto da Constituição. Capanema afirma que o “sistema educativo, em toda parte, é um conceito de administração pública”. Portanto, o artigo 171, já que não se referia à legislação do ensino, não ampliava a competência legislativa das unidades federativas, mostra-se como uma determinação puramente admi-nistrativa. Com o arquivamento do projeto em 17 de junho de 1951, a Câmara solicitou o desarquivamento da Mensagem Presidencial nº 605, por meio da qual o projeto fora enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacio-nal. Com o extravio do projeto, o senado determinou a sua reconstituição, após ter sido desarquivada a mensagem, o processo tramitou na Comissão de Edu-cação e Cultura por cerca de cinco anos e meio. Na reunião de 14 de novembro de 1956, foi apresentado o relatório da subcomissão encarregada de estudar o projeto das Diretrizes e Bases, cujo relator foi o deputado Lauro Cruz. E final-mente, na sessão do dia 29 de maio de 1957, iniciou-se, no plenário da Câmara, a discussão do projeto que recebeu o nº 2.22/57 (SAVIANI, 1997, p. 14). Desde sua entrada no Congresso, o projeto original das Diretrizes e Bases da

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Educa-ção esbarrou na correlaEduca-ção de forças representada pelas diferentes posições partidárias que tinham lugar no Congresso Nacional. Paschoal Lemme caracte-rizou esse embate no campo ideológico, “Escola Pública e Escola Privada”, ou seja, “Estado versus Igreja Católica”. O autor contribui ao afirmar que:

O pretexto é sempre o mesmo, a estafada defesa da “liberdade de ensino”, que estaria sendo lesada pelo monopólio odioso que o Estado quer exercer sobre a educação e o ensino. Assim, o que é dever do estado democrático, o de organizar a educação pública, leiga, gratuita, obrigatória, para corresponder aos direitos de argumentos serô-dios, já há mais de um século definitivamente destruídos pelas figuras mais represen-tativas da democracia liberal, é apresentado como uma usurpação contra o direito sagrado das famílias, do país, de escolherem, livremente, a espécie de educação que desejam dar aos seus filhos. (LEMME, 1988, v. 5, p. 28)

A citação já aponta para questões importantes que foram debatidas durante a tramitação da lei, compreender um pouco mais sobre a trajetória desse proje-to. Nesse sentido, buscamos estabelecer um diálogo entre a proposta de Carlos Lacerda e a oposição feita num artigo intitulado “A volta à Idade Média” de auto-ria de Lemme, datado de janeiro de 1959, reeditado na obra “Educação Demo-crática e Progressista”. Nesse escrito, Lemme, preocupado com o conteúdo da Lei, combateu o substitutivo proposto por Lacerda, chamando a atenção dos leitores para um possível retrocesso na conquista da educação pública.

O projeto original foi oriundo de uma comissão, cujo relator geral foi o prof. Almeida Júnior, filiado à UDN e encaminhado ao Congresso por um ministro do mesmo partido político, que enfrentou as críticas do bloco majoritário no Par-lamento. Assim, o líder do Partido Social Democrata, o deputado Gustavo Capanema, com o apoio de sua bancada, que era majoritária, fustigou o projeto tachando-o de infeliz, inconstitucional e incorrigível, enquanto os deputados da UDN se empenhavam na defesa do mesmo, acusando Capanema de boicote à proposta.

Observa-se que, nesse contexto, Paschoal Lemme, também membro da ABE, foi convidado pela comunidade educacional a escrever seu artigo para combater as ideias de Carlos Lacerda e desvelar o significado de tal intento. O chamamento vem reforçar a teoria de que esse educador escrevia sobre a histó-ria do presente. Pode-se inferir que esta característica foi um dos entraves para que o autor não tivesse escrito uma obra sistematizada no período em questão. Em defesa da Escola Pública, Lemme trouxe uma discussão relevante para aquele período de elaboração da LDB/61, como já foi comentado nesta

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pesqui-sa, que a questão levantada por Carlos Lacerda representava o retrocesso de uma conquista antiga. O autor tenta ativar a memória histórica dos leitores ao lembrar, em seu artigo, que a educação, na Idade Média, era de responsabilida-de da esfera particular da família e um privilégio das classes dominantes. Não havia instrução pública no período medieval, com o Renascimento, a instrução pública passou a ser uma reivindicação da burguesia que ascendia ao poder. Segundo Lemme, a nova educação proposta pela burguesia seria uma instrução generalizada para preparar a nova classe operária para o trabalho industrial que surgia e o filho das classes dominantes para as novas tarefas de direção da nova sociedade, primeiro mercantilista e depois industrial, o que se traduziu no aspecto político com o advento da democracia liberal burguesa. (LEMME, 1961, p. 14)

Percebe-se que, nesse momento de transição de uma sociedade a outra, os homens procuravam se organizar para atender à nova demanda que surgia referente à necessidade da instrução ser ofertada para todos para atender à demanda de formar um “homem dual”, formar mão-de-obra para a indústria e o homem intelectual para exercer as funções administrativas. Como bem lembra o autor: “Ninguém pensava então em qualquer oposição entre as famílias, os cidadãos e o Estado, pois este era uma emanação da vontade daqueles”. (LEMME, 1961, p. 16)

Segundo Lemme, a Igreja, sob pretexto de que a instrução era um proble-ma particular das famílias e que caberia ao Estado não interferir, camuflava sua real intenção, que seria a retomada da direção do ensino que já havia se tornado público com a ascensão da burguesia. Lemme citou o exemplo dos Estados Unidos da América do Norte, quanto à política de governo para o ensino privado, [...] esse país resiste tenazmente a aplicar recursos financeiros para custear o ensino particular e muito menos confessional. (LEMME, 1961, p. 20)

O autor mostra em seu artigo que, mesmo com a distância que existia em matéria de desenvolvimento econômico, a educação pública no Brasil, apesar das vicissitudes e as deficiências, ainda possuía certa credibilidade. O povo lutava para obter uma vaga num estabelecimento do Estado, visto que o ensino era de melhor qualidade, o professor melhor remunerado e livre das coações dos proprietários dos colégios. A escola primária mantida pelas unidades federadas era absolutamente majoritária e o autor demonstra essa realidade. Estava feita a defesa com a devida fundamentação nos fatos observados por Lemme.

Em 1958, as matrículas no ensino fundamental comum perfaziam um total de 5.775.246. Dessas matrículas, o Ensino Federal possuía 23.053 alunos, o Ensino Estadual 3.326.411, o Ensino Municipal 1.706.037 e o Ensino Particular

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720.745. (LEMME, 1961, p. 15). Apesar das condições precárias do ensino público, a clientela do ensino particular era de apenas 12,5% em todo país. Lemme compreendeu a relação educação e desenvolvimento econômico: “Cada região que entra no processo de desenvolvimento começa a exigir mais e me-lhor ensino, e não o contrário, como geralmente se pensa, de que o desenvolvi-mento econômico depende da existência prévia de escolas”. Evidenciou a grave situação em que se encontrava o ensino secundário no Brasil, que, segundo ele, justificava-se dado o estágio de desenvolvimento em que o país se encon-trava. Nesse período, o Brasil apresentava uma anomalia única em todo mundo, 80% do ensino secundário estava entregue ao setor privado. Essa situação se reverteria quando o Estado conseguisse pelo menos uns 70% da educação secundária de todos os tipos. Ao setor privado, caberia organizar o restante, cobrando as taxas que julgassem remuneradoras para o capital investido em seus estabelecimentos. O autor ressaltava que ninguém podia impedir que os pais das meninas de “bem” as colocassem no Sion, e pagassem o que as santas Madres julgavam que valia a educação que ali ministravam. Entretanto, privar a maioria dessa modalidade de ensino era contrariar um direito adquirido pelo voto dado a esse Estado. Segundo o autor, a procura por vagas, tomando como parâmetro a capital da República, demonstrava perfeitamente o que se pensava a respeito da tão discutida “liberdade de ensino” e do “monopólio do Estado”.

Nesse contexto de luta, do outro lado das trincheiras, estava Carlos Lacerda que continuou com sua proposta em defesa do setor privado. Segundo Saviani (1997), tudo indica que o interesse de Carlos Lacerda no projeto de Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional se dera, inicialmente, por motivação tipi-camente partidária. Com efeito, os deputados da União Democrática Nacional, partido ao qual pertencia Carlos Lacerda, com frequência, manifestavam-se no plenário da Câmara, reivindicando a agilidade no andamento do projeto.

Na sessão de 2 de maio de 1955, Carlos Lacerda apresentou a questão e pediu esclarecimentos sobre como poderia incluir o projeto das Diretrizes e Bases nas discussões. Recebeu a resposta de que isso só poderia acontecer depois de receber parecer da Comissão de Educação e Cultura, na qual, confor-me esclareciconfor-mento de Afonso Arinos, o projeto estava sendo reelaborado devido a divergências surgidas.

O projeto, cuja discussão iniciara-se no plenário da Câmara no final de maio de 1957, já não era o mesmo que dera entrada naquela Casa em 29 de outubro de 1948. De fato, o projeto original, agora identificado pelo número 2.222/ 57, chegava ao Plenário consideravelmente emendado. Consistia numa nova versão decorrente das modificações previamente aprovadas pela Comissão de

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Educação e Cultura. (SAVIANI, 1997)

O projeto supracitado durou pouco em plenário. Após receber cinco emen-das, retornou à Comissão de Educação e Cultura para exame e foi reencaminhado ao plenário. O projeto, em segunda discussão, recebeu três novas emendas e, por isso, retornou à Comissão em 8 de novembro de 1958. Em 9 de dezembro do mesmo ano, Coelho de Souza, presidente da Comissão de Educação e Cultura, pediu a retirada do projeto da ordem do dia, tendo sido atendido na sessão de 10 de dezembro de 1958.

O substitutivo de Carlos Lacerda representou uma inteira mudança de ru-mos na trajetória do projeto. Seu conteúdo incorporava as conclusões do III Congresso Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino, ocorridos em janeiro de 1948. Consequentemente, os representantes dos interesses das escolas particulares tomaram a dianteira do processo. Na verdade, o substitutivo Lacerda coroou um processo cujas origens remontavam ao mencionado Con-gresso. Na tramitação do projeto, detecta-se, ainda em 1952, nas “sugestões da Associação Brasileira de Educação”, encaminhadas à Comissão de Educa-ção e Cultura, que se começava a ceder às pressões das escolas particulares. Entretanto, foi a partir do final de 1956 que os defensores da iniciativa priva-da em matéria de educação, tendo à testa a Igreja Católica, mostraram-se deci-didos a fazer valer, hegemonicamente, os seus interesses no texto da futura Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ainda sobre os defensores da iniciativa privada, num sentido oposto, Lemme ao se pronunciar, evidenciava a necessidade de separação entre Estado e Igreja, alegando que esta luta fora travada em outro período e que representava uma conquista do homem do sécu-lo XIX. Lemme defendeu a educação pública gratuita ao contrário da proposta feita por Carlos Lacerda, que defendia o ensino privado sob o domínio da Igreja Católica. Sobre essa questão asseverou:

[...] quer tudo e quer exclusividade, pois considera a sua verdade como a única Verdade. Quer para si o monopólio, e isso é o mais grave, dominar a instituição que combateu tenazmente, criada pelo Estado liberal-democrático, em luta contra a velha escola clerical, medieval, e para seus fins especiais de sustentáculo do Estado Naci-onal, de formação do cidadão para o novo regime social que se estabeleceu no mundo com o advento da burguesia [...] é mais cômodo e produtivo do que disputar a salvação das almas na sociedade em geral, através da preparação no recesso dos lares e dos templos, em leal competição com todos os outros credos. (LEMME, 1961, v. 5, p. 30)

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Nessa citação, o autor se referia a um momento histórico no qual a Igreja combatia o novo, que naquele momento era a Escola Pública, entretanto, no século XX, a Igreja quer a Educacao ainda sob seu domínio. Em 5 de dezembro de 1956, foi realizado discurso em defesa da Igreja ou do ensino privado pelo padre deputado Fonseca e Silva, quando se insurgiu contra a orientação filosó-fica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que era dirigido por Anísio Teixeira, além de atacar o I Congresso Esta-dual de Educação Primária, realizado de 16 a 23 de setembro de 1956, em Ribeirão Preto-SP, presidido por Almeida Júnior.

Essas críticas foram reiteradas pelo mesmo padre Fonseca e Silva, nas sessões de 27 de novembro, 8 e 14 de dezembro de 1956. Nessa ocasião, acusou Anísio Teixeira de comunista e aproximou o pragmatismo de Dewey do marxismo. Desencadeou o conflito entre escola pública e escola particular, que iria polarizar a opinião pública do país até 1961. Nesse sentido, Saviani (1997), evidenciou o momento em que o conflito se deslocou para o âmbito da socieda-de civil. Assim, Igreja, imprensa e associações das mais diferentes matizes entraram em cena.

Dessa forma, a correlação de forças passou a se definir mais pelos partidos ideológicos do que pelos partidos políticos, como ocorria até então. Assim, no Congresso, os parlamentares favoráveis à escola privada se colocavam incondi-cionalmente no arrazoado ideológico que vinha sendo formulado e difundido pe-los representantes da Igreja Católica. Os que contrapunham a essa tendência marcariam a sua atuação muito mais pelas críticas ao substitutivo Lacerda do que pela defesa de uma posição diversa.

A situação descritiva põe em evidência o deslocamento do eixo das discus-sões, que passou a girar em torno do projeto apresentado por Carlos Lacerda. Dessa forma, ficava camuflado o fato de que o substitutivo que se lhe contrapu-nha, elaborado por uma subcomissão de redação constituída pela Comissão de Educação e Cultura, já havia incorporado, mediante seguidas concessões, vári-os dvári-os dispvári-ositivvári-os defendidvári-os na propvári-osta de Lacerda. Na verdade, do projeto original, o texto da subcomissão guardava apenas a estrutura formal, isto é, a disposição dos títulos; seu conteúdo já era outro. Os principais títulos apresen-tados por Lacerda, por sua vez, apresentavam a seguinte estrutura:

Título I - Fins da educação Título II - O direito de educar Título III - A liberdade de ensino

Título IV - Competência do Estado em relação ao ensino Título V - A verificação dos trabalhos escolares

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Título VI - A educação primária Capítulos I, II

Título VII - A educação de grau médio Título VIII – A educação secundária Capítulos I, II, III, IV, VI

Título IX – O Magistério Capítulo I, II

Título XIV - Recursos da educação

Capítulo II - Financiamento e empréstimos

O texto apresenta uma estrutura diferenciada em relação àquela do projeto original. Entretanto, como já foi assinalado, seu conteúdo era enxertado no tex-to que vinha sendo elaborado na Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal. Ao longo do ano de 1959, a referida Comissão trabalhou na elaboração de um novo substitutivo cuja redação final se completou em 10 de dezembro de 1959. E este acabou sendo o texto que a Câmara dos Deputados aprovou na sessão realizada em 22 de janeiro de 1960. O projeto aprovado pelos deputados foi encaminhado ao Senado por meio do Ofício nº 293, de 25 de fevereiro de 1960. Receberam no Senado, 238 emendas, mas apenas parte delas foi incor-porada ao projeto final. O projeto aprovado na Câmara apresentava a seguinte estrutura, a qual foi mantida no texto aprovado pelo Senado em agosto de 1961 e se converteu na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

Título I - Dos fins da educação Título II - Do direito à educação Título III - Da liberdade do ensino Título IV - Da administração do ensino Título V - Dos sistemas de ensino Título VI - Da educação de grau primário Capítulo I - Da educação pré-primária Capítulo II - Do ensino primário

Título VII - Da educação de grau médio Capítulo I - Do ensino médio

Capítulo II - Do ensino secundário Capítulo III - Do ensino técnico

Capítulo IV - Da formação do magistério para o ensino primário e médio Título VIII - Da orientação educativa e da inspeção

Título IX - Da educação de grau superior Capítulo I - Do ensino

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Capítulo II - Das universidades

Capítulo III - Dos estabelecimentos isolados de ensino superior Título X - Da educação de excepcionais

Título XI - Da assistência social escolar Título XII - Dos recursos para a educação Título XIII - Disposições gerais e transitórias.

A Comissão de Educação e Cultura do Senado emitiu parecer sobre o pro-jeto chegado da Câmara, cujo relator foi o senador Mem de Sá. Esse conside-rou a propositura como caracterizada pela transigência das diferentes facções interessadas na questão. Por essa razão, representava um denominador co-mum admitido por todos. Essa tendência conciliadora, já detectada no texto aprovado pelos deputados, foi acentuada no Senado que, com as emendas introduzidas na Lei, realizou a “média” entre todas as correntes. Pode-se con-cluir que o texto convertido em lei representou uma “solução de compromisso” entre as principais correntes e prevaleceu, portanto, a estratégia da conciliação. A prevalência da estratégia da conciliação foi documentada pelas reações dos principais líderes do movimento de ambos os lados. Assim, aprovada a Lei, em depoimento concedido ao Diário de Pernambuco, Anísio Teixeira, defensor incansável da escola pública, afirmou: “Meia vitória, mas vitória”. Por sua vez, Carlos Lacerda, que se colocara em posição diametralmente oposta à de Anísio Teixeira e seus pares, interrogado a respeito do resultado obtido, respondeu: “Foi a lei a que pudemos chegar.” (LACERDA, apud SAVIANI, 1987, p. 47)

Pode-se observar nos escritos de Saviani e pelos comentários feitos pelos envolvidos no processo, que no resultado da LDB/61, como mencionado anterior-mente, prevaleceu a estratégia de conciliação. Do ponto de vista da organização do ensino, a LDB (Lei 4.024/61) manteve, no fundamental, a estrutura em vigor, decorrente das reformas Capanema, flexibilizando-a. Ora, a LBD manteve essa estrutura, mas flexibilizou-se, isto é, tornou possível, a qualquer ramo do ensino médio, que o aluno tivesse acesso, mediante um processo de seleção, a qualquer carreira do ensino superior. De outra parte, possibilitou o aproveitamento de estu-dos de modo que determinado aluno pudesse se transferir de um ramo para outro, matriculando-se na mesma série ou na subsequente àquela em que fora aprovado no ramo em que cursava anteriormente. Essa questão parece menor, entretanto, ela discute o cotidiano de jovens que, muitas vezes em seu processo de forma-ção, são obrigados a abandonar os estudos para trabalhar. Essa iniciativa de aproveitamento de matérias é mais uma tentativa de facilitar e permitir que a classe trabalhadora permaneça e dê continuidade aos seus estudos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao ler a obra de Paschoal Lemme, fica evidente a defesa da educação pública para a classe trabalhadora, proposta pelo autor. Essa pesquisa priorizou seus artigos produzidos no período de 1950 a 1960, e constatou que esse edu-cador, ao escrever seus artigos a jornais e revistas, sempre que possível, intercambiava ideias e opiniões com seus pares, como a correspondência ocor-rida por meio de cartas entre Lemme e Fernando de Azevedo. Observa-se, en-tretanto, que o artigo analisado, “A volta à Idade Média”, no qual o autor fez a discussão entre a escola pública e o ensino privado, precedeu a elaboração da LBN 4.024/61. O mesmo foi assinado apenas por Lemme, sendo possível inferir que esse fato tenha relação com o período de repressão vivido por aqueles educadores.

Escrever sobre a história do presente foi uma marca singular de Lemme, seu posicionamento audacioso, num período de repressão, rendeu-lhe o rótulo de primeiro educador marxista. Considerando a longevidade de Pachoal Lemme, foram 73 anos de luta em defesa da educação pública, destacam-se sua cons-tante defesa pela melhoria da educação e ensino junto a nomes como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, sua participação nos principais manifestos em prol da educação pública, a oposição ao substitutivo de Carlos Lacerda na LDBN 4.024/61. Nesse longo processo, dois fatos chamavam a atenção: primeiro que a discussão do autor foi permeada pela preocupação com as questões coletivas e, no calor dos acontecimentos, é possível justificar o fato desse educador não ter conseguido produzir uma obra sistemática; segundo, sua produção foi viabilizada pelo INEP três anos após o término da ditadura militar em 1985. Acredita-se que a trajetória de Paschoal Lemme, identificada com a luta da classe trabalhadora, coloca-o em evidência no cenário da construção da história da educação no Brasil.

REFERÊNCIAS

Caderno Especial LDB. Cadernos ANDES, Brasília, v. 7, n. 12, 1997.

BRANDÃO, Z. A intelligentsia educacional um percurso com Paschoal Lemme. Por entre as memórias e as histórias da escola nova no Brasil. São Paulo: EdUSF, 1999.

LACERDA, Carlos. O poder das idéias. Rio de Janeiro: Record, 1962.

LEMME, Paschoal. Memórias de um educador. Infância, adolescência, mocidade. Brasília: INEP, 1988. v. 1.

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LEMME, Paschoal. Memórias de um educador. Vida de família, formação profissional, opção política. Brasília: INEP, 1988. v. 2.

LEMME, Paschoal. Memórias de um educador. Estudos de educação e perfis de educadores. Brasília: INEP, 1988. v. 3.

LEMME, Paschoal. Memórias de um educador. Estudos de educação, participação em conferências e congressos e documentos. Brasília: INEP, 1988. v. 4 .

LEMME, Paschoal. Memórias de um educador. Estudos de educação e destaques da correspondência. Brasília: INEP, 1988. v. 5.

LEMME, Paschoal. Educação progressista. Brasília: INEP, 1961.

MAGALDI, A. M.; GRONDA, J. A organização do campo educacional no Brasil. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2003.

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB trajetória, limites e perspectivas: Campinas: Autores Associados, 1997.

SAVIANI, Dermeval. Política e educação no Brasil. Brasília: Cortez, 1987.

WARDE, M. J. Educação e estrutura social: a profissionalização em questão. Rio de Janeiro: Cortez & Moraes, 1979.

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