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FLEXIBILIZAÇÃO DA ORTOTANÁSIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

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ANUÁRIO PESQUISA E EXTENSÃO UNOESC SÃO MIGUEL DO

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FLEXIBILIZAÇÃO DA ORTOTANÁSIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Bruna Gudiel Rex Lucas Pichetti Trento

Resumo

O trabalho proposto objetiva buscar a interpretação do dispositivo penal na flexibilização em relação a ortotanásia sobre as implicações jurídicas de um médico que deve optar entre salvar um dos dois bens jurídicos, vida e vida, durante um surto de pandemia mundial. Assim, prestigiando os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana

Palavras-chaves: Eutanásia. Ortotanásia. Flexibilização. Pandemia. Implicações jurídicas aos médicos

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo de estudo abordar a eutanásia de uma maneira geral, expondo seu conceito, suas ramificações, as limitações estruturais dos hospitais com relação a pandemia do COVID-19 no Brasil e a flexibilização das implicações jurídicas aos médicos.

Tais implicações jurídicas de um médico que tem a necessidade de escolher entre interromper um tratamento de um paciente gerando sua morte, optar por definir critérios de prioridade de internação em UTIs lotadas, a outro paciente com mais chances de sobrevivência ou recuperação a curto, médio e longo prazo.

Para a realização deste artigo foi realizado um estudo minucioso para coleta de dados que importassem na justificativa da flexibilização nas implicações jurídicas, na hora um médico tivesse que submeter-se na escolha de dois bens jurídicos: vida e vida. A coleta de dados foi realizada em fontes bibliográficas, tais como, doutrinas, jurisprudências, resoluções, artigos, assim como materiais disponibilizados por meio eletrônico.

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2 DESENVOLVIMENTO 2.1 CONCEITO DA EUTANÁSIA

O uso da eutanásia vem desde a Grécia Antiga, daí a origem etimológica da palavra eutanásia "eu" (bom, verdadeiro) mais "thanatos" (morte), literalmente falando, seria uma "boa morte" ou até mesmo “morte sem sofrimento”, como esclarecido pela escritora Maria de Fátima Freire de Sá, (2005, p. 38):

O termo eutanásia foi criado no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon. Deriva do grego eu (boa), thanatos (morte), podendo ser traduzido como “boa morte”, “morte apropriada”, morte piedosa, morte benéfica, fácil, crime caritativo, ou simplesmente direito de matar (SÁ, 2005, p. 38 apud BOMTEMPO, 2010, p. 3).

Ainda segundo a autora:

A eutanásia é a conduta, através da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, com consentimento da pessoa, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida (SÁ, 2015, p. 86).

Embora existam muito países que possuam legislações, leis definidas que falam sobre essa prática, no Brasil a legislação penal brasileira não possui previsão para a prática da eutanásia, entretanto, caso a pessoa esteja com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal dependendo da conduta, ela é classificada como homicídio privilegiado previsto no §1º do artigo 121 do Novo Código Penal, veja-se, in verbis:

Art. 121. Matar alguém. Pena - reclusão, de seis a vinte anos. § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (Brasil 1940).

Inobstante, nota-se que na maior parte das vezes a eutanásia é relacionada com a parte médica e em função disso parece prosperar, e com razão, uma das primeiras correntes ao limitar o médico como o agente

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que assegurará a “boa morte” à pessoa enferma. Desta forma, se garante ao fato a ser realizado um grau maior de segurança médico-jurídica, pois cabe ao médico o diagnóstico da doença e observação do estágio que determinada enfermidade se encontra, e, ao limitá-lo como agente, assegura-se que através da eutanásia terá fim o sofrimento do paciente de forma digna e indolor.

Face as diversas classificações, é possível levar em consideração que não deve-se denominar todo o tipo de intervenção na vida humana como eutanásia, pois não se pode chamar de eutanásia a morte resultante de uma imprudência feita no tratamento, também não pode ser chamado de eutanásia o suicídio uma vez que é o próprio indivíduo que dá fim a sua vida, finalmente, diversas classificações são erroneamente ditas de eutanásia.

2.2 ESPÉCIES DE EUTANÁSIAS NO BRASIL

São várias as espécies de eutanásia e correspondem a distintas valorações no âmbito jurídico-penal.

Considerando o consentimento do paciente é possível falar em eutanásia voluntária que acontece ao ser atendida a vontade do doente, existe a eutanásia involuntária que ocorre quando a morte é praticada contra a vontade do paciente e há, também, eutanásia não voluntária que é aquela cuja morte é provocada sem que o paciente tenha manifestado a sua posição em relação a ela. Na eutanásia voluntária – vontade do paciente – costuma-se falar em eutanásia suicida ou auto-eutanásia que é a provocada pelo próprio sujeito que pessoalmente recorre aos meios letais para suprimir a sua vida, mas a jurisprudência não considera como eutanásia uma vez que o suicídio visa alcançar a própria morte e não de outro indivíduo.

2.2.1 Eutanásia ativa

Esse é um tipo de eutanásia em que, ao invés de simplesmente deixar morrer, o médico faz alguma coisa para matar, abreviar a vida do paciente. Se considerarmos o exemplo anterior, o médico teria usado algum tipo de

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produto letal para abreviar a vida do paciente Abreu (2015, apud FERREIRA. PORTO, 2017, P. 65) esclarece que "Hoje em dia, o conceito de eutanásia popularmente conhecido compreende a eutanásia ativa, que é aquela em que realmente existe uma ação para findar a vida do paciente enfermo”.

2.2.3 Eutanásia passiva

Esse é um tipo de eutanásia em que o médico deixa o paciente morrer. Se uma pessoa se encontra em estado de doença terminal e não há esperança de que ela sobreviva por muito tempo, em virtude do sofrimento pelo qual está passando, ela deseja morrer. Na eutanásia passiva o médico deixa de fazer uma série de procedimentos, como o uso de medicamento, aparelhos etc, e deixa de prolongar artificialmente a vida desse paciente.

Por outro lado, a eutanásia passiva - chamada erroneamente de ortotanásia – consiste em uma omissão, ou seja, dar-se-á com a retirada todos os aparelhos do enfermo ou medicamentos, fazendo com que haja uma morte antecipada. Desta forma, chamar de morte natural, advinda do desligamento de aparelhos, de eutanásia passiva, está equivocada (NOGUEIRA, 1995 apud FERRAZ, 2019).

Deve-se observar que existe uma diferença crucial entre a eutanásia passiva e a ortotanásia que seria no momento da omissão, pois na eutanásia, a sua omissão seria a causadora da morte da pessoa. Já na ortotanásia, tal omissão não seria a causa da morte, tendo em vista que a morte já era certa, sendo que a omissão somente abreviou tal fato, diante da ineficiência dos possíveis procedimentos médicos existentes.

2.2.4 Ortotanásia

Também caracterizada como uma forma de abreviação da vida, onde muito países é legalmente aceita, contudo para o direito brasileiro ainda é assunto pra discussões.

Ortotanásia é uma palavra também oriunda do grego pela junção do prefixo ORTO (normal, correto, com a palavra THANATOS (morte), formando então “morte normal ou correta”. É valido para caracterizar a morte natural

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em que o paciente é atendido em seus últimos momentos de vida na humanidade, procurando-se aliviar o sofrimento do paciente, porém sem insistir em tratamentos terapêuticos e procedimentos cuja efetividade inexiste para o paciente. A utilização deste método de pôr fim à vida, diz-se que se alcança uma morte natural, sem apressar a sua chegada e nem, tampouco, retardá-la. Através da ortotanásia permite-se que a vida tome seu caminho natural, por estar diante de doença que tem a morte como destino inevitável.

Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM):

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (RESOLUÇÃO Nº .1.805/2006, CFM).

A Resolução Nº.1.805/2006, CFM, traz uma referência médica a prática de ortotanásia em seu artigo dando a entender que se não tiver mais probabilidades é possível sim a prática de ortotanásia:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica (RESOLUÇÃO Nº .1.805/2006, CFM).

2.3 TESTAMENTO VITAL

O testamento vital é um instrumento que existe a alguns anos e objetiva que a pessoa com a doença em si possa expressar sua vontade antecipadamente com intuito de determinar quais tratamentos e cuidados

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médicos ele permite ou não que sejam praticados em si próprio quando não esteja em condições de tomar suas próprias decisões.

Testamento Vital é uma cédula redigida por uma pessoa no perfeito desfrutar de suas capacidades intelectuais e psíquicas, com o objetivo de predispor acerca dos tratamentos e não tratamentos a que deseja ser submetido quando estiver diante de um diagnóstico de doença terminal e impossibilitado de manifestar sua vontade. (PEREIRA; SILVA; GONÇALVES, 2013, p.1 apud DINIZ, 2016, p. 318).

Deve-se observar que a Resolução do Conselho Federal de Medicina Nº 1995 DE 09/08/2012 em seu artigo 1º, coloca sobre essas medidas antecipativas de vontade do paciente dizendo o que, e como aceitaria tal tratamento médico dando a entender de que fala esclarecidamente sobre o testamento vital. Já no artigo art. 2º, caput, desta mesma resolução foi colocado que “ [...] pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade” desta mesma resolução o médico em observância realizará o tratamento conforme requerido pelo paciente no testamento vital quando esse já não tiver mais em condições de manifestar sua vontade.

2.4 EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, a Organização Pan-America da Saúde (2020) ainda afirmou, “o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional”. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.

O Brasil se mostrou um país com hospitais com leitos de UTIs insuficientes para abranger a grande demanda nos números de internação de pacientes diagnosticas com o novo coronavírus (SARS-CoV-2), contudo as redes públicas e privadas de saúde correm contra o tempo para organização de estruturas rápidas e eficazes com equipamentos

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respiratórios. Embora está corrida já tenha salvado milhares de vidas ainda é pouco analisando o constante crescimento de novos casos confirmados a cada dia.

De acordo com Pública Agência de Jornalismo Investigativo (2020): [...] o Brasil terá 831 mil pessoas precisando de UTI, enquanto dispomos de pouco mais de 55 mil vagas. Além disso, mais de 80% das regiões de saúde (grupos de municípios que compartilham a mesma rede) não atingiam o parâmetro de 1 a 3 leitos para 10 mil pessoas – o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) –, como apontou há mais de um mês a reportagem o Brasil vive um deserto de UTI.

Os números insuficientes de leitos de UTIs desigualmente distribuídos no país, leva ao profissional da saúde a optar por decidir o paciente que será priorizado na hora do atendimento e internação e a utilização dos aparelhos respiratórios.

Segundo o conselheiro federal por Minas Gerais e coordenador da Câmara Técnica de Medicina Intensiva, Hermann von Tiesenhausen, a necessidade de internação em UTI de pacientes pode, muitas vezes, superar a disponibilidade de leitos, sendo necessário, nesses casos, avaliar criteriosamente os casos com base nas evidências disponíveis de forma a permitir o melhor atendimento, afirmou. Pela Resolução CFM nº 2.156/2016, a admissão na UTI deve ser dada, prioritariamente, aos pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico.

Para pacientes com doença em processo terminal irreversível ou sem possibilidade de recuperação, o CFM recomenda as unidades de cuidados paliativos como as mais adequadas. No entanto, mesmo nestas situações, o ingresso desses pacientes em uma UTI pode ser justificado em caráter excepcional, “considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista”.

A Resolução CFM nº 2.156/2016 orienta que todas as solicitações de vagas para unidade de tratamento intensivo (UTI) deverão ser justificadas e registradas no prontuário do paciente pelo médico solicitante. Ela também

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determina que o serviço de UTI de cada instituição hospitalar desenvolva protocolos internos, baseados em critérios de internação e alta da nova norma, que estejam de acordo com as necessidades específicas dos pacientes, levando em conta as limitações do hospital, tais como tamanho da UTI e capacidade de intervenções terapêuticas. Esses protocolos devem ser divulgados pelo diretor clínico ao corpo clínico do hospital e aos gestores do sistema de saúde (RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MÉDICINA nº 2.156/2016).

Em entrevista para o Pública Agência de Jornalismo Investigativo (2020), a advogada Luciana Dadalto coloca “[...]que fora do Brasil já há iniciativas de legislações específicas que garantem imunidade cível e criminal a esses trabalhadores, para resguardar condutas durante os atendimentos da Covid-19". Embora existam países como Nova York por exemplo, que já existe sim uma lei que protege os profissionais de saúde em decisões como limitar ou suspender o suporte artificial de vida ou não reanimar o paciente durante o período de pandemia.

O CFM em 2020 ainda não deu um parecer preciso para o que vai acontecer com o profissional que precisará suspender o suporte artificial a um paciente com menos chances de vida, contudo conforme resoluções anteriores se o mesmo estivesse desligando os aparelhos que dão suporte a vida do paciente ele estaria cometendo o crime de homicídio/eutanásia, por outro lado considera-se correta a prática de suspender ou limitar tratamentos que prolonguem a vida em casos de doença grave ou incurável, neste caso a ortotanásia, embora nosso Código Penal Brasileiro não considere crime a pratica de ortotanásia.

2.5 QUANTO AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AO MÉDICO

O direito penal brasileiro, assim como todo o ordenamento jurídico do país, se funda no direito à vida, posto que sem ele não seria viável se falar em exercício de direitos.

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Quanto aos aspectos de responsabilização do médico, por previsão do seu Código de Ética (Resolução nº 1.931/2009), a eutanásia é vedada, pois o artigo 41 estabelece o seguinte:

É vedado ao médico: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Ademais, sobre a responsabilização do médico, é válido informar a posição de França (2013, p. 539):

A eutanásia, mesmo com o enfemismo de sanidicídio ou benemortásia, não pode deixar de merecer a devida censura, tenha o médico o consentimento dos familiares do paciente (eutanásia involuntária), ou se agiu a pedido do próprio paciente induzindo-o ou fornecendo meios para o chamado suicídio assistido (eutanásia voluntária).

Assim, fica claro que o médico não pode nem deve, de forma alguma e em nenhuma circunstância, contribuir ativamente para a morte do paciente, pois isso se contrapõe ao seu compromisso profissional e a sua formação moral. O médico, amparado na sua tradição e no seu Código de Ética, fundamenta tal posição nos ditames que lhe vedam “utilizar em qualquer caso meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”. Orienta-se no princípio que deve empregar o melhor do seu esforço e da sua ciência no sentido de “promover a vida humana e jamais utilizar seus recursos para promover a morte”. É inaceitável qualquer forma de eutanásia, tal qual nós entendemos, sempre que se possa ter o mesmo resultado – não sofrimento –, mantendo o respeito pela vida do paciente. Não é justo também que, por razões utilitaristas, alguém venha privar um moribundo dos chamados procedimentos primários, ainda que de certa forma paliativos. Também deve ser registrado que entre a ação e a omissão existe apenas um vácuo

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filosófico, mas a intenção do resultado é a mesma. (FRANÇA, 2013, p. 539/540).

Importa notar que embora França faça o levantamento de que não é possível realizar a eutanásia, mas sim que o profissional da saúde deve seguir cumprindo o código de ética fazendo sempre o possível e o impossível para a melhora do paciente. Por outro lado, tem que se levar em questão o fato do uso da ortotanásia na escolha do paciente com mais chances de melhora em seu quadro clínico, isto é o que consiste na limitação de uso de recursos médicos, farmacêuticos e tecnológicos em pacientes com diagnóstico de terminalidade e/ou incurabilidade aqui, o objetivo não é abreviar a vida do paciente, mas reconhecer que a doença tem seu curso natural e que o prolongamento artificial da vida biológica não é benéfica para o paciente.

Conforme o artigo 22º do Código Penal “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça. Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos”. Percebe-se que a conduta típica não envolve o dolo de tirar a vida do paciente, mas de cumprir sua vontade em ver cessar seu sofrimento que neste caso recairia sobre o médico.

Segundo o artigo 24º também este do Código Penal Brasileiro, estará amparado pelo estado de necessidade o agente que pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Trata-se de situação especial em que há o sacrifício de um direito juridicamente protegido, para salvar de perigo atual e inevitável o direito do próprio agente ou de terceiros, sendo que outra conduta, nas circunstâncias concretas, não fosse razoavelmente exigível. Embora nota-se que o estado de necessidade não necessariamente está ligado a proteger o agente de saúde que teve que tomar a difícil decisão de escolha entre dois bens jurídicos vida e vida. Sabe-se que apesar do agente estar cumprimento com

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os requisitos do artigo 24º do Código Penal, espera-se que o agente saiba ou pelo menos imagina estar em estado de necessidade.

3 CONCLUSÃO

A eutanásia no Brasil é crime, trata-se de homicídio doloso que, em face da motivação do agente, poderia ser alçado à condição de privilegiado, apenas com a redução da pena.

O que se pretendeu neste trabalho não foi dar uma resposta, mas sim despertar o interesse de todos para um tema tão significativo ao qual estamos vivendo neste momento de pandemia do COVID-19 no Brasil e no mundo todo.

No caso foi levantado a questão de que seria possível sim a flexibilização da eutanásia por meio da ortotanásia realizada por um especialista da saúde/médico, para haver o desligamento dos aparelhos e a liberação dos leitos de UTIs, sem a permissão ou manifestação dos parentes do paciente, nos casos em que o paciente não apresentará um quadro de melhoras podendo assim o médico fazer o desligamento dos aparelhos e o direcionando a pacientes com alta probabilidade de recuperação. Essa flexibilização também deve ser observada no fato de que assim haveriam menos chances de contaminação do CORONAVÍRUS (COVID-19) para com os parentes do paciente enfermo.

O médico intensivista e de ponta, de hospital público, que antepusesse pela escolha da ortotanásia entre dois paciente em estado terminal deveria encontrar-se amparado pelo estado de necessidade flexibilizando assim a excludente de licitude em caso de ter que decidir entre dois bens jurídicos vida e vida que determinaria o desligamento dos aparelhos para um dos pacientes, agindo assim com o princípio da razoabilidade, deste modo gerando mais possibilidade de sobrevivência ao paciente mais “saudável”.

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BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:

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BOMTEMPO, Tiago Vieira. A ortotanásia e o direito de morrer com dignidade: uma análise constitucional. Disponível em:

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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n. 1931, de de 13 de outubro de 2009. Diário Oficial da União, Brasília, Seção I, p. 173. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.htm>. Acesso em: 15 maio 2020.

DINIZ, Ana Clara. A eutanásia no âmbito internacional: a aplicabilidade no Direito Constitucional Português. Disponível em:

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Sobre o(s) autor(es)

Bruna Gudiel Rex. Formanda em Direito da Universidade de Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Campus de São Migue do Oeste. E-mail:brunagudielrex@hotmail.com Lucas Pichetti Trento, Graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Professor de Graduação em Direito na Universidade do Oeste de Santa Catarina - Campus São Miguel do Oeste e Pinhalzinho. E-mail: pichettitrento@gmail.com

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