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BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE QUÍMICA

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Revista ACTA Tecnológica - Revista Científica - ISSN 1982-422X , Vol. 6, número 2, jul-dez. 2011

BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE

QUÍMICA

Fábio Lustosa Souza 1

Terezinha Valim Oliver Gonçalves 2

Resumo

O presente artigo discute as relações presentes na tríade Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS) no ensino de Química, bem como as bases epistemológicas a elas subjacentes. Trata-se de uma abordagem pedagógica que atualmente tem sido utilizada no ensino das Ciências, em ruptura ao mecanicismo cartesiano de estudo efetuado ao longo dos anos, cujo propósito é promover uma Alfabetização em Ciência e Tecnologia indispensáveis ao exercício de uma cidadania crítica. Aborda, ainda, uma concepção epistemológica pós-moderna para o Ensino CTS ao trazer para discussão o conceito de “nova cidadania”.

Termos para indexação: CTS, epistemologia, cidadania, interdisciplinaridade.

EPISTEMOLOGICAL BASES CTS UNDERLYING APPROACH IN TEACHING CHEMISTRY

ABSTRACT

The present article discusses the present relations in the triad Science – Technology – Society in the teaching of Chemistry, as well as the epistemological concepts that are in their basis. It is a pedagogical approach that has been used in the teaching of Sciences, breaking with the Cartesian mechanism model of study which has been used along the years, with the purpose of promoting the literacy in Science and Technology, which are essential to the exercise of a critical citizenship. A postmodern epistemological conception of Science – Technology – Society is approached when it brings the discussion concerning the concept of “new citizenship”.

Index terms: STS, epistemology, citizenship, interdisciplinarity.

1 Doutorando em Educação em Ciências e Matemática pela UFMT/REAMEC. Professor de EBTT do IFMA/Campus Monte Castelo. Email: flustosa71@

gmail.com.

2 Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela UNICAMP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática

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INTRODUÇÃO

O ensino de Ciências, desde o século XV até os dias atuais, tem se pautado no paradigma cartesiano-newtoniano que favoreceu, por muito tempo, o materialismo, o racionalismo e uma visão fragmentada do mundo e das Ciências. Isso se constata pela própria formação dos professores nesta área do conhecimento que não reflete sobre a prática pedagógica. Como consequência, não se prioriza um ensino que proporcione ao aluno o desenvolvimento de habilidades como autonomia, visão crítica e interdisciplinar da Ciência, impossibilitando, assim, a instituição de verdadeiros diálogos entre esta e as demais áreas do conhecimento científico.

Neste artigo, pretendemos enfatizar a existência de uma abordagem relacional entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) no ensino de Química. Para que isso ocorra, de forma compreensível por parte do leitor, torna-se necessário o delineamento de alguns aspectos e questões, tais como o histórico do ensino de Ciências no Brasil, o surgimento do Movimento CTS, a inclusão desta temática no Ensino de Química, assim como uma análise de questões pedagógicas e epistemológicas que sustentam essa abordagem.

O ENSINO DE QUÍMICA NO BRASIL E O MOVIMENTO CTS: UMA VISÃO SOCIALMENTE SIGNIFICATIVA PARA O ENSINO DAS CIÊNCIAS

Um fato importante a considerar é que o século XX foi marcado por importantes revoluções no campo das Ciências, graças à criação da Teoria da Relatividade, criada por Einstein, e à Teoria Quântica. O que implicou, diretamente, em quase todos os setores da sociedade industrializada, ocasionando consequências drásticas à sociedade, a exemplo da eclosão da bomba atômica.

Para consideração inicial, Capra (1982) e Granger (1994) explicitam o seguinte:

...este quadro de situações “catastróficas” foi pintado devido o investimento das sociedades desenvolvidas no paradigma cartesiano que acabou por desvincular Deus, Moral ou Ética da Ciência e Tecnologia (C&T).

Foi a partir da segunda metade do século passado que algumas evidências puseram em questão a utilidade da ciência moderna, pois constataram que problemas de cunho ambiental se acentuavam cada vez mais. Além disso, uma maciça produção tecnológica passava a estar a serviço da belicosidade entre nações, em contraponto aos caminhos lógicos da ciência. Nascia, então, uma nova forma de pensar a inter-relação entre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade, que foi chamada de “Movimento CTS” (AULER e BAZZO, 2001).

O CTS é um movimento internacional de reforma do ensino das ciências, desenvolvido desde meados da década de 1980, com ênfases curriculares que requerem metodologias e abordagens inovadoras de ensino de ciências, como assevera Azevedo et al. (2002). No Brasil, tais reflexões tomaram assento nos ensaios de Fourez

(1995), Santos e Mortimer (2000) e Cruz e Zylbersztajn (2001). A importância do enfoque CTS decorre do fato de buscar relacionar aspectos sociais, políticos e econômicos com as implicações advindas da Ciência eTecnologia.

A visão de que o professor, geralmente, manifesta, na escola, uma perspectiva contrária à relação CTS pode ser expressa pelas idéias de Oliveira (2001), Santos (2002), Santos e Schenetzler (2003) e Pietrocola (2001):

... O papel do professor é tido como aquele que professa para as mentes “receptoras” vazias de conhecimentos e a aprendizagem se viabiliza pela repetição mecânica de exercícios que buscam a aplicação de teorias expostas. Assim se configura a influência da concepção que se tem de Ciências com o ensino praticado em sala de aula.

De outra forma, para Santos e Schenetzler (2003) trata-se de uma nova forma de se compreender as inter-relações entre a ciência e a tecnologia, com a adoção de uma nova ênfase curricular que implica outra escolha de conhecimentos e saberes os quais serão transformados em ‘conteúdos disciplinares’. Tal concepção permitirá que a sociedade possa integrar-se como sujeito desta aprendizagem por meio da utilização de temas que permitam uma investigação do contexto no qual o estudante se insere. No Brasil, o Movimento CTS está presente nos documentos oficiais da legislação brasileira, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), fortalecendo, assim, uma nova educação científica com foco na formação dos cidadãos.

Teixeira (2003, p. 1) explicita os propósitos CTS da seguinte forma:

O movimento CTS no ensino de Ciências pode propor uma Educação Científica de maneira diferenciada, contribuindo para a formação educacional vista como instrumental para a formação da cidadania e transformação da sociedade em função dos interesses populares.

Isso quer dizer que o movimento CTS configura-se como uma alternativa ao ensino tradicional praticado, atualmente, no ensino das ciências, especificamente, no de Química. Embora ainda não considerada em âmbito escolar, as questões culturais e sócio-ambientais são relevantes para a construção da cidadania do aluno, ao tempo em que ele aprende Ciências no curso de sua escolaridade.

Nessa perspectiva, Santos e Mortimer (2002, p. 3) nos afirmam que os trabalhos curriculares em CTS surgiram como decorrência da necessidade de formar o cidadão em ciência e tecnologia, o que não vinha sendo alcançado adequadamente pelo ensino convencional de ciências.

Por outro lado, é defensável por Santos e Schnetzler (2003, p.94), que o objetivo central do ensino de Química para formar o cidadão, é preparar o indivíduo para que ele compreenda e faça uso das informações químicas básicas necessárias para sua participação efetiva na sociedade tecnológica que vive, uma vez que o

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ensino levaria o aluno a compreender os fenômenos mais diretamente ligados à sua vida cotidiana, a saber manipular as substâncias com as devidas precauções, a interpretar as transformações químicas transmitidas pelos meios de comunicação; a compreender e avaliar as aplicações e implicações tecnológicas e a tomar decisão frente aos problemas sociais relativos à Química.

Quanto ao ensino de Química no Brasil, já é notório que o mesmo tem se pautado na mera transmissão de informações, definições e leis isoladas, sem qualquer relação com a vida do aluno. Isso porque se exige deste, quase sempre, pura memorização de denominações ou nomenclaturas, definições e fórmulas.

Deliezoicov et al. (2002) nos afirma que:

O senso comum no ensino de Química está marcadamente presente em atividades como: regrinhas e receituários; classificações taxonômicas; valorização excessiva pela repetição sistemática de definições, funções e atribuições de sistemas vivos e não vivos; questões pobres para prontas respostas igualmente empobrecidas; uso indiscriminado e acrítico de fórmulas e contas em exercícios reiterados; tabelas e gráficos desarticulados ou pouco contextualizados relativamente aos fenômenos contemplados; experiências, cujo único objetivo, é a verificação da teoria .

Em outros momentos, o ensino de Química privilegia aspectos teóricos, em níveis de abstração inadequados aos estudantes, muito embora estes sejam vistos como “tábuas rasas” e a ciência como verdade absoluta, pronta e acabada, inquestionável e imutável. Dessa forma, a compreensão das questões químicas fica relegada à iniciativa do aluno.

Santomé (1997, p. 7) ao refletir acerca do ensino praticado nas escolas ditas “tradicionais” enfatiza que o problema dessas escolas, onde se dá grande ênfase aos conteúdos apresentados em pacotes disciplinares, é não conseguirem fazer com que os alunos sejam capazes de ver esses conteúdos como parte do seu próprio mundo.

Além disso, chamamos a atenção para o fato de que o uso indiscriminado do conteúdo escolar da Química como elemento de simples memorização de símbolos, fórmulas e nomes de substâncias em nada contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas desejáveis para o estudante. No ensino médio de Química, o que está em cheque é, principalmente, a formação do aluno-cidadão, capaz de interagir com o meio-ambiente em que vive – porque o compreende - de forma responsável e solidária.

Zanon e Maldaner (2001) refletem sobre aprendizagens superficiais e restritas que pouco contribuem para a formação de um cidadão crítico e apto a tomar decisões diante de situações do seu dia a dia. E a escola é a principal responsável pela formação de cidadãos cuja visão de mundo seja comprometida com o esclarecimento e com a gestão dos problemas mais relevantes do mundo em que vivem.

Destarte, convém ressaltar que, para a construção

da cidadania, devem ser abordados, no cotidiano da sala de aula, conhecimentos socialmente relevantes, que façam sentido e possam se integrar à vida do aluno. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, BRASIL, 1999) prescreve o seguinte:

Os conteúdos escolares devem ser abordados a partir de temas que permitam a contextualização do conhecimento. Não se pretende que esses temas sejam esgotados, mesmo porque as inter-relações conceituais e factuais podem ser muitas e complexas. Esses temas, mais do que fontes desencadeadoras de conhecimentos específicos devem ser vistos como instrumentos para uma primeira leitura integrada do mundo com as lentes da Química.

Para se levar isso em conta, torna-se imprescindível superar o ensino usual cuja prática se acha comprometida, pois como bem assinala Mizukami (1986, p.14), este ensino “tradicional” se caracteriza justamente pelo verbalismo do mestre e pela memorização do aluno. Os alunos são simplesmente instruídos e ensinados pelo professor. Evidencia-se preocupação apenas com a forma acabada, uma vez que as tarefas de aprendizagem quase sempre são padronizadas. Isso implica em o aluno poder recolher-se à rotina para conseguir a fixação de conhecimentos, de conteúdos e de informações. Ao contrário, passa a ser desejável que os conhecimentos difundidos no ensino da Química no ensino médio permitam a construção de uma visão de mundo mais articulada e menos fragmentada, contribuindo para que os indivíduos se vejam como participantes de um mundo em constante transformação.

Nessa perspectiva, a abordagem interdisciplinar, advinda do movimento de conjunção entre várias disciplinas, para assegurar a integração curricular, tem levado pesquisadores das mais variadas áreas das ciências a promoverem um amplo debate acerca de sua aplicabilidade no processo educacional como um todo. Trata-se, assim, de romper as barreiras existentes entre as disciplinas e seus especialistas.

Por outro lado, esta concepção de interdisciplinaridade já fazia parte, de certa forma, da visão de conhecimento de filósofos gregos como Sócrates, Platão e Aristóteles, já que o conhecimento não seguia uma cadeia hierárquica segmentada de “disciplinas” ou de idéias isoladas e sem relação umas com as outras, como ocorre nos dias de hoje. Nos discursos de Sócrates, a interdisciplinaridade aparece como interlocutora em seus manuscritos chamados “Diálogos”, os quais associavam os mais variados temas, numa perspectiva interideacional unificadora (CARDOSO et al., 2008, p.23).

Na legislação educacional brasileira do ensino médio, a interdisciplinaridade é tratada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM, regulamentada pela Resolução CNE/CEB N° 04/96 e Parecer CNE/CEB N° 05/96, que se subdivide em três grandes áreas: (i) Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias; (ii) Ciências da Natureza, Matemática e Suas Tecnologias, e (iii) Ciências Humanas e Suas Tecnologias.

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Os maiores disseminadores da interdisciplinaridade no Brasil são Ivani Fazenda e Hilton Japiassú, cujas formações acadêmicas receberam o viés da experiência européia, notadamente a francesa. As referências de ambos são muito semelhantes e possuem, no Francês, Georges Gusdorf, um denominador comum.

O marco inicial da disseminação da interdisciplinaridade no Brasil foi o lançamento do livro de Japiassú (1976) intitulado “Interdiscisciplinaridade e patologia do saber”, com prefácio do próprio Gusdorf. Nele o autor centra suas construções para a questão epistemológica. Por sua vez, Ivani Fazenda vai direcionar seus estudos interdisciplinares para a o campo pedagógico e instaura um dos mais eficazes programas de pesquisa sobre interdisciplinaridade na educação, fomentando, ao longo destes últimos trinta anos, diversas produções sobre o tema, com mais de uma dezena de livros já publicados.

Japiassú (1976, p.61), ao discutir o conceito de interdisciplinaridade, afirma que isso implica em discutir o conceito de disciplina, uma vez que se trata de “uma progressiva exploração científica especializada numa certa área ou domínio homogêneo de estudo”. Ele nos diz ainda que:

O formalismo jurídico de uma teoria abstrata, desligado de toda referência à vida real, pode conduzir aos piores absurdos, traindo, assim, a essência mesma da função jurídica. De modo semelhante, o formalismo rigoroso desta ou daquela teoria cientifica pode desenvolver, sob aparências enganadoras da perfeita exatidão, o desconhecimento das implicações próximas e longínquas da existência humana. As práticas interdisciplinares, portanto, tendem a buscar a unicidade do conhecimento, onde a integração de todas as disciplinas e a ligação delas com a realidade do aluno dão um outro sentido ao conhecimento (JAPIASSÚ, 1976, p. 17).

Fazenda (2001), por sua vez, sustenta a defesa da interdisciplinaridade como sendo a “integração de disciplinas”, uma vez que “elas precisam estabelecer canais de comunicação e colaboração, possibilitando assim construir referenciais teórico-metodológicos mais ampliados sobre situações e problemas da realidade”. Para a autora, os professores não foram preparados para trabalharem interdisciplinarmente, devido as suas formações terem ocorrido sob o paradigma cartesiano. Portanto, sentem-se inseguros frente à nova tarefa de integrar disciplinas.

É bom frisar que, como forma de integrar os conhecimentos disciplinares, tem-se a observar outros conceitos importantes, tais como a multidisciplinaridade, a intradisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a

transdisciplinaridade, que apresentam significados

diferentes no contexto educacional.

Para Chassot (2000), considerado um dos maiores defensores da inserção da História nos Currículos Escolares, a História da Ciência é uma facilitadora da alfabetização científica do cidadão e da cidadã. Segundo o mesmo autor, o termo facilitador não deve ser entendido

como um mero instrumento acessório para facilitar a alfabetização científica. É o contrário, já que não é possível ensinar História da Ciência a quem não tenha uma alfabetização científica mínima.

Nesta discussão merece também destaque a noção de Alfabetização Científica, que foi um movimento que se consolidou nos anos 70 na área da educação em ciências, em função dos avanços científicos e tecnológicos e suas repercussões na sociedade.

Quanto aos conteúdos escolares de Química, estes devem ser abordados a partir de temas que permitam a contextualização do conhecimento. Não se pretende que esses temas sejam esgotados, mesmo porque as inter-relações conceituais e factuais podem ser muitas e complexas. Esses temas, mais do que fontes desencadeadoras de conhecimentos específicos, devem ser vistos como instrumentos para uma primeira leitura integrada do mundo com as lentes da Química.

Para Freire (1987) é preciso superar a “educação bancária”, através do estabelecimento de uma relação dialógica entre os sujeitos do conhecimento (professor e aluno), para desvelamento do mundo. Como ele mesmo nos diz:

Em lugar de comunicar-se o educador faz “comunicados” e depósitos, que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” de educação, em que única margem de educação que se oferece aos educandos é de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fixadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” de educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educando se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão de educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros (FREIRE, 1987, p. 33).

Ademais, uma nova abordagem de ensinar Química no ensino médio, que tem sido muito utilizada em alguns países, sobretudo Portugal e Espanha, é a que utiliza a metodologia CTS, a qual consiste em uma metodologia diferenciada de ensino, ganhando, atualmente, relevância no ambiente escolar no Brasil.

Diversas contribuições nessa perspectiva CTS foram desenvolvidas no Brasil, a exemplo de Ambrogi e Colaboradores (1987), em suas “Unidades Modulares

de Química”; Lutfi (1988), em seu livro “Cotidiano e Educação em Química”; o “Proquim – Projeto de

Ensino de Química para o 2º Grau” (SCHNETZLER et al., 1986); o “Gepeq – Grupo de Pesquisas em Educação Química” (PITOMBO et al., 1995); o “Aprendendo

Química” (Romanelli e Justi, 1997); o “Química para o

Ensino Médio” (MORTIMER e MACHADO, 2002), e o “PERQUIS – Projeto de Ensino de Química e Sociedade”

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(UnB).

ALGUNS ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DO ENFOQUE CTS NO

ENSINO DE QUÍMICA.

A abordagem CTS, por ser uma alternativa pedagógica no ensino de ciências em superação à fragmentação, tem sido muito utilizada por algumas áreas do conhecimento científico (a exemplo da Química), cujo foco está na formação cidadã do aluno. Segundo Teixeira (2003), o movimento CTS está assentado sob uma base conceitual das teorias progressistas em educação.

Do ponto de vista epistemológico, como uma primeira tentativa de aproximação pedagógica, vê-se a interligação da abordagem CTS com as bavê-ses do novo paradigma emergente das Ciências - a Teoria da

Complexidade - e que tem como um de seus maiores

expoentes, o Francês Edgar Morin. Para ele, o paradigma da modernidade está assentado no pensamento complexo, numa visão de totalidade científica (Holismo - visão da realidade, do mundo e do homem) que o conhecimento deve permear em contraponto à neutralidade e fragmentação do conhecimento do século XX.

Para Morin (2002), as disciplinas devem levar em conta tudo o que lhes é contextual, trazendo sua linguagem e seus conceitos para a vida, tornando-as abertas e, ao mesmo tempo, fechadas em uma postura de solidariedade.

Segundo o mesmo autor, o conhecimento científico deve ser organizado de forma a estabelecer ligação entre as culturas divorciadas. A partir daí, deverão surgir as grandes finalidades do ensino, que deveriam ser inseparáveis: i) promover uma cabeça bem feita em lugar de uma bem cheia; ii) ensinar a condição humana a começar a viver; iii) ensinar a enfrentar a incerteza; iv) aprender a se tornar cidadão. Deverá buscar-se, ainda, a “religação dos saberes” que foram fragmentados em função da superespecialização das disciplinas, com o propósito de as disciplinas poderem dialogar entre si, estabelecendo conexões com o cotidiano.

Além disso, para o mesmo autor, a inteligência parcelar, compartimentada, mecânica, disjuntiva, reducionista, quebra o complexo do mundo, produz fragmentos, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional (MORIN, 1999, p. 31).

É nesse aspecto que a abordagem CTS no ensino de Química tem estreita relação com a Teoria da Complexidade de Morin, na medida em que as práticas pedagógicas que se sustentam sobre esta abordagem devem contribuir para o reconhecimento do pensar sistêmico, complexo e ético, e que possam caracterizar a prática educativa. É preciso substituir a visão tradicional do conhecimento como algo estável e seguro por algo dotado de complexidade que tem de se adaptar constantemente a diferentes contextos e cuja natureza é incerta.

Outra tentativa de aproximação epistemológica do enfoque CTS é com a Teoria Progressista Libertadora, em cujos representantes aponta-se Dermeval Saviani, Pedro Demo, Libâneo e Paulo Freire, a quem centraremos um olhar mais atento.

Destaca-se que Freire foi defensor de uma teoria que consiste num movimento transformador e crítico que combate a alienação, contribuindo para a formação de homem instrumentalizado para atuar na sociedade no sentido de sua transformação. Para ele, os alunos, por sua vez, constroem seu conhecimento deixando de ser apenas meros espectadores de um conhecimento bancário.

Como nos aponta Lustosa (2007), é na perspectiva freireana de intervenção CTS que se estabelece uma nova relação com as experiências vividas pelos alunos, não se preocupando com a mera transmissão de conteúdos específicos. A vivência cotidiana dos alunos é retratada no que chamamos de “temas geradores” ou “temas químicos sociais”. A motivação da aprendizagem vem da própria problematização social, pois o aprender e conhecer da realidade vivida de forma crítica leva a uma transformação. As práticas pedagógicas com base nessa abordagem enfatizam o ensinar/aprender num processo em que alunos e professores participam igualmente.

Reforçando esta linha de pensamento citamos Freire (1987, p. 40), que nos diz que:

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responderem aos desafios. Desafiados compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade, e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.

Ainda nesta concepção Freireana, a educação tem um valor inestimável como força motriz de mudança e libertação, como instrumental de formação política e reflexão sobre os problemas do país e do mundo, sendo capaz de gerar uma nova postura diante dos problemas que nos afetam. Ademais, a sua perspectiva emancipadora no ensino escolar, não implica secundarizar outras dimensões igualmente importantes e que devem estar incluídas no processo formativo dos jovens, tais como, a questão dos conteúdos específicos, a formação científica, a formação de habilidades e competências, e diversos outros requisitos necessários à vida individual e social.

Uma terceira aproximação do enfoque CTS no Ensino de Ciências se insere nas discussões apresentadas pela pesquisadora portuguesa Maria Eduarda Vaz Santos (2005), ao trazer para o século XXI o conceito de “nova

cidadania” para a pós-modernidade científica e cultural.

Segundo Santos (2005, p. 141-142) a trilogia CTS passa a ter um novo significado ao contrário do que aconteceu ao longo do século XX: ter sido tratada como mera abordagem, enfoque ou movimento pedagógico de abordagem das ciências. Eleva-se, portanto, à categoria de “educação CTS”, com o propósito de inserir um novo conceito de “cidadania pós-moderna”, como sendo aquela mais autônoma, democrática, cultural, crítica e ativa, haja vista a multiplicidade de dúvidas ensejadas pela pós-modernidade.

Santos (2005, p. 143) nos diz que a investigação acadêmica CTS centra-se numa análise de tipo conceptual

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e em estudos empíricos relacionados com a dimensão social da ciência e da tecnologia. Focaliza os antecedentes científicos e tecnológicos dos problemas sociais, mas não tem como intenção explícita uma projeção prática e política imediata.

Para este novo conceito de cidadania que foi formulado pela autora acima citada o cidadão deve atingir o que ela chama de “conhecimento emancipado”, no qual o mundo real não prescinde de sua participação pessoal nas questões do cotidiano e são levados em conta os aspectos éticos, culturais e políticos de cada situação, dotados de uma problematização holística. Como ela mesma nos diz que:

Em termos escolares, a educação CTS procura aproximar-se de uma racionalidade CTS. Insere-se numa mutação disciplinar de Insere-sentido humanista e cultural. Inclui juízos, reflexões e ações sobre o exercício da cidadania permeando o ensino substantivo das disciplinas. Tende a traduzir-se em diferentes modalidades curriculares. Modalidades que valorizam vectores tais como o diálogo de saberes, a educação para os valores, a educação para os direitos humanos, a pedagogia de projeto, a construção da cidadania, a aula como espaço de participação, etc (SANTOS, 2005, p. 152).

Por fim, cabe-nos enfatizar que no campo disciplinar e, mais especificamente, no ensino das Ciências (pós-moderna), como ela mesma o define, este novo olhar sobre a tríade CTS pretende romper com o que chama de “ensino de ciência pura” para aproximar-se do que passa a chamar de “concepção CTS de ensino das Ciências”, numa perspectiva de emancipação do conhecimento efetivado por cidadãos autônomos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O século XXI se apresenta marcado por profundas transformações sociais, vinculadas a definições no campo científico-tecnológico e que tem acarretado implicações diretas no modo de viver das pessoas, sobretudo no sistema educacional. Tal constatação faz surgir novas propostas curriculares a cada dia no ambiente escolar, com a finalidade de dar mais sentido ao ensino/aprendizagem e, consequentemente, romper com a linearidade disciplinar e a fragmentação do conhecimento científico.

Assim, o movimento CTS no ensino de Química carrega em suas postulações epistemológicas noções que encontram pontos de convergência em relação às propostas defendidas pelas pedagogias de orientação progressista. Como exemplo disso tem-se a pedagogia libertadora de Freire, além do pensamento complexo de Morin, ao mesmo tempo em que se insere um “novo conceito de cidadania” para o século XXI, que segundo Santos (2005) é mais autônoma, democrática, cultural, crítica e ativa, haja vista a multiplicidade de dúvidas ensejadas pela pós-modernidade.

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Referências

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