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GÓIS MONTEIRO, BACKHEUSER E TRAVASSOS

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Academic year: 2021

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GÓIS MONTEIRO, BACKHEUSER E TRAVASSOS: UMA ANÁLISE DO PLANO DE GUERRA DE 1938 E SUA RELAÇÃO COM O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO

BRASILEIRO NA ERA VARGAS

Alexandre Santos Gallera* Gregor G. A. A. de Rooy** RESUMO

Neste estudo, compreendemos a geopolítica1 da América do Sul na década de

1930 e 1940 e, estudamos as análises motivadas por esse contexto do, à época, General de Divisão e Chefe do Estado Maior do Exército (EME) (1937-1943) Góis Monteiro2, do geopolítico civil Everardo Backheuser e do geopolítico e, à época,

capitão do Exército Mario Travassos. Para isso, adotamos a metodologia de análise de conteúdo, através da qual estudamos o Plano de Guerra de 19383 cuja assinatura

é atribuída ao General Goís Monteiro, as obras Curso de Geopolítica Geral e do Brasil, de Everardo Backheuser, e, Projeção Continental do Brasil, de Mário Travassos. Em seguida, ensejamos um diálogo entre as contribuições dos autores em busca da resposta à seguinte pergunta: Quais as semelhanças e diferenças

1 Na opinião do sociólogo brasileiro Josué de Castro, a Geopolítica é : “ uma disciplina científica que busca estabelecer as correlações existentes entre os factores geográficos e os fenômenos políticos, a fim de mostrar que as directivas políticas não têm sentido fora dos quadros geográficos [...]que chamamos Geopolítica não é uma arte de ação política na luta entre os Estados, nem tampouco uma fórmula mágica de predizer a História”. CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome. 6.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961, p. 27.

Geopolítica é a análise das influências geográficas nas relações de poder nas relações

internacionais. A palavra geopolítica foi originalmente cunhada pelo politólogo sueco Rudolf Kjellén na virada do século XX, e seu uso se espalhou por toda a Europa no período entre as Guerras Mundiais I e II (1918-1939)”. Disponível em: https://www.portalsaofrancisco.com.br/geografia/ geopolitica Acesso em 30 dez. 2018.

2 A grafia utilizada neste trabalho será a de Góis, com a letra “i “ em vez de “e”, tendo em vista ser adotada pelo verbete do CPDOC. Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/ BuscaConsultar.aspx Acesso em: 26 dez. 18.

2 3 O plano de guerra em questão foi realizado em 1938. Documento assinado pelo Gen Góis Monteiro quando chefe do EME que contém um estudo pormenorizado das possibilidades e capacidades da estrutura militar da Argentina, do Uruguai e do Paraguai e das intenções do primeiro país, no entorno estratégico brasileiro. Além disso, há diretriz para a construção, ampliação e modernização da estrutura do Exército brasileiro para enfrentar ou dissuadir possíveis inimigos. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=gv_ confid&pagfis=312 Acesso em 01 fev. 2017.

____________________

* Alexandre Santos Gallera é mestre em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Pós-Graduação do Instituto Meira Mattos), servindo atualmente na Academia Militar das Agulhas Negras Contato: santosgallera@yahoo.com.br

** Doutorando do curso de Ciências Militares da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Contato: gregorooy@hotmail.com

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entre as proposições geopolíticas de Backheuser e Travassos e o Plano de Guerra de 1938? Chegamos à conclusão de que os três autores concordaram que o maior rival do Brasil era, à época, a Argentina e que, em diferentes níveis, apontaram que ações defensivas como a habitação da fronteira, o fortalecimento do Exército e a construção de rodovias e ferrovias deveriam ser implementadas pelo Estado Brasileiro.

Palavras-chave: Góis Monteiro. Plano de Guerra. Geopolítica. Backheuser. Travassos.

GÓIS MONTEIRO, BACKHEUSER AND TRAVASSOS: AN ANALYSIS OF THE 1938 WAR PLAN AND ITS RELATION TO BRAZILIAN GEOPOLITC THOUGHT IN THE VARGAS AGE ABSTRACT

In this study, we understand the geopolitics of South America in the 1930s and 1940s and, consecutively, we study the analyzes motivated by this context at the time of General of Division and Army Chief of Staff (EME) (1937-1943) Góis Monteiro , the civilian scholar of geopolitics Everardo Backheuser and the geopolitician and army captain Mario Travassos. For this purpose, we used content analysis as a method to study the War Plan of 1938 ( whose signature is attributed to Goís Monteiro), Curso de Geopolítica Geral e do Brasil [Course on General and Brazilian Geopolitics] written by Everardo Backheuser, and Projeção Continental do Brasil [Continental Projection of Brazil] written by Mario Travassos. Consecutively we promoted a a dialogue between these studies and the Plan aiming to aiming to answer: “ What are the similarities and differences between the geopolitical propositions of Backheuser and Travassos and the War Plan of 1938?” We conclude that the three authors agreed that Brazil’s greatest rival was Argentina and, in different levels, they pointed that defensive measures such be taken by the Brazilian State such as raising national population nearby the borderzone, improving the army, roads and railways.

Keywords: Góis Monteiro. War Plan. Geopolitics. Backheuser. Travassos.

GÓIS MONTEIRO, BACKHEUSER Y TRAVASSOS: UN ANÁLISIS DEL PLAN DE GUERRA DE 1938 Y SU RELACIÓN CON EL PENSAMIENTO GEOPOLÍTICO BRASILEÑO EN LA

ERA VARGAS RESUMEN

En este estudio, comprendemos la geopolítica de América del Sur en la década de 1930 y 1940 y, consecutivamente, estudiamos los análisis motivados por ese contexto a la época del General de División y Jefe del Estado Mayor del Ejército (EME) (1937-1943) Góis Monteiro, del geopolítico civil Everardo Backheuser y del geopolítico y capitán del Ejército Mario Travassos. Para este fin, adoptamos la metodología de análisis de contenido, a través de la cual estudiamos el Plan de Guerra de 19383 cuya firma es atribuida al General Goís Monteiro, las obras Curso

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de Geopolítica General y de Brasil, de Everardo Bachheuser, y, aún, y Proyección Continental de Brasil, de Mário Travassos. Enseguida, enseguimos un diálogo entre las contribuciones de los autores en busca de la respuesta a la siguiente pregunta: ¿Cuáles son las similitudes y diferencias entre las proposiciones geopolíticas del Backheuser y Travassos y el Plan de Guerra de 1938? Llegamos, por fin, a la conclusión de que los tres autores concordaban que el mayor rival de Brasil era Argentina y que, en diferentes niveles, señalaron que las acciones defensivas como el poblamiento de la frontera, el fortalecimiento del ejército y la construcción de carreteras y ferrocarriles deberían ser implementadas por el estado brasileño. Palabras clave: Góis Monteiro. Plan de Guerra. Geopolítica. Backheuser. Travassos.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste trabalho é realizar uma análise do postulado pelos geopolíticos Backheuser e Travassos e suas semelhanças e diferenças em relação ao pensamento do General de Divisão Góis Monteiro, no período em que ele foi Chefe do Estado-Maior do Exército (EME)3 (1937- 1943), tendo como pano de fundo o

Plano de Guerra, de 1938.

O estudo abarca o período da era Vargas (1930 - 1945). Nesse período, o Exército Brasileiro teve projetos e leis4 que visaram à organização do Exército em

tempo de paz e na guerra. A intenção foi modernizar suas estruturas de combate, no mais curto prazo possível, para tornar-se um país eficaz na arte da guerra e, dessa forma, defender seus interesses no seu entorno estratégico. Para tanto, a pesquisa centra-se em três pontos: a análise dos aspectos principais do Plano de Guerra (1938), documento que provocou a criação de itens importantes para a defesa do país; o pensamento do geopolítico Backheuser e, por fim, as principais ideias de Travassos.

Cabe destacar que, após a Revolução de 19305, o ambiente político brasileiro

era conturbado, provocando consequências negativas para o Exército que, de fato,

3 A definição de Estado-Maior do Exército no presente trabalho:. “é o fiador da estrutura e da doutrina das Forças Terrestres. Estrutura pensante e atuante, tem que dar substância à Instituição e saber que uma e outra evoluem, particularmente, no que se refere à eventualidade dos tipos e formas dos conflitos admitidos, ao progresso da técnica e às mutações das próprias instituições políticas nacionais” (EME, 1984, p. 9)”. (Disponível em: http://www.eme.eb.mil.br/index.php/ historico Acesso em: 10 fev. 2017).

4 As principais legislações são: Lei de organização Geral do Exército; Lei de Organização do Ministério da Guerra, Lei de quadros e effectivo do Exército Activo (MCCANN, 2009).

5 “Movimento armado iniciado no dia 3 de outubro de 1930, sob a liderança civil de Getúlio Vargas e sob a chefia militar do Tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, com o objetivo imediato de derrubar o governo de Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, eleito presidente da República em 1º de março 1930. O movimento tornou-se vitorioso em 24 de outubro e Vargas assumiu o cargo de presidente provisório a 3 de novembro do mesmo ano”. (Definição do verbete do CPDOC. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/ revolucao-de-1930-3 Acesso em: 01 fev. 2017).

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estava com o poder bélico aquém de suas responsabilidades constitucionais. Essa instituição encontrava-se fragmentada e dividida, ensejando problemas expressivos na sua hierarquia, disciplina e coesão (MCCANN, 2009). Assim, durante o governo de Getúlio Vargas6 coube aos oficiais de alta patente do Exército Brasileiro a adoção

de medidas para melhorar a sua capacidade, especialmente a da Força Terrestre (MCCANN, 2009).

No que tange ao ambiente doméstico brasileiro, o governo Vargas (1930-1945) é caracterizado como nacionalista e com forte direcionamento para construção do Estado e da Nação no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento da geopolítica no País (LAUERHASS, 1986). A partir de 1937, foi implantado o Estado Novo, que, com a Constituição de 1937, ensejou um fortalecimento do poder Executivo, anulando as atividades do Poder Legislativo. É fato que Vargas deu início a uma nova política nacional, reformulando a estrutura da máquina estatal com a centralização do poder no governo federal. Houve maior capacidade de gestão ao governo central, devido à necessidade de estruturação do setor fabril nacional, com foco na indústria de base. Além disso, ocorre, de forma mais enfática, o processo de ocupação do interior do território brasileiro (GOMES, 2013).

A centralização tanto do poder político como do poder econômico na Era Vargas se baseia no protagonismo militar do período. Tal aspecto foi resultante da existência de uma elite dentro do Exército que elaborou um pensamento de desenvolvimento para antepor a hipótese de uma ameaça externa. Essa elite teve origem na iniciativa de Hermes da Fonseca e do Barão do Rio Branco em enviar oficiais do Exército para cursos na Alemanha, como forma de estruturar a instituição e, principalmente, colocar o poder militar à altura da dimensão territorial brasileira que, à época, assim como as áreas atinentes a economia e política das chancelarias, pendia fortemente em favor da Argentina (GOMES, 2013; MCCANN, 2009).

É nesse contexto doméstico e regional que atuaram três atores-chave do pensamento estratégico nacional de 1930: o geopolítico civil Everardo Backheuser, o geopolítico e militar Mário Travassos e o General de Divisão Góis Monteiro. Backheuser ministrou diversas conferências sobre o tema no Conselho Nacional de Geografia e no Conselho Nacional de Estatística, principalmente na década de 1920, bem como publicou artigos de geopolítica na Revista Brasileira de Geografia (1939). Já Travassos, embora não tenha tido uma atuação importante nos círculos de tomada de decisão do Exército ou da elite carioca (então capital federal), na

6 Foi presidente do Brasil em dois períodos. O primeiro período foi de 15 anos ininterruptos, de 1930 até 1945, e dividiu-se em 3 fases: de 1930 a 1934, como chefe do “Governo Provisório”; de 1934 até 1937 como presidente da república do Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente da república pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934; e, de 1937 a 1945 durante o Estado Novo implantado após um golpe de estado. (Arquivo do CPDOC/FGV. Disponível em: http://www.fgv.br/ cpdoc/acervo/dicionarios/verbetebiografico/getulio-dornelles-vargas. Acesso em 20 fev. 2017). .

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década de 1930, contribuiu para esses respectivos círculos ao ter escrito em 1935 a obra Projeção Continental do Brasil (TRAVASSOS, 1935). Por fim, Góis Monteiro foi Ministro da Guerra e Chefe do Estado-Maior do Exército na Era Vargas, tendo ainda conduzido o Plano de Guerra de 1938 e elaborado a obra A Revolução de 1930 e a finalidade política do Exército.

Segundo Vlach (2003, p. 6), o pensamento de Backheuser e de Travassos influenciaram as mentes do Alto Comando do Exército em 1930:

Em 1933, Backheuser preside a Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial, criada com dois objetivos principais: propor uma divisão regional do Brasil e apresentar estudos levando em conta as necessidades específicas das “regiões de fronteira”, isto é, de “contato” do Brasil com os Estados sul-americanos vizinhos. Em relação às “regiões de fronteira”, trata-se sobretudo de consolidar sua ocupação, de maneira que a referida comissão propôs medidas de desenvolvimento econômico e a implantação de meios de transporte; esses permitiriam o escoamento da produção agrícola e garantiriam o contato, permanente e rápido, com o Governo Central sediado no Rio de Janeiro.

A partir desses fatos, fomos motivados a realizar um estudo cujas principais perguntas de pesquisa são:

• É possível falar de uma estratégia nacional de defesa na década de 1930? • Quais as semelhanças e diferenças entre os pensamentos desses atores? Para responder as perguntas acima, selecionamos as seguintes obras para análise: A Projeção Continental do Brasil, de Travassos, de 19357, o Curso de

Geopolítica Geral e do Brasil, de Backheuser, de 19488; e o Estudo de Góis Monteiro

sobre a capacidade, as necessidades e o objetivo do Exército brasileiro9, datado de

07 de fevereiro de 1938.

7 “O geopolítico Mário Travassos transpôs o conceito mackinderiano de heartland para os altiplanos bolivianos, onde se dava a hegemonia de Buenos Aires, que ainda detinha a vantagem da situação geográfica em relação a extensa Bacia do Prata. Em face disto, Travassos concebe toda uma articulação transversal rodo-ferroviária do “triângulo estratégico boliviano” até os portos atlânticos brasileiros do Centro-Sul e ao complexo ferrohidroviário Madeira-Mamoré ”. (ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de. 80 anos da obra projeção continental do brasil, de Mário Travassos. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rdg/article/view/102081/100500 Acesso em 29 dez.2018)

8 “Em A Geopolítica geral e do Brasil, de 1948, Everardo Backheuser ensinava que a linha de limite e a faixa de fronteira apresentam quatro finalidades principais: 1) distinguir o meu do teu (Otto Maul); 2) proteger o território nacional; 3) isolar esse território - de modo determinado; 4) facilitar o intercâmbio com outros Estados. [...] A geopolítica e a política externa do Brasil: interseção dos mundos militar e diplomático em um projeto de poder: a ata das cataratas e o equilíbrio de forças no Cone Sul, autoria de Ariel Macedo de Mendonça Disponível em : http://repositorio.unb.br/ handle/10482/32951, p. 65-67.

9 Este documento a partir daqui será nominado como Plano de Guerra de 1938, tendo em vista que este nome é mais apropriado para o entendimento do trabalho em questão ( Nota do Autor).

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2 GENERAL GÓIS MONTEIRO

Góis Monteiro foi um dos intelectuais militares nas décadas de 1930 e 1940. Nesse contexto, Pinto (1999) afirma que Góis Monteiro não só fez um diagnóstico da realidade brasileira, mas que também elaborou uma doutrina de desenvolvimento e de segurança, contribuindo para o fortalecimento bélico do Exército.

A obra de Góis Monteiro intitulada A Revolução de 1930 e a finalidade política do Exército, de 1934, tece comentários sobre a consecução de um plano de reorganização progressiva no Exército para resultar em uma estrutura militar que atendesse às necessidades da mobilização geral, da preparação dos militares, para se ter força bélica compatível com os anseios do País. Acrescenta, ainda, que tais medidas são fundamentais, pois, só assim, o Brasil conseguiria ter o domínio aéreo e marítimo e possuir um exército de campanha, para ter êxito no primeiro choque contra um inimigo no seu entorno estratégico. Assim, essa fonte fornece subsídios para o entendimento da importância de Góis Monteiro10 para a estrutura militar

terrestre.

Dessa feita, o referido militar foi expoente, em especial no período de 1937 a 1943, quando foi Chefe do Estado Maior do Exército (EME), momento em que lhe foi oportuno para desenvolver um novo olhar a respeito da questão da Defesa do território brasileiro. Ademais, por sua própria posição de destaque, Góis Monteiro também teve a oportunidade de influenciar a instituição e o fez através de alguns movimentos. Além do já citado Plano de Guerra, podemos citar as palavras do General Cordeiro de Farias11 (apud CAMARGO; GÓES, 1981, p. 218), ao ser perguntado sobre

quem definiu a estratégia militar das forças governistas na revolução de 193212:

“Eram duas frentes inteiramente distintas. Acredito que a frente de Minas estivesse subordinada a uma estratégia traçada no estado-maior de Góes Monteiro, com seu assentimento”. Além disso, acrescentamos o pronunciamento do general Nélson

10 O General Góis Monteiro não só fez um diagnóstico da realidade brasileira, mas também elaborou uma doutrina de desenvolvimento e de segurança, contribuindo para fortalecimento bélico do Exército (PINTO; FERREIRA, 2000).

11 “Osvaldo Cordeiro de Farias, em 1930, participou do movimento revolucionário que depôs o presidente Washington Luís e impediu a posse do novo presidente eleito, Júlio Prestes. Integrou, nessa ocasião, o comando da insurreição em Minas Gerais. [...] Participou da campanha movida por Vargas para afastar o governador Flores da Cunha, que acabou sendo substituído pelo comandante da 3ª RM. [...] Vargas nomeou Cordeiro de Farias como interventor federal no Rio Grande do Sul.” Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/biografias/ cordeiro_de_farias. Acesso em 27 dez. 2018.

12 “Um dos mais importantes acontecimentos da história política brasileira ocorridos no Governo Provisório de Getúlio Vargas foi a Revolução Constitucionalista de 1932 desencadeada em São Paulo”. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/ RevConstitucionalista32. Acesso em 27 dez. 2018.

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de Melo13, participante do movimento tenentista e aliado de Vargas até o regresso

da Força Expedicionária Brasileira (FEB)14, que assim se referiu à participação de

Góis Monteiro na Revolução de 1932: “Voltou vitorioso e fortíssimo e aí dominou politicamente o Brasil durante muitos anos” (PINTO, 1999, p. 294).

A visão de Góis Monteiro de Defesa Nacional foi em torno do desenvolvimento da guerra, extensão dos meios a serem empregados e o esforço necessário para cada ação (MONTEIRO, 1934). Nesse contexto, faz-se necessário o estudo do seguinte documento de posse do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), o Plano de Guerra de 1938.

2.1 Aspectos do Plano de Guerra (1938)

Nossa intenção é apontar as demandas existentes e as medidas necessárias para se ter uma força terrestre compatível para assegurar a defesa do país de um possível invasor, sendo analisada aqui a Argentina como principal ameaça à soberania nacional. A preparação para um conflito armado, na década de 1939, seguiu a seguinte citação:

As classes armadas produzem preparando-se para a guerra, estudando-a e treinando-se nos atos e práticas que ela exige; prevendo o que ela pode exigir e tomando precauções em consequencia... A guerra, porém, pode tomar várias formas relativas ao inimigo, ao terreno e ás circustancias diversas... Prepará-las todas de um modo completo é caro... Por isso os povos inteligentes e previdentes preparam-se para a guerra mais importante, de acôrdo com a probabilidade mais urgente. E em tôrno dessa preparação para a guerra mais provavel e importante eles aprendem a fazer qualquer guerra. [sic]. (RELATÓRIO, 1932, p. 284).

O Plano de Guerra (1938) foi dividido nos seguintes itens: política de guerra; as bases em que se assenta a nova organização; o inimigo; as nossas necessidades

13 “Nélson de Melo [...]Tomou parte na Revolução de 1930, conspirando no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, e participando depois das operações militares neste último estado. Em 1931 foi promovido a capitão e transferido para Pernambuco, onde assumiu a Secretaria de Segurança Pública. Em setembro de 1933, a convite de Getúlio Vargas, Nélson de Melo tornou-se interventor federal no Amazonas até 1935.” Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/ dossies/AEraVargas2/biografias/nelson_de_melo. Acesso em 27 dez. 2018.

14 “Nome dado à divisão de infantaria constituída em 9 de agosto de 1943 e enviada à Itália em 1944 sob o comando do general-de-divisão João Batista Mascarenhas de Morais para lutar contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). A designação FEB passou a englobar as forças brasileiras de terra, mar e ar que lutaram na Segunda Guerra Mundial.“ Disponível em: http:// www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/forca-expedicionaria-brasileira-feb. Acesso em 28 dez.2018.

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em função das possibilidades do inimigo; relações entre o Exército de paz e o de guerra.

2.2 Política de Guerra

O Plano de Guerra, que tem como classificação o termo secreto, foi confeccionado pelo EME na chefia do General Góis Monteiro, que assina o documento. Na parte inicial, faz-se referência ao General Francês René Altmayer15, militar, autor

do livro Estudos de táctica geral. Essa obra aborda conceitos defensivos do exército francês e aspectos doutrinários que foram base para o estudo no Brasil de oficiais da Escola de Estado-Maior. Além disso, dá clara visão da função de um exército, no que concerne à preparação para um conflito bélico. Assim, pode-se mencionar:

O Exército não é um meio em que, em materia de emprego, todas as fantasias do pensamento possam admitidas Nós militares, não somos homens exclusivamente consagrados ás cousas de espirito; ao contrario, estudando a guerra, nos preparamos para a acção sob a sua fórma a mais intensa e, para nós, o pensamento, que é sómente potencia, não acha seu estado completo senão no acto. Ora, na guerra, toda a manobra, em sua concepção, é uma combinação de direcções e de forças, por conseguinte, de esforços; ella só póde attingir aos seus fins se estas direcções são realmente seguidas, se estes esforços são effetivamente fornecidos e se cada um em qualquer escalão que esteja colocado, aja conforme a vontade do Chefes quer dizer que abordamos nossos estudos em um espirito de disciplina, collocando no primeiro plano de nossas preocupações a acção, ao sentido desejado pelo commando, do qual dependemos. [sic]. (MONTEIRO, 1938, p. 3-4).

Ainda na parte introdutória do documento, nota-se a preocupação com o processo de continuidade de fortalecimento bélico da força terrestre (MONTEIRO, 1938, p. 4). Dessa forma, o documento menciona que o principal é atualizar e aperfeiçoar o que já existia como embrião. A necessidade de modificações na estrutura de defesa foram justificadas no documento, tendo em vista que: a lei orgânica do Exército (1934-1935)16 não se mostrou eficiente; melhor conhecimento 15 O General francês produziu o livro “ Études de tactique générale”. A obra faz referência às

composições dos batalhões das armas em um campo de batalha, em especial no que concere à forma de um Exército defender uma possível invasão do seu território. (Nota do autor). 16 O biênio de 1934-1935 , à frente do Ministério da Guerra, Góis Monteiro, com vistas à

reorganização do Exército, direcionou a elaboração do Regulamento do EME, da Lei de

Reorganização Geral do Ministério da Guerra, da Lei de Reorganização Geral do Exército, da Lei do Serviço Militar, da Lei de Regulamentação do Movimento de Quadros do Exército em Tempos de Paz, e da Lei do Estado de Sítio e Agressão Estrangeira (MCCANN, 2009).

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das possibilidades dos prováveis inimigos17; evolução dos armamentos18 nos últimos

quatro anos; e colaboração mais estreita da missão francesa que veio abrir novos horizontes no que tange às normas de ação e aos princípios de organização do Alto Comando do Exército (ACE)19.

No segundo item do documento, de fato, dá-se importância aos conceitos de uma política de guerra adotada por uma nação e faz referência à política pacifista do Brasil. Seguindo a linha de raciocínio de McCann (2009), a política internacional adotada pelo país é historicamente de paz. De forma análoga, é mencionado no Plano de Guerra:

[...] a política militar de um povo é funcção directa de sua orientação política ao concerto internacional, e funcção indirecta das tendencias e reacções desse ambiente sobre seus interesses vitaes e a sua propria segurança. Estabelecidos esses princípios, desde logo se revela claramente o setido pacifista do Brasil, adoptado ininterruptamente por todos os governos, no Império e na Republica, como o que melhor attende aos nossos interesses, pois a seu rythmo poderemos desenvolver e aproveitar o immenso patrimonio de que somos possuidores, uma vez que a paz nos fovorece o progress, emquanto que a guerra, - e a história do conflicto com o Paraguay noi-o confirma exhuberantemente, - sacrificará o presente com empecimento do futuro, retardando assim a evolução nacional. (MONTEIRO, 1938, p. 6-7).

A despeito do citado anteriormente, o Plano de Guerra aponta a necessidade de reestruturação da Força Terrestre devido aos seguintes itens: um agravamento na corrida armamentista no continente; desenfreado pensamento mundial no que concerne à conquista territorial; a existência de território brasileiro de grande proporções, pouco povoado, mal defendido e possuidor de riquezas cobiçadas por nações fortes; a contradição praticada pelas chancelarias sul-americanas (incentivo à aproximação entre as nações) e intensificação das compras militares de vulto, em especial do Chile e da Argentina (MONTEIRO, 1938, p. 7-8).

Segundo o Góis Monteiro (1938, p. 10), o crescimento militar argentino foi traçado em 1923. O plano menciona que a Argentina contava, à época, com recursos

17 Argentina coligada a Uruguai, Paraguai e Bolívia (MONTEIRO, 1938, p. 10).

18 A partir da década de 1930, um novo tipo de metralhadora foi introduzido nos principais exércitos do mundo: a submetralhadora. O Exército alemão criou as revolucionárias MP-40 Schmeisser e o dos EUA, a Colt Thompson M1. (Disponível em: http://armasperfeitas.blogspot.com.br/2009/11/ uma-breve-historia-sobre-as.html. Acesso em: 19 set. 2017).

19 O Alto Comando do Exército (ACE) do Brasil é formado pelo Comandante do Exército e pelos generais-de-exército (generais de 4 estrelas) que se encontram em serviço ativo. Na época em estudo, cabe lembrar que o posto mais alto era general-de-divisão. (Nota do autor).

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financeiros expressivos para aumentar o poderio militar interno. Acrescenta, ainda, que a política de cordialidade ostensiva para com o Brasil não a tolhe na reunião de meios para a execução de sua política militar, o que lhe deu posição preponderante no continente. Além disso, menciona que o poderio econômico argentino atrai para sua área de influência o Paraguai e o Uruguai. Sob tal aspecto, cogita uma possível coligação militar destes três países contra o Brasil.

Dessa forma, o estudo de Góis Monteiro por ele denominado de Plano de Guerra cita que a situação de inferioridade militar do Brasil em relação à Argentina impossibilita a nação brasileira de impedir o início de uma campanha militar daquele país na região sul de seu território. Conforme verificado no documento:

Convictos de que os nossos interesses continuam a encontrar melhor salvaguardar num regimen de paz continental, não queremos preparar o Paiz para promover uma guerra de aggressão, comtudo podemos com os meios necessarios e organisar a Nação para manter intragivel o territorio Nacional. É a politica a que corresponde este estudo, coherente com a do passado, de defensiva diplomatica e militar, mas promptos a orientar as operações, em caso de guerra, de forma que seja impedido o aggressor de tomar pé no território Nacional. [sic]. (MONTEIRO, 1938, p. 11).

Com base em estudos e relatórios20, o EME, sob a direção de Góis Monteiro,

começou, em 1937, a estabelecer medidas para enfrentar o provável inimigo. Para tanto, o método das intenções (estipulado pelos alemães e advindo especialmente dos jovens turcos ao tempo de Moltke21) foi substituído pelo “método das

possibilidades”, preconizado pelo General Altmayer. 2.3 Bases em que se assenta a nova organização

As bases para uma nova organização militar foram retiradas, entre outros, do livro do General Francês Altmayer22, do qual menciona que:

[...] para nós, militares, a ideia não tem valôr senão quando associada á vida e á acção ella só tem interesse em sua 20 Relatório dos Trabalhos do Estado Maior do Exército, durante o ano de 1937.

21 Moltke apontava que a estratégia militar tem de ser gerada por um sistema de opções, iniciando pelos planejamentos simples dos escalões menores que irão participar de um conflito bélico. Diante disto, a principal tarefa das lideranças militares era a exaustiva preparação de todas as possíveis consequências. Sua tese foi simplificada em duas frases: “Nenhum plano de batalha sobrevive ao contato com o inimigo” e “Guerra é uma questão de conveniência”. Disponível em: https://www. britannica.com/biography/Helmuth-von-Moltke. Acesso em: 03 mar. 2017.

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applicação. Vivemos n’uma disposição de esperito e a não nos deixar guiar senão pelos factos. Iniciamos nossos trabalhos em uma submissão constante do indivíduo ao objecto. Isto é, de nossas concepções ao facto material e moral cuidadosamente controlado em um trabalho commum de nossas razão e de nossa imaginação. Não nos preparamos para uma guerra abstracta; preparamos-nos, especialmente, para uma guerra [sic]. (MONTEIRO, 1938, p. 12).

Assim, o Plano de Guerra (1938, p. 10) elenca como o mais provável inimigo a Argentina, coligada com Paraguai e Uruguai, citando que o bom senso aconselhava que a nação brasileira se preparasse para uma guerra contra esses países. O documento também aponta que, para uma preparação adequada, o Brasil necessitava, antes de mais nada, procurar conhecer as possibilidades reais do mais provável inimigo, as suas tendências gerais, os fundamentos das suas possíveis cogitações de ordem estratégica e os seus processos táticos (PLANO DE GUERRA 1938, p. 13).

Dessa feita, o Plano de Guerra contém a seguinte citação de Altmayer:

Não se poderia, com effeito, comparar completamente as operações de Exércitos que operam em condições moraes e materiaes differentes um agindo em grandes massas e o outro com effectivos restrictos; um mobilizando toda a Nação e o outro constituido por soldados profissionaes; um operando em uma paiz de comunicações faceis e o outro agindo em uma região pouco provida de vias ferreas e de estradas; um possuindo um material abundantee o outro só dispondo de engenhos restrictos em numero e qualidade. (MONTEIRO, 1938, p. 15).

Diante do apresentado, o General Góis Monteiro cita o seu pensamento sobre a necessidade do estudo a ser realizado sobre o possível inimigo:

Estamos em uma disposição de espirito a não nos deixar guiar senão pelos factos; pedimos á informação a certeza, antes da precisão. Não se trata aqui de advinhar, de adquirir uma convicção, de determinar dentre todas as operações que o inimigo póde fazer aquelle que elle fará; de discernir, em uma palavra, “as suas intenções”. Empenhamo-nos, sómente, na falta de poder fazer melhor, a eliminar, a grupar todas as manobras que o inimigo póde executar, isto é, todas as suas possibilidades, em um pequeno numero de hypotheses amplas e nitidamente distinctas. A escolha assim não poderá ser duvidosa para quem

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cede o passo aos factos sobre as eventualidades; á certeza sobre a probabilidade á razão sobre a imaginação. (MONTEIRO, 1938, p. 14).

Cabe aqui uma crítica ao Plano de Guerra. Há, de fato, um personalismo em diversos itens do documento, que, em última análise, deveria expressar a diretriz do Estado Brasileiro e não a de um indivíduo. As ideias e concepções de Defesa são expostas pela visão pessoal de Góis Monteiro e não da instituição Estado-Maior do Exército. São citadas, de forma clara, as memórias do Chefe do EME como fator único para a tomada das medidas necessárias para enfrentar-se um país ou coligação de nações no subcontinente sul-americano (PLANO DE GUERRA 1938, p. 29-34).

Segundo Trachtenberg (2006 p. 17), “Os fatos nunca apenas falam por si

23.” Ainda acrescenta que os documentos de pesquisas não oferecem respostas

ao historiador, mas dão-lhe pistas claras para formular questões ajustadas no seu processo de investigação, e guiam-no, naturalmente, na busca de fontes adequadas à obtenção dessas respostas.

Assim, o Plano de Guerra (1938) nunca estará livre de subjetividade. Há vários itens que podem ser contestados por não refletir na sua plenitude o contorno histórico, político e econômico da época. Além disso, cabe destacar que o referido documento reproduz o pensamento militar de um soldado com formação e vida na caserna.

2.4 O inimigo

O Plano de Guerra apresenta uma análise pessoal do General Góis Monteiro sobre as possibilidades e estratégia de um possível inimigo do Brasil no contexto sul-americano. Dessa forma, nas palavras do general:

O Adversario provavel é a Republica Argentina, só ou alliada ao Uruguay ou ao Paraguay, ou a ambos, e ainda a outras potencias (Bolivia, etc.)”. Considerando que a Republica Argentina, mesmo isolada, possue forças militares para a guerra incomparavelmente superiores ás de qualquer dos seus possiveis alliados, é o poder militar d’ella e a fórma pela qual se quer enfrentai-o que indicarão as nossas necessidades em forças terrestres, navaes e aéreas. De taes necessidades decorrerrá a constituição do nosso primeiro escalão de mobilização no

23 Hanson, Percepção e Discovery, pp. 220, 237. Ver também as cotações em Hanson, Patterns of Discovery, pp. 183-84. Disponìvel em https://www.britannica.com/biography/Helmuth-von-Moltke. Acesso em: 03 mar. 2017.

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concernente ás forças terrestres: numero de G.U24. do tempo

de paz. [sic]. (PLANO GUERRA, 1938, p. 15).

Assim, Góis Monteiro cita, no Plano de Guerra, a composição mínima do Exército Argentino, dividindo-o em três itens: da passagem do exército de paz para guerra composta de 06 (seis) divisões de Exército, 05 (cinco) Divisões de Cavalaria, 02 (dois) destacamentos de montanha, elementos de artilharia de Exército, e elementos de Engenharia e unidades de carro de combate; a reserva do Exército permanente com 02 (duas) Divisões de Exército, 02 (duas) Divisões de Cavalaria e 02 (dois) destacamentos de montanha; os reservistas da guarda Nacional com 02 (duas) divisões de Exército, 02 (duas) Divisões de Cavalaria e 01 (um) destacamento de montanha (MONTEIRO, 1938, p. 15). Ainda nesse contexto, segundo os estudos do EME daquela época, havia a possibilidade de a República Argentina ter uma coligação com o Exército do Uruguai, Paraguai e Bolívia. Tal aspecto configurava-se na pior hipótese de conflito para o Brasil, pois os inimigos teriam condições de ter 20 (vinte) Divisões de Infantaria e 08 (oito) Divisões de Cavalaria (MONTEIRO, 1938, p. 16-17).

No que concerne a uma análise das possibilidades dos meios de fabricação da Argentina para uma eventual guerra, o denominado por Monteiro como Plano de Guerra cita que o parque industrial daquele país vinha se desenvolvendo no transcorrer dos últimos anos, mediante ação tenaz e inteligente do seu povo e governo. Dessa forma, coloca de forma clara que estavam capazes de produzir materiais bélicos importantes, tais como munição de qualquer espécie e aviões e, ainda, iriam conseguir em pouco tempo a capacidade de fabricar canhões, pólvora e explosivos em quantidade suficiente para as suas necessidades durante uma campanha contra o Brasil (MONTEIRO, 1938, p. 18).

O General Góis Monteiro utilizou o artigo do General Francês Paul Azan25 para

embasar suas ideias sobre as capacidades de combate da Argentina. O documento exprime a seguinte análise:

24 Na época eram organizações militares de elevado poder numérico de combate, podendo ser de Exército (predominantemente de elementos de infantaria) ou de Cavalaria. A primeira de composição ternária de batalhões e a outra sendo quaternária de regimentos de cavalaria. (Nota do Autor). Para melhor entendimento da composição do Exército na época em análise verificar documento denominado: lei da organização dos quadros e efetivos do Exército em tempo de paz. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/ decreto-lei-556-12-julho-1938-349741-publicacaooriginal-1-pe.html . Acessado em : 12 set 2019.

25 No final da década de 1920, após uma tarefa de ensino no Centro des hautes études militaires em Paris, Azan foi comandante interino da 1ª Brigada de Infantaria em Túnis e ordenou a supressão de uma série de tumultos anti-coloniais. Promovido a General de Brigada em 1928, o General Azan foi nomeado chefe do “Serviço histórico da armadura”. Como generalista, ele era chefe das forças militares na Tunísia francesa de 1933 a 1936. Publicou o artigo “L’Armée Argentine” na revista France Militaire, em 22 novembro de 1937.

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O Exercito Argentino é a imagem da Nação Argentina: elle se fórma, elle se desenvolve, elle está em pleno crescimento; para encontrar sua orientação, elle observe os exercicios extrangeiros e colhe ensinamentos onde quer que estima encontrai-os. Emquanto que os velhos exercitos europeus experimentam grandes difficuldades em modificae sua organização, sua instrucção, seu material, suas installações, seu systema defensivo, em funcção das necessidades actuaes da guerra, o jovem exercito argentino póde assimilar as formulas novas adptando-as com intelligencia e flexibilidade ás suas condições particulares; elle póde tambem evitar experiencias custosas e inuteis[...] Por toda a parte, vi reinar o treinamento, quer se trate das divisões de Buenos Ayres ou de Cordoba, da Escola de Aviação ou da fabrica de aviões, do agrupameto de montanha de Mendoza, especialmente na Cordilheira do Andes. [sic]. (MONTEIRO, 1938, p. 23-24).

Dessa forma, pode-se concluir que o General Góis Monteiro possuía a seguinte visão do Exército Argentino: uma tropa com capacidade bélica capaz de ganhar uma possível guerra contra o Brasil, em especial se tivesse o apoio bélico do Uruguai, Paraguai e Bolívia. Há, ainda, a caracterização da mudança de pensamento militar do alemão para o francês como fator fundamental por parte do Exército Brasileiro, para superar possível ataque dos países sul-americanos supracitados. 2.5 As nossas necessidades em função das possibilidades do inimigo

O General Góis Monteiro menciona, no Plano de Guerra (1938), as necessidades das forças de combate brasileiras para enfrentar uma guerra contra a Argentina.

Para enfrentar com exito o poder militar argentino e compensar as dificuldades de nossa mobilização e concentração, decorrentes as primeiras das imperfeições do nosso serviço de recrutamento e das condições desfavoraveis da distribuição da população pelo nosso vastissimo territorio, e as segundas, da escassez do nosso systema ferroviario (que não chega a formar uma rêde propriamente vital), do seu pequeno rendimento e de seus traçados não se haverem inspirado em fins estratégicos - teremos que: possuir em paz um exercito bem mais forte que o argentino e manter as tropas de cobertura com effectivos aproximados dos de guerra; ter o maximo de forças localizadas na região sul do Paiz e proximo aos provaveis theatros de operações. [sic]. (MONTEIRO, 1938, p. 29-30).

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Além disso, os apontamentos de Góis Monteiro, denominado Plano de Guerra (1938), apresentou estudo para manter a intangibilidade do território nacional, no teatro de operações do Rio Grande do Sul, mencionando a necessidade de formar uma força de cobertura ao Sul do rio Ibicuhy, com até 02 (duas) Divisões de Cavalaria e 01 (uma) Divisão de Infantaria ao Norte do Ibicuhy.

Dessa forma, é apresentada, na visão do Chefe do EME, a composição necessária para fazer face às capacidades da Argentina:

A) Forças terrestres 1) Grandes Unidades:

- 13 ( treze) Divisões de Infantaria - 05 (cinco) Divisões de cavalaria

2) Elementos de Exército ( para 3 Exércitos e 2 Destacamentos de Exército)

- Artilharia de Exército: - 06 a 9 Regimentos de 75, - 06 Regimentos de 155 C, - 06 Regimentos 105 L.

- Engenharia de Exército, - 10 Batalhões rodoviários, - 5 Batalhões ferroviarios, - 5 Batalhões Sap. - ponteiros, - 3 Batalhões pontaneiros, -5 Batalhões de transmissão. - Carros de Combate: - 3 Batalhões, e formação de serviços motorizados. 3) Destacamento de Cobertura

Fronteira Oeste de Santa Catharina: - 1 R.C.D - 1G.B.C - 1 G.A.Do - 1 Cia Sap-Pont - 1 Cia de transmissão - Elementos de serviços Fronteira Oeste do Paraná - composição idêntica.

4) Elementos para a defesa da costa - Artilharia de Costa:

- 6 G.A.C (já existentes) - 8 B.I.A.C (idem)

- I Grupo ou Bia A.C (a criar) para a defesa da Barra do Rio Grande.

- Defesa terrestre móvel:

-3G.B.C (T.Q.T), entregue, segundo as necessidades do momento, a determinados comandos territoriais de Região Militar.

5) Elementos para a D.C.A Artilharia Antiaérea fixa:

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- Baterias de 105, destinadas às Baterias A.C (Total= 8 Baterias.) Artilharia Antiaérea móvel:

- Unidades de 75 em número suficiente para fornecer; - O mínimo de 6 grupos a cada Exército

- E de 2 grupos a cada Destacamento Ex. (22 grupos no total) - O mínimo de I grupo por zona de desdobramento de unidades aéreas (6 grupos).

B) Forças Aéreas

Uma Divisão Aérea (autônoma), compreendendo I - Brigada de caça.

I - Brigada de bombardeio. I - Regimento de Reconhecimento. Elementos não divisionários: - 1 Regimento de Reconhecimento - 2 Regimento de Observação

- 1 Grupo Independente de Observação

- 7 Corpos de Bases Aéreas. (MONTEIRO, 1938, p. 31-34).

Ao analisar o livro do General francês René Altmayer, verifica-se que a doutrina é defender cada direção estratégica com uma força para cada três atacantes (ALTMAYER, 1937). Ou seja, para cada três Divisões de Infantaria atacando deveria ter uma Divisão de Infantaria defendendo. De forma simplória, nota-se que ocorreu um esforço dissuasório expressivo do Brasil, pois a projeção do EME (era a de) possuir 13 Divisões de Infantaria e 05 de Cavalaria contra 20 Divisões de Exército e 08 de Cavalaria.

2.6 Relações entre o Exército de paz e o de guerra

O Exército deve ser, na sua essência, a força militar bélica das guerras possíveis. Além disso, em tempo de paz, as questões do tamanho do Exército passam pelas necessidades políticas, socias e econômicas do país (MONTEIRO, 1938, p. 35).

Dessa forma, o Plano de Guerra (1938) elenca itens importantes de como deve ser o Exército em tempo de paz:

[...] dar nascimento ao Exercito mobilizado (Exercito do tempo de guerra); assegurar a cobertura das operações de mobilização e de concentração; e assegurar a manutenção da ordem no interior do Paiz, no decurso das operações de guerra [...] dispôr sob Bandeira, de um determinado numero de homens; dispôr, em qualquer tempo, de uma quantidade determinada de material (em serviço e em stock); achar-se articulado de modo conveniente no territorio nacional. (MONTEIRO, 1938, p. 36).

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As forças terrestres mencionadas no estudo por ele chamado de Plano de Guerra (1938) são:

02 (duas) Divisões de Infantaria e 04 (quatro) Divisões de Cavalaria no Rio Grande do Sul; 01 (uma) divisão de infantaria e 01 (uma) divisão de cavalaria em Mato Grosso e região nordeste de São Paulo; e as seguintes áreas com 01 (uma) Divisão de Infantaria: Santa Catharina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Capital Federal (Rio de Janeiro e Espírito Santo, Nordeste (da Bahia, ao Ceará), e, no Norte, do Piauí ao Acre (MONTEIRO, 1938, p. 38).

Estabelecendo uma comparação entre o Exército de Paz e o de Guerra, nota-se um grande esforço para a connota-secução do primeiro, a fim de poder, em curto espaço de tempo, tornar-se o segundo de forma eficaz. Ficou evidenciada, também, a preocupação de se ter como centro de gravidade das forças de tempo de paz a região do Rio Grande Sul, implicando a distribuição não homogênea de tropa nos estados da federação (MONTEIRO, 1938, p. 43). Nota-se que ficou para o sistema de mobilização, em um eventual esforço de guerra, formar 03 Divisões de Infantaria.

O Plano de Guerra (1938) justifica a distribuição heterogênea das tropas em tempo de paz no fato de o Brasil ter dimensão do território nacional significante, trazendo dificuldades no ponto de vista de mobilização. Há, também, a questão das precariedades do sistema de transporte rodoviário e ferroviário do sentido Norte e Nordeste e Sudeste do Brasil para as regiões Sul e Oeste. Tais ligações eram desprovidas de condições de suportar o deslocamento de grandes cargas e ainda com poucos pontos de conexões, tornando-se inadequadas para um esforço de guerra (MONTEIRO, 1938, p. 44).

Cabe destacar que a defesa das fronteiras do Brasil é prioridade no Plano de Guerra (1938). Assim, houve o planejamento da construção de vilas militares com casas de sargentos e oficiais nas guarnições de Guaraí, Uruguaiana, Foz do Iguaçu, Coimbra, Guajará – Mirim, Bela Vista, Porto Velho e Amambaí (CARVALHO, 1941, p. 29). Além disso, aquartelamentos foram estruturados e outros recuperados, tais como: Ampliação do 3º Regimento de Aviação (Decreto nº 1.034, de 9 de janeiro de 1939); 2º Regimento de Cavalaria Transportada, com sede provisória em Rosário (Decreto nº 556, de 12 de julho de 1938), provocando a vivificação das fronteiras. 3 BACKHEUSER

Nas décadas 1920 e de 1930, surgem no Brasil os estudos do professor Everardo Backheuser (1879-1951), considerado o precursor do estudo geopolítico no país com critério científico. Ele seguiu os ensinamentos do geopolítico alemão Friedrich Ratzel e do sueco Rudolf Kjellén (FEREZIN, 2012, p. 63).

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Nesse contexto, Backheuser define a função das fronteiras da seguinte forma:

As funções da fronteira decorrem de suas mesmas finalidades fundamentais: distinguir, proteger, separar e unir [...] Para efetivar eficientemente a função de proteger, os governos instalam nas fronteiras estabelecimentos militares (quarteis e fortalezas) e estabelecimentos civis (alfandegas, postos de política e sanitários), ou seja, dão-lhe todo o aparelhamento para a zelosa atividade de impedir tôda sorte de entradas julgadas nocivas à Nação: soldados estrangeiros em atitude de agressão [...]. [sic]. (BACKHEUSER, 1948, p. 177-178).

Assim, o autor considerava que as fronteiras refletiam o poder de um Estado e deveriam ser protegidas para a integridade física do país. Para ele, deveriam ser ocupadas por assentamentos humanos “cheios de vitalidade” e subordinadas ao governo central. Logo, deixar as áreas de fronteira para a administração de políticos locais seria temerário, já que os locais “não expressam nenhuma sensibilidade em relação aos problemas nacionais” (BACKHEUSER, 1926, p. 32).

Ainda nessa linha de pensamento, Backheuser (1948) fez estudos importantes, em especial no que tange a um Estado com bom índice de vitalidade em uma determinada fronteira, em relação a outro limítrofe que a deixou perecer ou não teve capacidade de torná-la dinâmica. Dessa feita, alerta:

Haverá possibilidade de invasão [...] que pode ser pacífica (de boa ou má fé), ou militar, adrede preparada. A possibilidade de êxito no deslocamento da fronteira será tanto maior quanto mais sensível for o desnível de vitalidade intrínseca entre os dois Estados confrontantes. (BACKHEUSER, 1948, p. 160-162).

Backheuser (1948, p. 252), ao realizar uma análise histórica e conclusões da situação fronteiriça do Brasil, destacou:

Com as Guianas [...] Sem que haja indícios atuais de qualquer espécie de agressão, conviria não dormirmos despreocupados, porque as potências famintas de terras armam de um momento para outro “casos” nem sempre fáceis de resolver. Há ainda a temer a hipótese de uma venda ou cessão a alguma terceira potência, também ambiciosa e capaz de não respeitar os direitos de países mais fracos. Tôda a atenção, portanto deve ser dada às nossas fronteiras nessa região. A fronteira entre Acre e Perú, bem como entre Acre e Bolívia, possui sensível vitalidade [...] Aquéles nossos vizinhos, seguramente por efeito de longa e tendenciosa propaganda mostra-se receosos de uma

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agressividade imperialista do Brasil, muito decantada por lá, por isso mesmo sua pressão sôbre a nossa fronteira evidencia “ um estado de alertamento. A vivificação da fronteira Brasil-Uruguai existe em ambos os lados. A fronteira com o Paraguai, a partir de Baía Negra e Forte Coimbra [...] a vitalidade da orla é pequena do nosso lado e com pouco mais de atividae política no flanco paraguaio, do que a nítida infiltração linguística, sendo alí corrente o castellhano e do guarani. Ao chegar a linha fronteiriça ao rio Paraná é por êste rio que se faz a separação entre o nosso e aquelê país. Há por todo o trajeto desse rio, entre Pôrto Guairá ( Sete Quedas) e a foz do Iguaçú ( Quedas do Iguaçú) exploração de ervais [...] para mercado consumidor, que é principalemte a República Argentina.Tôda essa região [...] influência argentina.

Da confluência do Iguaçu em diante a fronteira é com a República Argentina. Aí o contraste é flagrante desfavorável ao Brasil. [...] A influência argentina como antecipamos acima, atinge mais longe. Vai até o Alto Paraná Brasileiro. [...] Tôdas essas condições antropogeográficas e mais as circunstâncias de existir acolá poderosa fonte de energia hidráulica (salto do Iguaçú) confrontante com os três países (Brasil, Argentina e Paraguai) torna êsse trecho da fronteira dos mais necessários de sagaz vivificação por nossa parte”. [...]. (BACKHEUSER, 1948, p. 252).

Com relação às intenções militares de proteção das fronteiras constantes no Plano de Guerra (1938), pode-se mencionar:

Os dois Destacamentos da fronteira Oéste de Santa Catharina e do Paraná, deverão existir, desde o tempo de paz, disfarçados, porém, no quadro das D.I estacionados nos referidos Estados [...] Para a vigilancia e cooperação na nacionalização das regiões fronteiriças, tornar-se ainda necessaria a existencia de, pelo menos, 5 batalhões de fronteira, convenientemente distribuidos pelos locaes que, pela sua situação geoprafhica, estão a exigir a sua benefica acção catalytica. [sic]. (MONTEIRO, 1938, p. 39-40).

Nota-se, aqui, semelhança nas preocupações de Backheuser com o Plano de Guerra (1938) do General Góis Monteiro, como a preocupação com a segurança das fronteiras do Sul, em especial com os corredores de mobilidade que penetram até o centro do Rio Grande do Sul. Com isso, a criação de organizações militares ajudaria na vivificação na fronteira, tendo em vista a presença de militares e de suas famílias, além de o devido deslocamento de atividades comerciais para atender os fluxos populacionais.

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Outra semelhança está na responsabilidade da defesa das fronteiras do Brasil. O Plano de Guerra (1938) afirma que a responsabilidade da defesa do país está nas mãos do EME. De maneira análoga, Backheuser (1948, p. 265) menciona: “É indiscutivelmente da alçada do Estado-Maior do Exército, e não aberrantemente de possíveis Estados Maiores das polícias Estaduais o encargo de planejar e superintender a Defesa Nacional”.

4 MARIO TRAVASSOS

No ano de 1926, Mario Travassos, à epoca capitão do Exército, é alçado ao posto de redator da revista A Defesa Nacional (ADN)26. Em consequência disso,

ocorreu um recrudescimento na percepção dos militares brasileiros ao forte sentimento de ameaça bélica por parte da Argentina, insinuando a ocorrência de provável cerco hispânico ao Brasil. Assim, foi apresentado ao Alto Comando do Exército (ACE) diversos fatos que caracterizavam a preparação militar argentina, tais como: o crescimento exponencial da aquisição de material bélico e a construção de uma indústria aeronáutica (MAGALHÃES, 2001).

Dessa forma, a ADN citava a preocupação de um conflito com a Argentina, informando que esse país possui uma política econômica alinhada com os preparativos militares, em especial na área do setor ferroviário. Isso provocava vantagem estratégica perante o Brasil, pelo fato de possuir deslocamento mais eficaz para a fronteira com a nação brasileira e ligações entre Buenos Aires e as antigas capitais da Bolívia, Paraguai e Uruguai; ampliando assim sua área de influência (ADN n. 15, fev. 1927, p. 45-46).

Travassos escreveu a obra intitulada Projeção Continental do Brasil (1935), com a finalidade de apresentar estudos para questões sensíveis que o Estado Brasileiro deveria compreender e procurar soluções por meio de um projeto de defesa nacional (TRAVASSOS, 1935).

Nesse contexto, Travassos propôs que Vargas definisse em sua política de governo uma infraestrutura no setor de transportes. Dessa forma, menciona que a base teria de ser:

[...] nas linhas naturais ou geográficas de circulação do próprio território e contendo as adaptações ou variantes que as possibilidades humanas põem hoje ao serviço dos homens de Estado para a consecução das finalidades políticas das coletividades que dirigem. (TRAVASSOS, 1935, p. 186).

26 A revista A Defesa Nacional (ADN) foi fundada em 1913 por oficiais brasileiros que estagiaram no Exército alemão em 1910. A Revista Defesa Nacional que se converteria até 1930 em um polo em torno do qual se congregaram militares com elevado senso crítico e dessa forma discutiam assuntos relacionados com a situação política e ideias atinentes ao Exército.

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Para Travassos (1935) o coração sul-americano encontrava-se no território boliviano: o triângulo econômico Cochabamba-Santa Cruz de la Sierra-Sucre, sendo fundamental a defesa das vias de acesso a esse em território nacional.

Travassos (1935) sintetiza a preocupação dos generais brasileiros ao apontar a dianteira da Argentina na competição pela hegemonia na América do Sul, através da projeção ferroviária que atraía para o Prata a economia do Chile, Peru, Bolívia e Paraguai (TRAVASSOS, 1935). Afirmava que caberia ao Estado Brasileiro neutralizar o projeto argentino criando formas de atração para os demais estados e principalmente para a Bolívia já que, seria a partir deste país que a Argentina poderia lançar sua malha ferroviária ao Peru e o Chile (TRAVASSOS, 1935). Dessa feita, sinalizou como objetivo importante a ser atingindo a construção de uma estrada de ferro ligando Santa Cruz a Corumbá, que seria a base de articulação da economia boliviana ao eixo portuário Santos-Rio Grande. Assim, faz a seguinte ponderação:

[...] a situação da Bolívia é hoje das mais delicadas [...]. Trabalhada pelas bacias Amazônica e Platina oscila, instável, entre a Argentina e o Brasil. Como a verdadeira amputada da Guerra do Pacífico e ante a indiferença brasileira, teve de sujeitar-se, sem direito de escolha, à influência argentina. (TRAVASSOS, 1938, p. 82-83).

Em acordo com as observações mencionadas anteriormente, é citado:

Com efeito, esse aspecto geopolítico confere à Argentina papel preeminente na balança de poder regional sul-americana. Não havia dúvidas, reconhecido pelo próprio Travassos, que o Estado argentino havia adiantado sua construção de poder nacional bem antes dos demais vizinhos. A saber, boa rede ferroviária, estradas de rodagem, expressiva Armada, economia de alta produção de riquezas, avanço considerável na educação etc.. (HAGE, 2013, p. 08).

Segundo Travassos (1935), para transformar o cenário adverso que se apresentava, o Estado Brasileiro teria que possuir ligações alternativas com a Bolívia e colocar o Paraguai com uma conexão com o oceano, por meio do sistema ferroviário ligando Corumbá a Santos.

Os estudos geopolíticos de Travassos, a partir da década de 1930, deram novos rumos ao pensamento político brasileiro no que concerne à defesa territorial e, de fato, no poder dissuasório do Brasil, em face da influência argentina em promover as conexões viárias com a Bolívia. O General Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, assim como outros generais do Alto Comando do Exército também

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aportaram as ideias geopolíticas de Travassos. Cabe mencionar que o General Góis Monteiro citava, de forma enfática em correspondências com o presidente Vargas, que uma das prioridades do Estado Brasileiro era o reaparelhamento e modernização da estrutura militar para a hipótese de um conflito bélico contra a Argentina (SARAIVA 2012, p. 33-35).

As ideias de Travassos apontam a Argentina como principal desafio geopolítico do Brasil. Dessa forma, ocorreu influência significativa nas forças armadas brasileiras, sendo uma delas a concentração de tropas na fronteira sul do país (SARAIVA, 2012, p. 39-47).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As fronteiras brasileiras eram desguarnecidas militarmente. As ideias comuns

a Travassos e Backheuser tiveram guarida no Plano de Guerra de 1938, elaborado

pelo General Góis Monteiro.

Dentre as semelhanças dos estudos de Backheuser com o Plano de Guerra (1938) do General Góis Monteiro, pode-se citar a preocupação com a segurança das fronteiras do Sul, em especial os corredores de mobilidade que penetram até o centro do Rio Grande do Sul. Com isso, a criação de organizações militares ajudaria na vivificação na fronteira, tendo em vista a presença de militares e de suas famílias e o devido deslocamento de atividades comercias para atender os fluxos populacionais.

Outra semelhança é quando se comparam as ideias de Backheuser (1948, p. 160-162) com as ideias de Góis Monteiro, com relação às regiões Norte e Centro-Oeste. As teses geopolíticas de Backheuser (ocupação e desenvolvimento) convergem com as ideias de preservação da unidade territorial por parte de Góis Monteiro. Dessa forma, ocorreram, sob direção do EME, a implantação e a transformação de guarnições de fronteira em Tabatinga, Porto Velho, Guajará Mirim e Porto Murtinho (CARVALHO, 1941, p. 18).

Outra semelhança está na responsabilidade da defesa das fronteiras do Brasil. O Plano de Guerra (1938) afirma que a responsabilidade da defesa do país está nas mãos do EME. De maneira análoga, Backheuser (1948, p. 265) menciona: “É indiscutivelmente da alçada do Estado Maior do Exército, e não aberrantemente de possíveis Estados-Maiores das polícias Estaduais o encargo de planejar e superintender a Defesa Nacional”.

Semelhantemente ao que foi apresentado pelo Plano de Guerra (1938), Mário Travassos atualiza, na década de 1930, a posição central da Argentina nas projeções estratégicas brasileiras, proporcionando fortes argumentos para a necessidade de fortalecimento do poder do meio militar brasileiro. São dados de natureza econômica e militar sobre o país vizinho que revelam claramente a permanência do foco de atenção da inteligência militar do Brasil.

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As diferenças, no período em estudo, entre os geopolíticos Travassos e Backheuser do General Góis Monteiro estão balizadas nas afirmações que os dois primeiros atuaram no nível teórico por meio das suas obras estudadas pela comunidade militar, e nenhum deles teve o poder pessoal para efetivar suas ideias, ou seja, atuar no nível prático. O General Góis Monteiro atuou no nível político com o seu pensamento sobre a guerra27, na área estratégica por meio do plano de normalização

de São Paulo28 e, no nível tático, com atuação no movimento de 1930 29.

A gestão de Góis Monteiro no EME produziu um aumento significativo no efetivo do Exército que, em 1943, atingiu a marca de 100 mil combatentes (CARVALHO, 1941, p. 93). O aumento destinou-se a fornecer quadros e tropa para cerca de 50 (cinquenta) unidades reestruturadas ou criadas, sendo, entre outras: unidades de fronteira; escolas; unidades motomecanizadas e antiaéreas; regimentos de artilharia; estruturas de apoio logístico e a criação e revitalização de indústrias bélicas. Tal aspecto fortaleceu a imagem do Exército dentro da sociedade brasileira, com vasta propaganda vinculada de patriotismo à Força Terrestre (CARVALHO, 1941).

Por fim, o Plano de Guerra deixa claro a situação inicial de inferioridade militar do Brasil em relação à Argentina. Esse fato esclarece a impossibilidade da nação brasileira de impedir, de fato, uma campanha militar daquele país na região sul de seu território. Além disso, ficou patente a ideia do EME de ter um forte poder de dissuasão, o que, de fato, se tornou realidade. Outro aspecto importante foi a apresentação de ideias de Backheuser e Travassos, que são similares aos preconizados por Góis Monteiro no Plano de Guerra de 1938.

REFERÊNCIAS

BACKHEUSER, Everardo. Curso de Geopolítica Geral e do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1948.

27 Sobre isso, declara o General: A guerra é natural porque humaniza mais o homem, tornando-o igual ao seu semelhante, pelas próprias contingências em que ela se passa. Fora da guerra, na “calma dos paúes”, o homem torna-se mais lobo do homem e não há medida capaz de aferir o drama vivido pelas sociedades, nas quaes o egoísmo e os vícios mais torpes tudo avassalam. [...] A paz é a guerra branca que não mata com brutalidade, mas, violenta os seres infelizes com torturas physicas e moraes de um requinte inominável. Mata a fogo lento [...]. (AN – FGM, SA 688-6, p. 460-461). 28 Góis Monteiro remeteu a Vargas um “plano estratégico para normalização de São Paulo”, conforme

abaixo transcrito: A situação em São Paulo não comportará mais meias medidas, e o Governo se não quis ver as dificuldades acrescidas, e as cousas tomaram rumo assás inconvenientes para a estabilidade dele, terá que encarar energicamente a mesma [...]empregando os meios de força capaz de liquidá-la, à custa mesmo dos maiores sacrifícios [...]“. (MONTEIRO, 1938, p. 1).

29 “Movimento armado iniciado no dia 3 de outubro de 1930, sob a liderança civil de Getúlio Vargas e sob a chefia militar do Tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, com o objetivo imediato de derrubar o governo de Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, eleito presidente da República em 1º de março anterior. O movimento tornou-se vitorioso em 24 de outubro”. Definição do verbete do CPDOC. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/revolucao-de-1930-3. Acesso em: 01 fev. 2017.

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Recebido em: 08 jun. 2019. Aceito em: 07 set. 2019.

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