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Vivências dos pais no curso da doença oncológica de um filho

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Academic year: 2020

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II

DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.

Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.

Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.

Licença concedida aos utilizadores deste trabalho

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações CC BY-NC-ND

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III

Agradecimentos

A todos os participantes do estudo, não só pela colaboração, mas, sobretudo, por aquilo que me demonstraram ao longo do percurso - por me ensinarem a não desistir, por me terem feito crescer, profissional e pessoalmente, pelos valores que me transmitiram, pelos sorrisos que me proporcionaram, pelo afeto que recebi, pelas partilhas de histórias e de vidas, por me encherem o coração de amor e, sobretudo, por me deixarem entrar nas vossas vidas. Tenho um orgulho enorme em todos vocês e levarei, para sempre, um bocadinho de vocês em mim. Obrigada.

Às orientadoras Doutora Susana Caires, pela oportunidade, por me indicar sempre o caminho certo e o percorrer comigo, e Doutora Goreti Marques.

À Associação Acreditar, por me terem entregue esta missão.

Ao IPO e ao São João, por me abrirem as portas e confiarem em mim. Um agradecimento especial à Enfermeira Odete, que sempre me recebeu com um sorriso, pelo empenho e dedicação em todo o processo. Foi incansável.

Aos meus pais, por me apoiarem incondicionalmente, não por me darem asas para voar, mas por as construírem comigo. À minha irmã, por presenciar os meus momentos de angústia, por me fazer rir e sorrir tantas vezes, por me acalmar nas situações de stress e por ter sempre algo a dizer, ou então, um abraço para dar.

Aos meus primos, os meus melhores amigos, por todos os ouvidos abertos, por toda a atenção, força e coragem. Caminhamos lado a lado, sempre.

Ao João, pela revisão do meu texto, por me levar ao colo vezes sem fim, pelo carinho, pelo aconchego, pela garra, pela motivação, pela calma, pela segurança, pelo amor e, sobretudo, por ter aparecido no momento certo, sem nunca me deixar desistir. Obrigada por tudo.

Às minhas amigas, sobretudo à Joana, que partilhou a sala de aula, as angústias, o stress e o medo comigo. Estamos juntas, “Parça”.

Por fim, a todas as crianças e adolescentes envolvidos, que são um exemplo de determinação, força e, sobretudo, força de vontade. Cresci muito com vocês, aprendi muito com vocês e levo comigo uma bagagem cheia de sorrisos, amor e agradecimentos. Porque se há coisa que me ensinaram, de verdade, foi a agradecer. Foi um orgulho ter-me cruzado com vocês.

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IV

DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

Universidade do Minho, ___/___/_____

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V

Vivências dos pais no curso da doença oncológica de um filho Resumo

Partindo da necessidade de conhecer uma realidade muitas vezes desconhecida, este estudo surge com o objetivo de perceber quais são as principais vivências dos pais e cuidadores de crianças e adolescentes com doença oncológica.

O aumento da taxa de sobrevida, associado aos avanços tecnológicos e à investigação na área, têm permitido descobrir que a doença não afeta só a criança/adolescente doente. A complexidade da doença acaba por afetar a vida de toda a família, exigindo a ativação de recursos e estratégias para fazer face as necessidades sentidas, de forma a manter o equilíbrio.

Em pareceria com a Acreditar, (a Associação de apoio a famílias com crianças/adolescentes com cancro), inserido no projeto “Dreaming with survivors” este trabalho teve como foco compreender quais são as principais alterações ao nível pessoal, familiar e social e quais os recursos utilizados para fazer face a estas alterações. Para isso foi utilizado um questionário que mede o impacto da doença na família, em dois momentos diferentes: 152 pessoas responderam ao questionário de forma online, enquanto as restantes 55 preencheram em contexto hospitalar (Hospital São João do Porto e Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto), dando um total de 207 participantes.

Os resultados, divididos em quatro categorias, revelaram que as principais necessidades por categoria são a falta de tempo para cuidar de si, o desgaste físico e cansaço, a falta de tempo para a vida social, a necessidade de redistribuição dos papéis entre o casal e a pouca atenção dada aos restantes filhos, quando existem.

Tendo em conta os resultados obtidos, são propostas algumas intervenções, com o objetivo de minimizar o impacto psicossocial da doença na família, garantido o equilíbrio necessário para que exista harmonia e bem-estar.

Palavras chave: Crianças/Adolescentes, pais e cuidadores; Pediatria; Oncologia;

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VI

Parents' experiences in the course of a child's cancer disease Abstract

Starting by the necessity of knowing one unknown reality, this study became with the goal of understanding wich are the main things in life by the caregivers parents, children and teenagers with oncolgic deseases.

The increase of the survival rate, associated to the technological upgrades and to the investigation area, let us find out that the disease does not affect only the child/teen that is sick. The complexity of the disease turns to affect all family life, demanding the activation of some ressources and strategies to the necessities that are felt, in order to maintain balance.

In partnership with "Acreditar", (the association of family support with child/teens with cancer), inserted in the project "Dreaming with survivors", this work was focused by understanding wich were the main personal changes, familiar and socialy and wich were the used ressources to face up to those changes. In that case, it was used a quiz which measures the impact of the desease on family, on two diferent moments: 152 people answered to the quiz online, while the other 55 answered in hospital context (Hospital São João do Porto and Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto), ending with a total of 207 Participants.

The results, divided on four categories, revealed that the main necessities by categories are the lack of time to take care of themselves, the phisycal wear and tiredness, the lack of time for social life, the necessity of defining the roles between the couple and the lack of atention given to the other childs, when they exist.

Bearing in mind the obtained results, there are purposed some interventions, with the goal of minimize the psychosocial impact of the desease in family, assuring the necessary balance so there can be harmony and well-being.

Keywords: Children/teenagers, parents and caregivers; Experiences; Pediatrics;

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VII Índice Agradecimentos ... III Resumo ... V Abstract ... VI Índice de tabelas ... IX Introdução ... 1 I. Enquadramento teórico-conceptual ... 4 1. O cancro pediátrico ... 4

1.1. A realidade específica da oncologia pediátrica ... 6

1.1.1. Estatísticas do cancro pediátrico ... 6

1.1.2. Neoplasias pediátricas mais comuns ... 7

1.2. Dados epidemiológicos do cancro pediátrico em Portugal ... 9

1.3. Tratamento oncológico ... 10

2. Vivência da doença ... 13

2.1. Família e mudança ... 14

2.1.1. Impacto psicossocial da doença oncológica pediátrica no sistema familiar ... 15

2.1.2. O impacto psicossocial da doença oncológica na criança e no adolescente ... 18

2.1.3. O impacto psicossocial da doença oncológica nos pais ... 19

2.1.4. O impacto psicossocial da doença oncológica nos irmãos ... 26

2.2. Suporte social e familiar ... 28

lll. Estudo empírico ... 31

1. Metodologia ... 32

1.1. Instrumentos ... 32

1.2. Participantes ... 34

1.3. Procedimentos de recolha de dados ... 34

1.4. Análise dos dados ... 35

III. Resultados ... 36

1. Caracterização ... 36

1.1. Perfil sóciodemográfico das famílias ... 36

1.2. Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro ... 38

2. Vivência e perceções dos pais em torno da doença do filho ... 40

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VIII

3. Suporte familiar e social ... 45

4. Relação conjugal ... 46

5. Impacto da doença nos irmãos ... 47

6. Atividades e recursos para o bem-estar da família ... 49

IV. Discussão dos resultados ... 53

V. Considerações finais ... 58

Referências ... 61

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IX

Índice de tabelas

Tabela 1. Perfil sociodemográfico das famílias ……….……..……36

Tabela 2. Perfil sociodemográfico e clínico das crianças/adolescentes com cancro ….……37

Tabela 3. Dimensões exploradas e questões de investigação ……….………40

Tabela 4. Enfrentamento da doença e resposta às necessidades do filho ………..………..41

Tabela 5. Impacto físico e reação emocional à doença do filho………..……43

Tabela 6. Relação e comunicação com a equipa de cuidados………..………44

Tabela 7. Suporte social e familiar ……….………45

Tabela 8. Relação conjugal……….…………..46

Tabela 9. Impacto da doença nos irmãos………...….…….48

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Introdução

Nunca se aceita a ideia de alguém próximo ter cancro, muito menos quando se trata de um filho. Na fase inicial do diagnóstico, vivem-se momentos de extrema angústia, medo e incerteza, que abalam, direta ou indiretamente, todo o sistema familiar. Para os pais, que por norma são quem recebe o diagnóstico em primeira mão, o confronto com a notícia é sinónimo de uma “sentença de morte”, devido ao peso que a doença acarreta - pois continua a ser a principal causa de morte não-acidental em crianças e adolescentes. Tal como descreve Melo (2017, p. 31): “Quando uma criança/adolescente é diagnosticada com cancro, toda a família é “diagnosticada” e catapultada para uma nova realidade”, passando a confrontar-se com grande sofrimento, inúmeras incertezas e alterações significativas nas suas rotinas, dinâmicas e interações. Tem, pois, início um período difícil, que exige uma significativa reorganização familiar, e que traz responsabilidades e exigências que não existiam até à data. Neste, toda a família passa a girar em torno da satisfação das necessidades básicas e sobrevivência do membro doente, afetando significativamente o seu equilíbrio emocional, relacional, financeiro e social (Jones, 2012; Machado, 2014; Marques, 2017; Melo, 2017; Webster & Skeen, 2012; Woodgate & Degner, 2003).

Entre as crianças/adolescentes doentes, a intensidade e duração de todo este processo – pontuado por “…hospitalizações frequentes, separação da família, perturbações das experiências de socialização, bem como realização de procedimentos médicos geradores de stress e dor” (Gomes, Pires, Moura, Silva, Silva & Gonçalves, 2004, p. 519) - ampliam a sua vulnerabilidade física e psicossocial e poderão ter um expressivo impacto no seu bem estar, qualidade de vida e desenvolvimento a curto, médio e longo prazo (Araújo, 2011; Gomes et al., 2004; Machado, 2014; Oliveira, 2017; Parcianello & Felin, 2008).

No caso dos pais, tal como descreve Monteiro (2018, p.1), quando confrontados com a notícia de que o seu filho tem cancro “…são “assaltados” por um conjunto de intensas emoções que oscilam entre choque, a incredibilidade, a ansiedade, a culpa, a revolta, a rejeição, os sentimentos de injustiça…”. Inicia-se um longo e penoso percurso pontuado por uma vasta e intensa panóplia de emoções, algumas delas, inclusive, aparentemente contraditórias (e.g., medo, descrença, esperança, raiva, ansiedade, alívio, confusão, desânimo, preocupação, incerteza). A estas emoções associam-se expressivas

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sequelas psicossociais decorrentes, por um lado, dos elevados níveis de distresse e ansiedade presentes nas várias etapas do processo, e do seu caráter prolongado (Castro, 2009; Houtzager, Grootenhuis, Caron, & Last, 2004; Jones, 2012; Melo, 2017; Vrijmoet-Wiersma, van Klink, Kolk, Koopman, Ball & Egeler, 2008), e, por outro, da elevada sobrecarga inerente ao acompanhamento do filho doente, à adaptação a uma nova condição de vida e às mudanças ocorridas nas rotinas e dinâmica familiar (Beck & Lopes, 2007; Björk, Wiebe, & Hallström, 2005; Castro, 2009; Eiser & Eiser, 2007; Machado, 2014; Marques, 2017; Melo, 2017).

Para compreender melhor este processo, o estudo empírico desenvolvido no âmbito da presente dissertação teve como principal objetivo auscultar as vivências dos pais e/ou conviventes significativos das crianças e adolescentes com cancro, ao longo do curso da doença, bem como, qual o tipo intervenção psicossocial mais ajustada às necessidades emergidas durante este processo. Designado por “Cuidar dos cuidadores”, o presente estudo integra-se no projeto de investigação-ação “Dreaming with survivors”, iniciado pela Acreditar (Associação de pais e amigos de crianças com cancro), e dá continuidade ao investimento iniciado por esta associação, em 2017, numa tentativa de mapear os aspetos mais significativos do impacto da doença oncológica junto das famílias que apoia, e de desenhar respostas em conformidade. Em face do limitado tamanho da amostra e da sua baixa representatividade em termos do universo que pretendia avaliar, a componente empírica da presente dissertação propôs-se prosseguir com a recolha de dados, complementando-os à amostra inicial e encetando a sua análise mais aprofundada. Para fazer face aos objetivos traçados, foi utilizada uma adaptação do “Questionário do Impacto da Doença Oncológica da Criança na Família” (QAIDOF), da autoria de Goreti Marques (2017), aplicada em duas fases diferentes. A primeira fase, com 152 participantes, realizou-se eletronicamente, via online. A segunda foi realizada em contexto hospitalar, no Hospital São João do Porto e no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, onde participaram 55 pais e conviventes significativos, dando um total de207 participantes no estudo.

Relativamente à estrutura da presente dissertação, esta está organizada em 5 capítulos: Enquadramento teórico; Estudo empírico; Resultados; Discussão dos resultados; e Considerações finais. O primeiro capítulo versa aspetos clínicos fundamentais da doença oncológica pediátrica que ajudam a enquadrar a problemática em estudo. Destes são exemplo a definição e a etiologia da doença, as diferentes tipologias

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de cancro, seu diagnóstico e evolução, bem como formas mais comuns de tratamento. Num segundo capítulo aborda-se o conceito de família, segundo olhar de vários autores, de diferentes quadrantes teóricos, e sistematizam-se alguns dos principais contributos da literatura na área sobre o impacto psicossocial da doença entre as crianças e adolescentes com cancro bem como junto dos diferentes membros e subsistemas da família, designadamente os pais e irmãos ou a família mais alargada, em domínios como a esfera emocional, social, financeira e conjugal. Seguidamente, no terceiro capítulo, é descrita a metodologia de investigação utilizada na componente empírica do trabalho, abarcando aspetos como o instrumento utilizado, os participantes, os procedimentos de recolha de dados e as questões éticas consideradas no estudo. Num quarto capítulo dá-se lugar à apresentação dos resultados, culminando, no quinto capítulo, com a discussão dos mesmos à luz da literatura na área. Segue-se, por fim, uma reflexão crítica sobre os processos e os resultados deste trabalho, suas fragilidades e potencialidades, bem como algumas das implicações práticas da presente dissertação em torno da investigação e intervenção psicossocial a desenvolver por instituições como a Acreditar junto de crianças, adolescentes e famílias que protagonizam uma doença oncológica entre um dos seus membros em idade pediátrica.

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I. Enquadramento teórico-conceptual

1. O cancro pediátrico

“O cancro pediátrico é a primeira causa de morte por doença na criança após o primeiro ano de vida. A cada três minutos que passam, uma criança ou adolescente morrerá no mundo vítima da doença. Neste ano que começou há pouco, 300.000 crianças e adolescentes até aos 20 anos serão diagnosticados com cancro. Se as primeiras linhas deste parágrafo nos prendem pelo horror, as seguintes devem prender-nos pela esperança: com acesso a cuidados de saúde de qualidade, a taxa de sobrevivência destas crianças e adolescentes é superior a 80%”. João de Bragança, Presidente da Acreditar (2017, disponível em https://observador.pt/opiniao/criancas-com-cancro-ter-esperanca-mesmo-na-hora-da-aflicao/).

Introdução

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2018), o cancro é o nome que se dá a “um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos.” Gerado por vários fatores - entre eles as mutações genéticas -, o cancro (também comummente designado por “tumor” ou “neoplasia”) decorre de alterações nas células normais, que se vão reproduzindo rapidamente e de forma desorganizada e incontrolável. Numa fase mais avançada da doença, estas células neoplásicas podem não ficar circunscritas ao órgão onde tiveram origem e, à medida que vão evoluindo, podem propagar-se pelo organismo, por meio de infiltração em órgãos/tecidos próximos do tumor ou dando origem a metástases (Odgen, 1999; INCA, 2018; Portal de Informação Português de Oncologia Pediátrica, 2018).

Odgen (1999) esclarece que o termo “cancro” é utilizado apenas para designar um tumor maligno, distinguindo-se dos de caráter benigno pelo facto de envolver células anormais que crescem rapidamente e invadem tecidos adjacentes ao tumor, podendo colocar a vida do doente em risco, uma vez que são mais agressivos e, por vezes, difíceis de eliminar. Alguns, mesmo que removidos cirurgicamente ou eliminados por meio da quimio ou radioterapia, podem voltar a crescer e a metastizar-se, formando tumores noutros órgãos (Holland, 1998).

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Quanto à sua etiologia, são vários os fatores que poderão concorrer para o aparecimento de um cancro. Uma das classificações comummente utilizadas diferencia-os em termdiferencia-os de fatores interndiferencia-os (e.g. hereditariedade, mutações genéticas, alterações imunológicas, metabólicas e hormonais) e externos (e.g. exposição a produtos químicos, radiação, organismos patogénicos, e/ou hábitos de vida pouco saudáveis), existindo ainda a possibilidade de haver correlação entre ambos (American Cancer Society, 2014; Melo, Barros, Campello, Rocha & Santos, 2012; Moreira & Angelo, 2008).

Em termos de prevalência, grupos etários mais afetados e evolução ao longo dos tempos, o cancro afeta atualmente milhões de pessoas em todo o mundo, é passível de aparecer em qualquer idade, e a sua incidência tem vindo a aumentar em cerca 3% a 4% ao ano (Observador, 2018).

No caso português, os tumores malignos são a segunda causa de morte não acidental em crianças (Instituto Nacional de Estatística - INE, 2014), sendo uma doença com um grande impacto psicossocial, não só pela mortalidade que lhe está associada, como pelos recursos que envolve na sua prevenção, tratamento e reabilitação. Representam cerca de 2% das neoplasias malignas, sendo mais incidentes nas crianças até aos três primeiros anos de vida. O segundo “pico” acontece na adolescência, onde a incidência volta a aumentar (Davidoff, 2010; Dobanovački, Jokić, Vujošević & Slavković, 2010).

Apesar de se tratar de uma doença ainda bastante temida, e à qual surge associado um grande estigma e acentuada carga emocional, as taxas de sucesso em termos de sobrevivência aumentaram significativamente nos últimos anos, em particular na área pediátrica. Nesta última, os índices de sobrevivência aproximam-se, nalguns casos, dos 80% (Gomes et. al., 2004; Mano, 2017; Nóia, Sant'Ana, Santos, Oliveira, Vera, & Lopes-Júnior, 2015; Pinto, 2016). Além disso, a qualidade de vida dos doentes também tem vindo a melhorar, em resultado do seu diagnóstico precoce, terapêuticas médicas, bem como dos meios de reabilitação, física, social e psicológica que têm vindo a ser assegurados nos últimos anos. Contudo, apesar deste cenário mais otimista, o cancro continua a ser aquilo que Pereira e Lopes (2002) assumem como, presumivelmente, a doença mais assustadora do Mundo Moderno, não apenas por se associar à ideia de morte, mas porque invade a vida do paciente e de todo o núcleo familiar, impactando vários domínios, para além do físico e emocional, designadamente o financeiro, social, escolar e profissional dos seus diferentes membros (Machado, 2014; Marques, 2017; Nóia et al., 2015; Oliveira, 2017).

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1.1. A realidade específica da oncologia pediátrica

Embora com alguma frequência, ao nível do senso comum, a abordagem ao tema do cancro seja feita sem ter em consideração as diferentes faixas etárias, a verdade é que a localização, etiologia, tipo histológico ou comportamento clínico do cancro varia em função da idade pediátrica, sendo por norma, muito distintos do cancro entre adultos (Little, 1999; Nóia et. al, 2015). Assim, por exemplo, em termos de etiologia, - ao contrário daquilo que acontece com os adultos, em que fatores exógenos e endógenos colocam a pessoa em situação de maior vulnerabilidade à doença (Brown, 2006; Gurney, Smith & Bunin, 1999)- entre as crianças e adolescentes, a maior parte dos tumores deve-se a causas desconhecidas, e os fatores ambientais pouca influência exercem (Malogolowkin, 2006). Segundo Izraeli e Rechavi (2012), a maior parte dos cancros em idade pediátrica estão relacionados com “acidentes” que podem desenvolver-se na vida intrauterina, surgindo em órgãos e tecidos que se vão desenvolvendo na embriogénese e período pós-natal.

O que se sabe, também, é que os tumores pediátricos - que são mais agressivos, que crescem de forma rápida - acabam por se disseminar de forma mais fácil (Izraeli & Rechavi, 2012), pois respondem melhor aos tratamentos (Costa & Lima, 2002; Gurney et al., 1999; Helman & Malkin, 2001).

1.1.1. Estatísticas do cancro pediátrico

Nas duas últimas décadas, a taxa de incidência tem variado entre 100 a 180 novos casos por milhão de crianças, e 210,42 por milhão de adolescentes, entre os 15 e os 19 anos (Davidoff, 2010; Li, Thompson, Miller, Polllack, & Stewart, 2008; Michaud, Suris, & Viner, 2007; Steliarova-Foucher, Stiller, Lacour & Kaatsch, 2005). Apesar de se tratar de uma doença rara, esta representa, atualmente, um dos mais importantes problemas de saúde pública a nível mundial e, desde meados do século XX, tem vindo a sofrer um acréscimo de ano para ano.

A probabilidade de sobreviver a uma doença oncológica sofreu alterações profundas nas últimas décadas, passando de menos de 20% - antes de 1975 - para mais de 70% nos últimos anos. As mudanças ocorridas e o cenário bem mais otimista que se vive hoje em matéria de sobrevivência ao cancro pediátrico devem-se à significativa

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evolução médica, científica e tecnológica, que, a par de tratamentos mais eficazes, tem contribuído para o seu diagnóstico mais precoce (OMS, 2007).

Refira-se, no entanto, que pesar das notáveis taxas de cura, o cancro ainda é a principal causa de morte não-acidental entre o período neonatal e os 15 anos de idade (Izraeli & Rechavi, 2012; Little, 1999; Siegel, King, Tai, Buchanan, Ajani & Li, 2014; Siegel, Naishadham & Jemal, 2013).

1.1.2. Neoplasias pediátricas mais comuns

O cancro poder surgir em qualquer parte do corpo. Os tipos de cancro mais comuns em pediatria são a Leucemia, tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), Neuroblastomas e Linfomas. Também são comuns, em idade pediátrica, o Tumor de Wilms, Retinoblastoma, Osteossarcoma, tumores hepáticos e Sarcomas (Diniz, Regis, Brito, Conceição & Moreira, 2005).

a) Leucemia

A Leucemia consiste na reprodução anormal de glóbulos brancos na medula óssea (onde se produzem as células do sangue), impedindo a produção de células normais, devido às células leucémicas (Elman & Silva, 2007).

De acordo com Brito (2017), a Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) representa a neoplasia mais comum na infância, tendo um índice de cerca de 75% das leucemias pediátricas, seguida pela Leucemia Mieloblástica Aguda (LMA), com uma incidência menor, de 15% a 20% dos casos (Bortolheiro & Chiattone, 2008; Brito, 2017; Brown, 2006; Marques, 2017).

Segundo Brown (2006) e D’Angio e Vietti (2001), a LLA tem um pico de incidência entre os 2 e os 6 anos de idade, sendo mais provável no sexo masculino. Já a LMA tem uma incidência maior durante a adolescência. No que se refere a sintomatologia mais comuns, podem surgir sinais como a anorexia, irritabilidade, letargia, febre, palidez, equimoses, dor óssea, anemia, entre outros (Robertson & Shilkofski, 2006, cit. por Eufrásio, 2016).

b) Tumores do Sistema Nervoso Central (SNC)

Este representa o tumor sólido mais recorrente em idade pediátrica, e a principal causa de morte não acidental em crianças (Gurney, Smith & Bunon, 1999; National Cancer Institute, 2015). Por norma, estes tumores são categorizados através da sua morfologia e

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grau de malignidade. O prognóstico depende muito do local do tumor, quantidade infiltrada no SNC e subtópico histológico (Brown, 2006).

Os tumores do SNC têm um maior grau de incidência em crianças entre os 3 e os 9 anos (Brown, 2006), embora possam aparecer em qualquer idade. Apesar de pouco frequentes, podem também surgir em estruturas que envolvem o cérebro, como é o caso das meninges cranianas, espinal medula e meninges espinais ou nervos periféricos (Baldwin & Preston-Martin, 2004; Preston-Martin, Munir & Chakrabarti, 1996). Em pediatria, os tumores do SNC mais comuns são os que ocorrem nas células gliais (células auxiliares que suportam o funcionamento do SNC) classificando-se como “gliomas”, e têm um crescimento extremamente rápido (Baldwin & Preston-Martin, 2004; Preston-Martin, Mmunir & Chakrabarti, 1996).

Quando afetado por um tumor, podem existir diversos sintomas, designadamente cefaleias, irritabilidade, convulsões, paralisia de alguns nervos cranianos ou alterações visuais. Tais manifestações dependem do tipo de cancro, tempo de evolução e estádio de desenvolvimento em que se encontram (American Cancer Society, 2014).

c) Linfomas

Este tipo de cancro afeta o sistema linfático. Corresponde a um grupo de tumores de células sanguíneas que se desenvolvem a partir das células linfáticas (os linfócitos), provocando a sua rápida metastização (Brown, 2006).

Caracteriza-se por um aumento ganglionar, designado de “adenomegalia” nas células e tecidos do sistema linfático, no entanto, pode desenvolver-se noutros órgãos como no estômago, intestinos e pele (Brown, 2006). Podem também atingir a medula óssea e o sangue.

Quanto à sua prevalência, os linfomas são o terceiro tipo de cancro mais comum até aos 15 anos. A sua incidência corresponde a 20% das neoplasias pediátricas (Bradley & Cairo, 2008).

Tratando-se de um grupo de neoplasias com um leque heterogéneo e vasto de doenças que afetam a produção de glóbulos brancos (Brown, 2006; Greaves & Alexander, 1993), os linfomas podem classificar-se em linfoides (quando o cancro se encontra na medula óssea ou nas células brancas do sangue) ou mieloides (quando o cancro está presente nos tecidos sanguíneos, não incluindo os linfoblastos) (Brown, 2006;

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Granowetter, 1994). Pode também caracterizar-se pelo seu caráter agudo ou crónico (Araújo, 2011).

Existem dezenas de subtipos de linfomas, no entanto, as duas principais categorias na idade pediátrica, englobam o Linfoma de Hodgkin (LH) e o Linfoma Não-Hodgkin (LNH). O LH representa cerca de 12% dos linfomas malignos e manifesta-se pelo aumento do volume dos gânglios linfáticos do pescoço, axilas e virilhas. É mais comum em rapazes e raramente surge em crianças com menos de 5 anos, sendo o maior grau de incidência entre os 15 e os 30 anos (American Cancer Society, 2014). Já o LNH (correspondente a vários tipos histológicos, como o Linfoma de Burkitt) apenas representa 7% dos linfomas malignos e está associado a tecidos linfoides e ao baço, podendo alastrar-se pelo organismo atingindo a medula óssea (American Cancer Society, 2014). As taxas de cura são superiores no LH (Brown, 2006).

Relativamente aos sintomas, estes podem-se caraterizar por: febre, suores noturnos, prurido, dificuldade respiratória, lombalgias, perda de peso não intencional, aumento do perímetro abdominal, entre outros (American Cancer Society, 2014).

Tanto os linfomas como as leucemias fazem parte de um grupo alargado de doenças, normalmente denominado por tumores dos tecidos hematopoético e linfoide.

1.2. Dados epidemiológicos do cancro pediátrico em Portugal

Em Portugal não existem números oficiais atualizados quanto à realidade pediátrica. A sua última publicação– da responsabilidade do Registo Oncológico Nacional (RON) - data de 2014 e abarca simultaneamente os casos da pediatria e da idade adulta. Além do mais, como afirma Caldas (2014), estes registos são muito pouco informativos dado que - tratando-se os tumores pediátricos de quadros clínicos muito particulares e diferentes dos adultos- estes registos não se encontram adaptados às faixas etárias pediátricas. Procurando contrariar este cenário, criou-se, em novembro de 2011, o Registo Oncológico Pediátrico Português (ROPP), cujo objetivo seria a construção de uma base de dados nacional ajustada à realidade pediátrica (0-18 anos). Apesar dos avanços ocorridos neste novo projeto, a verdade é que não existem ainda elementos conclusivos (e são poucos os divulgados) sobre o cancro pediátrico em Portugal. Sabe-se que, as leucemias, os tumores no SNC e os linfomas são, até aos 14 anos, os principais cancros nas crianças.

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Tomando os registos reportados à realidade adulta e pediátrica – os do RON (2014) - os números oficiais mais recentes apontavam, à data, para o diagnóstico de 359 novos casos por ano, afetando ambos os sexos, e com uma maior incidência entre os 15 e os 19 anos (RON, 2014). Tomando números não oficiais, mas mais atualizados, sabe-se que a incidência de novos casos de cancro pediátrico em território nacional aproxima-se dos 450/ano (Pinto, 2016).

Quanto às taxas de mortalidade, em 2010, o número de óbitos por doença oncológica pediátrica situou-se em 16,9%, dos casos diagnosticados, tendo os restantes 83,1% sobrevivido à doença (RON, 2016).

1.3. Tratamento oncológico

O tratamento dos diversos tipos de cancro difere consoante variados fatores, como o tipo e localização do tumor, o seu tamanho, a idade do paciente e seu estado de saúde e, entre outros, a possibilidade de se expandir para outras partes do corpo. A duração dos tratamentos é também variável, em função do tipo de doença e dos seus efeitos no paciente, podendo estender-se entre meses a anos (American Cancer Society, 2012; Johnston, Lightfoot, Simpson & Roman, 2010; Marques, 2017).

As principais formas de tratamento são: a quimioterapia, a radioterapia, a cirurgia e a imunoterapia. Estes tratamentos são sempre adaptados ao caso clínico específico (Diniz, Regis, Brito, Conceição & Moreira, 2005). Em alguns casos, procede-se a transplantes, como é o caso da medula óssea.

Sem qualquer tratamento associado, a cirurgia, extensão da resseção e o trauma associados têm um impacto cognitivo (Butler & Haser, 2006). Quanto aos diferentes tipos de tratamento, embora a radioterapia seja o mais eficaz para tumores cerebrais na infância, por exemplo, é também aquele que mais danos provoca (morte de células neuronais, degeneração da mielina, esterilidade, défices cognitivos, atrasos no crescimento, défices físicos, entre outros) sendo que o impacto (negativo) acaba por ser mais significativo depois do término do tratamento (Ris, Packer, Goldwein, Jones-Wallace & Bovett, 2001). Cada vez mais se tem estudado a hipótese de usar, de forma alternativa, doses mais reduzidas de radioterapia combinadas com quimioterapia, de forma a reduzir danos significativos no sistema cognitivo, ainda que, mesmo assim, existam sempre sequelas.

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No cancro pediátrico, o principal tratamento utilizado é a quimioterapia, associado (ou não) a outros tratamentos e intervenções clínicas (Bonassa & Santana, 2005; Cicogna, Nascimento & Lima, 2010; Izraeli & Rechavi, 2012; National Cancer Institute, 2015; Rodgers, Norville, Taylor, Poon, Hesselgrave, Gregurich, & Hockenberry, 2012). Sendo um dos tratamentos mais promissores, a quimioterapia, esta pode provocar uma redução das hemácias dos leucócitos e das plaquetas, ou seja, no tecido hematopoiético (tecido responsável pela produção de células sanguíneas e linfa) podem provocar pancitopenia (uma diminuição dos elementos celulares do sangue) (Gelesson, Hiraishi, Ribeiro, Pereira, Gutiérrez & Domencico, 2009; Marques, 2017). Assim, a criança fica mais vulnerável o que, em algumas vezes, obriga a uma situação de isolamento para que os riscos de complicações sejam minimizados. Com isto, são necessários cuidados extra no que diz respeito à higiene da criança, ambiente e confeção dos alimentos (Gelesson, et al, 2009; Marques, 2017).

Devido à tenra idade dos pacientes, estes são particularmente vulneráveis aos efeitos a curto, médio e longo prazo dos tratamentos. Entre eles destacam-se os problemas cardíacos, de crescimento, défices físicos e cognitivos ou infertilidade (Marques, 2017;).

Os efeitos mais comuns na quimioterapia são a imunodepressão, a neutropenia- (diminuição das células brancas do sangue, - responsável pelo aumento dos riscos de morbilidade e mortalidade por infeções, e a principal causa de morte nas crianças que não falecem da doença oncológica em si) (Bonassa & Santana, 2005; Hallahan, Shaw, Rowell, O’Connell, Schell & Gillis, 2000) - ,febre, alopecia (queda do cabelo), náuseas e vómitos, dores, fadiga, insónias, perda de apetite, obstipação e mucosite (inflamação da parte interna da boca e garganta), alterações de humor, ansiedade e agressividade, entre outras (Brown, 2006; Bryant, 2003; Caponero, 2011; Costa & Lima, 2002; Dobanovački, Jokić, Vujošević, & Slavković, 2010; Melo, 2017). Todas estas reações - do foro físico e psicossocial - são proporcionais ao tipo de tratamento, seu nível de toxicidade e duração, ao metabolismo e estado geral do paciente (Maia, 2010; Sapolnik, 2003; Melo, 2017). Muitos destes efeitos são controlados com fármacos, pois, por norma, são efeitos de curta duração (Brown, 2006). Além destes, surgem também efeitos ao nível psicológico (como a depressão, o medo, a ansiedade) e sociais (a dependência, isolamento e dificuldades ao nível das relações interpessoais) (Melo, 2017).

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Quando o tratamento passa por cirurgias, por vezes ocorrem amputações, o que pode ter consequências um pouco mais severas em termos dos efeitos psicossociais (como a não aceitação da perda de um membro, por exemplo).

Refira-se, no entanto, que apesar dos pacientes em idade pediátrica serem mais tolerantes do que os adultos à toxicidade dos tratamentos, a verdade é que podem surgir efeitos tardios. No que se refere às sequelas do tratamento a médio e longo prazo, estas podem ter implicações sobre o crescimento, sistema endócrino, fertilidade, miocárdio, função neurocognitiva e ocorrência de tumores secundários (Bonassa & Santana, 2005; Butler & Haser, 2006; Butler & Mulhern, 2005; Melo, 2017).

Vários são os avanços clínicos e tecnológicos conseguidos até à data relativamente ao diagnóstico e tratamentos oncológicos, e à medida que a ciência evolui, começam a surgir outras preocupações relativamente à qualidade de vida dos doentes e suas famílias. Entre estas, os aspetos psicossociais da doença oncológica pediátrica têm vindo a ganhar espaço, surgindo em resposta à necessidade de se atender a outras dimensões da doença (e da saúde) e de se desenharem e implementarem intervenções – nos diferentes quadrantes da sociedade - ajustadas às necessidades e dificuldades emergidas no seio destas famílias durante e após o processo oncológico (Castro & Piccinini, 2002; Kohlsdorf, 2010). No capítulo seguinte, a dimensão psicossocial da doença oncológica pediátrica é olhada a partir da literatura na área, e sintetizam-se algumas das respostas que se julgam mais ajustadas às necessidade e dificuldades emergidas no seio de cada sistema familiar, como um todo, e em cada um dos seus elementos e subsistemas em particular.

Tal como refere João de Bragança (2017), Presidente da Acreditar:

“Podemos olhar para o cancro pediátrico como um processo que retalha a manta que é a vida das pessoas afectadas. Mas podemos olhar para o cancro pediátrico como uma tapeçaria que se vai construindo todos os dias com os fios que são as certezas: os tratamentos, as consultas, os medicamentos, os efeitos colaterais, as estatísticas, as informações garantidas. Entre estes fios, porém, existe uma enorme imprevisibilidade feita de perguntas por responder (…)”. (Disponível em https://observador.pt/opiniao/criancas-com-cancro-ter-esperanca-mesmo-na-hora-da-aflicao/).

No capítulo que se segue, procurar-se-á mapear os fios que integram esta tapeçaria, designadamente em termos daqueles que são os desafios que mais

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comummente se colocam entre as famílias que protagonizam uma estória de cancro entre um dos seus membros mais jovens.

2. Vivência da doença

Introdução

Definida como um sistema complexo, dinâmico e aberto – cujos membros estão unidos por um conjunto de relações, participando e interagindo continuadamente entre si e com outros sistemas mais amplos e complexos (Alarcão, 2002; Jorge, 2004; Relvas, 2000; Sampaio, 2009) –, a família é um conceito que, pelos múltiplos formatos que assume, não tem um conceito único. Segundo a Organização Mundial de Saúde (1994) este organismo “não pode ser limitado a laços de sangue, casamento, parceria sexual ou adoção” devendo abarcar “qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo e um destino comum”. Na senda destas ideias - onde as relações e os afetos se assumem como o denominador comum - Relvas (2004), centrando-se no desenvolvimento infantil, define a família como a primeira “instituição social” que assegura necessidades fundamentais como o amor, proteção, alimentação, afeto, carinho, e onde se experienciam as primeiras aprendizagens significativas, tendo esta um papel fundamental na integração social, desenvolvimento e estruturação da personalidade da criança (Palacios & Rodrigo, 1998; Relvas, 2004). No que toca aos adultos, Palacios e Rodrigo (1998) enfatizam o papel da família no seu desenvolvimento e realização pessoal, como estando fortemente associado à maturidade humana e pessoal. Trata-se, pois, de um contexto igualmente promotor do desenvolvimento adulto, no seio do qual o adulto aprende a enfrentar desafios e assumir responsabilidades e compromissos que o orientam para uma dimensão produtiva, de realização, projeção e integração no meio social.

Segundo o olhar sistémico dos anteriores autores - e no qual o presente trabalho conceptualmente se situa -, a família é um sistema aberto e dinâmico, cujos membros interagem não apenas entre si mas com outros sistemas mais amplos e complexos (e.g., comunidade e sociedade), interações essas que concorrem igualmente para a sua transformação e mudança. O equilíbrio do sistema familiar depende, entre outros, dos estádios de desenvolvimento de cada um dos seus membros, da fase do ciclo de vida em que se encontra, e de fatores externos como a qualidade da relação com outros contextos

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significativos, aspetos ambientais, sociais, políticos, transgeracionais, culturais e económicos, todos eles exercendo influência sobre as famílias e a estória de cada um dos seus membros (Bronfenbrenner, 1996; Palacios & Rodrigo, 1998; Polletto & Koller, 2008).

Olhando o interior do sistema familiar e os seus diferentes componentes, verifica-se a co-existência de vários subsistemas: o individual (que remete para cada um dos verifica-seus membros – o indivíduo –, para aquilo que cada um representa, não só no sistema familiar mas em todas funções, os contextos e papéis que integra na sua vida, que acabam por interagir com o seu desenvolvimento e, consequentemente, com o desenvolvimento familiar); o parental (que abarca as funções mais executivas, designadamente a responsabilidade sobre a educação e proteção das gerações mais novas); o conjugal (constituído pelo marido e pela mulher) e o fraternal (que diz respeito aos irmãos e às funções específicas que desempenham entre pares). Cada um destes subsistemas assume diversos papéis que exercem influência sobre o sistema como um todo (Alarcão, 2002; Jorge, 2004; Relvas, 2000; Sampaio, 2009).

2.1. Família e mudança

Não existe um “plural” no que toca às famílias, sendo todas elas singulares e únicas. Ao longo do seu ciclo vital, vários elementos de tensão e de proteção vão estando presentes no seio de cada uma delas, gerando momentos de desequilíbrio, adaptação e mudança (Alarcão, 2002; Relvas, 2000). Segundo Alarcão (2006), existem dois tipos de pressão a que as famílias estão expostas – interna e externa. A interna está relacionada com as mudanças inerentes aos seus membros e subsistemas (a mudanças que correm no seio familiar, como mudanças de papéis). A externa está relacionada com as instituições sociais que têm influência sobre as famílias (como a escola, o trabalho) e a necessidade de adaptação dos seus membros. A forma como estas pressões estão presentes no sistema familiar e como atuam em cada família irá determinar aspetos como a qualidade das relações no seio familiar, a projeção de futuro do grupo familiar em conjunto e de cada um dos seus elementos, bem como os conteúdos concretos da vida familiar e das suas relações com o exterior (Polleto & Koller, 2008).

Tal como referido anteriormente, este jogo de tensões dá lugar a mudanças no seio familiar, mudanças essas que, segundo Alarcão (2002), poderão ter um impacto positivo ou negativo no seu equilíbrio e funcionamento, bem como no desenvolvimento e crescimento de cada um dos seus membros. De acordo com a autora, as mudanças podem

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ser normativas ou não-normativas. As primeiras – também designadas por “crises naturais” (Alarcão, 2002, p. 95)-, decorrem de eventos previsíveis, esperados, e associados às diversas etapas do seu ciclo vital, sendo deles exemplo o casamento, o nascimento de um novo membro, o início da sua escolaridade formal ou a entrada na adolescência. Por sua vez, as mudanças não-normativas – designadas por Alarcão (2002, p.95) como “crises acidentais” – surgem de modo imprevisível, podendo gerar stresse adicional bem como a desorganização da estrutura familiar. Experiências como o divórcio, a monoparentalidade ou o aparecimento de uma doença num dos membros da família ilustram alguns desses eventos não-normativos (Alarcão, 2002; Jorge, 2004; Sampaio, 2009). Em face dos mesmos, o sistema sofre destabilização e procura mobilizar estratégias no sentido de se reorganizar e alcançar um novo equilíbrio (Alarcão, 2002; Sampaio, 2009; M. Silva, Collet, Silva & Moura 2010; Relvas, 2000), podendo, nalguns casos, entrar em rutura.

Quanto ao impacto – positivo ou negativo – destas mudanças no sistema familiar, a literatura aponta para a presença de vários fatores na determinação do tipo e intensidade com que é experienciado, surgindo a sua capacidade de resiliência e de adaptação aos desafios apontados como elementos nucleares (Martín, Tomas, Cabrera, Miranda, & Rodrigo, 2005). Uma adaptação bem sucedida depende, segundo Martín e colaboradores (2005), da resiliência familiar, a qual implica uma reação positiva às ameaças e aos desafios com que se debate, e dos quais sai fortalecida. Deste processo resulta a sobrevivência e bem-estar da unidade familiar.

A qualidade dos processos comunicacionais no seio familiar é também apontado por Relvas (2000) como um fator determinante, designadamente a existência de uma boa relação entre os seus membros, uma comunicação aberta, pontuada, por exemplo, pela expressão emocional. Tais aspetos concorrem para uma maior compreensão e aceitação da situação vivida em conjunto, assim como a tomada de decisões partilhadas, e o respeito por cada membro da família nas suas diferenças individuais (Relvas, 2000; Sampaio, 2009; Trianes, 2004).

2.1.1. Impacto psicossocial da doença oncológica pediátrica no sistema familiar

O confronto com o diagnóstico de uma doença oncológica entre um dos seus elementos consta entre uma das “crises acidentais” assinaladas por Alarcão (2002). Neste processo, a família é “tomada de assalto” e toda a sua dinâmica é profundamente afetada,

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sofrendo uma “desordem” (Gomes et. al., 2004), que afeta a adaptação e o equilíbrio interno e externo de todo o sistema, e que toca em vários domínios da sua existência. Entre os mais afetados destacam-se: as relações estabelecidas (atuais e futuras, dentro e fora do sistema familiar); a área emocional, financeira; social e intrapessoal, bem como, em vários casos, as esferas profissional e escolar (Araújo, 2011; Correia, Teixeira & Marques; 2005; Damião & Angelo 2001; Gomes et al., 2004; Marques, 2017; Melo, Barros, Campello, Rocha & Santos, 2012; Oliveira, 2017). Na área emocional, o aparecimento de um cancro é particularmente impactante, mais ainda quando este surge na infância ou na adolescência entre um dos elementos mais jovens da família (Machado, 2014; Monteiro, 2018; Oliveira, 2017; Pimenta, 2013). A associação do cancro à morte e, quando em idade pediátrica, ao sofrimento precoce, acarreta, como descreve Machado (2014, p. 10), “sentimentos… de “anti-natura” que exacerbam ainda mais o impacto emocional e social da doença, quando comparado com o cancro entre adultos”. Dado ainda hoje a doença oncológica estar fortemente conotada com a morte; com um acentuado sofrimento físico e psicológico e/ou mutilação; de ter um forte estigma associado (Rowland & Holland, 1990); e, ser geradora de reações de medo e/ou repugnância pela sociedade (Pereira & Lopes, 2002), o “peso” da doença quando os protagonistas são crianças ou adolescentes é, pois, ainda maior.

No que toca à área financeira, Marques, (2017), no trabalho desenvolvido em torno do impacto psicossocial da doença oncológica em pediatria na família, verificou que esta assume, também, particular relevo. A par das despesas acrescidas inerentes aos cuidados de saúde que passam que ter que assegurar junto do filho doente (e.g. custos de transportes e alimentação nas deslocações ao hospital para exames, consultas e/ou internamentos, alimentação específica, etc.) alguns destes pais passam a trabalhar em horário parcial de modo a poderem estar mais presentes na vida do filho. Nalguns casos, um dos pais (geralmente a mãe) abandona ou perde o seu posto de trabalho em resultado de um vínculo profissional precário, pelo “esgotar” dos meios legais que lhes permitam conciliar a sua vida profissional e o acompanhamento de um filho doente (e.g. baixas médicas, férias…) e/ou da parca solidariedade e compreensão da parte das entidades patronais (M. Silva, et. al., 2010). Por exemplo, no estudo desenvolvido por este último grupo de autores, foram identificadas algumas famílias que, desconhecendo as respostas sociais e legais existentes para a sua condição, acabaram por perder o seu emprego e/ou por se desfazer dos seus bens (ou contrair empréstimos) para fazer face às despesas

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inerentes à doença e à menor liquidez existente (M. Silva, et. al., 2010). Cohn, Goodenough, Foreman e Suneson (2003) fazem também alusão às situações em que as famílias reduzem as suas atividades sociais (e.g. cancelamento de férias e privação de atividades de lazer) para diminuir as despesas inerentes ao estilo de vida que tinham anteriormente. Em face do cenário anteriormente descrito, e tal como descreve Melo (2017, p. 30): “Quando uma criança/adolescente é diagnosticada com cancro, toda a família é “diagnosticada” e catapultada para uma nova realidade, simultaneamente ameaçadora e confusa, em virtude da incerteza sobre o prognóstico, tratamento, resultados e impacto do cancro”, colocando-a numa situação de grande vulnerabilidade.

À semelhança de outras doenças crónicas, várias mudanças ocorrem em diferentes aspetos da vida familiar, social e individual, forçando a reconstrução de novas realidades, tanto do sujeito doente como de toda a família. Fatores como o estádio em que a família se encontra, o papel que o membro doente desempenha/desempenhava no seio da família e dos seus diferentes subsistemas, e o impacto da doença em cada membro (Santos, Pollyanns, Ferraz & Silva, 2012), são fatores de grande relevância.

Segundo Santos e colaboradores (2012), a adaptação (ou não) ao processo, acaba por determinar aquela família como funcional ou disfuncional. Um sistema familiar funcional reorganiza-se e responde aos conflitos e dificuldades encontradas, de modo a procurar soluções e estabilidade (Santos et al., 2012). Nestes casos, a família consegue assegurar a harmonia e proteção do sistema como um todo, e vai sendo capaz de dar resposta aos múltiplos desafios e exigências colocados pela doença. Segundo Kohlsdorf e Junior (2008) e Nascimento, Rocha, Hayes e Lima (2005) as relações vividas no seio deste sistema são pontuadas pelo apoio, compreensão e o respeito, elementos responsáveis pela preservação da união familiar. Nas famílias disfuncionais, os reajustamentos impostos pela doença ameaçam largamente a sua integridade, e a dinâmica do sistema fica comprometida quando os interesses individuais são superiores aos interesses do todo (Santos et al., 2012).

Segundo este último grupo de autores, a qualidade destas relações é também determinante na forma como cada um dos seus membros vive e significa a doença, bem como as diferentes experiências ocorridas no decurso da mesma (Santos et al., 2012).

Neste processo, a relação com o exterior tem também um impacto expressivo. Por exemplo, Marques (2017), no seu estudo em torno do impacto psicossocial da doença oncológica nestas famílias, concluiu que quando existe uma maior satisfação com o

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suporte social recebido - quer seja por parte de amigos ou familiares -, o impacto da doença é minimizado.

2.1.2. O impacto psicossocial da doença oncológica na criança e no adolescente

Como já referido, a família da criança/adolescente doente acaba por enfrentar diversas questões/desafios relacionados com a doença e respetivos tratamentos, passando, na maioria dos casos, a girar em torno do seu elemento doente (Santos et. al., 2012) na busca de dar resposta às suas necessidades e assegurar o seu bem-estar e sobrevivência. Enquanto protagonista de todo este processo, a criança/adolescente doente vê todas as suas atividades “normais” afetadas (e.g. frequência da escola, atividades de desporto e lazer, convívio com os pares), é privado de vários dos seus contextos de vida naturais (família, escola, grupo de amigos) e passa a ser alvo de inúmeros exames, tratamentos, hospitalizações, cuidados médicos especiais, em contextos e com interlocutores que lhe são estranhos (Melo, 2017; Mokkink, Van der Lee, Grootenhuis, Offringa & Heymans, 2008; Starfield, 1991).

As várias mudanças e ajustamentos impostos por este processo têm repercussões várias, a curto, médio e longo prazo, nas diferentes esferas do seu funcionamento. São delas exemplo as questões relacionadas com o desenvolvimento do próprio corpo, dificuldade ao nível das relações interpessoais, desvalorização pessoal e baixa autoestima e preocupações com a família (Melo, 2017).

No que diz respeito aos tratamentos, Melo (2017) no seu estudo sobre as perceções dos profissionais de oncologia em torno das dificuldades experienciadas pelas crianças/adolescentes nesta fase do processo, a autora observou a presença de dificuldades várias, designadamente as de lidar com os efeitos secundários dos tratamentos (e.g., náuseas, vómitos, fadiga, febre ou alterações na imagem corporal, como a perda de cabelo e/ou aumento de peso); lidar com as implicações da doença/tratamento (e.g. impossibilidade de contactar diretamente com os seus contextos de vida, deixar de praticar desporto); lidar com os “incómodos” do tratamento (e.g. dor das picadas, invasão da sua privacidade); ou, entre outros, as dificuldades emocionais (e.g. medo, ansiedade, tristeza, depressão), sócio relacionais (e.g. reações das outras pessoas ao seu aspeto físico; afastamento dos amigos e dificuldade em fazer novas amizades; isolamento social) ou escolares (e.g, comprometimento das suas aprendizagens, notas e alguns dos seus projetos académicos). Complementarmente, Monteiro (2018) - também centrada no olhar

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dos profissionais de oncologia sobre o modo como estas crianças/adolescentes reagem à experiência de cancro –, encontrou evidências no discurso que apontam, numa fase inicial do processo, para a presença de dificuldades em perceber o que lhes está a acontecer; em lidar com situações estranhas e ameaçadoras associadas à realidade em que “aterraram” e aos procedimentos (dolorosos e invasivos) de que são alvo; as dificuldades em comunicar com os pais e os profissionais de cuidados (nalguns casos instalando-se a “conspiração do silêncio”); ou, entre outros, lidar com as mudanças ocorridas na sua vida.

Tal como se poderá depreender pelo retrato anteriormente traçado, vários dos desafios e dificuldades impostos pela doença poderão fazer comprometer as tarefas “normais” do desenvolvimento destas crianças e adolescentes, sendo este comprometimento entendido por alguns autores como um fator de risco para a psicopatologia tanto na infância como na adolescência (Geist, Grdisa, & Otley, 2003; Kohlsdorf & Junior, 2012). No entanto, a literatura mais recente enfatiza que a vivência de uma experiência de cancro na infância ou na adolescência poderá também ampliar os níveis de resiliência destes indivíduos. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2009), a maior parte destas crianças/adolescentes não evidencia problemas a nível mental ou problemas de comportamento a nível escolar. Os que apresentam maiores recursos internos em termos de inteligência e temperamento, por terem pais com uma autoestima elevada, crenças positivas, boa saúde mental; que sejam mais próximos, flexíveis, e que tenham boas redes de apoio social, acabam por lidar melhor com a doença (Melo, 2017; Evan & Zeltzer, 2006; Marine & Miller, 1998; Papalia et al., 2009; Wiener & Pao, 2012).

2.1.3. O impacto psicossocial da doença oncológica nos pais

Tal como salientam alguns dos autores anteriores (e.g., Evan & Zeltzer, 2006; Papalia et al., 2009; Santos et al., 2012), a forma como a família enfrenta o processo, e em particular a figura dos pais (designadamente os seus recursos internos e externos, e as estratégias de coping adotadas), tem um papel determinante no modo como, quer a criança/adolescente doente, quer todos os restantes membros e subsistemas familiares, fazem frente à doença nas suas diferentes etapas.

Várias são as reações destes pais ao diagnóstico de cancro de um filho e aos múltiplos desafios que da doença e tratamento(s) encerram. Esta diversidade explica-se pela (co)existência de inúmeras variáveis do foro clínico, individual e contextual que jogam neste processo. Entre estas colocam-se, pois, as mais diretamente relacionadas com

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a doença e respetivos tratamentos (e.g. tipo de diagnóstico e sua gravidade, taxas de sobrevivência associadas, efeitos colaterais das terapias aplicadas, longevidade do processo); as crenças e representações acerca da doença oncológica dos pais, da sociedade em geral e da comunidade mais próxima; a presença ou não de anteriores experiências de doença (oncológica ou não) na família ou pessoas próximas; a rede de suporte social existente; o seu nível de literacia em saúde, ou, entre outros, a qualidade dos cuidados e da relação estabelecida com os profissionais que acompanham o seu filho (Barros, 2003; Fernandes & Arriaga, 2010; Hart & Walton, 2010; Redondeiro, 2003; Relvas, 2000; S. Silva, Pires, Gonçalves & Moura, 2002).

Barros (1999), na sua tentativa de mapear as principais etapas do processo de adaptação dos pais à doença crónica de um filho (entre as quais se inscreve a doença oncológica), identifica três fases nucleares: a primeira passa pela aceitação de que o filho está doente e que, consequentemente, vão surgir implicações e mudanças ao nível das expectativas e projetos gerados para aquele filho. A segunda fase implica a adaptação às necessidades do filho, incluindo as necessidades no confronto com a própria doença. Por fim, a adaptação ao esforço para manter o equilíbrio em todas as vertentes da sua vida: familiar, social, outros filhos, área profissional.

Olhando a literatura que se debruça de modo mais atento sobre as especificidades do impacto psicossocial da doença oncológica pediátrica, constata-se a existência de vários estudos que descrevem a experiência dos pais como particularmente stressante e ansiogénica, e, nalguns casos, “avassaladora”. Entre os principais stressores que emergem associados à vivência dos pais surgem o medo da morte do filho; a impotência, revolta e culpa relativamente ao aparecimento da doença e/ou ao seu diagnóstico numa fase avançada (e.g. por não ter dado a devida relevância aos sintomas e queixas do filho); a ansiedade de separação em momentos críticos do processo de doença; o medo do desconhecido, designadamente em termos do impacto da doença e tratamentos no futuro do filho (Machado, 2014; Mano, 2017; Monteiro, 2018; Pimenta, 2013; Redondeiro, 2003; S. Silva, et al., 2002; Tavares, 2008). Alterações do sono, diminuição do rendimento, ansiedade, a sensação de “desmembramento”, confusão ou depressão, são descritos pela literatura como indicadores do acentuado impacto físico, psicológico e emocional da doença nos pais, alguns dos quais permanecendo por longos períodos de tempo, em resultado dos seus efeitos cumulativos e prolongados (Machado, 2014; Monteiro, 2018; Redondeiro, 2003).

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M. Silva, e colaboradores (2010) questionaram as famílias sobre os sentimentos em relação ao sofrimento da criança doente. As entrevistadas assumem que sofrem com a dor dos seus filhos, tendo em conta os tratamentos e procedimentos a que são submetidos, mas que no fundo estão conscientes de serem processos inevitáveis para a recuperação da criança (M. Silva et al., 2010). Afirmam, também, que desde os primeiros sinais e sintomas até à descoberta da doença, a família acaba por vivenciar alguma ansiedade, confusão e medo. Depois de terem o diagnóstico, a preocupação com o futuro é algo inevitável. O desespero e a sobrecarga que acabam por ser transversais a (quase) todo o processo, estão intimamente ligados ao esgotamento físico e emocional, que agrava quando o tratamento é prolongado, onde o medo da morte nunca deixa de estar presente (M. Silva, et al., 2010).

Mesmo que de forma inconsciente os pais acabam por se distanciar da família, incluindo dos filhos saudáveis, situação causada pelos internamentos frequentes e tratamentos (M. Silva et al., 2010). Por nunca quererem deixar sozinho o filho doente, é uma alteração que se revela frequente, o que pode provocar, nos filhos saudáveis, algumas reações face a esta ausência.

S. Silva e colaboradores (2002), salientam a persistência, entre estes pais, da ansiedade e da incerteza ao longo de todo o curso da doença. O caráter duradouro destas reações deve-se, segundo os autores, ao facto de se tratar de uma doença desconhecida, mas, sobretudo, prolongada. Desde cedo os pais percebem (ou são alertados pela equipa de saúde) que a doença acompanhará o filho durante um longo período de tempo e que implicará uma grande reorganização no quotidiano familiar. Neste processo, as idas ao hospital para receber tratamento(s), os internamentos periódicos, as consultas e exames médicos, os períodos de isolamento passam, por norma, a fazer parte do quotidiano destas famílias, requerendo o acompanhamento contínuo da criança/adolescente doente por (pelo menos) um adulto, e uma grande disponibilidade física e emocional ao longo de todo o processo (S. Silva, et. al., 2002).

Pereira e Lopes (2002) descrevem como muito frequente a tendência para estas famílias, em particular os pais, se centrarem no seu membro mais vulnerável e na sua doença e tratamento, passando a canalizar grande parte das suas energias e investimentos (e.g. tempo, atenção, afeto, dinheiro) para a satisfação das suas necessidades físicas e psicossociais. Vários autores, na mesma senda, descrevem como muito comum a presença quase permanente de um destes pais (geralmente a mãe) na vida deste filho, abdicando

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da sua vida profissional e da sua vida social para o poderem acompanhar de perto (nos exames, nas consultas, nos tratamentos, nas hospitalizações), descurando, nalguns casos, o seu auto-cuidado, o casal, e a relação com os outros filhos (se existentes) em prol do bem-estar do filho doente (Mano, 2017; Machado, 2014; Monteiro, 2018; Pedro, 2009; S. Silva, et al., 2002).

S. Silva e colaboradores (2002) fazem alusão aos pais que são particularmente benevolentes e/ou que não privam a criança/adolescente de nada, colocando todas as suas vontades e desejos em primeiro lugar, numa tentativa de compensar todo o sofrimento e provações de que são alvo ao longo da doença. Pereira e Lopes (2002) e S. Silva e colaboradores (2002) afirmam que, nalgumas famílias, esta centralização está presente mas não modifica significativamente o funcionamento familiar, noutras, como descrevem este último grupo de autores, pode tornar-se bastante invasiva, chegando, nalguns casos, a ser compulsiva, eliminando todas as preocupações ou necessidades que possam existir entre outros membros da família, conduzindo a maiores níveis de stresse e conflito, e gerando maiores dificuldades no (re)equilíbrio e (re)estruturação do sistema familiar (S. Silva, et. al., 2002).

Segundo vários autores, os pais acabam por ficar mais expostos ao risco de efeitos psicológicos do que o próprio filho doente. Estes sintomas de stresse parental podem persistir durante vários anos, mesmo depois do tratamento (Boman, Lindahl & Björk, 2003; Castro, 2009; Vrijmoet-Wiersma et al., 2008), dando lugar, entre alguns pais, a um distúrbio de stresse pós-traumático (Manne, Duhamel & Redd, 2000; Patiño‐Fernández, Pai, Alderfer, Hwang, Reilly & Kazak, 2008). Neste, a doença do filho dá origem a uma profunda crise pessoal, decorrente, por exemplo, do sentimento que erraram no exercício das suas funções; que goraram as expectativas que tinham para si enquanto pais e/ou os projetos de futuro que tinham para aquele filho e/ou para a sua família (Beck & Lopes, 2007; Subtil, 1995, cit. por Cardoso, 2010). Para alguns destes pais, a ideia de morte “persegue-os”, persiste nas suas cabeças, “podendo variar entre um estado de sobreaviso a um estado de pânico” (S. Silva, et. al., 2002, p.50). Outros pais nunca chegam a aceitar a doença, procurando, de forma persistente, outras opiniões e diagnósticos (Monteiro, 2018).

Entre algumas destas famílias, o isolamento social tem também lugar. Optam por restringir o seu círculo de contactos à família nuclear e aos contextos de saúde, quer por uma questão de proteção daquele núcleo e do filho doente – evitando o estigma social de

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que a doença é alvo (Gomes et. al., 2004) -, quer pela dificuldade em partilhar a situação (e o sentimento de que o seu mundo “ruiu”) com outros elementos alheios à família, quer porque não se sentem compreendidos por quem “está de fora” (Machado, 2014; Pimenta, 2013).

Nalguns destes casos, ainda, os pais optam por omitir a doença ao próprio filho e aos outros elementos do seu círculo mais próximo (Gomes et al., 2004). Tendo como propósito conhecer melhor este fenómeno, este grupo de autores realizou um estudo – designado de “Comportamento parental na situação de risco do cancro infantil” – fundamentado em entrevistas com mães, do qual resultou um modelo teórico que designaram de “OCULTAR”. Através deste modelo procuram descrever o comportamento de mães de crianças/adolescentes com cancro ao longo de cinco fases.

Na primeira fase (pré-diagnóstico)- acabam por ocultar o diagnóstico mesmo às pessoas mais próximas, depois de passarem por uma fase de negação e esperança que as coisas sejam diferentes; na segunda fase (a confirmação do diagnóstico) – mais uma vez não partilham o diagnóstico, evitam dizer a palavra “cancro” e vão tentando manter a imagem que até então tiveram; na terceira fase (internamento) tentam ocultar a gravidade da doença e o seu sofrimento - mentem, estão constantemente presentes, brincam com a situação, sentem necessidade de serem fortes e não chorar à frente de terceiros; na quarta fase (tratamentos) as mães ocultam a dor, os efeitos secundários, pressionam e vão ocultando informação ao filho doente - tentam minimizar a dor e não dão grandes explicações sobre a doença; por fim, na quinta e última fase definida por estes autores (a recaída), as mães ocultam o facto de existirem dias contados e ocultam a perceção que têm sobre a morte - não pensam sobre o assunto, mentem e tentam normalizar a vida quotidiana (Gomes et. al, 2004).

Monteiro (2018), dando voz a alguns profissionais da oncologia pediátrica que lidam diretamente com estas famílias, procurou também averiguar as perceções sobre esta temática. Segundo alguns destes profissionais, a ocultação, pelos pais, da doença do filho, está presente nalgumas famílias, e é particularmente problemática, especialmente entre os pacientes adolescentes. Segundo as evidências recolhidas pela autora, o facto de os pais omitirem o diagnóstico de cancro e a gravidade do seu quadro clínico leva a que os adolescentes - na sua tentativa de dar significado às “pistas” que vão recolhendo (e.g., vários exames e internamentos; a fragilidade emocional dos pais; as interações entre os pais e os seus profissionais de cuidados) - pesquisem, pelos seus próprios meios,

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Tabela 1- Perfil sóciodemográfico das famílias
Tabela 2- Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro (continuação)
Tabela 2- Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro
Tabela 2- Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro (continuação)
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