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AÇÃO ASSISTENCIAL PENTECOSTAL EM FAVELA: IMPASSES DA LEGITIMAÇÃO INSTITUCIONAL DE UM PROJETO SOCIAL PARAECLESIÁSTICO

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Academic year: 2020

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International Scientific Journal – ISSN: 1679-9844 Nº 2, volume 14, article nº 5, April/June 2019 D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v14n2a5

Accepted: 26/08/2018 Published: 20/12/2018

PENTECOSTAL ACTION ASSISTANCE IN SLUM: IMPASSE OF

INSTITUCIONAL LEGITIMATION OF A PARAECLESIASTIC SOCIAL

PROJECT

AÇÃO ASSISTENCIAL PENTECOSTAL EM FAVELA: IMPASSES DA

LEGITIMAÇÃO INSTITUCIONAL DE UM PROJETO SOCIAL

PARAECLESIÁSTICO

Vanessa da Silva Palagar Ribeiro

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (UENF).

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (UENF). Mestre em Sociologia Política pela UENF.

vanessapalagar@yahoo.com.br

Wania Amélia Belchior Mesquita

Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFF). Professora do programa de Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte

Fluminense (UENF).

wamesquita@yahoo.com.br

Resumo: Algumas pesquisas indicam o avanço das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais em áreas urbanas de populações empobrecidas, normalmente igrejas pequenas e/ou microdenominações que recebem a população local. O “Projeto Social Jeová Rafhá Resgatanto Vidas – Assistência a criança e a família”, organizado e liderado por uma mulher de origem evangélica pentecostal se insere neste contexto. O trabalho busca analisar o processo de implantação de um projeto social paraeclesiástico na favela Tira-Gosto e compreender os dilemas para sua legitimação institucional; procura-se identificar e interpretar as ações deste

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projeto dentro da favela e para com os moradores; e identificar possíveis ações e mediações junto a outras instituições e/ou órgãos governamentais que possam atuar nesta localidade. E especialmente o dilema vivenciado pela liderança, beneficiária do Programa do Governo Federal Bolsa Família, para registrar o projeto oficialmente como instituição jurídica para obtenção e administração de recursos.

Palavras-chave: Favela Tira-Gosto; Projeto Social; Assistência Social; Igrejas Evangélicas.

Abstract: Some research indicates the advance of evangelical churches, especially the Pentecostals in urban areas of impoverished populations, usually small churches and/or micro-denominations that receive the local population. The “Social Project Jeová Rafhá Redeeming Lives - Child and Family Assistance” organized and led by a woman of evangelical pentecostal origin is inserted in this context. The work pursuit to analyze the implementation process of a paraeclesiastic social project in the Tira-Gosto slum and understand the dilemmas for their institutional legitimacy; it seeks to identify and interpret the actions of this project within the slum residents; and identify possible actions and mediations with other institutions and/or governmental agencies that can act in this locality. And especially the dilemma experienced by leadership, beneficiary of the Bolsa Família Federal Government Program, to officially register the project as a legal institution for obtaining and administering resources.

Keywords: Tira-Gosto Slum; Social Project; Social Assistance; Evangelical Churches.

Introdução

O pentecostalismo é um fenômeno religioso que mais cresceu no país nas últimas décadas, estando grande parte dos pentecostais brasileiros alocados nas regiões de periferias urbanas (FAJARDO, 2011). Algumas pesquisas indicam o avanço das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais sob áreas urbanas de populações empobrecidas, geralmente igrejas pequenas e/ou microdenominações que recebem e empregam ações de caráter social, podendo intervir sobre questões referentes a desigualdade e a pobreza vivenciadas por esta parcela da população (ALMEIDA, 2011; JACOB et. al., 2003; MARIZ,1991; MARQUES, 2009). O “Projeto Social Jeová Rafhá Resgatanto Vidas – Assistência a criança e a família”, existente na favela Tira Gosto (TG), em Campos dos Goytacazes- RJ, organizado e liderado por uma mulher de origem pentecostal se insere neste quadro. É possível

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caracterizá-lo como um projeto social paraeclesiástico, mantido por uma organização autônoma ao local de culto (BURITY, 2007), formado por uma líder e presidente e uma série de voluntários, inclusive uma Organização Não Governamental (ONGs).

Neste sentido, o trabalho busca analisar o processo de implantação de um projeto social paraeclesiástico na favela Tira-Gosto e compreender os dilemas para sua legitimação institucional; procura-se identificar e interpretar as ações deste projeto dentro da favela e para com os moradores; e identificar possíveis ações e mediações junto a outras instituições e/ou órgãos governamentais que possam atuar nesta localidade. E especialmente o dilema vivenciado pela liderança, beneficiária do Programa Federal Bolsa Família, para registrar o projeto oficialmente como instituição jurídica para obtenção e administração de recursos, até o momento o projeto se mantém por meio de doações de colaboradores e da ONG Wild Flowers.

A metodologia da pesquisa é qualitativa, com realização de entrevistas semiestruturadas com moradores da favela TG, voluntários e assistidos do projeto, além de agentes governamentais que atuam junto à população de favelas, bem como, observações estabelecidas no campo da pesquisa. Na primeira etapa da pesquisa buscou-se contato com agentes públicos e identificação das ações do governo municipal na favela TG. A segunda etapa, que ainda está em andamento, se dá propriamente a pesquisa empírica, com a identificação das instituições religiosas que apoiam o projeto e quais são as ações desenvolvidas neste espaço. Para identificar os limites da favela TG foi utilizado o método do percurso comentado, onde por meio de uma caminhada com moradores, observa-se a descrição, as histórias locais, espaços e lugares.

A escolha por esta favela em especial justifica-se por sua localização espacial, pois se encontra numa área central da cidade com a presença considerável de dispositivos públicos, como um posto de saúde, uma escola e uma creche, um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) próximo (o CRAS Matadouro) e a Fundação Municipal da Infância e da Juventude (FMIJ)1. A favela TG

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A FMIJ foi instituída desde 1990, é responsável pela execução da Política Pública de atendimento a criança, ao adolescente e ao jovem no município de Campos dos Goytacazes, na faixa etária de 0 a 29 anos, em consonância com as diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Lei Federal nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; pelo Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária; pela Política

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também se formou em contiguidade territorial, à esquerda com a favela inferno verde, e à direita, com favela Matadouro, e esta por sua vez, com a favela Goiabal, formando ao que podemos definir para fins analíticos de “corredor de favelas”, o único formado na cidade de Campos dos Goytacazes. E a escolha pelo projeto social, de caráter paraeclesiástico, parte da relevância de pesquisas realizadas sobre a dimensão religiosa da assistência social no Brasil, que se deve pela longa e controversa relação entre o estado brasileiro e a religião, dando ênfase para o período a partir do Governo de Getúlio Vargas (1930-1945) com a reaproximação da igreja e estado a partir da colaboração recíproca entre o estado e as organizações religiosas, nos setores da educação, saúde e assistência social, que se consolidou na Constituição Federal de 1988 (SOUZA, 2018).

1. Breves apontamentos sobre o surgimento das favelas no município de Campos dos Goytacazes

O surgimento das favelas no município de Campos dos Goytacazes está fortemente ligado à história da sua formação e dos ciclos econômicos do Norte Fluminense e seus impactos sob sua população. Para entender a configuração espacial atual das favelas na cidade é preciso analisar este processo enfatizando a mudança nas relações de trabalho e o aprofundamento das desigualdades produzidas a partir de uma economia regional altamente excludente, concentrada e polarizada em termos de renda e mercado de trabalho (CRUZ, 2004).

O município de Campos dos Goytacazes já foi considerado, ao longo de muitos anos, polo de desenvolvimento da mesorregião Norte Fluminense do estado do Rio de Janeiro, por seu potencial agropecuário e agroindustrial latente, graças à vasta área ecológica de que dispõe. E atualmente, como principal bacia petrolífera do país, sendo a maior produtora de óleo e gás natural do Brasil (ROSENDO e CARVALHO, 2004). Mas antes do petróleo existiram a pecuária e a cana-de-açúcar, ambas as atividades econômicas contribuíram para os primeiros anos da formação de Campos. A pecuária predominou até meados do século XVII, e visava o atendimento do mercado consumidor do Rio de Janeiro. E em meados deste mesmo Nacional de Assistência Social; pelas Orientações Técnicas: serviços de acolhimentos para crianças e adolescentes do CONANDA/CNAS; e demais legislações vigentes relacionadas à temática (Dados referente ao Relatório Anual de Gestão da Fundação Municipal da Infância e Juventude de Campos dos Goytacazes, ano de 2018).

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século, a plantação de cana-de-açúcar passa a ser a principal atividade econômica de Campos dos Goytacazes, bem como a transformação da cana em álcool e açúcar. A indústria sucroalcooleira se tornou a principal atividade econômica do município por todo o século XVIII até o século XX. Durante o século XIX, cresceu o número de Engenhos de cana-de-açúcar e surgiram as primeiras usinas de açúcar. Em 1929, Campos dos Goytacazes firma-se como principal produtor de açúcar do Estado do Rio de Janeiro, e o segundo do país, perdendo apenas para Pernambuco (LEWIN et al., 2005).

A crise econômica de 1929 ocasionou na redução de consumo de açúcar no mundo, impactando no escoamento da produção de toda a região Norte Fluminense. No ano de 1933, foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) com a finalidade de controlar a produção de açúcar e álcool no país, entre suas ações se destacou a oferta de crédito especial para usineiros, com isto, a economia do açúcar foi fortemente influenciada por políticas de governo desde então. (ROSENDO e CARVALHO, 2004; LEWIN et al., 2005). A Partir da década de 1940, as mudanças nas leis trabalhistas2 provocaram a expulsão de trabalhadores do campo, e por volta dos anos 50 e 60, em que acontece a primeira mecanização da lavoura de açúcar na região, gerou um grande contingente de mão de obra excedente. Na década de 1960, as ações do Estatuto da Lavoura Canavieira3 levou a intensificação do processo de migração dos trabalhadores assalariados residentes nas terras das fazendas que foram expulsos, migrando para área urbana de Campos e também para área metropolitana do Rio de Janeiro em busca de trabalho e moradia (LEWIN et.al., 2005).

Entre 1950 e 1959, há uma diminuição significativa do morador das fazendas e também dos colonos, o que contribuiu para o crescimento das favelas que, neste período, se consolidaram e tornaram-se uma questão social, embora o problema da moradia para a população de baixa renda na cidade fosse mais antigo (GUIMARÃES e PÓVOA, 2005). Na década de 1970 há uma reversão do quadro,

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Como o Decreto-lei n° 6969, do ano de 1944, que passou a regulamentar as relações de emprego dos trabalhadores rurais ligados à lavoura canavieira, como por exemplo, dando à concessão de título de terra gratuito ao trabalhador rural com mais de um ano de serviço e que residisse dentro da propriedade da fazenda (GUIMARÃES E PÓVOA, 2005).

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O Estatuto da Lavoura Canavieira foi criado em 1941 e estabelecia regras e regulamentava as transações entre usineiros e fornecedores de cana, que apresentavam conflitos principalmente referente a posse de terras produtivas.

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principalmente devido a fatores externos, como “a desorganização da produção mundial, em função de guerras localizadas e mudanças no parque industrial europeu, reduziu drasticamente os estoques internacionais de açúcar” (ROSENDO e CARVALHO, 2004, p. 64). Fatores que contribuíram para elevação do preço do açúcar no mercado internacional, e estimulou a produção do mesmo na região Norte Fluminense. O IAA juntamente com o Congresso Nacional, implantaram leis que beneficiaram a fusão de usinas e a obtenção de créditos para a expansão da produção. No entanto, isso também levou a um superdimensionamento das usinas, elevando o custo da produção e a um significativo endividamento da maior parte os usineiros da região. O ápice da produção de açúcar e álcool acontece na segunda metade de 1970, principalmente pela atuação do dos estímulos proporcionados pelo Programa Brasileiro de Álcool (Proálcool) 4.

Segundo Cruz (2004), a expansão da lavoura de açúcar e as mudanças técnicas no setor sucroalcooleiro resultaram em significativas alterações nas relações de trabalho, como a eliminação das lavouras de subexistência e culturas tradicionais (a exemplo da mandioca), estabelecendo a figura do boia-fria “[...] trabalhador temporário e itinerante, residente nas favelas urbanas e rurais, expulso da terra e trabalhando em condições precárias e em regime de clandestinidade no vínculo, alternando o trabalho rural com o biscate urbano” (CRUZ, 2004, p.87).

Mas já no final da década de 70, os incentivos econômicos provenientes de políticas de subsídios do Governo Federal foram inviabilizados, devido ao contexto econômico de baixa do PIB nacional e altos patamares inflacionários. O quadro econômico nacional resultou numa grande redução da produção na região, que entrou em colapso nos anos de 1980 e 1990. Os resultados foram o fechamento de várias usinas, o aumento do desemprego e a precarização das relações trabalhistas. Diante deste contexto os autores Rosendo e Carvalho (2004) afirmam que esse longo processo dos ciclos econômicos e seu declínio produziram grandes espaços de pobreza nos municípios que formam o Norte Fluminense, principalmente em Campos dos Goytacazes.

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O Proálcool foi um programa do Governo Federal criado para proporcionar estímulo a produção de álcool como combustível enquanto alternativa ao petróleo. O incentivo a produção do álcool fazia parte da política energética do país que visava reduzir os gastos relativos a importação de petróleo para produzir uma redução do desequilíbrio na balança comercial do país (ROSENDO e CARVALHO, 2004).

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Dessa forma, podemos considerar que o município de Campos dos Goytacazes apresentou no período entre 1950 e 2000, além de um grande crescimento populacional, também um forte fluxo migratório no sentido campo-cidade, em decorrência da decadência de setores agrários na região. O crescimento urbano provocado pela emigração rural e a imigração urbana de outros municípios, a partir da década de 1950, gera a ocupação periférica de Campos. E de acordo com autoras Guimarães e Póvoa (2005), a tendência encontrada por esta população mais pobre imigrante foi o estabelecimento em áreas inadequadas como brejos, beira de rio e lagoas, nas margens de estradas e próximo à linha férrea, que foram gradativamente sendo invadidas e formando as favelas no município.

A decadência do setor sucroalcooleiro e a descoberta de petróleo na Bacia de Campos proporcionau mudanças no setor produtivo do Norte Fluminense desde o final so século XX, e iniciando um novo grande ciclo de crescimento ecônomico no século XXI, passado por uma mudança na principal atividade produtiva, da agroindústria açucareira à indústria petrolífera (PIQUET, 2010). Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP) a Bacia de Campos foi a responsável, em 2002, pela produção de 82,56% de todo petróleo produzido no Brasil (ROSENDO e CARVALHO, 2004). Sendo, atualmente, o município de maior relevância econômica e destaque nacional e regional quanto produtor de petróleo e gás, principalmente a partir da década de 1980. No final da década seguinte, precisamente em 1997, foi instituída a Lei do Petróleo5 que institucionalizou a arrecadação de royalties do petróleo e participações especiais para os Estados e municípios produtores. E representa até hoje a maior parte da arrecadação da receita municipal (MENDES et al., 2014).

Podemos observar que desde o estabelecimento da Lei do Petróleo houve um quantitativo expressivo de valores recebidos pelo município, principalmente entre os anos 2008 a 2014, recebendo aproximadamente em média por ano 1,4 bilhão em

royalties6 mais participações especiais. Imagina-se que estes vultosos recursos

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Lei Federal n.° 9.478, de 6 de agosto de 1997, sancionada pelo presidente na época Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu o fim do monopólio da Petrobrás nas atividades de exploração, produção e refino de Petróleo e gás no país, além de determinar o pagamento de royalties do petróleo como forma de compensações financeiras aos Estados e municípios produtores, também criou as participações especiais pelo aumento na produtividade dos poços.

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financeiros arrecadados pelo município refletiriam positivamente na qualidade de vida da população, no entanto, não é isto que acontece. Não apenas Campos, mas o Norte Fluminense experimenta uma contradição interna entre um significativo aumento da receita de seus municípios devido aos royalties, e por outro lado, aparece entre as regiões de menor desenvolvimento no país (CRUZ, 2004; 2006), observando a persistência dos antigos quadros de desigualdades sociais e espaciais, “considerando-se os aspectos das desigualdades de renda, da qualidade de vida e bem-estar, dos níveis e condições de pobreza e de emprego, e do dinamismo da sua economia” (CRUZ, 2003, p. 24).

No mesmo sentido, apesar da crescente arrecadação dos royalties do petróleo, desde 1998 pelos municípios da região e, sobretudo, por Campos, parece não ter, de um modo geral, contribuído satisfatoriamente para o processo de geração de emprego e renda (GUIMARÃES & POVOA, 2005). Estando a dinâmica do mercado de trabalho dominada pela clandestinidade, ou informalidade, de grande parcela da sua força de trabalho, que vive de biscates e mora em favelas e loteamento clandestinos (CRUZ, 2004). Sendo assim, as favelas de Campos dos Goytacazes são resultado de um longo processo histórico e econômico altamente excludente e incentivado por um ideário modernizador, que produziu uma população marginalizada nas áreas periféricas da cidade. A favela TG, analisada neste trabalho, surge em meio a este contexto.

2. Apontamentos sobre a Assistência Social no Brasil e religião

Ao analisarmos as ações assistenciais do “Projeto Social Jeová Rafhá Resgatanto Vidas – Assistência a criança e a família” na favela TG remetem-nos ao diálogo existente entre a Assistência Social e religião em nosso país. A princípio, nos anos 80, as políticas sociais brasileiras se caracterizavam pela submissão a interesses econômicos e políticos, através das práticas clientelistas. A Constituição Federal, de 1988, modificou este quadro, pelo menos legalmente, pois incluiu a Assistência Social na Seguridade, fazendo a transição entre a assistência social vista como assistencialismo clientelista para o campo da política social pública de direito, Disponível em: <https://inforoyalties.ucam-campos.br/>. Acesso em: 19 Abr. 2019.

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universalizando o acesso e a recolocando sob responsabilidade estatal. No entanto, no ano seguinte, num contexto político e econômico de redução dos gastos públicos destacaram-se as grandes reduções na área da saúde e educação, além de grandes cortes nos números de beneficiários em programa sociais, ocasionando uma redução dos serviços sociais públicos, num cenário de significativa procura por estes serviços pela população empobrecida que buscava recursos para sobrevivência (YAZBECK, 1995). Em 1995, a medida provisória n° 813, trouxe a noção de que o Estado não deveria mais ser o provedor único e exclusivo do bem estar social, convocando a sociedade e a iniciativa privada empresarial a participar desse processo de provisão social (YAZBECK, 1995).

A partir dos anos 80 surgem e crescem significativamente iniciativas civis pautadas no ideal da solidariedade e atuando em benefício público, são as chamadas organizações sem fins lucrativos, não governamentais, tais como: "entidades filantrópicas, assistenciais (religiosas ou laicas) [...] fundações empresariais [...] ONGs comprometidas com as melhorias das condições de vida da população e com a redemocratização do país" (YAZBECK, 1995, p. 17). Tais organizações privadas compõem o chamado Terceiro Setor. Landim (2003) observa que neste contexto de redução da responsabilidade do Estado sob as políticas sociais e a retração na conquista dos direitos de cidadania, as organizações sem fins lucrativos surgem como salvação para os problemas sociais substituindo o próprio Estado.

Landim (2003) afirma que mesmo nesse processo autoritário e centralizador, caracterizado por políticas de bem-estar fragmentadas e excludentes, o conjunto de organizações sem fins lucrativos proliferou principalmente nas áreas da saúde, educação, assistência, lazer, e ainda, houve uma grande relação de colaboração entre o Estado e essas organizações. As entidades sem fins lucrativos foram de fundamental importância para amplas camadas da população que ficavam à margem das políticas sociais, proporcionando prestação de serviços nessas áreas. "Isso teve como pressuposto a aliança entre o Estado getulista e a Igreja Católica, favorecendo então o enorme campo de organizações de ação social a elas ligadas" (LANDIM, 2003, p. 125), bem como, também, num segundo momento, a outras religiões como a espírita e a evangélica.

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Até por volta de meados da década de 80 não era comum obras sociais realizadas entre os pentecostais, até então quem se ocupavam dessas questões eram os católicos e membros de religiões afro-brasileiras, que criticavam a falta de iniciativa nessa área por parte dos evangélicos pentecostais. No entanto, a partir da década de 90 os pentecostais brasileiros procuram o investimento na área social buscando reconhecimento e legitimidade na esfera pública (MARIZ, 2016). A partir deste ponto, surgem diversas iniciativas de setores evangélicos na sociedade, podemos citar alguns de mais reconhecimento público ou repercussão nacional como a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS), a "Fábrica Esperança" vinculada à Igreja Presbiteriana Bethânia, a Associação Beneficente Cristã (ABC)7 criada e administrada pela Igreja Universal do Reino de Deus. Já entre especificamente os pentecostais observa-se a predominância de práticas assistenciais baseadas em coleta e distribuição de alimentos, roupas e medicamentos a pessoas carentes que habitam os espaços onde os templos são construídos (SOUZA, 2011). A Assembleia de Deus, por exemplo, a nível nacional, criou o Conselho Nacional de Assistência Social das Assembleias de Deus (MACHADO, 2001) para lidar com estas questões.

3. A favela Tira-Gosto e o Projeto Social

A favela como objeto e campo de estudo tem sido pesquisada há muitas décadas nas Ciências Sociais e áreas afins, como um universo social diverso com suas características socioeconômicas e socioespaciais singulares. Problemas como a criminalidade, o tráfico e a violência tem sido recorrentemente associado às favelas do Rio de Janeiro, pela mídia e pelos morados de outras áreas da cidade, fazendo com que a mais recente literatura das ciências sociais tenha se preocupado sobre esses aspectos mais pontualmente, no entanto, sem deixar de produzir estudos sobre outros aspectos, como associação de moradores, lutas pela legalização das terras, participação em movimentos sociais, bailes funks, religião, entre outros.

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A ABC ao longo dos anos de 2008-2009 teve suas unidades regionais desativadas em meio a críticas e acusações de corrupção. Entretanto, mesmo depois do ocorrido, a IURD continuaria a realizar seu trabalho assistencialista, mas agora a partir de parcerias com a Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social - ABADS (Antiga Fundação Pestalozzi) e do Instituto Ressoar, braço social da Rede Record (ROSAS, 2011).

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Segundo Guimarães e Póvoa (2005), a favela Tira-Gosto surge na década de 1960. E de acordo com os moradores das favelas do bairro da Lapa, elas se constituíram neste espaço em função das oportunidades de emprego oriundas da fábrica de tecidos Cia de Fiação e Tecelagem Campista, inaugurada em 1885, no bairro da Lapa (FARIA E FALCÃO, 2016) e teve suas atividades encerradas em definitivo após 1964 (MENDONÇA, 2011). A Lapa é um bairro de origem operária, contíguo ao centro da cidade, possui atrativo, como praças e o fácil acesso aos serviços básicos e comércio central. É também onde está localizado o Instituto Patronato São José, que há 29 anos é sede da Fundação Municipal da Infância e da Juventude (FMIJ), que conta com uma escola e uma creche municipal em funcionamento e a Unidade Básica de Saúde Patronato São José, (atualmente passando por obras de ampliação) em seu espaço, e a fábrica Corbion Purac Sínteses8 (Figura 2).

De acordo com Berenice Guimarães e Fabiana Póvoa (2005) ao entrevistarem o gerente da Agência local do IBGE de Campos afirmou que “entre as favelas Patronato e Matadouro, que são mais antigas, havia uma extensão de terra desocupada onde se formaram as favelas Risca Faca, Tira-Gosto, e Siqueira e Silva que foram surgindo e se juntaram sendo hoje uma coisa só” (2005, p. 17). Assim, a favela TG se formou em contiguidade com as favelas Risca Faca, Siqueira e Silva, Patronato, Inferno Verde e Matadouro. Esse agrupamento de favelas já foi identificado por diversos nomes como “corredor de favelas” (NOGUEIRA, 2006),

“favelas da Lapa” (PESSANHA, 2004), “contínuo de favelas” (MOTA e MAMANI,

2012) e “Complexo Lapa-Parque Califórnia” (FARIA e POHLMANN, 2016). Todos esses nomes fazem referência ao espaço e o bairro circunscrito a essas favelas. Que estão localizadas em parte no bairro da Lapa, partindo da área central de Campos e percorrendo aproximadamente 6 km em direção a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), numa faixa estreita localizada à margem direita do rio Paraíba do Sul, se concentrando especificamente na Av. Adão

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A Corbion Purac está aproximadamente há 60 anos no Brasil, líder mundial na preservação natural de alimentos e a maior produtora de ácido láctico, derivados e lactídeos. A empresa atende ao mercado da América Latina, tem uma unidade industrial em Campos dos Goytacazes, RJ, e um escritório comercial em São Paulo, SP. A empresa atua em dois diferentes segmentos: Ingredientes Alimentícios Naturais e Bioquímicos. Disponível em: https://www.corbion.com/. Acesso em: 27 de maio de 2019.

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Pereira Nunes e Av. Rui Barbosa (duas Avenidas paralelas entre si) até o bairro Parque Califórnia.

A TG, que antes se encontrava localizada no bairro Parque Riachuelo (GUIMARÃES E PÓVOA, 2005), atualmente está situada no bairro da Lapa, isto devido à atuação do programa Bairro Legal9 na localidade, que modificou nomes das ruas e delimitação do bairro, além de mudanças na infraestrutura, recebendo esgotamento sanitário e tratamento urbanístico.

Estas seis favelas, Tira-Gosto, Risca Faca, Siqueira e Silva, Patronato, Inferno Verde e Matadouro são definidas pelo IBGE como aglomerados subnormais10, no entanto, na prática do cotidiano dos moradores suas delimitações espaciais não correspondem mais às oferecidas pelos setores censitários dos aglomerados subnormais determinados pelo IBGE (Figura 1). Por exemplo, a Risca Faca não é o espaço (em verde na figura 1) entre a favela Matadouro e a TG, mas um dos corredores dentro da TG, e atualmente, é possível dizer que não existe mais uma distinção nítida entre as favelas TG, Siqueira e Silva e Patronato, os entrevistados afirmaram que tudo agora é a TG. A favela Matadouro ocuparia todo o espaço em destaque verde e amarelo na figura abaixo, até pelo menos, o início da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), onde começaria a favela Goiabal, que não é reconhecida como um aglomerado em separado pelo IBGE, mas está contido dentro da delimitação do aglomerado subnormal do Matadouro.

9 O “Bairro Legal” é um programa de saúde pública da Prefeitura Municipal de Campos dos

Goytacazes, que visa proporcionar melhor qualidade de vida à população com construção de novas calçadas, pavimentação das ruas, sinalização de transito, além de melhorias do sistema viário e tratamento paisagístico.

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O Aglomerado Subnormal é uma categoria elaborada pelo IBGE que sintetiza áreas conhecidas ao longo do País por diversos nomes, como: favela, comunidade, vila, mocambo, entre outros. São constituídos no mínimo de 51 unidades habitacionais carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais, e estando dispostas em geral, de forma desordenada e densa, atendendo aos critérios de ocupação ilegal da terra, e possuírem urbanização fora dos padrões vigentes ou precariedade na oferta de serviços públicos essências, como o abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica (Censo Demográfico 2010, Aglomerados Subnormais, 2010).

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Figura 1 - Mapa das delimitações dos setores censitários dos aglomerados subnormais Tira-Gosto, Risca Faca, Siqueira e Silva, Patronato, Inferno Verde e Matadouro no município de

Campos dos Goytacazes - IBGE 2010. Fonte: Google Earth, 2018. Elaboração própria.

A favela TG está localizada a beira do antigo dique de contenção do Rio Paraíba do Sul, entre o rio e o dique, que dão os contornos de duas de suas extremidades. De acordo com o percurso comentado realizado com moradores locais, a fábrica Corbion Purac delimita o limite esquerdo da favela e o limite direito não está muito claro, mas é possível fazer uma aproximação (que pode ser observada na figura 2). A TG é composta por vários corredores estreitos ou “becos”, por onde se estendem as casas umas ao lado das outras, sem muita estrutura. O chão dos corredores é cimentado, devido também a obras da Prefeitura, mas os entrevistados não souberam precisar quando isso ocorreu, porém relataram que antes disto, os corredores eram de barro, alagando e ficando totalmente enlameado em períodos chuvosos. Mesmo hoje, as fortes chuvas ainda enchem os corredores, pois a água não tem vazão e o esgoto volta para a superfície. Também foi construída pela Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, em 2010-2011, uma praça com duas quadras para prática de esportes, banquinhos, play ground e área de lazer, onde antes era um grande terreno baldio e vazio.

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Figura 2 – Limites da Favela Tira-Gosto Fonte: Google Earth, 2019. Elaboração própria.

O Projeto Social “Jeová Rafhá Resgatanto Vidas – Assistência a criança e a família” está localizado no corredor “principal” da favela, aquele que vai do dique de contenção até a Av. Rui Barbosa (Beira Rio), e que antigamente recebia o nome de Risca Faca. É um espaço construído através de doações de colaboradores, que compraram o terreno e depois levantaram a estrutura de um grade salão, com apenas uma repartição, o chão ainda é de cimento batido e as paredes estão apenas no reboco. Não tem banheiro para as crianças usarem e nem cozinha, mas são planos para o futuro do projeto, bem como comprar e instalar ventiladores e um bebedouro. Atualmente são atendidas aproximadamente 100 crianças e jovens no projeto, a partir de um ano de idade em diante. As crianças de um a quatro anos, não frequentam o projeto, apenas possuem cadastro para casos de doação de fraldas, roupas e leite, esta ação somente acontece quando esses itens são doados ao projeto.

O projeto existe aproximadamente há 5 anos na favela TG, conta com uma presidente e idealizadora. Entre as atividades desenvolvidas pelo projeto é possível destacar o auxílio com doação de cesta básica às famílias, que não possuem recursos financeiros ou estes são insuficientes para se manterem cotidianamente, aulas de violão para jovens a partir de 11 anos, encontro de jovens do sexo feminino e masculino (em grupos diferentes) em rodas de conversas temáticas, atividades de desenho e pintura com crianças de 5 à 10 anos e eventos temáticos mensais. E ainda, este ano iniciaram com a Reunião mensal com as mães de algumas crianças

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atendidas pelo projeto (grupo de apoio), jogos de futebol com os meninos na quadra da TG e durante dois meses teve um culto semanal no projeto, com um pastor “de fora” convidado pela presidente. Está em fase de avaliação da viabilidade para implantação de aulas de música, capoeira, jiu jitsu, cine jovem e aulas de alfabetização de adultos.

Podemos destacar dois principais dilemas vivenciados pela presidente do Projeto Social Jeová Rafhá para manter as ações do projeto. O primeiro deles refere-se ao desinteresse da igreja que frequentava até o mês de abril deste ano, há pelo menos 17 anos, de participar e/ou ajudar com as ações no projeto, e somando-se a isto, o aumento da cobrança de sua presomando-sença nas atividades da igreja, por parte do pastor. E o segundo, está relacionado a criação do CNPJ para o projeto para oficializá-lo e para captar recursos, tendo em vista a dificuldade financeira que passa há alguns anos, por ser a única mantenedora da casa e da família, com 6 filhos e o marido desempregado há de 2 anos.

A presidente do projeto relata que não houve ajuda por parte da igreja que congregava. Recordou que no início, isoladamente, alguns membros da igreja a ajudaram por um tempo, mas o próprio pastor que havia ficado de ajudar com cultos aos sábados não levou adiante. Até hoje a presidente do projeto relata essa falta de ajuda, afirmando que a igreja não faz obra social, e julga isso errado, pois observando o local onde está inserida teria o dever de ajudar as pessoas que precisam. Ela também contou que, no último ano, o pastor estava com um projeto de colocar “células” na igreja, para crescer e fortalecer a denominação. Então, o pastor a colocou para fazer um curso sobre “igreja em célula”, para que ela ficasse responsável por uma no final do curso, mas com isso ele também passou a exigir maior participação dela nos cultos e atividades da igreja. No entanto, com quase todos os dias tendo atividades no projeto, e recebendo voluntários da ONG Wild Flowers na favela, ela não queria deixá-los sozinhos e esperava uma maior compreensão por parte do seu pastor, o que causou um estremecimento na sua relação com o pastor da igreja que congregava. Sendo assim, ela se encontrava diante de seu primeiro dilema: permanecer com o projeto ou na igreja.

No final de abril, entretanto, as diferenças se agravaram e a cobrança chegou a seu limite, os dois discutiram, e ela se afastou temporariamente, esperando que

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seu pastor voltasse atrás e conversasse com ela. Como isso não aconteceu, ela decidiu romper com a igreja. Uma semana depois começou a frequentar os cultos numa igreja bem próxima a sua casa, a Igreja Metodista. Quando a indaguei sobre o motivo de ter escolhido essa igreja em particular, ela respondeu que não teve nenhum em específico, pois não conhecia a igreja, mas a questão da proximidade contou bastante. Contudo, o fundamental para sua permanência na igreja, foi que ela ficou muito contente com a forma que a igreja, o pastor e os membros, “abraçaram” a ela e seu projeto, já fazendo planos para ajudar com as ações a serem desenvolvidas nele.

O segundo dilema se estabelece em relação ao registro do projeto, ela relata que há alguns anos atrás procurou informações sobre como registrar o projeto com um CNPJ, mas viu que para o projeto ser registrado e ter um CNPJ sob sua responsabilidade, ela perderia o direito a receber o auxílio do Programa Federal do Bolsa Família, atualmente a única fonte de renda da casa. E até hoje ela vive esse dilema sem saber que caminho tomar. Uma das estratégias utilizadas até o momento é ter aceitado a participação da ONG Wild Flowers11, que apesar de não ser religiosa, é um caminho para obtenção de recursos. Atualmente, surgiu outra possibilidade para este impasse, o de abrir uma igreja vinculando o projeto como seu trabalho social para conseguir manter o projeto. Isto porque segundo ela, tirar um CNPJ de igreja, não influenciaria no auxílio federal que recebe. Mas ainda não está claro o caminho que pretende tomar.

Sobre as mediações junto a outras instituições e/ou órgãos governamentais que atuam nesta favela, temos a presença do CRAS, a ONG Wild Flowers e membros de outras igrejas evangélicas localizadas fora da TG. Sendo importante ressaltar o relato de alguns moradores quando nos referimos às ações do CRAS, em que afirmaram que são apenas cadastrados, mas que nunca receberam nada, que pedem cestas básicas, mas nunca foram atendidos.

A partir do contato com a gerente de Divisão Geral do CRAS localizado na favela Matadouro12, foi possível identificar algumas ações do governo municipal

11

A Wild Flowers é um movimento humanitário de caráter laico e que ainda está em processo de estruturação para conseguir um CNPJ próprio. E está associado ao projeto Jeová Rafhá aproximadamente há 10 meses.

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A abrangência territorial do CRAS Matadouro compreende aos seguintes bairros: Chácara João Ferreira, Colégio, Horto, Jardim Flamboyant I, Jardim Flamboyant II, Lapa, Matadouro, Parque

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nessas favelas, como acolhida, oficinas com famílias, ações comunitárias, ações particularizadas e os encaminhamentos. Além destas, também foram identificadas outras ações, como implantação de políticas públicas de obras de infraestrutura urbana, como a realizada pelo Programa “Bairro Legal”; e programas e/ou ações itinerantes ou “comemorativo-temáticas” comunitárias, como por exemplo, como ocorreu este ano na Tira-Gosto com “Ações do Mês da Mulher”13

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Em uma ida ao CRAS Matadouro, a responsável da unidade informou que

atualmente a equipe é composta por doze integrantes, sendo um psicólogo e quatro assistentes sociais do CRAS, e mais uma assistente social somente para questões referente ao Bolsa Família. O cadastro no CRAS serve para que as famílias tenham acompanhamento socioassistencial e sejam incluídas em programas sociais como bolsa família, renda mínima14, e o ID Jovem15, entre outros. O CRAS Matadouro também recebe 50 cestas básicas para distribuir mensalmente, a equipe seleciona a família que vai receber a partir de uma avaliação e acompanhamento pela equipe socioassistencial, com psicólogo e assistente social, normalmente as famílias recebem este auxílio de 3 meses até no máximo 6 meses. E a equipe responsável pela acolhida faz toda segunda-feira, reunião de acolhida com as famílias cadastradas e também pessoas novas, para conhecer e analisar o perfil, e avaliar se a família/pessoa deve receber algum tipo de benefício e qual deles.

Atualmente, existem 4.693 famílias cadastras no CRAS Matadouro, referente aos 13 bairros de sua abrangência. No quadro abaixo pode ser observado o quantitativo de famílias cadastradas no CRAS e também das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

Califórnia, Parque Oliveira Botelho; Parque Riachuelo, Parque Salo Brand, Parque Turf Club (ou Penha), Centro (ou Esplanada), Tira gosto e Parque Maciel.

13

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS) realizou no sábado, dia 24/05/2018, na quadra da comunidade Tira-Gosto, a última de quatro ações comunitárias promovidas em diferentes locais para marcar o "Mês da Mulher". Disponível em: https://www.campos.rj.gov.br/exibirNoticia.php?id_noticia=43725. Acesso em: 11/10/2018.

14

O Programa Social Renda Mínima é um benefício destinado a famílias em situação de vulnerabilidade temporária, é concedido um valor mensal de um salário mínimo vigente, por um período de até seis meses. É necessário que as famílias atendidas sejam atendidas e acompanhadas por uma equipe técnica do CRAS e/ou CREAS, devendo matricular-se em curso profissionalizante da Inclusão Produtiva/SMDHS, visando a sua inserção no mercado de trabalho e autonomia financeira.

15

A Identidade Jovem, ou ID Jovem, é o documento que possibilita acesso aos benefícios de meia-entrada em eventos artístico-culturais e esportivos, e também, a vagas gratuitas ou com desconto no sistema de transporte coletivo interestadual, conforme disposto na Lei n° 8.537/2015. Os jovens beneficiados estão entre 15 e 29 anos. O ID Jovem auxilia o acesso aos direitos garantidos pelo Estatuto da Juventude sob a Lei n° 12.852/2013.

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Bairros Cadastrados no CRAS Matadouro

E Beneficiários do Programa Bolsa Família

Lapa 637 257

Matadouro 652 246

Tira-Gosto 216 20

Quadro 1 – Quantitativo de famílias cadastradas no CRAS Matadouro e beneficiários do Programa Bolsa Família por bairros. Fonte: Agencia do CRAS Matadouro, 2019.

Observando o material de cadastro das famílias percebemos que esses números não compreendem bem a realidade entre localização da casa e o endereço que é fornecido pelo beneficiário. No “campo endereço”, muitos moradores da TG colocavam o nome da Rua Adão Pereira Nunes e informam o bairro como Lapa, mas no “campo referência” colocavam coisas do tipo: “na comunidade Tira-Gosto”, “Tira-Gosto”, “Próximo a Praça da Tira-Gosto” ou fornecem referências de pontos de dentro da favela. Dessa forma, elaboramos uma recontagem, em que aproximadamente 66 famílias cadastradas com o endereço no bairro da Lapa, vivem efetivamente na Tira-Gosto. Somando-se estes números, apresentou-se um total de 86 famílias beneficiárias do Bolsa Família, mas muito provavelmente, esse número pode ser bem maior, pois podemos não ter identificado todas as estratégias dos moradores no momento de informar seus endereços. Sendo assim, percebe-se que uma parte significativa da população da TG é altamente dependente deste tipo de política pública, e indica altos níveis de pobreza, já que o programa bolsa família tem como população alvo famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza16.

A ONG Wild Flowers tem trabalhado junto com a presidente do projeto, aproximadamente desde setembro de 2018. A ONG, até o momento, tem se mantido através de doações de pessoas externas e uma contribuição mensal dos próprios membros e voluntários da organização, também fazem rifas, sorteios e campanhas de arrecadação por mídias sociais, e etc. Eles são atualmente os responsáveis pelas doações de cestas básicas para o Projeto Social. Em entrevista o presidente da ONG informou que eles são uma organização enquanto um movimento humanitário,

16

As famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa. As famílias pobres são aquelas que têm renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178,00 por pessoa. As famílias pobres participam do programa, desde que tenham em sua composição gestantes e crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos.

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que trabalham com o propósito de se inserir em comunidades e identificar propostas sociais ou pessoas que estejam realizando algum tipo de trabalho social descobrindo capacidades, potencialidades, necessidades, carências e demandas. Então, buscam se unir a pessoas e organizações, fazendo parcerias, unindo ideias e recursos para atender as demandas identificadas, trabalhando em conjunto com a iniciativa local.

Dessa forma, foi observado que o processo de implantação do projeto social paraeclesiástico Jeová Rafhá Resgatando Vidas ainda está em vias de efetivação das suas ações, principalmente depois da parceria com a ONG Wild Flowers. As estratégias acionadas pela presidente do projeto para o enfrentamento das dificuldades tanto para manter o projeto ativo quanto para a legitimação institucional (o CNPJ), estão relacionadas a soluções práticas da vida, em que articula ações e discursos da esfera religiosa e não religiosa (secular) quando necessário. Remetendo-nos a discussão sobre secularismo em que a modernidade não levou necessariamente a secularização enquanto total declínio da religião, mas produziu um discurso secular que permitiu as pessoas lidarem com diversas áreas da vida sem precisar recorrer a definições religiosas da realidade, mas podendo acessá-las sempre que necessário. Neste sentido, os indivíduos possuem a capacidade de articular diferentes discursos conscientemente, inclusive o discurso religioso e o secular, dependendo de qual é diretamente relevante para o assunto em questão, como traço essencial da pessoa moderna. Isto é, para a maioria dos indivíduos a secularidade e a religião não são contraditórias ou mutuamente excludentes, mas coexistem cada uma pertencendo a uma forma específica da atenção à realidade (BERGER, 2018).

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