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MARIA LETÍCIA FELICORI TONELLI E TEIXEIRA LEITE

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Academic year: 2019

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MUITO ALÉM DA DOLLY:

AS “NOVIDADES CIENTÍFICAS” EM SALA DE AULA

MARIA LETÍCIA FELICORI TONELLI E TEIXEIRA LEITE

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MUITO ALÉM DA DOLLY:

AS “NOVIDADES CIENTÍFICAS” EM SALA DE AULA

MARIA LETÍCIA FELICORI TONELLI E TEIXEIRA LEITE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Sandra L. Escovedo Selles.

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MUITO ALÉM DA DOLLY:

AS “NOVIDADES CIENTÍFICAS” EM SALA DE AULA

Maria Letícia Felicori Tonelli e Teixeira Leite

Orientadora: Profa. Dra Sandra Lúcia Escovedo Selles

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada por:

__________________________________ Presidente, Profa. Dra. Sandra L. E. Selles.

Faculdade de Educação/ UFF

_________________________________ Profa. Dra. Alice Casimiro Lopes

Faculdade de Educação/ UFRJ – UERJ

_________________________________ Prof. Dr. Antonio Carlos Amorim

Faculdade de Educação/ UNICAMP

___________________________________ Profa. Dra. Cecília Maria Aldigueri Goulart Faculdade de Educação/ UFF

(suplente)

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RESUMO

MUITO ALÉM DA DOLLY:

AS “NOVIDADES CIENTÍFICAS” EM SALA DE AULA Maria Letícia Felicori Tonelli e Teixeira Leite Orientadora: Profa. Dra. Sandra Lúcia Escovedo Selles

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação.

O presente trabalho tem como objetivo central entender o posicionamento docente quando as “novidades científicas” inscritas na área da Genética/ Evolução/ Biotecnologia e disponibilizadas por meio da divulgação científica, aportam em sala de aula. Dessa forma focando as atitudes docentes, percebidas por meio de entrevistas realizadas, busco compreender as formas diversas às quais recorrem ao usarem, em sala de aula, essas novidades. Assumindo que as disciplinas escolares apresentam um caráter dinâmico, modificando-se em consonância com a sociedade na qual a escola encontra-se imersa, e que os professores constroem saberes próprios, procuro determinar os mecanismos a que recorrem para lidar com a situação de tensão que se estabelece em sala de aula quando notícias de cunho científico ali aportam de forma até mesmo inesperada. Percebendo a influência que a Ciência de referência exerce sobre o formato e a determinação do conteúdo de ensino da Biologia escolar, procuro perceber as diversas interações que os docentes estabelecem a partir das relações que tecem entre instâncias do conhecimento. Por sua vez, essas interações podem assumir formas que abarcam da atualização do próprio conhecimento docente ao que seria mais propriamente entendido como “manejo de turma”. Finalmente, valendo-me do estágio atual do conhecimento biológico e de seus desdobramentos sociais, na visão que, se a produção do conhecimento científico busca uma posição de neutralidade, a sociedade não o faz, busco entender as novas tendências presentes no ensino da disciplina escolar Biologia, nos conteúdos que abrangem a Genética/ Evolução/ Biotecnologia.

Palavras chave: ensino de biologia, transposição didática, saberes docentes.

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ABSTRACT

This work aims to understand teacher’s point of view on scientific news, specifically the ones concerning Genetics/Evolution/Biotechnology available information which arrives in classroom. Thus, the focus of the research rises upon the understanding of teachers’ attitudes and the variety of ways in which they use the scientific news within their classrooms. The research has used interviews as the main data collection strategy to build a case study with three biology schoolteachers. The main assumption of the work is that school subjects have a dynamic characteristic, changing according to the community upon which the school is placed, and that teachers build specific knowledge themselves. From this perspective, the research targets to specify the mechanisms used by teachers to deal with tensions in classroom caused by the informing of counter-intuitive (and therefore surprising) scientific news. Taking into account how influent is the reference science to determine biology teaching contents at school, the research studies several interactions that teachers establish when confronted with different knowledge modalities. Also, these interactions can produce behaviours that range from scientific knowledge updating to specific ways to control a classroom. Finally, by the use of the current stage of biological knowledge and its social consequences, the research contributes to understand not only new trends in biology teaching, but also Genetics/ Evolution/ Biotechnology school subject contents.

Key words: biology teaching; didactic transposition; teacher’s knowledge.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Cledna, que soube me ensinar que há um tempo para tudo, na vida. E, que se esse tempo não chegar, inventa-se.

Ao Lúcio, que soube me ensinar a mesclar sonho e realidade.

À Diana, que soube me ensinar que, quando toda a teoria falha, reinventa-se a prática.

Ao Pedro, que soube me ensinar as diversas formas que a obediência assume enquanto resistência.

À Dona Bida, professora do segundo ano primário que soube me ensinar que escrever é mais que ajuntar palavras numa frase que faça sentido.

À Dona Noêmia, professora da segunda série ginasial que soube me ensinar a importância do detalhe.

Ao Toninho, professor do Científico, que soube me ensinar a beleza da Biologia.

Ao Ney, professor da Universidade, que soube me ensinar que Biologia não é tudo na vida. À Sandra, orientadora do Mestrado, que soube me ensinar que cientista não é só razão; é muita emoção.

Agradeço, ainda, mas sem particularizar os ensinamentos, Aos meus irmãos, Márcio e Sandra, Olga e Ari e Ricardo; Aos meus sobrinhos, Marcos, Laila, Carlos, Renata e Daniel; Aos meus sogros, José Mauro e Luci;

Às professoras de Biologia, Dalila, Edna e Soraya;

Aos incentivadores, Beatriz, Catarina, Denaldo, Jussara, Luiz Braga, Luiz Antônio, Maria Luisa, Nelma, Regina e Wânia;

Às bibliotecárias da UnED/ Macaé, Cristina e Zilma; Aos colegas da UnED/ Macaé;

Aos colegas de mestrado; Aos meus alunos,

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Descrição Geral das categorias de análise “Uso Docente da ‘Novidade

Científica’”...83

Tabela 2: Descrição geral das categorias de análise “Fontes de Atualização”...84

Tabela 3: Número de notícias veiculadas pela Ciência Hoje ...86

Tabela 4: Presença/ ausência de “novidades científicas” nos vestibulares ...87

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...11

1 UMA BREVE HISTÓRIA DA GENÉTICA E EVOLUÇÃO ...15

1.1 EVOLUÇÃO PRÉ-DARWINISTA ...15

1.2 A TEORIA EVOLUTIVA DE DARWIN-WALLACE ...19

1.3 DARWINISMO E O NASCIMENTO DA GENÉTICA ...22

1.4 ASPECTOS SOCIAIS DA BIOLOGIA EVOLUTIVA ...31

2- QUADRO TEÓRICO ...38

2.1 A BIOLOGIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR ...39

2.1.1 A evolução do conceito de disciplina ...39

2.1.2 A implementação da disciplina escolar “Ciências” ...42

2.1.3 Implementação da Biologia escolar ...45

2.2 CULTURA ESCOLAR E SABERES DOCENTES ...49

2.2.1 Aspectos da cultura escolar ...49

2.2.2 Saberes docentes ...51

2.2.3 Intersecção entre saberes docentes e cultura escolar ...55

2.3 PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ESCOLAR ...60

2.3.1 A transposição didática ...60

2.3.2 A transposição da transposição didática ...63

2.4 ASPECTOS DA SOCIALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ...67

2.5 QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO E OBJETIVOS DE PESQUISA ...74

3 METODOLOGIA ...77

3.1 CONTEXTO DO TRABALHO DE PESQUISA ...77

3.2 O “ESTUDO DE CASO”: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA ...79

3.3 MATERIAIS AUXILIARES ...84

3.3.1 Material Exploratório ...84

3.3.1.1 A revistaCiência Hoje” ...84

3.3.1.2 “Novidades científicas” em questões de vestibular ...86

3.3.2 O Livro Didático ...88

4 ENTRE O ANTIGO E O NOVO: O DESAFIO DA BIOLOGIA ESCOLAR ...93

4.1 USO DOCENTE DA “NOVIDADE CIENTÍFICA” ...94

4.1.1 Tensão gerada pela atualização ...95

4.1.2 Contradições ...102

4.1.3 Legitimação ...113

4.2. AS FONTES DE ATUALIZAÇÃO ...125

4.2.1 Credibilidade das fontes ...126

4.2.2. Acesso às fontes de atualização ...133

5 CONCLUSÕES ...136

(10)

5.2 POSTURAS DOCENTES ...140

5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...146

MATERIAL AUXILIAR UTILIZADO ...148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...148

ANEXO 1 ...154

ANEXO 2 ...156

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de desenvolvimento para um óvulo enucleado e não fertilizado, proporcionou uma oportunidade para investigar se a diferenciação celular nesse estágio envolve modificação genética irreversível. [...] Reportamos agora o nascimento de carneiros vivos a partir de três novas populações celulares estabelecidas de glândula mamária de adulto, feto e embrião. O fato de o carneiro ter sido derivado de uma célula adulta confirma que a diferenciação dessa célula não envolve uma modificação do material genético requerido pelo desenvolvimento até seu termo. O nascimento de carneiros a partir de células fetais e adultas diferenciadas também reforça especulações anteriores, que induzindo células doadoras a se tornarem quiescentes é possível obter desenvolvimento normal a partir de uma grande variedade de células diferenciadas.” (Wilmut et al, 1997)

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das redes televisivas. A outra dá conta de que são sempre os mesmos profissionais os convidados para esse tipo de programa. Esses dois fatores são explicativos da quase invariância das conclusões, se é que elas estivessem claras. De um lado, estavam agrupadas as que transmitiam o sentimento de perigo, uma vez que o “homem brincava de Deus”, já tão bem retratado no romance de Mary Shelley, Frankstein. De outro, a importância dos avanços tecnológicos para a qualidade de vida humana, hoje questionada por Lewontin (2002), para quem as conquistas sociais chegam a ser mais significativas na melhoria da condição de vida humana, que o simples avanço tecnológico.

Embora o “episódio Dolly” não se inscreva temporalmente no âmbito dessa dissertação, é importante regatá-lo, uma vez que aparece na fala de todas as professoras que participaram das entrevistas que realizei, na produção dessa pesquisa. Dolly torna-se referência, embora mais simbólica que metodológica. Talvez porque nosso imaginário, nossa consciência da morte, nos acene com a possibilidade da imortalidade. Talvez porque nosso respeito pela vida tenha sido despertado pela nossa responsabilidade, como cidadãos, na condução de pesquisas sobre a manipulação genética. Talvez porque a notícia tomou ares de sensacionalismo, cristalizando-se em novela das oito. Quem sabe um conjunto de todos esses fatores...

Atualmente, não se fala mais na Dolly. Entretanto, é possível que ela tenha inaugurado um estágio novo no relacionamento divulgação científica/ sala de aula. Decididamente, os professores recorreram a essa modalidade de divulgação como apoio para as discussões no âmbito escolar. Certamente, é cedo para se colocar o episódio como divisor de águas, mas não para se pensar sobre as formas possíveis que esse relacionamento assumirá. Sem nenhuma dúvida, a divulgação da “novidade científica” para um público não-especializado é uma importante fonte de atualização para os profissionais que atuam nas escolas, num movimento constante de renovação dos programas escolares, situando alunos e professores em consonância com os anseios da sociedade. Sociedade esta que, em última análise impulsiona o desenvolvimento da ciência nessa ou naquela direção, ao investir recursos econômicos substanciais numa ou noutra linha de pesquisa.

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obtinham. Professores de Biologia socializavam, para seus pares, as notícias a que tinham acesso. Também os docentes de outras disciplinas traziam contribuições interessantes, tanto para o debate ético quanto para o mais propriamente técnico. O aspecto mais claramente positivo foi a intensa troca de idéias e de experiências que se sucedeu.

Dessa forma, as “novidades” se sucediam com uma velocidade impressionante. A cada dia, um novo gene era “decifrado”, uma nova tecnologia era divulgada, mais uma discussão sobre os limites do conhecimento e da ação do cientista era suscitada. Quando, numa aula sobre reprodução em Gimnosperma1, meus alunos decidiram “clonar” a perna que falta ao Saci, pareceu-me que algumas ações necessitavam ser implementadas, também no sentido de conciliar o conteúdo constante nos programas escolares e o interesse desse mesmo aluno. Com esse intuito, propus-me a desenvolver uma pesquisa, no contexto do Curso de Mestrado, que contribuísse para a compreensão dos processos de atualização dos conteúdos disciplinares, especificamente na área da Genética/ Evolução/ Biotecnologia e a atuação docente na sua consecução. Considerava que, apenas a partir da compreensão de um conjunto de fatores – e de comportamentos – as ações docentes poderiam ser pensadas, discutidas e, finalmente, implementadas. Os “fatores” citados correspondem a uma miríade de acontecimentos cotidianos que abarcam tanto as notícias divulgadas, a forma de divulgação, seu valor intrínseco como causa de comoção e a própria intensidade da divulgação quanto aspectos de uma cultura mais propriamente escolar, com seu intenso trabalho de reorganização, reestruturação do conhecimento científico. Isso se traduz em um processo de didatização, tornando acessível ao aluno um conhecimento que, de outra forma, ser-lhe-ia incompreensível. Por comportamentos, refiro-me às diferentes reações suscitadas, em alunos e professores, por novas e contínuas informações. Dessa forma, a conciliação do conteúdo de ensino2 prescrito na Biologia escolar, isto é, quer conste de um currículo, quer de um programa escolar, com o interesse do “aluno real”, aquele aluno que cotidianamente assume o seu papel em sala de aula encontra-se mediada pela atuação docente. Essa atuação, por sua vez, apresenta-se alicerçada nas seleções que os docentes realizam, e que comportam sempre algo de arbitrário; nas formas de legitimação que encontram para a abordagem do

“novo”; nas fontes de atualização a que recorrem.

1 Grupo de plantas cujas sementes não se encontram envolvidas por frutos, como é o caso do, por exemplo, do

Pinheiro-do-Paraná.

2 No âmbito dessa dissertação, considero como “conteúdo de ensino” o conjunto de tópicos disciplinares que

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Essa dissertação é, portanto, o resultado da pesquisas desenvolvida, focando o trabalho docente relacionado às “novidades científicas” que aportam em sala de aula e encontra-se organizada em cinco capítulos. No Capítulo 1 traço uma breve história da Biologia, seu processo de unificação e integração às Ciências Naturais a partir da formatação da Evolução em bases genéticas. Procuro, ainda, discutir diversas perspectivas do pensamento genético/ evolutivo presentes no último quartil do século XX e suas tendências no início do século XXI.

No Capítulo 2 abordo sucessivamente (i) a constituição e implementação da Biologia como disciplina escolar; (ii) as peculiaridades do saber docente que se apresenta como um amálgama de saberes diversos, saberes esses que se refletem na construção do magistério como profissão; (iii) problemática do conhecimento escolar e sua constituição a partir também de uma ciência de referência, por meio da transposição didática; (iv) as características e as possibilidades pedagógicas da divulgação científica ao ser trabalhada em sala de aula; (v) as questões de investigação e os objetivos de pesquisa.

O Capítulo 3, reservado à Metodologia, traz ainda algumas considerações sobre os materiais auxiliares – revista de divulgação científica, questões de vestibulares e livro didático – que foram utilizados em vários aspectos e momentos da análise do material empírico que se constituiu em entrevistas com professoras de uma Instituição Pública de Ensino.

O quarto Capítulo constitui-se no cerne da dissertação, onde analiso e discuto as entrevistas que realizei com as professoras, considerando os mecanismos que desenvolvem para lidar com a tensão ao se defrontarem com o “novo”, suas contradições, os movimentos que realizam para legitimar o “novo” e as fontes que utilizam para a atualização constante.

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Nossa aristocracia é mais bela (e mais odiável segundo chineses e negros) do que as classes médias, segundo as mulheres; mas, ah, que pena que a primogenitura destrua a seleção natural!

(Darwin, C., 1864, apud Hobsbawm, 2000b, p. 349)

No intuito de compreender o que se poderia constituir em “novidades científicas” na área da Genética/ Evolução/ Biotecnologia senti a necessidade de resgatar elementos da História da Biologia, especificamente de sua unificação como Ciência por meio do paradigma biológico-evolutivo. Embora não sendo historiadora e entendendo estar aventurando-me por área específica de estudo de outros profissionais, considero que os riscos de eventuais simplificações compensam a possibilidade de aumentar meu entendimento quer da Biologia enquanto Ciência quer de diversas posturas adotadas por professores da disciplina escolar Biologia. Nesse contexto, a “breve” porque “peculiar” História resultou num recorte próprio, focado, e que se relaciona a um momento específico. Que esse momento tenha a duração de dois ou três séculos, é compreensão corriqueira para aqueles que, como os biólogos evolucionistas, se acostumaram a contar o tempo na casa dos milhões de anos.

1.1 – EVOLUÇÃO PRÉ-DARWINISTA

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Crick3 impacta poderosamente as Biologias Celular e Molecular. No século XX a Teoria da Evolução vai então se constituir como um paradigma, congregando as dispersas disciplinas científicas sob o termo Biologia, que, entretanto ainda hoje se ressente da unidade que caracteriza as Ciências Físicas. Contudo, opto pela utilização do termo “Biologia” como nome genérico ou, como prefere Mayr (1998) “etiqueta”, para me referir às diversas áreas que, existindo de forma independente ao longo dos séculos, são hoje reunidas nessa denominação. Dessa forma, considero válidas formulações como “a Biologia no século XVIII”, ou “o biólogo no século XIX”.

No momento, focando mais propriamente o panorama da Ciência no século XIX, é possível observar que a Biologia4, dentre as Ciências Naturais, ainda engatinha, enquanto a Física, a Matemática e a Química já haviam realizado as suas (r)evoluções. Galileu (séc XVI/ XVII) fora confirmado por Newton (séc XVII/ XVIII). A Eletricidade – notadamente o Eletromagnetismo – o mais importante dos novos campos abertos na área, bem como aquele de imediatas conseqüências tecnológicas fora descoberto em finais dos séculos XVIII, início do XIX. A Matemática vê, entre outras coisas, a derrubada da Geometria Euclidiana ainda no início do século XIX.

O Tratado Elementar de Química (Lavoisier, em 1789) inaugura a Química Moderna com sua implicação mais revolucionária consistindo na descoberta de que a vida podia ser analisada em termos de ciência inorgânica. A respiração é uma forma de combustão de oxigênio (Lavoisier); a uréia, composto até então encontrado apenas em coisas vivas, podia ser sintetizada em laboratório (Woehler, em 1828).

Por essa época, séculos XVIII/ XIX, a Biologia carecia ainda de um pensamento fundante que congregasse a Filosofia Natural no sentido do entendimento da unidade e características dos organismos vivos, ou seja, das diversas formas sob as quais a manifestação da vida se apresentava. Nesse contexto eram diversas as discussões que perpassavam a sociedade culta da época. Assim, a descoberta de novos animais e plantas, até então desconhecidos do mundo civilizado (Europa Ocidental), era encarada como aberração, organismos exóticos vindos de um mundo que necessitava ser colonizado e aculturado, para a maior glória de Cristo, além do comércio, é claro. A problemática que se arrastava, há séculos, dizia respeito à possibilidade da matéria inanimada criar vida, pelo menos em relação

3 O físico inglês Francis Crick, nascido em 1916 em Northampton, Inglaterra, veio a falecer em 29 de julho de

2004, de câncer, em San Diego, Estados Unidos da América.

4 O termo já está presente na Philosophie Zoologique (1809) de Lamarck e se refere ao estudo das características

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àqueles organismos invisíveis ao olho nu. No entanto, o aperfeiçoamento de instrumentos ópticos, como o microscópio, vai possibilitar a proposta da Teoria Celular (Schleiden e Schwann, 1838-9), estabelecendo uma espécie de “teoria atômica” biológica, mas nem os conhecimentos existentes na Física nem na Química da época permitindo ao “biólogo” o avançar no conhecimento. As maiores críticas – de cunho ideológico – recebidas à época se deviam ao fato de que o organismo poderia ser visto como uma associação de células, de onde se deduzia a superioridade da sociedade democrática, causando problemas frente ao fracasso da Revolução de 1848. O próprio Comte (1798-1857) temia sua transposição para a sociedade, a redução dessa a uma simples reunião de indivíduos. Ou seja, se a Biologia alcança uma uniformidade morfológica expressa na formulação “a célula é a unidade morfo-fisiológica do organismo” que constitui a Teoria Celular, ainda não apresenta uma continuidade temporal.

A idéia de que organismos vivos sofrem modificações através do tempo – transformismo – se opõe ao conceito fixista de que eles eram imutáveis, tendo sido criados dessa forma e assim permanecendo ao longo do tempo. Quando Linneu (1707-1778) propôs, no século XVIII, um sistema racional de categorização de organismos – taxonomia – baseada nas semelhanças entre os mesmos, o fez em bases puramente fixistas. Tal sistema, antes de tudo, ordenava as espécies e nomeava-as, segundo regras bem precisas, que a despeito de terem sido colocadas em 1758 (Systema Naturae, 10ª edição) são usadas até hoje – “nomenclatura científica” – bem como os princípios de seu sistema de categoria. No entanto, na atualidade, tais categorias refletem a filogenia do organismo, ou seja, sua história evolutiva.

Entretanto, as idéias que discutiam o fixismo já se encontravam presentes nas diversas Filosofias dos séculos XVIII/ XIX. Contudo, antes que um “conceito evolutivo5”, mais propriamente temporal, chegasse à Biologia ou à Geologia, foi constituinte da Filologia. Em finais de século XVIII, o estudo da evolução da linguagem tem início. Hobsbawm (2001a, p. 310) aponta para o fato de a Bíblia ser“relativamente silenciosa quanto à história das línguas ao passo que, como devem saber os biólogos e geólogos, é muito explícita com relação à criação e à história primitiva do mundo”. Na verdade, a Bíblia fala de um idioma único que se fragmenta, originando os demais, com isso – de certa forma – drenando o terreno pantanoso da história evolutiva da linguagem humana. Para geólogos e biólogos, sobram

5 Nesse contexto, conceito evolutivo refere-se mais a transformações que entidades físicas ou reais podem sofrer

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Gênesis e Dilúvios, tornando mais complexo não apenas o entendimento da evolução dos organismos – transformismo – mas também a aceitação de uma origem da vida que prescindisse de um ato divino de criação. Essa constatação do autor permite vislumbrar os diversos embates que a Teoria Evolutiva Biológica travará com as religiões do tronco judaico-cristão, ao longo se sua gênese e implementação, redivivos no atual século XXI.

Portanto, em finais do século XVIII, a idéia da evolução biológica já existia na comunidade científica. Em 1809, Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) apresenta um conjunto de propostas coesas e que constitui uma teoria evolutiva bastante debatida, tendo persistido até o século XX. Por essa teoria, os organismos se transformam ao longo do tempo para se adaptarem às condições sob as quais vivem. O mecanismo evolutivo proposto foi a herança dos caracteres adquiridos, através do uso e desuso de determinado órgão. O desenvolvimento de um dado órgão está relacionado com o maior ou menor uso que se faz dele, suas modificações sendo transmissíveis às novas gerações. Dessa forma, sob a ação de circunstâncias modificáveis do meio de vida (estímulos extrínsecos), os órgãos (por meio da excitação de “fluídos sutis”) também se modificam, estabelecendo uma série animal hierarquizada, dos mais “imperfeitos” aos mais “perfeitos”, a complexidade garantindo a perfeição. Tal colocação atraiu a ira da religião, por se contrapor ao preceito bíblico da criação divina. Atribui-se freqüentemente à teoria de Lamarck um caráter teleológico, segundo o qual organismos, a priori, demonstram o desejo de “melhorarem” pela evolução. Mayr (1998, p. 400) discorda dessa leitura, afirmando que tal interpretação deve-se, em parte, à má tradução da palavra besoin, com o sentido de “desejo” e não de “necessidade”. Assinala que a grande importância – esquecida – de Lamarck deve-se ao fato de ter sido o primeiro a relacionar mudanças nos seres vivos com alterações ambientais. Caracteriza o “filósofo natural” como não vitalista6, admitindo exclusivamente explicações mecanicistas, e completa:

ele não era um teleologista, pois não reconhecia qualquer orientação da evolução para um objetivo, predeterminado por um ser supremo. Por sua vez, a herança dos caracteres adquiridos não se sustenta, apesar desse aspecto só ter sido realmente refutado por Weismann (1834-1914) no final da década de 1870.

Quando Lamarck propôs sua teoria evolutiva, os fósseis de plantas e animais já eram conhecidos, porém a extinção dos organismos foi ignorada pelo autor. Em 1812, Cuvier

6 O vitalismo é uma das duas interpretações opostas sobre o fenômeno da vida e afirma que existe uma força

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(1769-1832) propõe o que se convencionou denominar “Teoria dos Cataclismas”, segundo a qual os fósseis teriam sido organismos extintos (mortos) durante dilúvios ou elevações súbitas do fundo do mar e, embora Cuvier não o fizesse explicitamente, seus alunos evocavam recriações após cada catástrofe. Apesar das críticas relativas às “revoluções do globo”, Jacob (1983) considera que a contingência do ser vivo, característica principal do evolucionismo, só podia ser invocada a partir da dispersão das formas vivas, da ruptura temporal que as criou e da gratuidade da variação, que são formulações de Cuvier. Por sua vez, fósseis de humanóides foram sistematicamente ignorados ou calorosamente negados até a década de 1830. A descoberta, em 1856, dos crânios humanóides em Neanderthal (Homem de Neanderthal) fornece a prova definitiva da existência de fósseis humanos.

1.2 –A TEORIA EVOLUTIVA DE DARWIN-WALLACE

Quando, em 1º de julho de 1858, são lidos os trabalhos de Alfred Russel Wallace (1823-1913) e Charles Robert Darwin (1809-1882) que apresentam uma teoria de transformação de espécies por seleção natural, na Linnean Society de Londres, o mundo ocidental não se encontrava mais em épocas revolucionárias. O próprio Darwin parece se empenhar em apresentar a teoria sem ferir maiores suscetibilidades, no que é bem sucedido, tendo em vista a pequena repercussão alcançada. Mayr (1998, p. 473) comenta que a publicação simultânea dos artigos de Wallace e Darwin, propondo a teoria revolucionária da evolução por seleção natural, teve surpreendentemente um efeito muito reduzido.

No entanto, no ano seguinte (24 de novembro de 1859), na publicação da 1ª edição da

Origem das Espécies por meio da Seleção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida, escrito em linguagem acessível aos letrados da época, fartamente documentado e detalhadamente explicado, contendo os fundamentos da teoria evolutiva bem como a base da teoria ecológica moderna, a discussão torna-se intensa naquela sociedade. Basicamente, a teoria de Darwin-Wallace se estrutura em quatro proposições e três deduções7:

7 A sistematização da Teoria da Evolução por Seleção Natural em proposições e deduções é de Julian Huxley

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1ª proposição: nas populações naturais, as espécies ao se reproduzirem, produzem um número muito maior de descendentes do que aquele que chega à idade adulta, ou seja, há uma tendência ao aumento exponencial de indivíduos de uma geração para outra;

2ª proposição: nas populações naturais, o número de indivíduos permanece próximo a um valor médio ao longo das gerações;

1ª dedução: há uma grande taxa de mortalidade nas populações naturais;

3ª proposição: populações naturais apresentam indivíduos diferentes, ou seja, existem variações hereditárias em todas as características;

2ª dedução: alguns indivíduos estarão mais bem adaptados que outros na competição por espaço e alimento. Os mais aptos chegarão em número maior à idade reprodutiva, deixando mais descendentes. A mortalidade é diferencial, o agente que escolhe os mais bem adaptados é a seleção natural;

4ª proposição: existem características hereditárias, ou seja, herdáveis pelos descendentes; 3ª dedução: gerações subseqüentes manterão as características adaptativas e sua freqüência aumentará, se for selecionada favoravelmente.

Não entrando na discussão entre os partidários de Darwin e os de Wallace sobre a originalidade da idéia do mecanismo evolutivo, muito menos seu desdobramento nos finais do século XX e assumindo a postura de Wallace que declarara, na década de 1860, que Darwin chegara a uma compreensão mais aprofundada sobre a ação da seleção natural; tampouco discutindo o fato de Wallace não estender ao homem sua tese sobre a ação da seleção natural, especialmente com relação ao desenvolvimento cerebral, alguns pontos merecem ser apontados. Assim, Darwin (1974, p. 68) admite que a expressão que Mister Herbert Spencer emprega: “a persistência do mais apto” é mais exata e algumas vezes cômoda que a seleção natural que por sua vez indica as relações desta seleção com aquela que o homem pode operar. Dessa forma, a publicação de Origens das Espécies confirma a convicção de Spencer de que seu sistema de evolução generalizado se desenvolve sobre o mesmo plano de validade científica que a Biologia Darwinista. Portanto, Darwin fornece a esse autor um padrão de garantia científica para um projeto de engenheiro na sociedade inglesa do século XIX: a legitimação do livre empreendimento, o correspondente individualismo político e a concorrência.

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Também a idéia da competição – novamente os mais bem adaptados são aqueles que saem vitoriosos na luta pela sobrevivência mimetiza a competição mercantil da época. Hobsbawm (2000b, p. 362) chama a atenção para o fato da teoria darwinista, nos Estados Unidos, ter-se rapidamente transformado na ideologia do capitalismo militante.

Convém ainda assinalar que

“como nascem mais indivíduos do que conseguem sobreviver, deve existir, em cada caso, luta pela sobrevivência, quer com outro indivíduo da mesma espécie, quer com indivíduos de espécies diferentes, quer com as condições naturais da vida. É a

doutrina de Malthus aplicada com a mais considerável intensidade a todo o reino animal e vegetal, porque não há nem produção artificial de alimentação, nem restrição ao casamento pela prudência”. (Darwin, 1974, p. 70).

Efetivamente, Malthus (1766-1834) publicara, em 1798, Um Ensaio sobre o princípio da População e como ela afeta o Desenvolvimento Futuro da Sociedade, mostrando que a população tende a crescer em progressão geométrica, enquanto os recursos – os alimentos entre eles – tendem a crescer de forma mais lenta. Malthus (1996) considera que é inevitável o surgimento da fome, do vício e da miséria, pois as populações sempre crescerão mais rapidamente que os recursos para alimentá-las. O homem – pobre – por princípio é indolente. Para motivar esse homem preguiçoso, Deus cria o vício, a fome, a miséria, obrigando o homem não apenas a lutar, mas a conter seus instintos reprodutivos para melhorar as condições de vida, ou, quando nada, para sobreviver.

Sabe-se, hoje, que a população humana cresce na mesma proporção em que crescem os alimentos, devido, sobretudo às tecnologias agropecuárias. A fome não se deve à baixa produção de alimento mundial (Hobsbawm, 2000a).

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A teoria evolucionista por meio da seleção natural é também apoiada pela esquerda. A transformação gradual de uma espécie em outra, parecia indicar que a transformação da sociedade era inexorável. O homem não é uma criação de Deus; participa de um processo e de certa forma, seu futuro encontra-se em suas próprias mãos. A evolução não é teleológica e os homens não nascem predestinados a um fim único – e à perfeição.

Enfim, segundo Canguilhem (1977), a novidade radical da Origem das Espécies é que o tempo da vida não era entendido como poder, mas podia ser verificado diretamente em efeitos unificados pela complementaridade: o fóssil era o tempo petrificado; o embrião, o tempo operante; o órgão rudimentar, o tempo retardado.

1.3 –DARWINISMO E O NASCIMENTO DA GENÉTICA

No campo propriamente da Ciência Natural, a crítica feita a Darwin relacionava-se com as causas da variabilidade. Por que organismos de uma mesma população natural apresentavam diferenças entre si? Como as herdavam? Faltava a Darwin uma teoria da hereditariedade que, ao mesmo tempo, explicasse as semelhanças entre os indivíduos de diferentes gerações (herança) e as diferenças entre os indivíduos de uma população (variação), ou seja, o que hoje os biólogos expressam como “unidade na diversidade”. Até o século XIX, efetivamente, pouco se havia avançado na explicitação da hereditariedade. Lewontin (2002) aponta que uma das questões mais importantes da Biologia do século XVIII foi a que opunha duas teorias de desenvolvimento: a pré-formacionista e a da epigênese. Pela primeira teoria, o organismo adulto já estaria formado, em miniatura (homúnculo), no espermatozóide e o desenvolvimento consistia no crescimento e consolidação desse ser miniaturizado. A segunda, da epigênse, sustentava que o organismo ainda não se encontrava formado no ovo fertilizado, e que essa formação decorria de profundas modificações da forma durante a embriogênese, o que era explicado pelas “forças vitais”. Maupertuis (1698-1759) também no século XVIII afirmava que machos e fêmeas contribuíam igualmente para a passagem de traços para gerações seguintes, através dos fluídos seminais. As estruturas do embrião se formariam quando partes do sêmen dos pais fossem atraídas por forças newtonianas para os locais corretos. Na mesma época, Buffon (1707-1788) acreditava que a organização do embrião se devia a um “molde interno”. Por sua vez, Darwin tenta responder as questões sobre hereditariedade elaborando a teoria da pangênese8, na qual miniaturas de órgãos ou tecidos

8 A pangênese, à qual Darwin sempre se referia como uma hipótese, não é uma teoria original do naturalista e,

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“modificáveis” no período de vida de um organismo e que constituiriam as “gêmulas” seriam transmitidas para a descendência. De maneira mais ampla, isso equivaleria a dizer que a descendência herdaria os atos dos pais. Seu primo Francis Galton9 (1822-1911), elabora a “lei da herança dos ancestrais”, que usa fração para representar a proporção de traços que provinha dos pais, avós, bisavós, etc. Darwin, avesso à matemática, se apega à sua “hipótese” da pangênse. O mosaico de características dos híbridos é devido à mistura das gêmulas parentais e também o são os fatos observados na reversão às características ancestrais, quando as gêmulas em repouso eram ativadas. Jenkin, em 1867, opositor de Darwin, e partidário da hereditariedade mista10, critica a validade da teoria para a fixação da variabilidade, argumentando que o aparecimento de uma nova variedade estaria fadado a não se fixar, pois quando o organismo se acasalasse, a característica se diluiria, tendendo a desaparecer em acasalamentos sucessivos. Entretanto, as pesquisas realizadas no próprio século XIX acabam por provar que os modelos de hereditariedade propostos estavam incorretos.

Enquanto a celeuma se instalava em Londres, na cidade de Brünn foram lidas, conservadas e classificadas as Comunicações de Gregor Mendel (1822-1884). Lidas, não foram compreendidas, sendo, portanto ignoradas. Segundo Canguilhem (1977), Mendel é um caso de cientista que escapa às classificações. Não é um precursor. Precursor é aquele que corre à frente de seu tempo, pára e outros percorrerão o caminho até o final. Mendel fez todo o percurso. Não é um fundador, pois o fundador não seria ignorado por aqueles que erguem o edifício sobre a fundação colocada. Poder-se-ia falar em Mendel mais como uma criança prematura que foi deixada morrer por impreparação para se receber.

linha da hereditariedade tênue que se relaciona à hereditariedade dos caracteres adquiridos, contrapondo-se às teorias da hereditariedade sólida que é propriamente a herança biológica ou genética. Essencialmente, tanto Darwin quanto Lamarck são partidários da “herança tênue”.

9 Galton é o pioneiro das estatísticas modernas e as aplicava a pesquisas diversas. Dessa forma, demonstra que

filhos – sexo masculino – de magistrados ingleses tendiam a herdar o gosto pela magistratura do pai, numa transferência de características herdáveis pela linhagem masculina. Em nenhum momento se cogita sobre a distribuição desigual das oportunidades naquela sociedade. A tradição, a profissão era então apontada como constituinte da ordem natural (em oposição ao “artificial”, de competência humana) das coisas e, dessa forma, não sujeita à mudança. Pesquisando a influência das orações sobre o aumento do tempo de vida, Galton não encontrou diferença significativa entre a duração média da vida de reis e rainhas e pessoas do povo. Concluiu pela ineficácia da oração.

10 A hereditariedade mista refere-se à aparência dos fenótipos, freqüentemente intermediários entre tipos

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Se Mendel houvesse sido compreendido, em seu tempo, provavelmente não poderia ter desencadeado uma aceleração das Ciências Biológicas, uma vez que suas famosas “leis” dizem respeito, justamente, à conservação de características dos pais, nos descendentes. Dessa forma, aplicada à Evolução, sua teoria, então, seria vista como um retorno ao fixismo, à conservação da regularidade e não como a possibilidade da explicação das mudanças verificadas nas espécies. Portanto, Mendel é ignorado no período de sua vida, enquanto diversas ciências que mais tarde serão congregadas sob o epíteto da Biologia continuam a se desenvolver.

Esse panorama de discussão vai propiciar que, nas duas últimas décadas do século XIX, a Biologia sofra uma verdadeira irradiação disciplinar, a Zoologia e a Botânica desabrochando em áreas específicas, tais como Embriologia, Citologia, Genética, Biologia do Comportamento, Ecologia, entre outras. Entretanto, muito dessas novas áreas eram eminentemente experimentais, ocasionando uma verdadeira divisão entre experimentalistas e naturalistas que divergiam tanto nos métodos quanto nas questões formuladas, embora os dois grupos se ocupassem com a Evolução. Assim, os experimentalistas evolucionistas, na maior parte originários da embriologia, dirigem-se ao recém formulado campo da Genética11 e se ocupam com o estudo das “causas próximas12” relacionadas ao comportamento dos fatores genéticos e sua origem. Por sua vez, os naturalistas, mais afeitos às “causas últimas” preocupavam-se com o estudo dos fenômenos evolutivos da natureza. Ou seja, evolucionistas genéticos, que detinham interesse ou formação nas Ciências Físicas e na Matemática, formulavam questões relacionadas à regularidade, propriamente traduzida como o funcionamento dos genes. Os naturalistas, por sua vez, comprometiam-se com o entendimento da diversidade. Apenas a elaboração da Síntese Evolucionista, nas décadas de 1940-1950, acarretará o estabelecimento de uma linguagem comum, proporcionando a comunicação entre as duas tradições. Entretanto, parece claro, ainda hoje, nas posturas profissionais de docentes que trabalham em escolas de Ensino Médio a manutenção de uma certa distância que parece separar as duas tradições.

Relacionando-se ainda com o nascimento incipiente da Genética, um nome importante nos seus eventos iniciais é o de Galton, já referido anteriormente, uma vez que vai servir como líder e inspirador de duas tendências – a Biometria e a Eugenia – que se instalam no

11 O vocábulo “genética” é criado em 1906 pelo cientista inglês Bateson e foi oportunamente adotado para

designar o conceito ampliado da ciência que trata da hereditariedade. Entretanto, o início da estruturação do novo campo ocorre nos finais do século XIX.

12 Ver Mayr (1998), que realiza uma interessante discussão sobre “causas próximas” e “causas últimas” na

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início do século XX. Dessa forma, a Biometria dedicava-se ao estudo quantitativo da hereditariedade, na suposição de que fosse contínua, condizente com a evolução gradual das espécies, no modelo de Darwin e tem suas bases lançadas por Galton no livro Hereditary Genius em 1869, no qual também são propostas as bases da Eugenia. Contrariamente aos biômetras, os mendelistas postulavam que a variação nas características hereditárias era consistente, particulada e descontínua13. A oposição entre os dois grupos fazia com que os biômetras não aceitassem a hereditariedade conforme proposta por Mendel. Careciam, dessa forma, de uma teoria para a transmissão das características herdáveis. Os mendelianos, por sua vez, não aceitavam uma teoria evolutiva pautada na seleção, em virtude da associação entre adaptação e herança tênue14. Assim, propuseram o próprio modelo de evolução, por meio da especiação instantânea, sem ação da seleção natural e nenhum acúmulo lento de diferenças, e que ocorreria através de mutação15. Novas espécies surgiam quando ocorriam saltos mutacionais suficientemente grandes. Estudos posteriores acabam por confirmar mecanismo de herança dos mendelistas, que realmente é particulada e consistente. Entretanto, o modelo evolutivo é gradual, ou seja, contínuo, reafirmando a posição de Darwin de que a natureza não dá saltos.

A “redescoberta” das pesquisas de Mendel e a criação da Genética podem ser vistas como um trabalho de autopromoção de Bateson, conforme a narração de Henig (2001). Inclui a história de três botânicos – De Vries, Correns e Tschermack – que, trabalhando com hibridização em plantas diferentes, chegam a resultados semelhantes ao que Mendel chegara. Para surpresa de cada um, descobrem que suas “descobertas” não são “novidades” no sentido estrito do termo, mas algo requentado. E é Bateson, o responsável por retirar Mendel de seu descanso eterno, ao transformá-lo em mito.

Na última década do século XIX, o alemão Correns (1864-1933) e o holandês De Vries (1848-1925) eram cientistas competidores participando de diversas “corridas por publicações”, sempre vencidas por De Vries. Quando Correns, em abril de 1900, tomou conhecimento de mais um artigo de De Vries que abordava as relações entre híbridos de milho, descobriu que, mais uma vez, perdera a primazia na publicação de uma pesquisa. De

13 O termo “consistente” refere-se à natureza do material genético, que não seria plasmado pelo ambiente

externo; por “particulada” entende-se à existência de uma estrutura relacionada à herança, ou seja, uma unidade específica para a hereditariedade. Por descontínua, entende-se o aparecimento súbito de novos caracteres. Ou seja, ocorre quando um indivíduo se afasta da norma de variação de uma população.

14 Nessa teoria para a herança, o material genético não é constante de geração a geração, podendo ser modificado

pelos efeitos do ambiente, pelo uso e desuso e por outros fatores.

15 De Vries, autor do termo, considerava a mutação como uma descontinuidade genética abrupta que,

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imediato, envia para publicação um artigo intitulado “A Lei de G Mendel para o comportamento da progênie de híbridos varietais”, tirando a precedência de seu concorrente e entregando-a nas mãos de um monge morto há 16 anos. O austríaco Tschermak (1861-1962), por sua vez, trabalhou duramente para se tornar um descobridor de Mendel. Em junho de 1900, publica um trabalho logo após os dois já citados, onde se limita a apresentar alguns resultados.

Bateson (1861-1926) era um zoólogo britânico, tendo desempenhado papel importante no surgimento da genética. No livro publicado por sua esposa, após sua morte, aparece a história de sua “descoberta” de Mendel. Segundo Henig (2001) no trem, a caminho de uma palestra sobre “Problemas da Hereditariedade” que proferiria na Sociedade Real de Horticultura da Inglaterra, lê o artigo de Mendel que levara consigo e percebe que ele é crucial, incorporando suas idéias básicas à palestra. Embora de credibilidade controversa, essa história ilustra a necessidade da criação de mito de genialidade, tanto para Mendel como para si próprio (Henig, p.175). Outras contribuições de Bateson é a criação do termo Genética para a ciência da hereditariedade, bem como zigoto, homozigoto, heterozigoto e alelomorfo, assim como a notação, que se torna universal, para as diversas gerações de uma descendência.

Nos Estados Unidos, é a vez do uso da Drosophila melanogaster nos experimentos de Morgan (1866-1945). Inicialmente um biômetra, procurava mostrar que a modificação das proporções fenotípicas em descendentes de ratos heterozigotos com relação à pelagem, no experimento clássico de Cuénot16 (1866-1951), refutava o mendelismo, reafirmando a herança miscível. No entanto, no decorrer de seus experimentos, constata que Mendel tinha razão com relação à interpretação dos resultados obtidos. Ainda persiste relutante em aceitar a “Teoria dos Cromossomos” para a transmissão dos caracteres hereditários. Experimentos com mutantes white de moscas, no entanto, o levam a propor a “Teoria da Herança”, segundo a qual os genes, corpúsculos17 hereditários, se dispõem ao longo dos cromossomos “como as contas de um colar”. Nos quarenta anos que separam Mendel de Morgan, também devido ao desenvolvimento das demais ciências naturais, haviam sido identificados, no núcleo das células, os corpos intensamente coráveis (cromossomos) constituídos por uma substância

16 Experimentos visando o entendimento sobre a herança da cor do rato caseiro, realizados por Cuénot,

demonstraram especificamente a existência de mais de dois alelos (alelos múltiplos) para a mesma característica. Esse padrão de herança, na espécie humana, é conhecido no estudo de grupos sanguíneos no sistema ABO.

17 Os corpuscularistas, segundo a discussão de Mayr (1998) representava uma tradição da biologia, desde o

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ácida (nucleína, posteriormente, ácido nucléico), transmissível aos descendentes pela reprodução. Também o mecanismo da redução cromossômica na formação dos gametas (meiose) havia sido desvendado, bem como o fato de que apenas um gameta masculino penetrava o feminino, na fecundação, sendo que os dois contribuíam com igual quantidade de material hereditário na formação de um novo ser.

Apenas na década de 1940, com o uso experimental de linhagens patogênicas e não patogênicas de bactérias, é determinado que os genes são partículas18 formados por ácido nucléico e não por proteínas, como o acreditado anteriormente. Essas partículas da hereditariedade são, por um lado, dotadas de incrível estabilidade, por outro lado, capazes de sofrerem mudanças, sendo tais mutações uma das causas responsáveis pela variabilidade.

A estrutura molecular da molécula do ácido desoxirribonucléico (DNA) é finalmente desvendada em 1953 por Watson e Crick, usando técnicas de difração por raios-X. O modelo proposto elegante na sua simplicidade, é o de uma dupla-hélice formada por monômeros de nucleotídeos, o que permite, a uma só vez, a explicação da capacidade de autoduplicação da matéria (conservação/ mutação) e a previsão de sua interferência no metabolismo celular, por meio da síntese da molécula de ácido ribonucléico (RNA).

Na década seguinte é, enfim, decifrado o código genético, a correspondência entre o códon de DNA (seqüência de três nucleotídeos) e o aminoácido correspondente, na formação de um fio protéico. Estava finalmente explicado como uma única substituição de nucleotídeo poderia levar ao encaixe de um aminoácido diferente numa seqüência protéica, o que poderia anular a função desempenhada por determinada proteína. A isso, denomina-se, em novas bases, “mutação”. Darwin chamou “variação”.

Em vista do descrito, não teria sido possível a Mendel, mesmo que não ignorado ou que compartilhasse das teses evolucionistas, justificar a teoria de Darwin ou acelerar as descobertas e a unificação de campos na Biologia. Cumpre ainda ressaltar que o desenvolvimento da Genética nos últimos sessenta anos se deve ao estudo em organismos unicelulares procariontes, principalmente em bactérias que, durante bastante tempo foram vistas, na ciência médica e microbiológica como organismos potencialmente capazes de causar doenças e prejuízos. O “micróbio” não fora ainda valorizado positivamente como objeto de investigação teórica, sem dúvida porque ainda era valorizado negativamente por todos os homens, inclusive o biólogo. A contribuição da Microbiologia para o darwinismo, no

18 Para o estabelecimento da Biologia como uma Ciência legítima e autônoma, deve, a partir das propostas

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final do século XIX limitava-se a um novo terreno de observação para os efeitos da luta pela sobrevivência. Nos meios de cultura de laboratório, os unicelulares lutavam por alimento, por oxigênio, enfim, pela vida.

As pesquisas realizadas por Morgan, J. Huxley, Wright, Dobzhansky e Mayr nas áreas quer da Genética, quer da Evolução – e de sua síntese, a Genética Evolutiva – e de Hardy e Weinberg que aplicaram a Matemática à distribuição gênica em populações, propiciaram a síntese denominada “Neodarwinismo19” ou “Moderna Teoria Sintética da Evolução”. Basicamente, respondem à questão das causas da variabilidade sobre as quais age a seleção natural. Por outro lado, a seleção natural sai do embate como um dos mecanismos20 da evolução, e não mais o único, além do fato de não ser criadora, ou seja, não se conhecem casos de órgão criado pela força da seleção natural. Essa visão começa a se modificar, na atualidade com a descoberta da presença dos genes homeóticos21 em vermes, moscas e homem.

Por definição, uma população está em evolução se ocorrem modificações na freqüência gênica em gerações subseqüentes de organismos. Segundo Futuyma (1992), cálculos indicam que a freqüência de mutações gênicas é de 10-6 em cada geração, o que corresponde a dizer que cada pessoa nasce, em média, com três genes mutantes22. Ocorre que, em sua maioria, os genes – mutantes ou não – são neutros, ou seja, não conferem vantagens adaptativas. Desse modo, a seleção natural não pode agir, mas a população se encontra em evolução, pois houve mudança gênica. Esse conceito de “deriva gênica”, estabelecido por Mayr, causou grande polêmica na década de 1960, uma vez que a seleção natural, cem anos depois, não constituía mais o único mecanismo evolutivo conhecido.

Enquanto o ocidente discutia a Teoria da Evolução em bases de casualidade, do aleatório, das probabilidades, na então URSS, sob Stálin, houve uma tentativa de ideologização explícita, expressa pelo caso Lysenko (1898-1976). Dizia-se que, com o esforço suficiente, qualquer mudança era realizável, mesmo no campo da Evolução em geral e

19 Mayr (1998) considera como os arquitetos da síntese evolutiva, aqueles que realmente estabeleceram pontes

entre campos diversos, os seguintes autores: Dobzhansky; J. Huxley; Mayr; Simpson; Rensh e Stebbins.

20 Na década de 1930 a Biologia conservava um certo grau de metafísica, uma vez que a seleção natural era

considerada como “agente” evolutivo. “Seleção natural” foi uma expressão criada por Darwin em analogia a “seleção artificial”; nesse contexto, a “mão” do selecionador “escolhia” características a serem preservadas. No intuito de extirpar esse caráter metafísico da Teoria Evolutiva, “seleção natural” passa a ser usada a partir de significados físicos como “causa” (por Haldane), “fator” (por Wright) ou “mecanismo” (por Dobzhansky e Huxley).

21 Os grupos de genes HOM, em Drosophyla são homólogos aos genes Hox, no homem.

22 Em finais do século XX o Projeto Genoma Humano, estudo que se propõe estabelecer a seqüência e função de

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da Agricultura em particular. Lysenko argumentava que se podia multiplicar a produção agrícola com processos lamarckistas (heranças de caracteres adquiridos e praticados durante a vida do indivíduo através do uso e desuso) que abreviariam os lentos processos ortodoxos de reprodução de plantas e animais. Foi a fase da disputa entre uma ciência proletária e uma capitalista. Apesar de seu início em 1936, apenas após a 2ª guerra mundial (1948) a Biologia soviética se comprometeu oficialmente com a rejeição obrigatória da Genética como entendida no resto do mundo – pelo menos até a morte do seu dirigente. Hobsbawm (2000a) aponta este fato como responsável pelo atraso na pesquisa genética soviética, em relação ao resto do mundo. Dobzhansky (1900-1975), ele também um cientista russo, porém anti-bolchevista convicto e refugiado estadunidense a partir de 1917, dedicou-se a destacar os erros científicos cometidos nos campos da Biologia e da Genética, em razão da adoção das teses de Lysenko. Dizia que, independente de suas convicções políticas, a obrigação de falar a verdade sobre a ciência (Lewontin, 2001, p. 12) sobrepujava as ideologias.

Retomando o pensamento darwinista, a competição entre os organismos, para o autor, acelerava a ação da seleção natural, e o tempo era crucial para que as espécies tivessem evoluído na Terra por processos naturais e não por ato de criação divina. Mas a idéia da competição como já foi dito, não era original de Darwin. Aparecera como conceito econômico tanto em Malthus no ano de 1798 quanto em Adam Smith (1723-1790) em 1776, e considerava-se que esse mecanismo garantia produtos mais baratos e de melhor qualidade, salários mais altos e, em conseqüência nações mais ricas. Portanto, era um conceito fundamental na economia das nações do século XVIII e que foi incorporado, por Darwin, à Biologia do século XIX. Parece ser justamente o uso da linguagem corrente da economia, acessível a uma parte da sociedade da época, a dita “culta” e “bem sucedida” que garante, inicialmente, a Darwin, a leitura de seu livro. Os aspectos polêmicos da evolução (casualidade) e a questão da descendência do homem só aparecem, na discussão, em momento posterior.

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“comensalismo”, onde um se beneficia, sendo indiferente para o outro; processos de “facilitação” em que uma espécie altera o ambiente para o seu próprio benefício, mas indiretamente facilita o aparecimento de outras espécies com as quais não interage diretamente, passaram a ser objeto de muitos estudos, pois a tendência atual é considerar todo tipo de interação igualmente importante.

Por meio de pesquisas sobre a origem de mitocôndrias e cloroplastos e com o acúmulo de evidências sugerindo que são antigos hóspedes bacterianos, pela primeira vez começou-se a conceber que as células eucariotas23 não passam de “quimeras”, ou seja, estruturas mistas, compostas por partes de origens diferentes. A teoria postula que a célula eucariota foi formada evolutivamente pela simbiose entre procariotas de vida livre; dessa forma, as mitocôndrias atuais das células eucariotas teriam sido células procariotas de vida livre que entraram em simbiose com outros procariotas, resultando na formação de um novo tipo de célula, a partir da qual surgem os metazoários. Hoje, essa hipótese tem aceitação geral, mas quando surgiu em 1970 sofreu grande rejeição. Segundo a própria Lyn Margullis (2001) isso se deu ao fato de ter sido proposta por uma microbiologista (portanto, mulher) desconhecida. Cientistas, entretanto, questionaram a autora ter teorizado a simbiose como a base do mecanismo evolutivo.

É interessante observar que, até a década de 1970 e mesmo um pouco mais, nas leituras na área de Zoologia, como da obra de Pierre Grassé editada em 1961 e de Robert Barnes de 1977, associações entre organismos de táxons filogeneticamente não aparentados de maneira direta, são considerados apenas como curiosidades. Dessa forma, o conhecimento de algas simbiônticas com hidra (Chlorohydra viridissima) ou a incorporação e o uso que certos moluscos Gastropoda fazem de células de defesa de celenterados passaram desapercebidos nos manuais de Zoologia, Ecologia ou Evolução. As pesquisas realizadas por Rumpho (2000) com o mesmo grupo dos Gastropoda e sua associação com cloroplastos provenientes das algas que lhes servem de alimento já são utilizadas como evidências de evolução por simbiose, apontando na direção da “Célula Quimérica”. Ou seja, a elaboração, pelo meio científico, de uma “base evolutiva simbiôntica24” permite a (re)interpretação de um mesmo fenômeno em novas bases.

23 São eucariotas as células que apresentam o material genético separado do conteúdo citoplasmático por uma

membrana nuclear – a carioteca. As células procariotas, por sua vez, apresentam o material genético imerso no citoplasma.

24 Na verdade, a simbiose não substitui a competição entre os organismos, que se estabelece num nível superior

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Outra polêmica atual em torno das idéias darwinistas diz respeito ao tempo necessário para a ocorrência da evolução. Em 1859, a era das revoluções havia recém acabado. Darwin postula uma evolução que se processa de forma lenta, gradual, quase “segura” e inexorável. Gould e Eldredge (1993), paleontólogos do Museu Americano de História Natural, propuseram uma interpretação alternativa para o registro fossilífero afirmando que as espécies são mais conservadoras do que se imaginava. Uma vez originadas, elas se mantêm praticamente inalteradas ao longo do tempo (estase) até que alterações ambientais contribuam para nova especiação, configurando mudanças bruscas, um período de turbulência. A “Teoria do Equilíbrio Pontuado” é festejada pelos convictos do Criacionismo, tanto pelos fundamentalistas como por aqueles que advogam a criação inteligente – Criacionismo Científico – como uma prova do equívoco de Darwin (Teoria Evolutiva). O próprio Gould (1997), entretanto, se coloca como evolucionista convicto, explicando que sua teoria propõe um mecanismo alternativo para alguns padrões observados na evolução das espécies.

1.4 – ASPECTOS SOCIAIS DA BIOLOGIA EVOLUTIVA

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inteirava-se – de discussões sócio-políticas características de sua época e de inteirava-seu país. Nascido em família rica e sendo Whig (progressista) convicto, colocou-se a contra a escravatura, o que se pode se depreender de Gould (1999) e Selles e Abreu (2002). Para as autoras, é possível observar que o “jovem” Darwin, em sua passagem pelo Brasil no decorrer de sua viagem de cinco anos a bordo do H.S.M. Beagle (1832-1837), chega mesmo a posicionar-se ao relatar passagens envolvendo a escravatura e, em conseqüência, os negros que viviam sob esse regime, sensível a seus problemas e sentimentos. Nesse contexto, parecia considerar a tese da “igualdade natural dos homens”. Entretanto, prosseguem as autoras, nas décadas de 1870-1880, o “velho” Darwin parece aceitar os conceitos de “raças inferiores e superiores” para as populações humanas. Dessa forma, é possível perceber uma mudança no pensamento do naturalista, de um posicionamento “igualitário” para uma postura mais afinada com as teses propriamente determinísticas.

Indubitavelmente, Darwin, ao postular uma origem única para as espécies e, em momento posterior, ao colocar o homem na mesma filogenia de macacos, apresentando um mesmo ancestral comum, parece concorrer para que as Ciências Naturais atuem de modo a subsidiar justificativas para a crença na superioridade de determinada raça. Nesse contexto, é apropriado resgatar as teses monogenistas e poligenistas sobre a origem do homem.

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século XIX sustenta que uma crença a priori na inferioridade negra determinou a seleção tendenciosa de “provas”, que demonstrassem a superioridade de uma “raça” humana – a branca – sobre as demais. Nitidamente, nesse aspecto, é o pensamento social de uma época – ou civilização – que procura e propõe dados com a preocupação precípua de legitimar – por meio da ciência – seus próprios preconceitos.

Dessa forma, a antropologia física do século XIX (basicamente relacionadas a aspectos anatômicos e similares, como a craniometria) formulava o conceito de “raça”, uma vez que as “diferenças” entre os povos brancos, amarelos, negros, mongóis, caucasianos... são inegáveis. Combinado com o estudo de evolução do homem baseado no fóssil pré-histórico, certamente a desigualdade social era sugerida, pois os ancestrais humanos – notadamente o Homem de Neanderthal – afiguravam-se aos cientistas da época nitidamente mais simiescos e culturalmente inferiores. Apesar da argumentação frágil, tal raciocínio apresentava forte apelo para aqueles que queriam – ou necessitavam – provar a inferioridade racial dos negros, por exemplo. Dessa forma, culturas diferentes passaram a representar estágios evolutivos diferentes, justificando o “monitoramento” e a “educação” à maneira como se fazia habitualmente com as crianças. Assim, as raças eram “inferiores” por comprovação científica da “raça superior” cuja superioridade se pautava por critérios de sua própria sociedade que se apresenta como tecnologicamente mais avançada, militarmente mais poderosa, mais rica e mais “bem sucedida25”. Ou seja, o conceito de “raça humana” não é científico, mas político. Por sua vez, o entendimento que as classes superiores da sociedade eram um tipo mais evoluído levava a uma endogamia e a um sentimento de ameaça pela mistura com ordens inferiores e, pior ainda, pelo rápido aumento desses inferiores. Não é de se admirar o horror da miscigenação e a crença quase universal entre os brancos que os mestiços herdavam as

piores características de seus pais. Infelizmente, tal crença não ficou restrita ao século XIX. Ou, dizendo de outra maneira, países tecnologicamente avançados do século XXI, encontram-se petrificados no preconceito do século XIX, como falarei mais à frente.

Entretanto, a ciência não conseguiu corroborar o racismo. Por um lado, a maneira tautológica que se atribui a Darwin de colocar a idéia da evolução – “sobrevivência do mais apto”, sendo a “aptidão” a prova da sobrevivência – não consegue provar a superioridade do

25 Hobsbawm (2001b) aponta que mesmo em Nietzsche, tão cético em relação às verdades dos meados do século

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homem em relação a qualquer outra espécie de organismo vivo, uma vez que todos, obviamente, sobreviveram. Por outro, no limiar do século XXI, pesquisas com marcadores genéticos, dentre elas os resultados relatados por Lewontin (2001, p. 43) demonstram que

entre dois indivíduos de um mesmo grupo étnico, há aproximadamente 85% de toda a variação genética humana identificada. Porém, a mesma genética do início do século XX se articulara de modo muito mais explícito à eugenia (séc XIX), programa de aplicação às pessoas de cruzamento seletivo comum na agricultura e pecuária (aquilo que Darwin denominou “seleção artificial”).

A possibilidade de realização um amplo programa de cruzamentos seletivos na espécie humana, preservando características desejáveis e eliminando aquelas consideradas, de alguma forma, danosas e, portanto, purificando “raças” se apresenta sedutora com relação às transformações sociais. Na análise de Santos (2002), os eugênicos mais radicais, que constituíam a vertente “mendeliana” do movimento, pregavam a eliminação ou a esterilização de indivíduos que maculavam a “raça”, sendo mais comuns na Europa e nos Estados Unidos da América. Por sua vez, os eugenistas neolamarckista, mais próprios da América Latina e França, acreditavam que as alterações desejáveis nas populações poderiam ser introduzidas por meio de modificações nas condições de educação e saúde. Dessa forma, observo que, por não possuírem a coloração adequada, ou por demonstrarem comportamento26 anti-social – ou seja, agressivo, criminoso, promiscuo – ou por professarem uma fé diferente, ou qualquer outro motivo considerado socialmente relevante, os menos “bons” precisavam passar por processos que garantisse à sociedade a adaptabilidade dos mesmos.

Por sua vez, uma das piores conseqüências do pensamento eugênico mendeliano, pelo menos a mais amplamente divulgada, foi a política racial nazista que, na sua “Solução Final”, previa a morte por inanição de judeus até que restassem alguns poucos que seriam subseqüentemente eliminados. No entanto, programas de esterilização em massa foram levados a cabo em nações tão distintas e civilizadas como a Suécia, Dinamarca, Noruega, Suíça, Estados Unidos. Na atualidade, Jacob (1998, p. 120) chama a atenção para as formas atuais de eugenia positiva27, por seleção, por esforço no sentido de ter filhos os mais satisfatórios possíveis.

26 Lewontin (2001) chama atenção para o fato de que, nos Estados Unidos da América, os tipos de

comportamentos mais comumente preservados entre gerações distintas, refere-se à preferência por partidos políticos e religião. Entretanto, ninguém postula a existência de um gene “liberal”, “republicano” (referindo-se a partidos políticos) ou “protestante” (religião).

27 Por “eugenia positiva” Jacob entende as ações que a sociedade implementa em relação à reprodução, como as

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No Brasil, Otávio Domingues (1929), professor de melhoramento animal da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, que mais tarde constituiria a Universidade de São Paulo, prescrevia, no seu livro Hereditariedade em face da Educação, uma série de medidas para impedir a reprodução dos que manifestassem mal hereditário, dominante ou recessivo. Os males “não manifestos” deveriam ser perseguidos com estratégias mais sofisticadas, que ele não chegava a nomear, mas que certamente incluíam a esterilização compulsória.

Já a Sociobiologia (séc. XX) tenta correlacionar vários aspectos comportamentais à constituição genética do indivíduo. Os casos mais notórios envolvem características consideradas como indesejáveis pela sociedade. Como exemplos são apresentados comportamentos humanos explicitando a tendência à violência, ao homossexualismo, ao alcoolismo, à dependência de drogas e à esquizofrenia. A controvérsia sobre a questão da inteligência humana, na verdade política, uma vez que apresentava implicações para a educação escolar seletiva e universal, suscitou polêmicas mais amplas que as da raça. Espermatozóides de prêmios Nobel têm sido utilizados em mulheres sadias (!) e o resultado esperado é uma horda de jovens prêmios Nobel. Depois de mais de trinta anos de experimento, os primeiros resultados estão decepcionando cientistas (e mães): filhos normais não se mostram candidatos a prêmio algum, apesar de todo o investimento eugênico. Inspirados nos experimentos de Morgan que apresentavam como objetivo a determinação cromossômica do sexo em Drosophyla no período de 1903-9, por que não tentar o contrário? Quem sabe, com a inversão do sexo – ou gênero – dos progenitores, melhor sucesso não seria alcançado...

Visivelmente, o indivíduo humano é formado tanto pela hereditariedade como pelo ambiente, pelos genes e pela cultura. No entanto, o velho debate “hereditariedade versus

ambiente” persiste até hoje. Os conservadores permanecem dispostos a aceitar uma sociedade de desigualdades irremovíveis, ou seja, geneticamente determinada. O pensamento de esquerda, comprometido com a igualdade, parece acreditar que todas as desigualdades podem ser eliminadas pela ação social; no fundo, são ambientalmente determinadas. Certamente, impõe-se ainda uma vez a reflexão de Gould (2003, p. 347) segundo o qual:

Referências

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