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ANTECIPAÇÕES REALISTAS EM ALENCAR

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Academic year: 2020

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Edição 26, volume 1, crítica literária, Julho/Setembro 2013

ANTECIPAÇÕES REALISTAS EM ALENCAR

*

PEDRO LYRA

Titular de Poética da Universidade Estadual do Norte Fluminense-UENF /Campos-RJ. Pós-Doutorado em Tradução Poética pela Sorbonne (2005).

1) A POLÍTICA COMO MOTIVAÇÃO

Em sua autobiografia intelectual Como e porque sou romancista, redigida em 1873 e só publicada postumamente em 1893, José de Alencar confessa: "O único homem novo e quase estranho que nasceu em mim com a virilidade, foi o político".1

Frustradas as suas ambições neste campo (que se recorde o veto imperial à sua candida-tura ao Senado), foi na literacandida-tura – de que também se desenganaria ao fim da vida – que ele encontrou o espaço aberto para a sua manifestação.2 Mas, no lugar de explorar diretamente esta revolta em sua obra, preferiu sublimá-la através de uma privilegiada fantasia, envolvido pelo clima literário da época.

Assim temos um Alencar tipicamente romântico: na organização geral da frase, na ide-alização dos tipos humanos e dos cenários mas, sobretudo, numa espécie de padronização do desenlace na maioria de suas intrigas, sutilmente construídas e conduzidas. É o caso de Se-nhora: o romance assumiria uma profunda dimensão crítica sem o idílio final dos

*

Este ensaio (que desenvolve idéias expostas no artigo “Alencar realista" (Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10/12/1977), incluído em O real no poético (Rio de Janeiro, Cátedra/INL, 1980), é a redação de uma conferência proferida na Faculdade de Letras da UFRJ em 1979, num simpósio comemorativo do sesquicentenário do nasci-mento de Alencar, e repetida na Faculdade Notre-Dame, também do Rio, na mesma época. Publicado depois na Revista Convivência nº 6 (PEN Clube do Brasil, Rio de Janeiro, dezembro, 1982) e, apenas com o trecho refe-rente à língua, nos anais do “Colloque International Université Rennes 2 – Lusophonie/Losographie” (Départa-ment de Portugais, 1994) e, na íntegra, em O real no poético-II (Rio de Janeiro, Cátedra/INL, 1986). Revisto, na forma definitiva.

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Página 206 de 220 nistas. Esta fantasia se liberta praticamente de todas as limitações nos romances indianistas: por isso mesmo, são os menos verossímeis, em contraste com a acentuada intenção realis-ta/nacional que os inspirou. É o caso de Iracema: concebido como um canto às origens da nação, acabou se configurando como um canto ao triunfo do colonizador. Contudo, nos ro-mances urbanos, regionais e históricos, aparece com vigor o observador e crítico dos costu-mes de um povo: seja na descrição do padrão de vida (O Tronco do Ipê, A Pata da Gazela), seja na caracterização psicológica de determinados tipos (a série dos Perfis de Mulher , seja no registro e questionamento de fatos ligados à evolução do país (As Minas de Prata, Guer-ra dos Mascates). Acrescente-se a estes tGuer-raços a conotação realista do conjunto das proposi-ções teóricas de Alencar, nas quais ele batalha por uma linguagem brasileira, um temário brasileiro, um homem brasileiro e até mesmo um gênero que, não sendo originariamente brasileiro, fosse novo no Brasil – e, com esta intenção, definiu e popularizou entre nós (a par de suas soluções linguísticas e temáticas, estilísticas e ideológicas) a espécie romance. E foi isso que lhe permitiu antecipar entre nós a literatura como uma prática profissional.

Deve ser buscado no pano de fundo desta dicotomia a razão para a divergência: no clima de liberdade das selvas virgens, o romancista (exaltado pela visão de uma natureza fe-cunda e inexplorada) produz obra ultra-romântica – é O Guarany; no clima de agitação das cidades, o romancista (revoltado contra um mundo que ele mesmo se antecipou a denunciar como corrupto) produz obra de investigação social – é Lucíola. Não se veja nisto uma fór-mula mecanicista, mas o próprio Alencar – num misto de constatação realista e evasão ro-mântica – recomendou: "Se não quereis ficar doido, abandonai a cidade".3

E, numa crítica tão lúcida que poderia, com mais propriedade, ser aplicada ao nosso tempo, observou:4

Dantes os homens tinham as suas ações na alma e no coração; agora, têm-nas na bolsa ou na carteira. Por isso naquele tempo se premiavam, ao passo que atualmente se compram.

Outrora eram escritas em feitos brilhantes nas páginas da história, ou da crônica gloriosa de um país; hoje são escritas num pedaço de papel dado por uma comissão de cinco membros.

Aquelas ações do tempo antigo eram avaliadas pela consciência, espécie de cadi-nho que já caiu em desuso; as de hoje são cotadas na praça e apreciadas conforme o juro e interesse que prometem.

2 "Já estava eu meio descrido das coisas, e mais dos homens; e por 1&,o buscava na literatura diversão à tristeza

que me infundia o estado da pátria entorpecida pela Indiferença" – dizia Alencar em 1865, no posfácio de

Irace-ma. ln: Obra completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1965, v.3. p.252.

3 Ao correr da pena. São Paulo, Melhoramentos, s/d., p.267. 4

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Página 207 de 220 É toda a estrutura do nascente capitalismo brasileiro que se apresenta nestas palavras tão amargas quanto objetivas: desde o individualismo da especulação econômica, em que nada interessa além do lucro – passando pela anulação dos valores morais no modo burguês de vida – até o jogo semântico com a palavra "ações", em que o comportamento humano é amesqui-nhado ao nível de mercadoria financeira. Não admira, pois, que quem com tão ferino sarcas-mo captou esta realidade fugisse dela para se reencontrar à sombra encantada das palmeiras de sua terra natal. E Alencar só não plenificou a transição Romantismo-Realismo porque não logrou assumir literariamente esta revolta: preferiu sublimá-Ia em ficção, escondendo-se num pseudônimo, como em Sonhos d'ouro.

2) DE ESTILOS E ATITUDES

Mas onde estariam, objetivamente, as antecipações realistas de Alencar? Isso não seria uma afirmação gratuita, mero fruto de um desejo de descobrir novidades? Ou, quem sabe, de simples projeções pessoais do expositor? Ou, pior ainda, do desejo de promover um mito de sua terra?

Sabe-se que Realismo e Romantismo devem ser vistos numa dupla Perspectiva: como estética literária e como atitude humana. São os dois estilos literários radicais, porque – antes de estilos literários – representam atitudes humanas radicais e opostas. Existe um estilo ro-mântico e um realista, como existe um estilo clássico, um estilo parnasiano, um estilo simbo-lista, etc. Mas, existe também o homem romântico e o homem reasimbo-lista, e não existe o homem clássico, o homem parnasiano, o homem simbolista. Estas últimas são convenções literárias, e apenas convenções; enquanto que romantismo e realismo são, antes disso, traços (imanentes ou adquiridos) do próprio temperamento humano. Como práticas literárias, são respostas esté-ticas de um momento histórico a estados de espírito universais. Se aquelas são datadas e só datadas, estes são datados, como movimentos estéticos, mas atemporais, como estados de es-pírito. Por isso mesmo – por consistirem numa transposição para a arte de modos de viver e de ser – é que constituem as duas práticas estéticas polares: depois delas, todas as práticas literá-rias pagam tributo a um dos dois estilos. Exatamente por isso é possível encontrar traços ro-mânticos/realistas em qualquer grande obra literária, porque representam exteriorizações do espírito humano em qualquer tempo/espaço – o que não ocorre com os demais estilos. Não

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Página 208 de 220 encontramos traços clássicos, parnasianos, simbolistas em qualquer obra, por isso mesmo que não ultrapassaram seu momento histórico. Quando se manifestam fora desse espaço, trazem uma indisfarçável marca de anacronismo.

A estética literária está de acordo quanto aos principais traços caracterizadores do estilo realista, como sejam: a procura objetiva da verdade, a caracterização rigorosa dos persona-gens, a observação impessoal dos fatos sociais, a preferência pelos aspectos da vida contem-porânea, a observação de detalhes específicos, o movimento progressivo da narrativa, o cui-dado na elaboração formal, a inclinação à crítica das injustiças sociais (e outras, menores ou menos freqüentes.5

3) O REALISMO DE ALENCAR

Muito bem, poderia indagar o auditório: que há de comum entre isso e Alencar? Ou por outra: é possível encontrar isso no romance de Alencar? Quando não fosse uma deliberada ou instintiva aproximação realista, poderíamos responder que sim por aquela presença radical da atitude realista em qualquer grande obra literária – inclusive as românticas.

Alencar estréia na ficção em 1856, com os folhetins de O Guarany e morre em 1877: portanto, 22 anos de produção, nos meados de Oitocentos. Por essa época, a Europa já havia superado o Romantismo: exatamente no ano de estréia de Alencar, inaugurava-se a literatura realista com os dois grandes livros situados na origem da prosa e da poesia modernas: Mada-me Bovary (1856) e As Flores do Mal (1857). Dois anos depois, Darwin (A origem das Espé-cies (1859) liquidaria a visão romântica da liberdade como instância de decisão soberana do comportamento: o conflito entre classes na sociedade, definido por Marx 11 anos antes (Mani-festo do Partido Comunista, 1848) é radicalizado para conflito entre espécies na luta pela so-brevivência, o que destrói a ilusão de convivência pacífica num espaço habitado por contrá-rios. Quer dizer: durante a época de produção de Alencar, o influxo que nos vinha da Europa já não era romântico.

Alencar não programou nenhuma daquelas características realistas – que, no seu tempo, não eram tão óbvias assim. Mas, de acordo com as últimas orientações da teoria literária, po-deremos apontar antecipações realistas em sua obra, tanto na área instrumental da expressão quanto na área substancial dos conteúdos.

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Página 209 de 220 3.1) NA ÁREA DA EXPRESSÃO

Na área da expressão, o traço mais evidente e mais definitivo está na questão da língua – e encarada tanto nacionalmente, como instrumento de definição cultural de um povo, quanto pessoalmente, como matéria de elaboração de estilo. Sob o primeiro aspecto, Alencar é o mar-co inicial da mar-controversa questão da "língua brasileira". Disse ele:

Se a transformação por que o Português está passando no Brasil importa uma de-cadência, como pretende o Sr. Pinheiro Chagas, ou se importa, como eu penso. uma elaboração para a sua florescência, questão é que o futuro decidirá (...). Sempre direi que seria uma aberração de todas as leis morais que a pujante civilização brasileira, com todos os elementos de força e grandeza, não aperfeiçoasse o instrumento das idéias, a língua.6

Ora, o nacionalismo dos românticos foi um nacionalismo ingênuo, sem maior consistên-cia ideológica, identificado com os aspectos lendários do país. Alencar quer uma língua brasi-leira para urna mais autêntica expressão de nossa nacionalidade – e, por isso, sofrerá a oposi-ção dos portugueses. Se bem que o Romantismo haja nacionalizado os idiomas em alguns países, conferindo às línguas um cunho mais popular, a luta teórica por uma língua nacional não chegou a constituir um problema para os românticos brasileiros, que mal tocariam no as-sunto. Nem mesmo um Gonçalves Dias: aliás, quando foi acusado de ignorar a gramática lusa, ele respondeu não com uma escritura brasileira, mas com um português medieval, com a de-clarada intenção de "estreitar ainda mais, se for possível, as duas literaturas". 7

No plano pessoal, a escritura de Alencar é de longe a mais trabalhada de nossos ro-mânticos. Obteríamos uma visão bem nítida de seu labor estilístico confrontando o compor-tamento de um romântico e um realista. O romântico típico é o abandonado ao fluxo da cria-ção: seduzido pela mística do gênio, não deixava tempo para a reflexão demorada nem para a emenda. Ou seja: confiando mais na inspiração que na meditação, abandonava-se ao im-pulso criador e pouco retornava ao texto. Seria uma espécie de traição ao divino momento da poesia. Numa passagem famosa, Álvares de Azevedo escreveu:

Frouxo o verso talvez, pálida a rima Por estes meus delírios cambaleia,

5 Cf. COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro, São José, 1966. p.186.

6

Pós-escrito à 2ª edição de Iracema. Loc. cit., p.261.

7 DIAS, A. Gonçalves. Sextilhas do Frei Antão, 2ª parte dos Segundos cantos. ln: BANDEIRA, Manuel, org.

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Porém odeio o pó que deixa a lima E o tedioso emendar que gela a veia Quanto a mim é o fogo quem a anima De uma estátua o calor: quando formei-a Se a estátua não saiu como pretendo, Quebro-a – mas nunca seu metal emendo.8

Um realista se comporta exatamente ao contrário. Sobre Flaubert, escreveu Roland Barthes:

Muito antes de Flaubert, o escritor já sentira – e expressara – o duro trabalho do estilo, o cansaço das incessantes correções, a triste necessidade de horários desmedidos para alcançar um rendimento ínfimo. Em Flaubert, entretanto, a dimensão deste labor é inteiramente diferente; para ele o trabalho de estilo é um tormento indizível, quase expia-tório, para o qual não reconhece nenhuma compensação de ordem mágica (isto é, aleató-ria), como podia constituir para muitos escritores o sentimento da inspiração.9

E Alencar? A sua prosa poética deu a todos – e dá, numa leitura superficial – a ilusão de uma escrita espontânea, ditada por um fluxo romântico inspiracional, à moda de Álvares, e nunca fruto de um trabalho artesanal, à moda de Flaubert. No entanto, pesquisas recentes já destruíram essa ilusão: a frase de Alencar – como demonstram os seus manuscritos, rabisca-dos com até três emendas num mesmo sintagma – é uma frase trabalhada, pensada, sangrada mesmo em alguns casos.10 Fábio Freixieiro, no seu Alencar – Os bastidores e a posteridade, documentou o processo alencarino de composição. Um só exemplo: o quarto período do fo-lhetim apenas iniciado O Rio de Janeiro teve esta redação inicial:

Essa idéia de imaginar por meio da tradição a natureza primitiva desta majes-tosa Bahia (...) me sorria outrora com um encanto que não lhe pude resistir.

Uma primeira emenda produziu a segunda versão: "Essa idéia de criar por meio da tradição. 'Por fim, uma segunda emenda produziu a versão definitiva: "Essa idéia de revi-ver..." 11 Isso não é comportamento de romântico típico, mas de perfeccionista – ainda que esse perfeccionismo visasse a um efeito romântico.

8 AZEVEDO, Álvares de. O poema do Frade. 2.ed. Lisboa, A Editora, [s/d.). Claro que esta declaração, em

verso, não pode ser tomada ao pé da letra.

9

BARTHES, Roland. Flaubert e a frase. In: Novos ensaios críticos/ O grau zero da escritura. São Paulo, Cultrix, 1974. p.68.

10 No já citado Pós-escrito a Iracema, Alencar proclama: "Entretanto, poucos darão mais, se não tanta

importân-cia à forma do que eu”. Loc. cit., p.259. A estrutura sintática desta frase já constitui uma provocação.

11 Cf. FREIXIEIRO, Fábio. Alencar – Os bastidores e a posteridade. Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional,

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Página 211 de 220 Trabalhando com os manuscritos de Alencar, escreveu Freixieiro:

Tudo isso, com a peculiaridade da emendas, numerosíssimas, de Alencar, as quais se consubstanciaram num verdadeiro vaivém, numa tremenda angústia de reali-zação literária, esquemas de trabalho às vezes, desenhos geométricos ou quase isso como divisões de partes, títulos riscados e substituídos, trechos em branco ou em sus-penso, etc.12

Noutro ponto:

Na prática pelos mais antigos escritos alencarinos, de produção em regra ficcional, mas também folhetinesca, se vê ou se pressente cuidadosamente o esforço artesanal do escritor. Esforço consciente e sofrido. Aqui nada vale o estereótipo de que o autor ro-mântico é fluente, natural, "currente calamo", preterindo sempre e postergando a faina racionalista da composição de sua obra, em qualquer plano.13

Essa "faina racionalista" na construção da frase está bem clara no problema, somente hoje equacionado, da relação autor/texto: a estética alencarina propõe e concretiza o domínio do narrador sobre a narrativa, atitude realista, invertida pela estética subjetivista em domínio da narrativa sobre o narrador, atitude que prefiro chamar de irracional e não romântica. Diri-gindo-se a Sinhá, fala sua amiga Clarinha, personagem do romance inacabado Flor de Amor:

Estou fazendo um romance. Repara bem que eu não digo – escrevendo um roman-ce. Isso nada tinha de admirável.

Escrever um romance é a coisa mais fácil do mundo. Não te rias! ... Quando corto os moldes de meus vestidos, às vezes lembro-me que se eu quisesse, podia com o mesmo trabalho publicar um livro. Quantos não andam por aí, feitos à tesoura?

Fazer um romance é outra coisa. É dirigir para um fim personagens reais, criar ne-las o sentimento que as deve dominar, e preparar o desenlace de uma ação que é a exis-tência mesma, e não uma ficção do espírito.

É isto que estou fazendo: e assim que vou compondo o meu romance.14

E como se escrever fosse um abandono às forças cegas do espírito ou uma simples ob-servância de moldes escolásticos, dando como resultado um texto aleatório ou uma simples reprodução dos padrões vigentes, e o romance seria como um vestido feito em cima de um molde – uma cópia do real, sem nenhuma intervenção criadora do autor. Mas fazer um ro-mance constitui uma prática absolutamente consciente, pressupondo uma lucidez que assegure o domínio do criador durante todo o processo de criação. No lugar de registrar

12 Ibidem, p.XVII. 13 Ibidem, p.2.

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Página 212 de 220 mente as reações das personagens, nascendo de geração espontânea, criar a personagem – e personagens “reais” – dando como resultado um texto que não é uma simples "ficção do espí-rito" mas "a existência mesma", isto é: não uma cópia, mas uma reprodução do real, de que adiante falaremos.

Aliás – mencionemos de passagem – esses fragmentos do início da carreira de Alencar nos revelam um escritor profundamente irônico e crítico, num estilo que lembra e antecipa Machado de Assis, muito particularmente em Um desejo (já assinado por Sênio) e que é uma especulação de intenções antropológicas. Essa ironia, que se assume como sarcasmo na critica à sociedade, é um dos dados mais evidentes e eficientes do estilo de Alencar, e não tem sido encarada em profundidade. Ela está também no seu teatro, como em As asas de um Anjo, em passagens de puro sarcasmo: "Que te importa o meu nome? Não tenho dinheiro!".15 Outra: "O

trabalhador não deve criar a sua filha para os moços da moda?".16 Ou então, na fala de Caroli-na decaída e revoltada:

Uns profanam sua inteligência, vendem a sua probidade, e fazem um mercado mais vil e mais infame do que o nosso, porque não têm nem o amor nem a necessidade por desculpa; porque calculam friamente.17

Ou em Mãe, numa proposição repetida ainda hoje: "Definamos a situação, como dizem os estadistas quando a querem embrulhar".18

Rematemos estas observações sobre a linguagem de Alencar com a conclusão de que o seu trabalho artesanal é o oposto da fluência romântica. Se, na leitura, estamos em contato com uma expressão fluente, isso só prova que o seu processo de emenda foi sempre, invaria-velmente, positivo: só emendava para melhor, como que antecipando e realizando o teorema de outro atormentado da forma, Olavo Bilac: "Mas que na forma se disfarce o suplício do mestre".19 A base do seu comportamento linguístico está toda justamente em seu texto inicial – as Cartas sobre "A Confederação dos Tamoios" (1856). Segundo Fábio Freixieiro, Alencar condena no romantismo frio de Gonçalves de Magalhães todos aqueles traços que podiam ser relevados em nome da liberdade de expressão da estética romântica. Mas Alencar externa um "perfeito racionalismo Iinguístico", condenando em Magalhães todos os seus "desleixos",

14

ALENCAR, J. de. In: FREIXIEIRO, F. Textos Alencarinos, anexo à op. cit., p.161.

15 As asas de um anjo. In: Obra completa. Ed. cit., p.241. 16 Ibidem.

17

Ibidem, p.259.

18 Mãe. ln: Obra completa. Ed. cit., p.343.

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Página 213 de 220 mo sejam: impertinências sintagmáticas sem função metafórica, tipo “O índio desliza a vida"; incoerências tipo "De novo estanques, / Lágrimas brotam"; contaminações sintáticas, tipo "deixando boquiaberta o vulgo ignaro" – e uma série de outros comportamentos que poderiam ser creditados ao registro literário. Mas Alencar não perdoa. E, em seu próprio texto, não en-contramos construções como as condenadas em Magalhães, se bem que encontremos algumas de outros tipos, que ele estava sempre polemicamente disposto a defender (vide os posfácios de Iracema, Ubirajara e Diva e o prefácio de Sonhos d'ouro) – como a surpreendente e ante-cipadora construção modernizante "Encontrei ela na escada...", da escrava-mãe Joana.20

3.2) A OBRA NA HISTÓRIA

Na área substancial dos conteúdos, as antecipações realistas de Alencar são mais eviden-tes. Temos que começar pelas fontes: Alencar constantemente se volta para fontes históricas, reais. Dir-se-á que quem era atraído pelo passado era o romântico. Acrescento: como passado. Alencar se volta para o passado como origem. O romântico sonha o passado como fuga ao presente; Alencar o pesquisa como ponto de partida para o futuro – caso dos romances india-nistas. Disse ele:

O gênio, por isso mesmo que paira em uma esfera superior, pode atravessar uma época sem que ela o compreenda, nem mesmo o conheça; mas adiante está a posterida-de que o vinga. Ora, se em vez posterida-de avançar para o futuro, ele retrair-se ao passado, quem o há de ler e apreciar? Os túmulos das gerações transidas? Eis por que o gênio pode cri-ar uma língua, uma cri-arte, mas não pode fazê-la retroceder.21

Já está aceita a tese de que os três romances indianistas de Alencar representam as três fases históricas da civilização brasileira: Ubirajara, o mundo indígena antes do contato com o branco; Iracema, o encontro do nativo com o colonizador europeu; O Guarany, o convívio entre as duas raças. Ao dividir a literatura brasileira em três fases, o próprio Alencar relacio-nou sua obra com o que chamou "período orgânico" de nossa literatura:

A primeira, que se pode chamar aborígene, são as lendas e mitos da terra selva-gem e conquistada. Iracema pertence a essa literatura primitiva (...).

O segundo período é histórico: representa o consórcio do povo invasor com a terra americana (... ). / A ele pertencem O Guarany e As Minas de Prata.22

20 Ed. cit., p.296.

21 Posfácio a Diva. Loc. cit., v. 1, p.560.

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Página 214 de 220 No que chamou de última fase, Alencar prenuncia o Modernismo, com um saudável e heróico nacionalismo anti-imperialista, ao escrever, com grande vigor e intuição:

A terceira fase, a infância de nossa literatura, começada com a independência política, ainda não terminou; espera escritores que lhe dêem os últimos traços e for-mem o verdadeiro gosto nacional, fazendo calar as pretensões hoje tão acesas, de nos recolonizarem pela alma e pelo coração, já que não o podem pelo braço.23 Como se trata de uma época futura, a ela não pertencem nem poderiam pertencer os textos indianistas.24 Ora, este é um projeto racional demais, para ser concebido e executado por um romântico ortodoxo. O indianismo de Alencar é romântico na idealização do selva-gem, mas a precisão na descrição do detalhe das selvas e de alguns dos costumes indígenas é obra de observador. Aliás, a propósito de Ubirajara, Araripe Júnior observa que "os seus es-tudos progrediam, e que o seu espírito penetrara alguma coisa pela antropologia selvagem".25

3.3) NA ÁREA DA SUBSTÂNCIA

Mas a temática básica de Alencar é a de todo romântico – o amor. Na maioria, porém, o amor é encarado sob dois prismas dominantes, ambos negativos: a saudade e/ou a esperança, no passado e/ou no futuro; a recordação e/ou o desejo. Muito pouco a realidade, o encontro, o presente. Mesmo em Castro Alves. E um Gonçalves Dias, quando aborda a mulher amada, é para idealizar amores perfeitos (“Como eu te amo”)26 ou para lamentar o passado perdido (“Ainda uma vez, adeus!”.27 Para celebrar o encontro, não.28

23 Ibidem.

24 Nesta última fase Alencar inclui O tronco do ipê, Til e O gaúcho.

25 ARARIPE JUNIOR, in: AI,,ENCAR, J. de. Obra completa. Ed. cit., v.3. p.268. 26

DIAS, A. Gonçalves. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1959. v.1. p.400:

Amou-me como se ama a luz querida, Como se ama o silêncio, os sons, os céus, Qual se amam cores e perfume e vida, Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!

27

Ibidem, p.272:

Pensar eu que o teu destino Ligado ao meu, outro fora; Pensar que te vejo agora Por minha culpa, infeliz; Pensar que a tua ventura Deus ab eterno a fizera, No meu caminho a pusera... E eu ! eu fui que a não quis!

28

Um dos mais expressivos momentos do lirismo erótico de Gonçalves Dias seria o encontro de Jatir com a índia sem nome no "Leito de folhas verdes": é Jatir quem não comparece. Última estrofe (Ibidem, p.358):

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Página 215 de 220 Pois bem: Alencar submete o amor a uma investigação que é – contrariando a todos os viúvos de Dona Paula de Almeida29 – profundamente psicológica, como na confrontação com a sociedade da época, do projeto realista.

Vamos deter-nos em dois textos, que parecem já haver vencido a prova do tempo: Lucí-ola e Senhora. Dois romances tendo o amor como motivação central.

Em Senhora, antes do drama de uma mulher traída e de um homem vendido, o que te-mos é a realidade nua e crua de uma sociedade fundada sobre o dinheiro e corrompida por esse mesmo dinheiro. Esses aspectos mesquinhos e degradantes geralmente passam ao largo da ficção puramente romântica. E Alencar mostra, com todo o poder de seu vigor descritivo, a revolta que se estabelece no confronto de quadros de opulência com quadros de privação. A mente dos dois esposos é o campo de um conflito psicológico profundo, tendo o orgulho co-mo espaço comum: em Aurélia, o desejo e a impossibilidade de perdoar o homem que a traiu; em Fernando, o desejo e a impossibilidade de amar a mulher que o humilhou. No entanto, na palavra em que se agridem, ambos fazem passar o signo da intenção de que desejam perdoar-se. Mas o ultra-romantismo de um projeto de felicidade que só admite a perfeição impede a realização desse/s desejo/s. Porque o perdão esbarra num absoluto: apagar o passado. Ou me-lhor, isto é, ou pior: não ter vivido esse passado. O quadro é plenamente romântico, mas não seria executado por qualquer romântico. Os diálogos dos esposos constituem penetrações no espírito dos personagens, através dos quais se desenha o perfil de um caráter. Depois da pro-vação de alguns anos de convivência – com ambos já suficientemente purgados e vingados – Fernando consegue reaver a importância para o seu resgate. Como ainda se amam, nenhum dos dois quer a separação. O leitor de hoje (particularmente a leitora) talvez exigisse essa se-paração e reside justamente nesse ponto a intervenção romantizante do autor. O idílio final dos personagens (tipicamente romântico) parece estabelecer um princípio de contradição com toda a lógica da narrativa. O romance assumiria uma dimensão crítica – e trágica – sem esse idílio final. Mas o próprio narrador poderia argumentar que o idílio é o prêmio que ambos mereceram por haverem purgado os erros no conflito do convívio – argumento romântico.

A voz do meu amor, que em vão te chama! Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil A brisa da manhã sacuda as folhas!

Exemplo ainda mais expressivo do que este é fornecido pelo belo poemeto dramático “Anália”: o herói sem nome se sujeita à dura prova de escalar uma alta e áspera montanha (simbolizando as dificuldades da conquista amorosa), com a amada nos braços para, se vencer todos os obstáculos, recebê-la em união. Ele consegue chegar ao topo (símbolo da conquista) – e tomba morto (Ibidem, p.575).

29 Ver a resposta assinada por Elisa do Vale defendendo o romance Senhora das acusações publicadas por uma

(12)

Página 216 de 220 Mas o romance é uma verdadeira análise de duas personalidades: a vaidade punida pela ambi-ção, o orgulho punido pela vingança. No final, a esperança salva pelo amor.

Em Lucíola, é a corrupção moral e material que conduz a narrativa. Maria da Glória vende a virgindade para salvar a família: é expulsa pelo pai e colhida por uma cortesã. Prosti-tui-se – mas conserva, no meio da orgia, toda a sua pureza de espírito. O conflito aqui é mais violento e, por isso, mais profundo. Quando Paulo a encontra, imagina-a romanticamente ide-al -- e passa também ele a viver um drama: amar uma mulher pelo que julga que ela é ou po-deria ser, e desprezá-la pelo que ela foi ou é. Como em Senhora, temos o conflito externo en-tre o dinheiro e a ambição, e o conflito interno enen-tre o desejo e a recusa simultâneos do mes-mo objeto. No fundo, trata-se de um drama psicológico economicamente condicionado: Glória não se teria prostituído, se a sua sociedade não tivesse institucionalizado o tabu e pudesse lhe proporcionar a sobrevivência de outra forma. Ela sofre, entre a necessidade de sobrevivência e a repugnância pela única atividade que seu meio lhe permite praticar para sobreviver. A luta já agora de Lúcia para recuperar-se é que constitui todo um estudo de caráter – o que retira este romance da órbita puramente romântica: não se trata de obra de simples intuição, mas de ob-servação da realidade. O objetivo do autor não é o de apresentar um herói, mas uma situação humana cotidiana, desidealizada, concreta. Como em Senhora, o final é ainda romantizado: Lúcia se regenera, é certo, mas ao preço da própria vida. Esse desfecho trágico, no entanto, confere à narrativa uma carga de realismo que não teria, caso Glória pudesse ter apagado o seu passado e caso Paulo pudesse ter aceito Glória com esse passado.

De passagem – e só o mencionarei porque o considero injustiçado pela crítica30 – men-ciono Diva, onde também se apresenta um drama psicológico de intensidade não encontrável em outros textos de Alencar. O motivo do trauma de Emília é banal – mas, desde que foi su-ficiente para gerar um trauma, deixou de sei banal. E o que interessa, no caso, é a exploração literária desse trauma, não o motivo "real". Criança desengonçada, Emília tem o peito aus-cultado por um médico e passa a odiá-lo. Moça bonita, apaixona-se por um companheiro de salão – e depois descobre que se trata do mesmo médico. A partir daí ela passa a amar e odi-ar a mesma pessoa. Até ser vencida, os dois sofrerão um conflito prolongado entre o orgulho e o desejo, através do qual também se traça o perfil de um caráter.

30

Algo dogmaticarnente, afirma Antônio cândido: "Diva, de 63, pouco ou nada vale”. In: Formação da

(13)

Página 217 de 220 3.4) NO TEATRO

Mas a obra alencarina que mais se presta para uma aproximação realista é a peça As asas de um Anjo (1858), segundo o próprio autor escrita a partir da leitura de algumas das "principais obras dramáticas (entre elas, A Dama das Camélias) filhas da chamada escola rea-lista",31 na qual ele se empenhou em apresentar "a realidade da vida"32 ao espectador. É o me-lhor texto para essa aproximação por dois motivos: 1) a própria natureza fática do teatro; 2) a reação estúpida da censura.

A peça é muito simples: seduzida pelas promessas de uma vida de luxo, Carolina deixa a família e o amor do primo Luís e cai numa vida devassa. Troca Ribeiro, que lhe dá uma fi-lha, por Pinheiro, e depois é usada e desprezada por todos. Feia e doente, pobre e vefi-lha, é re-colhida por Luís, que casa com ela sem mais amor, para regenerá-la. Pois bem: isso foi o sufi-ciente para que a polícia retirasse de cartaz ao terceiro dia de exibição a peça do futuro minis-tro conservador. O argumento dos censores alude aos "exageros da escola realista",33 mas o texto alencarino, além da expressa finalidade moral – em que o vício é exposto para ser puni-do34 – não apresenta nenhuma cena que pudesse "fazer corar" as donzelas e madames do Im-pério.35 Alencar se defende, com um argumento de hoje:

O espectador encontra a realidade diante de seus olhos, e espanta-se sem razão de ver no teatro, sobre a cena, o que vê todos os dias à luz do sol, no meio da rua, nos passeios e espetáculos.36

E isso, conclui ele, “em uma cidade onde todos os horrores da escola romântica e todas as verdades do que chamam escola realista, têm sido exibidas... ".37 Talvez mais que a de-vassidão de Carolina, a censura quisesse esconder o desprendimento de Luís ao redimi-la – como se alegando que a graça do perdão legitima a prática do vício.

31

ALENCAR, J. de. Artigo sobro a proibição da peça As asas de um anjo. ln: Teatro completo. Rio de Janeiro, Serviço Nacional de Teatro, 1977. v.1. p.255.

32 Ibidem. 33

Cf. SOUZA, J. Galante de. O teatro no Brasil. Rio de janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1960. p.314.

34 Alencar indaga: "Será imoral uma obra que mostra o vício castigado pelo próprio vício?”. E conclui: “Não há

aí uma só personagem que não represente uma Idéia social, que não tenha uma missão moralizadora”. Ibidem.

35

Alencar comenta as duas cenas provocadoras da censura: a penúltima do prólogo (em que Ribeiro seduz Caro-lina) e a última do 4º ato (em que o pai, embriagado, reconhece a filha, prostituída. E Indaga: “Que há de imoral na primeira das duas cenas? A sedução? Uma sedução de palavras, onde não aparece nenhuma carícia de amor, nenhum movimento desonesto?". Quanto à outra: "É a mais moral da minha comédia; é talvez a única que tenha bastante força para fazer estremecer uma alma gasta e insensível às emoções". E investe: "Quanto ao estilo, desa-fio a quem quer que seja que me apresente uma palavra que não possa ser pronunciada pelos lábios os mais pu-ros, escutada pelos ouvidos os mais castos”.

36 Ibidem, p.254. 37 Ibidem, p.260.

(14)

Página 218 de 220 Comentando a obra teatral de Alencar, Machado de Assis escreveu:

Apareceram então os dramas do Sr. J. de Alencar, que ocupou o primeiro lugar na nossa escola realista e cujas obras Demônio familiar e Mãe são de notável merecimen-to.38

E o próprio Alencar, com o desassombro de suas posições polêmicas, argumentou:

O muito que tinha a dizer e criticar sobre a minha obra e as censuras de que fui al-vo, deixo-o pois à reflexão dos homens esclarecidos; bem como deixo aos metodistas da literatura e da arte a sua classificação de escola realista.39

4) A ESSÊNCIA DO REALISMO

Claro que, por realista – tanto na expressão de Machado quanto na de Alencar e até mesmo na dos censores – devemos entender apenas aproximação com o real, e não esti-lo/escola literária. Ou seja: realismo ao plano do conteúdo, não no plano da expressão. Mas realismo. Alencar explícita – e investe conscientemente contra o classicismo e o próprio ro-mantismo:

A realidade, ou melhor, a naturalidade, a reprodução da natureza e da vida social no romance e na comédia, não a considero urna escola ou um sistema; mas o único ele-mento da literatura: a sua alma. O servilismo do espírito eivado pela imitação clássica ou estrangeira, e os delírios da imaginação tomada pelo louco desejo de inovar, são aberra-ções passageiras; desvairada um momento, a natureza volta, trazida pela força irresisti-vel, ao belo, que é a verdade.40

Este parágrafo é muito rico. Ele afirma que:

1) o conteúdo da literatura é "a reprodução da natureza e da vida social";

2) reprodução não é cópia. mas re-produção, produção segunda, portanto criação – bem mais claro se percebermos que a "reprodução" alencarina se opõe tanto à "imitação" (classicismo) quanto à imaginação" (romantismo);

3) o realismo da reprodução não é uma simples escola literária mas uma atitude humana intrínseca, como vimos antes – uma resposta literária do homem em face das provocações da natureza e da sociedade;

38 ASSIS, Machado de. Instinto de nacionalidade: notícia da atual literatura brasileira. In: Obra completa. Rio de

Janeiro. Agullar, 1962, v.3. p.808.

39

ALENCAR, J. de. Advertência e prólogo da 1a edição de As asas de um anjo. In. Teatro completo. Ed. cit., p.251, Grifo do autor.

(15)

Página 219 de 220 4) o classicismo e o romantismo são desqualificados literariamente em face do rea-lismo, um por meramente imitativo, outro por demasiadamente imaginoso;

5) o próprio romantismo ("delírio", "aberrações", "desvairada") é descaracterizado como atitude humana profunda e normal, deixando apenas o realismo como postura ade-quada do homem;

6) o beIo desejável para a literatura não é o belo romântico, que é o da emoção, mas o belo realista, que é o da verdade.

Em suma: classicisimitação; romantisfantasia; realiscrítica. A estética mo-derna bem poderia concordar.

Essa posição radical que Alencar assumira diante da censura é reforçada diante da críti-ca à mesma peça, em que toma explicitamente o partido de uma práticríti-ca poéticríti-ca realista:

Censurem pois As Asas de um anjo porque lhes falte uma ou outra dessas condi-ções; porque ou os reflexos ou as refrações das cenas sejam imperfeitas. Mas não censu-rem nela a tendência da literatura moderna apelidando-a de realismo.41

Como se vê, Alencar percebia no realismo "a tendência da literatura moderna", e não o queria como um "apelido", para não reduzi-lo a uma simples "escola" ou um "sistema", já que ele constitui "o único elemento da literatura: a sua alma".

5) COMO CONCLUSÃO

Se for preciso concluir, direi que é claro que não pretendo transformar Alencar em rea-lista, como se romântico fosse uma depreciação: não é preciso nem seria possível. Quis ape-nas mostrar que ele não é aquele romancista bitolado, aquele romancista "água-com-açúcar" que uma Escola Média dona de verdades imutáveis e avessa à discussão vem apresentando na superficialidade com que encara o ensino da literatura neste país, considerada como simples matéria de "ilustração". Alencar morreu relativamente jovem (48 anos). Podia ter vivido o dobro do que viveu – e talvez nunca viesse a ser um grande realista, assim como Camilo tam-bém não foi. Se Camilo não evitou o confronto e a "derrota" para Eça de Queirós, quem sabe a morte prematura de Alencar não o tenha poupado de um confronto com Machado de Assis? No plano político, poupou o monarquista conservador dos choques da Abolição e da Repúbli-ca.

(16)

Página 220 de 220 O certo é que Alencar foi um escritor em permanente processo de evolução, bastante criativo para definir um gênero (o romance urbano) e um estilo (o romantismo crítico), e ser bastante grande para apontar no caminho da ultrapassagem desse estilo e desse gênero – coisa que só está ao alcance daqueles escritores que, de tão grandes, não cabem dentro de uma "es-cola".

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