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ISLÃ - RELIGIÃO E CIVILIZAÇÃO: UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA

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Academic year: 2021

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PINTO, P. G. Hilu da Rocha. Islã. Religião e Civilização: uma abordagem

antropoló-gica. Aparecida: Santuário, 2010. 232pp.

A

obra escrita por Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto - Islã: Religião e Civilização:

uma abordagem antropológica - exprime as ideias fulcrais sobre essa religião

e suas subdivisões doutrinárias. Por meio da sua pesquisa etnográfica realizada desde 1999, Pinto objetiva entender as práticas, as subjetividades e os discur-sos daqueles que se identificam como mulçumanos, elusivando de explanações dogmáticas. Lamentavelmente, o campo produtivo-literário brasileiro tem sido alheio ao acompanhamento de pesquisas desenvolvidas no próprio país. Des-tarte, este livro oportuniza um maior entendimento sobre a pluralidade do Islã, sobre o Livro Sagrado (Alcorão), que é suscetível a análises diversas de cada indivíduo.

O supramencionado livro é dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo discute a constituição da tradição do islã, com o processo de revelação do texto sagrado (Alcorão) e a composição dos cinco pilares que constituem a religião. O segundo capítulo disserta sobre as divisões sectárias entre sunismo e xiismo. A terceira parte trata a estruturação da vertente mística do Islã, o Sufismo. O capítulo seguinte discorre sobre o islã nos séculos XIX e XX, bem como da emersão

ISLÃ - RELIGIÃO

E CIVILIZAÇÃO:

UMA ABORDAGEM

ANTROPOLÓGICA*

Ana Julia Candida Ferreira**, Fernando Zolin-Ves***

–––––––––––––––––

* Recebido em: 12.02.2019. Aprovado em: 10.03.2020.

** Graduanda de Psicologia (UFMT). Membro do Grupo de Extensão Psicanálise na Rua, do Laboratório de Instrumentação Psicológica (LIP) e do Grupo de Extensão Fé e Ciência (FéCiê). E-mail: anajuliacandidaferreira@gmail.com

*** Doutor em Letras e Linguística (UFG). Mestre em Estudos de Linguagem (UFMT). Gradu-ado em Estudos de Linguagem (UFMT) e em Letras (UFSM). Professor no Departamento e Programa de Pós-Graduação de Letras (UFMT). Líder do Grupo de Pesquisa Linguagens e Descolonialidades - GPLeD (UFMT/CNPq). E-mail: fernando_vesz@gmail.com

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de movimentos reformistas, a título de exemplo: Wahhabismo, Reforma Sufi e

Salafiyya (salafismo). O quinto capítulo discute a emergência do islã político

como conceito central de “Estado Islâmico”. No último capítulo, Pinto versa sobre as comunidades mulçumanas na Europa e no Brasil, bem como sobre sua forma de difusão, estabelecimento em cada cultura.

O capítulo um abarca a explanação da composição que basila a comunidade mulçu-mana em sua unidade religiosa, como a crença em Allah, em Maomé como profeta, e no Alcorão. Essa parte da obra salienta uma tenra biografia do pro-feta Muhammad, como foi constituído o texto sagrado, e focaliza igualmente a percepção antropológica filosófica do Ser em termos morais, introduzindo o

nafs que, por definição, “não se confunde nem com o corpo, nem com a alma,

mas [...] media a relação entre eles” (p. 49). Pinto conclui o capítulo eluci-dando os cinco pilares da tradição central do islã, sendo estes: a profissão de fé (Shahada), as cinco orações diárias (Salat), a doação de um dízimo para a comunidade (Zakat), o jejum durante o mês do Ramadã (Sawm) e a peregri-nação à Meca (Hajj).

O segundo capítulo disserta sobre as disparidades e similaridades entre as duas princi-pais divisões sectárias do islã: xiismo, que se ordena em torna da devoção reli-giosa à família de Muhammad e é galgado nos ensinamentos dos imans (líde-res); e sunismo, que evoca, unicamente, a tradição deixada pelo profeta (sem as regras de sucessão) e é amparado pelas instruções doutrinárias dos ‘ulamas (especialistas religiosos). A sectarização entre essas divisões do islã começou após a morte de Maomé, com o revés da ausência de um sucessor patrilinear que liderasse a comunidade mulçumana. Posteriormente, a morte de Hussein na Batalha de Karbala, em 680, foi o rompimento entre esses dois segmentos. Finalmente, o estabelecimento do marco sectário entre o sunismo e o xiismo se deu por meio da formação de diferenças teóricas, rituais e pela organização em sistemas normativos particulares a cada uma das duas tradições.

A terceira parte da obra alude à vertente mística do islã, o sufismo. Esse termo carac-teriza um composto de doutrinas, rituais e formas de engajamento coletivo que designa uma tradição esotérica (batini: que significa uma relação com a realidade divina – haqiqa), ao passo que diverge da exotérica (zahiri) por esta abarcar as percepções sensoriais do mundo material. O saber esotérico sufi, como interpretação do Alcorão e prática cultural, teria sido transmitido por Ali (genro e primo distante de Maomé) aos seus descendentes, em que estes teriam formado os primeiros sufis. Sequentemente, Pinto aborda a concepção islâmica do ‘ser’ fracionada em três âmbitos existenciais: o corpo (jism), o self/ego (nafs) e a alma (rub), sendo o misticismo sufi centrado na disciplina dos impulsos do nafs (constitui a aglutinação de desejos, emoções e razão) e na mudança pessoal consoante aos modelos normativos sufistas. Por fim, o

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au-tor explana que o sufismo não gerou uma nova fronteira sectária, mas formou uma corrente doutrinal e ritual que se desenvolveu tanto no sunismo quanto no xiismo, e se espalhou, por meio das rotas comerciais, para além das fronteiras dos impérios mulçumanos

No quarto capítulo, Pinto discorre sobre o desenvolvimento do islã nos séculos XIX e XX. No início do século XIX, com o advento da centralização e burocratização do Estado ocorrendo em diversos países europeus, desenvolveu-se um desní-vel significativo entre os impérios islâmicos e a Europa, o que conduziu a uma invasão francesa do Egito, evento este que se constituiu em um “trauma civi-lizacional”, demonstrando a superioridade militar e administrativa da França e fazendo ruir as hierarquias culturais inscritas nas imagens hegemônicas que organizavam a relação do mundo islâmico com a Europa. Destarte, a reação islâmica a este “trauma” foi a promoção de um plano de industrialização e modernização da vida econômica e social do mundo mulçumano, culminando nas novas tecnologias de transporte (grande impacto na facilitação da peregri-nação à Meca) e da imprensa (que gerou mais visibilidade ao islã, produzindo textos em prol de difundir as ideias reformistas de purificação islâmica). Os movimentos reformistas propostos como novas formas de codificação da tradição

islâmica constituíram-se, popularmente, em: Wahhabismo, Reforma Sufi e

Sa-lafiyya (salafismo). O Wahhabismo, de cunho extremista sunita, pregava uma

abordagem literalista dos textos sagrados e um controle estrito da vida social, ao passo que negava a identidade mulçumana de todos os que não seguiam seus ensinamentos, considerando-os como “idólatras e apóstatas”. A Reforma

Sufi combinava um misticismo esotérico com uma grande preocupação em

estabelecer limiares claras para a “ortodoxia” islâmica, enfatizando a superio-ridade da sunna (exemplo) do Profeta e da shari’a sobre a busca mística. Já o salafismo, de caráter fundamentalista sunita, intitula diferentes correntes que buscavam restaurar o que eles consideravam como o islã dos “precursores” (salaf) do Profeta e de seus companheiros, um modo de regenerar o mundo islâmico depurando as modificações e adições que desvirtuaram a mensagem profética. É admissível salientar que, no século XIX, surgiram três impor-tantes intelectuais islâmicos que contribuíram para a manutenção das diver-sas formas de islã, sendo eles: Jamal al-Din al-Afghani, Muhammad ‘Abdu e

Rashid Rida, sendo Rida o líder cujo pensamento influenciara a emergência do

islã político no século XX.

No capítulo subsequente, Pinto retrata que o islã político surge com o conceito central de “Estado Islâmico”, originário do pensamento de Rashid Rida, e represen-ta uma ruptura com o equilíbrio tradicional entre o poder político e a moral religiosa que fora estabelecida durante a história islâmica. O islã político é uma tentativa de combate ao colonialismo europeu acentuado em territórios

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mulçumanos. Seu surgimento se inicia com a necessidade da criação de um movimento social que sensibilizasse os egípcios em torno do islã para a cria-ção de bases verdadeiras de liberdade, que teve como ápice a criacria-ção de um projeto (que englobava adeptos do sunismo, sufismo e salafismo), pelos Ir-mãos Mulçumanos, cujo discurso era de promoção de autenticidade cultural através de um islã construído em oposição à cultura “estrangeira”. No mundo xiita, a reforma começou mais tarde - final do século XIX – do que entre os sunitas, por intermédio do xiismo social, que objetivava lutar pelos direitos civis dos xiitas, e atribuía um significado social a conceitos corânicos de jus-tiça e proteção aos “excluídos”. Neste contexto, a Arábia Saudita, buscando expandir suas influências religiosas, se fez sentir na constituição do jihadismo transnacional, produto do confronto entre os Estados Unidos e a União Sovi-ética no Afeganistão, que foi a junção do islã político como tática de guerra contra os “ateus” e inimigos do Islã, sendo algumas madrassas centradas, ex-clusivamente, na leitura literalista do texto corânico e no ensinamento destas estratégias de guerrilha.

Com o crescimento do papel social dos grupos islâmicos no auxílio e prestação de serviços às camadas mais desfavorecidas da sociedade, desamparadas pela retração do Estado, e sob o crescimento das políticas econômicas neoliberais adotadas por grande parte dos países do Oriente Médio, houve uma alteração na dinâmica da base social do projeto de formação de uma sociedade islâmica. O foco dos discursos e práticas dos agentes e grupos comprometidos com a ideia de sociedade islâmica deslocou-se da política para o campo moral, assim como do Estado para o indivíduo; porém, mesmo com o foco centralizado no indivíduo, a radicalização de movimentos extremistas não esmaeceu, o que, no início do século XXI, resultou no ataque da al-Qaida (uma organização que detinha na jihad uma forma defesa legítima da comunidade mulçumana) contra o World Trade Center e o Pentágono nos Estados Unidos. Isto posto, Pinto conclui o capítulo sobrelevando que, no século XX, o foco deixou de ser a questão religiosa para se tornar uma teoria política de movimento social islâmico que representa um rompimento com o equilíbrio tradicional entre política e moral religiosa que fora estabelecida historicamente.

O último capítulo é cingido pelo tópico sobre as comunidades mulçumanas na Europa e no Brasil. Na Europa, a formação de coletividades mulçumanas sucedeu em um contexto diferenciado, permeado pelo pós Primeira Guerra Mundial. Nes-se período, apreNes-sentava-Nes-se a necessidade de mão de obra para a reconstrução do continente europeu, o que abriu portas para grandes quantidades de “traba-lhadores-convidados” (guest workers), viabilizando a entrada de volumosos contingentes mulçumanos, que, no início do século XXI, foram concebidos, pelos países europeus, como identidades islâmicas, resultado da complexa

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in-teração entre elementos sociais e culturais locais, nacionais e transnacionais. Já no Brasil, a formação de grupos mulçumanos se difundiu, incialmente, com a importação de escravos africanos islamizados. Posteriormente, em um con-texto de imigração mulçumana devido aos frequentes conflitos – como a Guer-ra Civil Libanesa e a continuada ocupação isGuer-raelense dos territórios palestinos –, os escravos mulçumanos tinham uma grande capacidade de organização que se expressou nas inúmeras revoltas escravas (como: a Revolta dos Malês - 1835) que posteriormente se consolidou em comunidades mulçumanas com-postas por escravos negros e livres. Com os ataques do 11 de Setembro, um discurso estigmatizante sobre o islã fora criado, e, no Brasil, esse quadro só mudou com a estreia da novela O Clone, que introduziu no imaginário cultural brasileiro imagens bastante positivas dos mulçumanos como pessoas alegres e devotadas à família, o que possibilitou o crescimento das conversões de brasileiros ao islã. Por fim, Pinto ressalta que os brasileiros que se convertem ao islã buscam um sistema religioso que lhes proporcione uma inserção nas diferentes esferas locais, nacionais e transnacionais de produção de sentido no mundo contemporâneo.

Destarte, a obra proporciona subsídios para um bom entendimento da cultura islâmica, por meio de sólidos conhecimentos acerca do desenrolar histórico do islã, de sua diversidade cultural e de suas ideais. É uma leitura que não exige um saber prévio sobre o mundo mulçumano, sendo interessante para pesquisadores que se ocupam com o estudo da temática, quanto para desconhecedores curiosos acerca da profundidade e pluralidade que o islã abarca. A obra de Pinto não trata de um singelo manual incompreensível sobre o islã, mas de um livro que expõe os critérios necessários para um entendimento descomplicado dessa re-ligião.

Referências

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