• Nenhum resultado encontrado

MÍDIA SENSACIONALISTA E O CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SENSATIONAL MEDIA AND THE CONFLICT OF FUNDAMENTAL RIGHTS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "MÍDIA SENSACIONALISTA E O CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SENSATIONAL MEDIA AND THE CONFLICT OF FUNDAMENTAL RIGHTS"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

MÍDIA SENSACIONALISTA E O CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

SENSATIONAL MEDIA AND THE CONFLICT OF FUNDAMENTAL RIGHTS

Thaís Bandeira Rodrigues1, Maria Letícia Monteiro Ismael2

RESUMO: Historicamente, os direitos e garantias fundamentais passaram por momentos de aplicação e supressão. Após o período ditatorial de 1964, especificamente, foram consagrados na Constituição Federal de 1988 de uma forma mais ampliada. Essa extensão gerou a possibilidade de conflitos entre os próprios direitos fundamentais, como o embate entre o princípio da liberdade de expressão e da presunção de inocência existentes no âmbito do jornalismo policial. Na iminência da impossibilidade de um direito fundamental ser considerado absoluto, o presente trabalho, construído através do método dedutivo, teve como objetivo analisar como ocorre a aplicação desses princípios no caso concreto, observando como o ordenamento jurídico brasileiro atual ainda é deficiente para garantir a harmonização entre a liberdade de expressão e a presunção de inocência sem que haja violações de caráter permanente. Na forma como são configurados os jornais policiais sensacionalistas, através da manipulação de informações com a intenção de alcançar interesses pessoais, a presunção de inocência é desrespeitada e a sociedade vira uma vítima desse jornalismo sem compromisso com a cidadania. Assim, necessita-se de uma mudança na legislação com o intuito de garantir a aplicação dos princípios de uma forma mais harmônica.

Palavras-chaves: Presunção de inocência; Liberdade de expressão; Mídia sensacionalista; Jornalismo policial; Direitos fundamentais.

ABSTRACT: Historically, fundamental rights and guarantees have gone through times of application and suppression. After the dictatorial period of 1964, specifically, they were enshrined in the 1988 Federal Constitution in a broader way.

This extension has created the possibility of conflicts Between fundamental rights themselves, such as the clash between the principle of freedom of expression. and the presumption of innocence existing within the scope of police journalism, In the imminence of the impossibility of a fundamental right to be considered absolute, the present work, built through the deductive method, almed to analyze how the application of these principles occurs in the specific case, observing how the current Brazilian legal system is still deficient to ensure harmonization, between freedom of expression and the presumption of innocence without permanente violations. In the way that sensationalist police newspapers are configured, through the manipulation of information with the intention of

v. 7/ n. 6 (2019) Novembro

Aceito para publicação em 04/11/2019.

1Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.

2Graduanda em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG.

https://www.gvaa.com.br/rev x

(2)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

reaching personal interests, the presumption of innocence is disrespected and society becomes a victim of this journalism without commitment to citizenship, Thus, a change in legislation is needed to ensure the application of the principles in a more harmonious way.

Keywords: Presence of innocence; Freedom Of speech; Sensationalist media; Police journalism; Fundamental rights

1. INTRODUÇÃO

O processo de redemocratização pós-ditadura militar trouxe uma ampliação do rol de direitos e garantias fundamentais brasileiros, estando estes em larga escala previstos na nova Constituição Federal de 1988. Entretanto, essa extensão de direitos possibilitou o surgimento de situações em que há conflitos entre os próprios direitos ou garantias, como o confronto entre os princípios da liberdade de expressão e da presunção de inocência, em razão das atividades midiáticas de jornais policiais. Para a produção do presente artigo foram realizadas pesquisas em livros, artigos, periódicos, sites, jurisprudências e legislações, configurando, assim, a utilização da metodologia dedutiva de abordagem.

No desenvolvimento, serão analisados os princípios tangentes à temática, essencialmente os que dizem respeito à liberdade de expressão e à presunção de inocência, observando como esses postulados se configuram sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro e no caso concreto dos jornais policiais, com enfoque à análise de como esses princípios entram em conflito e como o Poder Judiciário deve intervir de uma maneira a harmonizar a existência dos princípios supramencionados.

Em seguida, é observado mais profundamente a atuação dos jornais policiais sensacionalistas e os danos causados pela ação destes, considerando como, nesse cenário, essa atividade gera prejuízos à população, podendo ser caracterizado como um desserviço profissional.

A temática apresenta relevância em razão da função social que os programas jornalísticos possuem: ser um dos maiores propulsores da informação, essencialmente para a população de baixa renda e instrução, que possuem limitação de acesso à informação, depositando uma maior credibilidade aos jornais televisionados.

Em suma, o trabalho tem como objetivo analisar como os princípios se configuram sob os aspectos legais e, no caso concreto, concluindo quais as formas que podem ser utilizadas para resguardar os direitos de todos os envolvidos, quais sejam, a população em geral, os jornalistas e as pessoas que são alvos das divulgações e reportagens sensacionalistas.

2. DESENVOLVIMENTO

(3)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

Em um ordenamento jurídico em que há um amplo rol de direitos e garantias fundamentais, buscando ambos a proteção da pessoa e a dignidade humana de todos os cidadãos, torna-se praxe identificar, em algumas situações contemporâneas, conflitos entre a prevalência de um direito ou outro. Revela-se importante analisar as minúcias que rodeiam essa problemática, especialmente a que identifica o conflito entre o direito ou princípio da presunção de inocência e o direito ou princípio da liberdade de expressão, no âmbito da atividade jornalística.

2.1. PRINCÍPIOS PERTINENTES À TEMÁTICA

A temática oportuniza uma ampla discussão acerca dos princípios envolvidos no problema.

Nessa questão do trabalho da mídia, há diversos direitos fundamentais que se confrontam e, no caso concreto, o magistrado terá que harmonizar a aplicação dos princípios. Um rol meramente exemplificativo de princípios que podem estar envolvidos são: liberdade de expressão, liberdade do exercício da profissão, liberdade de comunicação e acesso à informação, conflitando com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, os direitos à privacidade, à honra, à imagem, ao sigilo de dados, ao sigilo de comunicações, entre diversos outros direitos que podem ser observados.

Com o intuito de atender ao necessário recorte temático, somente serão analisados dois princípios identificados como os mais frequentes nas atividades dos jornais policiais sensacionalistas: o princípio da liberdade de expressão, que envereda a falsa ideia de que ao jornalista é permitido adentrar aos aspectos mais íntimos da vida das pessoas sob as quais versam as notícias, e o princípio da presunção de inocência, que constantemente é violado pelas matérias jornalísticas sensacionalistas.

2.1.1. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A liberdade de expressão prevista na Magna Carta de 1988 foi um direito conquistado a duras penas pela sociedade brasileira, especialmente porque no período anterior à promulgação da Constituição Federal, a censura era a regra, e todo aquele que, mediante instrumentos jornalísticos, ousasse afrontar a Ditadura, seria perseguido pelos militares. Viviane Domingues (2015) afirma:

Logo após o golpe de 1964, a censura política começou a pressionar a Tribuna de Imprensa, um dos poucos meios de comunicação que se colocaram contra o poder.

Praticamente, um caso esporádico. No entanto, foi após o Ato Institucional número 5 (AI-5), em dezembro de 1968, que a censura se estabilizou. (...) De 1968 a 1978, foram dez anos marcados por censura, tortura, prisões, repressão e mortes. O arbítrio atingia seu ponto máximo.

(4)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

Porém, com o processo de redemocratização, a partir de 1985, e a chegada da Constituição Federal, em 1988, o Ordenamento Jurídico Brasileiro ganhou contornos voltados ao reconhecimento de direitos que garantissem a dignidade da pessoa humana, assim afirma Silva (2012, p.38), “a Constituição Brasileira 1988 abraçou os direitos humanos, consagrando-os principalmente na parte de direitos e garantias fundamentais, mas, também se faz presente em outros títulos da Carta Maior”.

Dessa forma, a liberdade de expressão foi introduzida como direito fundamental pela Carta Magna (1988), dispondo em seu art. 5º, inc. IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, bem como a previsão no art. 5º, inc. IV de que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

A liberdade é classificada como um direito fundamental de primeira geração, definida por ser limitadora do poder estatal. Essa limitação apresenta-se tão importante para o Estado Democrático de Direito que a própria Constituição Federal (1988) previu em seu art. 60, §4º, inc. II, a impossibilidade dos direitos e garantias individuais serem objetos de emenda à Constituição que possuam a intenção de cessá-los. Em outras palavras, constituem cláusula pétrea os direitos fundamentais.

Segundo Massom (2015, p. 239), a liberdade de expressão pode ser observada sob dois olhares: o negativo (ausência de restrições) ou o positivo (quando além de não haver impedimentos, o agente toma parte ativa no domínio de si próprio). Para a autora, a liberdade de expressão é o direito de “expressar suas convicções íntimas, comunicar suas ideias e opiniões formatadas internamente” (2015, p. 239).

Diante da importância e devida proteção dada aos direitos fundamentais, surge a seguinte questão: a liberdade de expressão seria um direito absoluto? Defende-se que não. Nenhum direito fundamental pode ser considerado absoluto ao ponto de ser protegido de qualquer violação. A liberdade de expressão é um direito que garante o exercício da democracia pelos cidadãos e possibilita à sociedade um maior controle dos atos estatais. Entretanto, quando mal utilizada, acaba sendo uma grande vilã, causando um verdadeiro desserviço à população. Dessa forma, a liberdade de expressão encontra limitação no momento em que a sua utilização ofende a outros direitos. Esse entendimento é sustentado pela doutrina e jurisprudência, conforme apresentado abaixo:

RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITO À HONRA E IMAGEM. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA IMAGEM DE PRESOS PROVISÓRIOS SEM A DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DA NECESSIDADE PARA FINS RELACIONADOS À PERSECUÇÃO PENAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA (...)

Não existe conflito entre normas constitucionais oriundas do mesmo poder constituinte, mas apenas um aparente conflito de interesses que se resolve pelo critério da ponderação ou dimensão do peso. Assim, na hipótese de o exercício concomitante desses direitos gerar conflito, cabe ao intérprete a missão de averiguar a possibilidade de conciliar os interesses,

(5)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

identificando qual deles deverá prevalecer no caso concreto sem que o núcleo essencial de nenhum deles, que Ana Paula de Barcellos leciona ter natureza de regra, seja violado.

(...)

(TJ-RS – APL: 01313660920138190001, Relator: Des(a). RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 13/03/2019, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL).

Compactuando dessa informação, Moraes (2017, p. 55), ao tratar sobre a previsão legal da liberdade de expressão, afirma:

Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível.

Ademais, cumpre ressaltar que a violação a direitos de terceiros mediante a exteriorização de uma opinião pode gerar o direito de resposta, proporcional ao agravo, bem como indenização, segundo o que prevê o art. 5º, inc. V, da Constituição Federal (1988). É exatamente por isso que o Texto Político Brasileiro (1988) decidiu pela vedação ao anonimato. Sobre o direito de resposta, Bahia (2017, p. 120) sustenta que:

O direito de resposta é garantia inviolável da pessoa, permitindo ao ofendido corrigir equívocos e desfazer dúvidas, utilizando-se do mesmo veículo, tempo, modo e lugar utilizados para a ofensa. Se for negado pelo ofensor, este direito será tutelado pelo Poder Judiciário. Além do que é assegurada a ampla reparabilidade pelos prejuízos sofridos, sejam de natural material (pecuniária), moral (que tenha ofendido a honra subjetiva) ou à imagem (que tenham ofendido a honra objetiva).

Dessa forma, compreende-se que a liberdade de expressão é um princípio garantidor da democracia e limitador das atividades do Estado, mas que, entretanto, não é um direito absoluto, sendo vedada a sua utilização para a violação de direitos de terceiros, garantindo a resposta proporcional ao agravo e indenização por danos morais e materiais.

2.1.2. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO LIMITAÇÃO AO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O princípio da presunção de inocência está previsto no Texto Constitucional (1988) no art.

5º, inc. LVII, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenaria”. Esse importante postulado, que deve permear todo o devido processo legal criminal, também tem previsão em normas internacionais, destacando-se sua positivação na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (1948), que prescreve que aquele que supostamente tiver cometido um ato criminoso deve ser considerado

(6)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

inocente até que, mediante um processo público e que atenda a todos as garantias processuais, seja o sujeito considerado culpado.

Cumpre observar que, ao tratar da presunção de inocência, o Supremo Tribunal Federal apresentou recentemente nova interpretação sobre a temática. Nos autos do Habeas Corpus nº 126.292, a Corte (2016) passou a aceitar a execução provisória da pena ao fim das possibilidades recursais admissíveis em segunda instância, por compreender que os recursos constitucionais cabíveis ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal não servirão para reanálise das questões de mérito, e, logo, a sua tramitação durante o cumprimento antecipado da pena não constitui ofensa ao princípio da presunção de inocência.

A Constituição Federal (1988) ainda permanece com o seu texto legal afirmando, no art. 5º, inc. LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Entretanto, após o HC nº126. 292, o trecho passou a ter força meramente expositiva, posto que a jurisprudência vem seguindo a orientação do STF sobre a execução da pena ao final da tramitação da ação penal em segunda instância.

Embora haja muitas considerações a serem feitas sobre essa temática, não será adentrado nesse questionamento porque, na maioria dos casos, a presunção de inocência é violada pelos jornais sensacionalista de uma forma bastante inicial, quando, basicamente, o crime acabou de acontecer e as prisões estão sendo realizadas em sede de medida cautelar, de caráter excepcional e temporário.

Nucci (2016, p. 54), ao tratar do princípio da presunção de inocência no processo penal, afirma:

Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável ao Estado-acusação evidenciar, com provas suficientes, ao Estado-juiz, a culpa do réu. Por outro lado, confirma a excepcionalidade e a necessariedade das medidas cautelares de prisão, já que indivíduos inocentes somente podem ser levados ao cárcere quando realmente for útil à instrução e à ordem pública. A partir disso, deve-se evitar a vulgarização das prisões provisórias, pois muitas delas terminam por representar uma nítida – e indevida – antecipação de pena, lesando a presunção de inocência. (grifo nosso)

Apesar de ser considerado um direito inerente à existência humana, o que se observa nos jornais televisivos policiais é a completa inversão desse papel, havendo uma presunção de culpabilidade. Aliás, os jornais não só não observam o andamento do processo, como não divulgam sobre os resultados em caso de absolvição ou condenação. A imprensa ainda transforma o momento final da medida cautelar em impunidade, causando na sociedade, especialmente nos desconhecedores do direito processual penal, uma verdadeira comoção por acreditar que o simples pagamento da fiança funciona como uma sentença absolutória, aparentando uma impunidade.

Cabe observar que, para a imprensa sensacionalista, uma medida cautelar funciona como ponto alto do processo penal, mais importante, inclusive, que uma sentença de mérito, especialmente se esta for absolutória, posto que não é do interesse da imprensa divulgar que aquele que outrora era taxado de “bandido” foi inocentado pelo Poder Judiciário.

(7)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

Dessa forma, faz-se mister perceber que os jornais policiais funcionam como verdadeiros tribunais: julgam, condenam e penalizam, mas, ao menos em regra, em momento algum observam princípios pertinentes e tão importantes para o devido processo legal, como o contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, entre outros.

2.2. IMPRENSA SENSACIONALISTA E O (DES) SERVIÇO INFORMATIVO À POPULAÇÃO

O jornalismo exerce uma função social primordial à sociedade: a transmissão de informação.

Essa atividade, por ser inerente ao serviço midiático, gera na população uma presunção de veracidade das comunicações divulgadas.

José Arbex (2001, p. 102), tratando sobre essa presunção, afirma que:

A ideia de que a notícia é o ‘retrato do fato como ele realmente aconteceu’ não é nova. Ao contrário, é uma ideia que nasceu junto com a própria atividade jornalística, como sugerem os tradicionais jargões do tipo ‘testemunha ocular dos fatos’, ‘a verdade dos fatos, doa a quem doer’, ‘jornalismo objetivo que leva os fatos até você’.

Embora seja uma característica importante para o exercício da profissão, essa presunção pode gerar diversos problemas, como a disseminação de fake news (falsas notícias, em português) ou a divulgação de notícias que manipulam fatos reais para alcançarem interesses pessoais.

A imprensa sensacionalista apresenta-se como aquela que se utiliza dos seus instrumentos para causar terror social e a sensação de insegurança através da violação de direitos humanos.

Impressa sensacionalista é, por exemplo, o jornal policial que expõe um preso em flagrante pela suposta prática de algum crime e o qualifica como criminoso, sem que antes tenha ocorrido o processamento e o julgamento da ação criminal referente ao caso. Outro exemplo é o jornal que se utiliza dos números para alarmar a sociedade de uma suposta quebra da ordem social, mas não se preocupa em descobrir os motivos e origens dos crimes, tampouco se sente responsável em buscar e divulgar soluções. O jornalista Agrimani (pág. 15), em 1995 já afirmava:

A imprensa sensacionalista não se presta, muito menos a informar. Presta-se básica e fundamentalmente a satisfazer as necessidades instintivas do público, por meio de formas sádica, caluniadora e ridiculizadora das pessoas. Por isso, a imprensa sensacionalista, como a televisão, o papo no bar, o jogo de futebol, servem mais para desviar o público de sua realidade imediata do que voltar-se a ela, mesmo que fosse para fazê-lo adaptar-se a ela.

Esse jornalismo que se utiliza dos meios atinentes ao exercício da profissão para denegrir a imagem de terceiros e disseminar a sensação de insegurança pública e de ineficiência das leis penais causam insegurança jurídica e violam direitos fundamentais, como o direito à presunção de inocência, à imagem, à honra, à privacidade, à intimidade, entre outros direitos envolvidos, muitos

(8)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

deles previstos constitucionalmente. É um jornalismo que protagoniza um “desserviço” à população, posto que não apresenta grande responsabilidade com o conteúdo declarado e não se compromete com o exercício da cidadania.

Para Castro (2017), a impressa tem o poder de influenciar a opinião da população. Destaca o autor essa situação na área criminal, tendo em vista que nessa área jurídica, os indivíduos, antes mesmo de ser proferida uma decisão judicial de condenação, tendem a julgar e a ‘condenar’ aquele que supostamente cometeu um delito. Nesse cenário, o sensacionalismo midiático policial aparece.

Pode-se afirmar que os jornalistas sensacionalistas se revestem de uma máscara de jornalismo crítico, mas, na verdade, todo o escárnio público propagado possui interesses envolvidos, como interesses políticos e econômicos.

Antônio Chaves (1995, p. 220), ao tratar sobre o conflito de direitos, afirma que:

A legislação, como se vê, protege a liberdade de comunicação — vale dizer "de imprensa"

— aliás, assegurada pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, referendada pelo Brasil. Mas assegura também a integridade da imagem física, moral e intelectual (direito da personalidade) do indivíduo, salvaguardando-o de explorações outras, menores, publicitárias, propagandísticas, comerciais e políticas, objetivando lucros diretos ou indiretos, isto é, econômicos e políticos. (grifo nosso)

O grande problema desse uso irregular do direito à transmissão de informação se expressa nas consequências geradas na vida daqueles que, apesar de serem supostos autores de crimes, são vítimas de violações de direitos. A partir dessa exposição, o sujeito suspeito fica marcado pela sociedade, tendo dificuldade de reinserção posterior no mercado de trabalho, além de haver a possibilidade de seu processo criminal ser influenciado pela pressão da população sob o Poder Judiciário pela condenação.

Resumindo bem o assunto tratado neste trabalho, Quinamo e Zenkner (2015) afirmaram que:

As acusações precipitadas, feitas muitas vezes para gerar notícia ocasionam incalculáveis prejuízos ao suspeito que, mesmo depois do devido processo legal, já não consegue reinserir-se no meio social em virtude desta mácula à sua imagem, haja vista que a atuação da imprensa normalmente se dá no início do procedimento, quando existe a incerteza a respeito da culpabilidade do réu. Com o passar do tempo, a polêmica referente ao crime esfria e a notícia da sentença em caso de absolvição, que poderia auxiliar na regeneração da imagem do réu, acaba por passar despercebida.

Dessa forma, fica claro que, nesse conflito de direitos, a presunção de inocência fica severamente suprimida e que os danos causados pela sua violação podem ser de caráter irreversível. Assim posto, é necessário que o Poder Judiciário e Legislativo apresentem uma solução no sentido de conseguir harmonizar os direitos à liberdade de impressa e à presunção de inocência.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

(9)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

O Poder Judiciário pode, através da aplicação da lei ao caso concreto, buscar a harmonização do exercício dos direitos fundamentais – presunção de inocência e liberdade de expressão. Entretanto, até que a problemática seja analisada pelo judiciário, é possível que a violação dos direitos do acusado já tenha ocorrido, pois, na maioria das vezes, a divulgação sem responsabilidade é feita no momento da prisão em flagrante, antes do início do inquérito policial e da ação penal.

Diante do exposto, é perceptível que, na prática, as condições para o exercício dos princípios previstos atualmente no nosso ordenamento jurídico não são suficientes para garantir que não haja violações pelos jornais policiais sensacionalistas, bem como que os prejuízos causados por esses desrespeitos são inúmeros e, muitas vezes, prolongados no tempo ou até mesmo irreversíveis.

Conclui-se ser necessário que alguma atitude seja promovida pelo Estado, quer seja pela regulamentação legislativa antecipada, quer pela fiscalização das matérias levadas ao ar, de uma maneira que seja garantido o equilíbrio entre os princípios supramencionados e não haja o retorno da censura pelo qual o Brasil passou na época da Ditadura Militar.

4. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Luciano Luis. Dignidade da pessoa humana, presunção de inocência e liberdade de expressão. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31266/dignidade-da-pessoa-humana- presuncao-de-inocencia-e-liberdade-de-expressao Acesso em: 12/07/2018.

ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus, 1995.

ARBEX, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001.

BAHIA, Flávia. Descomplicando Direito Constitucional. 3. Ed. Recife: Saraiva, 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. 1988. Disponível:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm em Acesso em: 12/07/2018 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. APL 01313660920138190001, Relator:

Des(a). RENATA MACHADO COTTA. Disponível em: https://tj-

rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/739363109/apelacao-apl-1313660920138190001?ref= serp.

Acesso em: 10/10/2019.

CASTRO, André Giovane De. Liberdade de Informação e Presunção de Inocência: Conflito Constitucional da Condenação Antecipada na Esfera Jornalística. Três Passos, 2017.

Disponível em

http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/4627/Andr%C3%A9%20 Giovane%20de%20Castro.pdf?sequence=1. Acesso em 09/10/2019.

(10)

Rev.Bras.de Direito e Gestão Pública (Pombal, PB),7(06), 99-108, nov.2019.

CHAVES, Antonio. Direitos da personalidade e dano moral. ADV: Advocacia Dinamica - Selecoes Juridicas, São Paulo, n.6, p. 3-8, jun. 1995.

DOMINGUES, Viviane. Liberdade de expressão desde a Ditadura até os tempos de hoje. 2015.

Disponível em: https://vividomingues123.jusbrasil.com.br/artigos/190259558/liberdade-de- expressao-desde-a-ditadura-ate-os-dias-de-hoje. Acesso em: 10/10/2019, às 13:05.

LUNCORVITE, Adriano dos Santos. Os direitos fundamentais: suas dimensões e sua incidência

na Constituição. Disponível em: http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=artigos_leitura_pdf&%20artigo_id=4528. Acesso em:

10/07/2018.

MASSOM, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3. Ed. rev., atual. e ampl. – Bahia : Juspodivm, 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires.

Curso de Direito Constitucional. Sª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. Ed. Rev. e atual. Até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PERIPOLLI, Suzane; DIAS, Monia. Colisão de Direitos: Liberdade de imprensa e presunção de inocência. In: Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade. 3., 2015, Santa Maria.

Anais... Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2015.

QUINAMO, Gustavo Vargas; ZENKNER, Marcelo. Presunção de inocência vs liberdade de imprensa:suas implicações no ordenamento legal. Revista Depoimentos. Disponível em:

www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadepoimentos/n8/3. Acesso em 15/07/2018.

SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Sistema constitucional das crises: os direitos fundamentais face a situações extremas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.

SILVA, Ney. Estudo de Direito: Coletânea de artigo. Vol. 1. 1ª E d. São Luiz: NS Editora, 2012;

STF. Plenário. HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016.

Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (1948). Disponível em https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em 20/07/2018.

Referências

Documentos relacionados

A Equipe de Conservação da Amazônia- ECAM, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade -ICMBio, a Universidade Federal do Amapá- UNIFAP, e a

A divulgação de notícias falsas, conhecidas como fake news, pode interferir negativamente em vários setores da sociedade, como política, saúde e segurança.. Apesar de parecer

dfndrlab.com © 2018.. A categoria Notícias falsas segue como o terceiro meio de disseminação de links maliciosos. Quando comparado ao trimestre anterior, as chamadas fake news

Assim com o intuito de levar o aluno a construir seu próprio conceito, guiando-o através de suas próprias conjecturas em processos investigativos a identificar os

O que mencionamos alude a uma mudança na forma de conceber as coisas, as práticas e o próprio discurso acerca de pressupostos, experiências e proposições percebidos nas diversas

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

As “Notícias Falsas” ou Fake News são notícias, deliberadamente, falsas que passam como verdadeiras e são distribuídas nas redes sociais, em sites com o intuito de gerar

Em São Jerônimo da Serra foram identificadas rochas pertencentes à Formação Rio do Rasto (Grupo Passa Dois) e as formações Pirambóia, Botucatu e Serra Geral (Grupo São