O Diário de Deus
É meio tedioso passar a eternidade toda sozinho no espaço, sem nada acontecendo. Resolvi hoje criar os céus e a Terra.
Só que a Terra ficou meio vazia, sem nada, deserta.
Amanhã Eu começo a pensar em algo pra preencher a Terra. Hoje já está escuro, é melhor ir dormir.
Aliás, tudo aqui é escuro. O tempo todo escuro. Malditas trevas!
Perdi minha carteira, e naquela escuridão nunca conseguiria encontrá-la! Além disso, dei uma topada num banquinho e bati a cara na parede. Criei então a luz!
É tipo uma lanterna, só que mais potente. Modestamente, Eu sou divino!
Esse negócio de ficar andando sobre as águas é muito cansativo. E meio úmido também.
Resolvi separar umas águas das outras águas.
Assim, na terra firme, posso fincar duas estacas e amarrar minha rede nelas e descansar um pouco...
Terra e água, água e terra, isso aqui estava muito monótono. Resolvi fazer algo para colorir a terra.
Escolhi o verde.
Fiz um monte de folhinhas verdes pra ficarem no chão, e umas árvores que têm folhas verdes no alto.
E cada uma destas vai dar uma flor de outra cor que não o verde. Vai ficar bem colorido por aqui, bem mais fashion, super moderno! E darão frutos também.
A abóbora, por exemplo, é grande e vai nascer numa
plantinha rasteira pra evitar que caia na cabeça de algum idiota.
A jaca, que também é grande, vai dar numa árvore grande e frondosa, pra que caia na cabeça de algum idiota.
Estava tudo muito claro por aqui, é difícil dormir assim. Tive que dividir os dias entre a luz e a escuridão.
Deu quase certo.
No Pólo Norte algo desandou e parece que vão ser uns seis meses de luz e outros seis de escuridão.
Mas o Papai Noel disse que não tem problema, ele tem que fazer hora-extra no verão pra cumprir a cota de presentes todo ano; no Natal ele trabalha sem parar e depois empresta a fábrica pro Coelhinho e dorme até a Páscoa.
Fiz hoje uns animais.
São muito mais divertidos do que as árvores. Andam sozinhos, matam-se uns aos outros.
Fiz alguns que vivem na água e outros com penas e que voam. Errei com alguns.
É, nem Eu sou perfeito.
Mas onde é que Eu estava com a cabeça quando inventei o cavalo-marinho? Hoje criei uns animais que vivem no chão.
Os que voam estavam fazendo sujeira lá de cima na Minha cabeça! No começo do dia fiz o gato, o cavalo, a ostra, animaizinhos bonitinhos.
Depois resolvi experimentar. Fiz o camelo, o sapo-boi, o iguana gigante das Galápagos, o surfista.
Não fiquei satisfeito.
Misturei um pato, um castor e um morcego e fiz minha obra-prima: ornitorrinco!
Resolvi fazer, ainda, um animal pra botar ordem nisso tudo. Tentei fazê-lo à Minha imagem e semelhança.
Peguei o último monte de barro sagrado, e esculpi uma criatura maravilhosa, belíssima. Como Eu.
Mas antes que Eu desse o sopro da vida, o barro (que estava meio mole) deformou um pouco e deu nisso aí: o Adão.
E o Adão acabou ficando bastante chato. Passou um tempão pedindo uma companheira. Mas o barro tinha acabado.
Ele tanto insistiu que Eu aceitei: "Faço uma companheira, bonita, inteligente, amiga. Mas preciso de matéria-prima.
Vou ter que pegar uma perna e seis costelas suas." Ele pechinchou e ficou por uma costela só.
Mas aí não deu pra fazer uma coisa tão boa assim, só a Eva. Chega!
Já não descansava fazia uma eternidade!
Estava tão cansado que nem consigo me lembrar de quem é esse cérebro que ficou aqui comigo.
Será da Eva?
Hoje Eu resolvi não vou fazer nada, tirei uma folga!
E para isso, criei um lugar consagrado ao ócio, um lugar em que todos podem ficar sem fazer nada!
E lá Eu fiquei de papo pro ar, deitado numa rede, tomando água de coco, e vi que isto era bom.
Vou ficar por lá, até o final dos tempos, se Deus quiser. Aliás, se Eu quiser!