1 INTRODUÇÂO
A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica de mau prognóstico que tem como características anormalidades da função ventricular esquerda acompanhada de ativação do sistema neuro-humoral, aumento da retenção de fluido, e a intolerância aos esforços, além de diminuir a longevidade (PACKER, 1997). Essa síndrome exige gastos em torno de 2% da renda de grandes centros (POOLE- WILSON, SWEDBERG, CLELAND, DI LENARDA, HANRATH, KOMAJDA, LUBSEN, LUTIGER, METRA, REMME, TORP-PEDERSEN, SCHERHAG & SKENE, 2003) e pode acometer em torno de 5% da população (SCHOCKEN, ARRIETA, LEAVERTON & ROSS, 1992). No Brasil, somente no ano de 2002, foram gastos aproximadamente 200 milhões de reais no tratamento da insuficiência cardíaca (ALBANESI, 2005).
O desenvolvimento da insuficiência cardíaca está associado à hiperatividade do sistema nervoso simpático que, apesar de benéfica em situações agudas (pois, exerce efeito inotrópico positivo, o que aumenta o débito cardíaco), é deletéria quando crônica, por levar a diminuição na contratilidade cardíaca, arritmias, remodelamento cardíaco associado à degradação de miócitos, dessensibilização dos receptores pós-sinápticos β
1-adrenérgicos e a ativação de outros sistemas neuro- humorais, tais como o sistema renina-angiotensina-aldosterona (HARRINGTON, LUTREL & ROCKMAN, 2003). Dessa forma, visando minimizar os já citados efeitos deletérios da hiperatividade simpática, os antagonistas β-adrenérgicos passaram a ser um dos principais agentes utilizados na terapia da insuficiência cardíaca e atualmente são foco de inúmeros estudos que têm como objetivo analisar os efeitos dessa droga em portadores de insuficiência cardíaca (DI LENARDA, SABBADINI &
SINAGRA, 2004; POOLE-WILSON, 2004; POOLE-WILSON et al., 2003).
Por muito tempo, o tratamento da insuficiência cardíaca com base no
bloqueio do sistema nervoso simpático, pelo uso de antagonistas β-adrenérgicos, foi
contra-indicado por acreditar-se que a redução da freqüência cardíaca e da
até o inicio da década de 90, a insuficiência cardíaca era conceituada e tratada como um distúrbio hemodinâmico e as principais formas de tratamento incluíam de diuréticos, vasodilatadores e agentes inotrópicos positivos. Tais medicamentos tinham como principal objetivo atenuar os sintomas da síndrome reduzindo a resistência periférica e aumentando a força de contração cardíaca (KATZ, 2003).
Entretanto, com avanço de recursos tecnológicos que proporcionaram o maior entendimento dos mecanismos envolvidos na fisiopatologia da síndrome, a insuficiência cardíaca passou a ser entendida como uma síndrome de natureza neuro-humoral e, conseqüentemente, houve uma mudança de paradigma que levou a uma mudança no tratamento farmacológico da síndrome. Atualmente, é consenso tanto na literatura, (ARONOW, 1997; GOTTLIEB & MCCARTER, 2001; PACKER, COATS, FOWLER, KATUS, KRUM, MOHACSI, ROULEAU, TENDERA, CASTAIGNE, ROECKER, SCHULTZ & DEMETS, 2001) quanto na prática clínica, o poder benéfico da terapia à base do uso de antagonistas β-adrenérgicos, pela redução na freqüência cardíaca, na atividade nervosa simpática, e por melhorar a função cardíaca e diminuir a mortalidade. Inúmeros ensaios clínicos foram conduzidos a fim de entender a ação dos principais β-bloqueadores (EFFECT..., 1999; POOLE-WILSON et al., 2003). Entretanto, apesar de amplamente estudados na literatura e utilizados na prática clínica, as diferenças farmacodinâmicas e farmacocinéticas entre antagonistas β-adrenérgicos de diferentes gerações, assim como, os mecanismos envolvidos na melhora da função cardíaca, ainda não estão totalmente esclarecidos. Três diferentes gerações de antagonistas β-adrenérgicos foram desenvolvidas e utilizadas no tratamento da insuficiência cardíaca (1ª geração – não seletivo para os receptores β-adrenérgicos, 2ª geração – seletivo para o subtipo β
1–adrenérgico e 3ª geração – não seletivo para os receptores β- adrenérgicos e com ação vasodilatadora).
Com o desenvolvimento de diferentes gerações de antagonistas β-
adrenérgicos a importância de se estudar os efeitos de tais medicamentos no
tratamento da insuficiência cardíaca se faz necessária. Dessa forma, os modelos
experimentais passaram a ter importância para o esclarecimento dos efeitos de
diferentes gerações de antagonistas β-adrenérgicos no tratamento da insuficiência
cardíaca. Atualmente, estudamos em nosso laboratório um modelo genético de cardiomiopatia induzida por hiperatividade simpática, o que possibilita seu uso para a avaliação do tratamento farmacológico dessa cardiomiopatia. Previamente foi demonstrado (BRUM, KOSEK, PATTERSON, BERNSTEIN & KOBILKA, 2002) que a deleção dos genes dos receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos proporciona o desenvolvimento da cardiomiopatia por hiperatividade simpática. O desenvolvimento da doença ocorre em função dos receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos inibirem a liberação de catecolaminas nos terminais nervosos simpáticos. Portanto, a deleção destes receptores leva a um aumento da concentração de catecolaminas circulantes.
Tais animais com deleção para os receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos (KO) apresentam 50% de mortalidade aos sete meses de idade e esse alto índice de mortalidade deve-se ao fato de a hiperatividade simpática exercer efeitos deletérios cardíacos, estando entre eles a diminuição significativa na capacidade máxima de realização do exercício físico, a perda de cardiomiócitos e disfunção sistólica associada à diminuição na contratilidade cardíaca.
Portanto, no presente projeto de pesquisa temos como objetivo avaliar o possível efeito terapêutico de antagonistas β-adrenérgicos de três diferentes gerações sobre a tolerância ao esforço, função e ultraestrutura cardíacas e sobrevida em camundongos KO que desenvolvem cardiomiopatia induzida pela hiperatividade simpática.
2 REVISÂO DE LITERATURA 2.1 Insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica de mau prognóstico que
envolve disfunção miocárdica associada à intolerância ao exercício físico, alterações
funcionais e estruturais cardíacas, incidência de arritmias ventriculares, além da
diminuição da expectativa de vida. Segundo dados epidemiológicos, a insuficiência
cardíaca acomete em torno de 1 a 2% da população geral (SCHOCKEN et al.,1992),
podendo esses valores chegar a 5% em grandes centros (SUTTON, 1990). Dados
recentes (GREENBERG, 2004) confirmam que, somente nos Estados Unidos, existem, atualmente, mais de 5 milhões de portadores de insuficiência cardíaca. No Brasil, as doenças do aparelho circulatório são a maior causa de mortalidade e, segundo o DATASUS do Ministério da Saúde
1, somente em 2002 ocorreram 982.807 óbitos, sendo 267.496 devido a doenças do aparelho circulatório, o que representou aproximadamente 27% dos óbitos ocorridos naquele ano.
A insuficiência cardíaca é a via final da maioria das doenças do aparelho circulatório. Com o agravamento da síndrome, observa-se diminuição do débito cardíaco, como conseqüência da perda de eficiência do coração em suprir as demandas do organismo.
Concomitantemente à diminuição do débito cardíaco, observa-se um aumento reflexo na atividade nervosa simpática visando restabelecer o aporte sanguíneo para os tecidos. A ativação reflexa do sistema nervoso simpático é inicialmete benéfica na medida em que o aumento do tônus simpático leva a um aumento na freqüência cardíaca e na força de contração do miocárdio. Entretanto, cronicamente a hiperatividade do sistema nervoso simpático está associada a efeitos deletérios ao tecido cardíaco em virtude da sua alta toxicidade (MOLAVI & MEHTA, 2004), leva a disfunção contrátil (DHALLA, AFZAL, BEAMISH, NAIMARK, TAKEDA &
NAGANO, 1993) e desencadeia arritmias (NERHEIM, BIRGER-BOTKIN, PIRACHA &
OLSHANSKY, 2004). A hiperatividade simpática acarreta em mudanças estruturais importantes no tecido cardíaco, como o aumento na fração de colágeno cardíaco (KATZ, 2002) e a perda de cardiomiócitos. Logo, na tentativa de compensar essa perda de células viáveis, observa-se hipertrofia dos cardiomiócitos remanescentes, que visam manter a função contrátil.
1
Fonte: MS/Funasa/Cenepi-Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Dados
disponíveis no site do DATA-SUS: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/obtmap.htm
Portanto, atualmente é consenso tanto na literatura quanto na prática clinica, a importância da investigação do tratamento da insuficiência cardíaca, uma vez que sua prevalência na sociedade é alta e, segundo previsões, a tendência é de que em dez anos o número de pacientes portadores dessa síndrome seja de aproximadamente 10 milhões (GREENBERG, 2004).
2.2 O tratamento da insuficiência cardíaca: Breve histórico
Entre as décadas de 40 e 80 a insuficiência cardíaca era conceituada principalmente como uma síndrome de natureza hemodinâmica cujos principais sintomas observados eram retenção de fluidos, a alta pressão venosa e o baixo debito cardíaco (KATZ, 2003). A visão de distúrbio hemodinâmico como sendo o principal fator desencadeante da síndrome foi favorecida em virtude de recursos técnicos e tecnológicos existentes na época. Dessa forma, os diuréticos, vasodilatadores e agentes inotrópicos positivos eram as principais terapias da insuficiência cardíaca.
Em relação ao uso de diuréticos no tratamento da síndrome, os mesmos visavam prevenir a congestão observada nos pacientes, pois os diuréticos diminuem a retenção hídrica e, conseqüentemente, diminuem a pressão venosa central.
Entretanto, em longo prazo, observava-se falência renal e hepática associada a uma diminuição de débito cardíaco (KATZ, 2003). Isso provavelmente ocorria em função das altas doses de diuréticos utilizadas, quando essa droga era a base do tratamento dos pacientes.
Os vasodilatadores foram também alvo no tratamento da síndrome na
década de 70 (ROSS, 1976) visando redução da pós-carga aumentada nos
pacientes acometidos. Entretanto, em ensaios clínicos realizados com os principais
vasodilatadores da época, não foi possível observar melhora no prognóstico dos
pacientes tratados com vasodilatadores, tais como hidralazina e flosequinan (COHN,
1993; COHN, ARCHIBALD, ZIESCHE, FRANCIOSA, HARSTON, TRISTANI,
DUNKMAN, JACOBS, FRANCIS, FLOHR, et al., 1986) provavelmente por uma
ativação reflexa dos sistemas nervoso simpático e o sistema renina-angiotensina-
aldosterona, associada à queda da pressão arterial com o uso de vasodilatadores.
Porém, dentre as várias drogas com ação vasodilatadora, vale a pena ressaltar que quando os inibidores da ECA eram usados com o objetivo de diminuir a resistência vascular periférica dos pacientes, observava-se melhora na sobrevida dos mesmos, diferentemente do observado em pacientes tratados com as outras classes de vasodilatadores. Embora os resultados tenham chamado a atenção dos pesquisadores, as razões pelas quais o uso de inibidores do sistema renina- angiotensina-aldosterona melhoravam o prognóstico de portadores de insuficiência cardíaca não foram estudadas a fundo na época (EFECTS…1987; PFEFFER, BRAUNWALD, MOYE, BASTA, BROWN JUNIOR, CUDDY, DAVIS, GELTMAN, GOLDMAN, FLAKER, et al., 1992). No entanto, essa dicotomia na ação dos vasodilatadores no tratamento da insuficiência cardíaca foi o primeiro desafio à visão da insuficiência cardíaca exclusivamente como um distúrbio de natureza hemodinâmica. Mesmo assim, a visão hemodinâmica da síndrome ainda prevaleceu até o início da década de 90.
Por fim, ainda tentando reverter um possível distúrbio hemodinâmico, os agentes inotrópicos positivos foram utilizados tentando compensar o baixo poder inotrópico de um coração insuficiente e com conseqüente baixo debito cardíaco.
Entretanto, tal medicação, além de não promover melhora no prognóstico dos pacientes assim medicados, provocava sensível diminuição na expectativa de vida desses pacientes (XAMOTEROL…, 1990). Essa resposta era observada, porque as doses de agonista β-adrenérgicos utilizadas eram muito elevadas.
Os consecutivos insucessos no tratamento da insuficiência cardíaca com os diuréticos, vasodilatadores e agentes inotrópicos positivos, somados aos avanços tecnológicos que permitiram o desenvolvimento de novos equipamentos, tiveram grande importância e contribuíram para que no início da década de 90 houvesse uma mudança de paradigma ao se conceituar a insuficiência cardíaca. Em paralelo, evidências acumuladas ao longo dos anos mostravam que o distúrbio hemodinâmico na síndrome era acompanhado por hiperativação de sistemas neuro-humorais.
Embora já se soubesse que havia hiperatividade dos nervos simpáticos na
insuficiência cardíaca, somente na década de 80 (COHN, LEVINE, OLIVARI,
GARBERG, LURA, FRANCIS, SIMON & RECTOR, 1984) demonstrou-se que essa hiperatividade simpática estava associada a um mau prognóstico em portadores de insuficiência cardíaca. Com isso, os pesquisadores passaram a atribuir maior participação dos sistemas neuro-humorais no desenvolvimento da síndrome. Dessa maneira, a insuficiência cardíaca passou a ser conceituada de forma mais ampla como um distúrbio neuro-humoral o que acarretou mudanças importantes na abordagem terapêutica da síndrome.
Sendo assim medicamentos que atuassem diretamente na modulação dos sistemas renina-angiotensina-aldosterona e nervoso simpático passaram a ser protagonistas no tratamento da insuficiência cardíaca. Dentre os bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona duas classes importantes do medicamento passaram a ser utilizadas. A primeira delas constituiu-se nos inibidores da enzima conversora da angiotensina (ex. enalapril e captopril). Posteriormente, na década de 90, os bloqueadores dos receptores AT
1da angiotensina II (ex. losartan) também ganharam importância no tratamento da insuficiência cardíaca. Tanto os inibidores da enzima conversora da angiotensina como os antagonistas dos receptores AT
1da angiotensina II promovem remodelamento reverso cardíaco com redução de colágeno. A modulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona também tem importância grande na medida em que sua ativação ou bloqueio tem participação direta na regulação da ação do sistema nervoso simpático (HARRINGTON, LUTREL
& ROCKMAN, 2003).
Os antagonistas β-adrenérgicos proscritos para o tratamento da insuficiência cardíaca até o inicio da década de 90, por se acreditar que os efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos gerados por esse tipo de droga seriam maléficos para o tratamento da doença, passaram a ser, juntamente com os inibidores da enzima conversora da angiotensina e antagonistas dos receptores AT
1da angiotensina II, uma das principais formas de tratamento da insuficiência cardíaca.
Já na década de 90 começaram a surgir as primeiras evidências de que a
terapia com o uso de antagonistas β-adrenérgicos seria benéfica ao paciente com
estudos nessa área, pôde-se observar que, na insuficiência cardíaca, o coração era constantemente exposto a hiperatividade do sistema nervoso simpático. Esta exarcebação simpática provocava taquicardia, aumento do consumo de oxigênio do miocárdio e do potencial de arritmias ventriculares, além de contribuir para a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, provocando morte dos cardiomiócitos e, conseqüentemente, agravando o quadro da insuficiência cardíaca. Por essa razão, o tratamento da doença com o uso de antagonistas β-adrenérgicos passou a ser prescrito, e ensaios clínicos começaram a ser conduzidos com o objetivo de avaliar o efeito do uso de antagonistas β-adrenérgicos no tratamento da insuficiência cardíaca (EFECTS...., 1999; POOLE-WILSON et al., 2003). Estes estudos mostraram que o tratamento da insuficiência cardíaca com o uso de antagonistas β-adrenérgicos era altamente recomendado pois, preveniam o coração da ação deletéria associada ao excesso de catecolaminas.
Vários estudos têm mostrado os benefícios do uso de antagonistas β-
adrenérgicos após um período que varia em média de quatro a oito semanas para
portadores de insuficiência cardíaca (ARONOW, 1997; GOTTLIEB & MCCARTER,
2001; PACKER et al., 2001). Esses benefícios podem ser explicados por uma série
de mecanismos que atuam a partir do bloqueio dos receptores β-adrenérgicos
cardíacos: 1- Redução dos níveis de noradrenalina plasmática e tecidual em
conseqüência da diminuição da atividade do sistema nervoso simpático e bloqueio
dos efeitos tóxicos das catecolaminas sobre os cardiomiócitos com redução de
apoptose e necrose celular. 2- Restabelecimento da densidade dos receptores β
1-
adrenérgicos, outrora alterada em decorrência da doença. 3- Aumento dos níveis de
proteína Gαs, com maior atividade da adenilciclase, maior produção de energia e
maior eficácia das unidades contráteis. 4- Redução dos níveis de secreção de renina
pelo bloqueio simpático, mimetizando a ação dos inibidores da enzima de conversão
da angiotensina e prevenindo o escape da supressão de angiotensina II pelos
inibidores da enzima de conversão da angiotensina. 5- Melhora da função
barorreflexa, redução da pós-carga e melhora da eficiência circulatória. 6- Redução
da falência cardíaca, com menor consumo de oxigênio pelo miocárdio, melhora da
função diastólica, aumento de fluxo coronariano, e redução de isquemia, arritmias
ventriculares e morte súbita (ALMEIDA, DINIZ, VIEGAS, SILVA & CARVALHO, 2000).
Portanto, o estudo do efeito do uso de diferentes tipos de antagonistas β- adrenérgicos na terapêutica da insuficiência cardíaca é importante, para que as ações específicas de cada antagonista β-adrenérgico sejam melhor entendidas.
2.3 Receptores β-adrenérgicos e suas funções na insuficiência cardíaca Os receptores β-adrenérgicos pertencem a uma família de receptores caracterizados por possuírem sete domínios transmembrânicos acoplados a proteína G. Quando o primeiro mensageiro (noradrenalina) se liga aos receptores β
1- adrenérgicos cardíacos, ocorre uma mudança conformacional do receptor que se acopla à proteína estimulatória G
αsque tem três subunidades, α, β e γ . Em seguida, a subunidade α se desacopla das demais subunidades e estimula a enzima adenil ciclase. Com isso, há aumento das concentrações de AMP-cíclico intracelular (segundo mensageiro). O aumento das concentrações de AMP-cíclico faz com que os mesmos ativem a proteína quinase-A (PKA). As subunidades catalíticas da PKA fosforilam inúmeras proteínas intracelulares, principalmente as proteínas que regulam as concentrações de cálcio no citosol, regulando assim, todo o processo de contração e relaxamento miocárdico.
No coração, a via β-adrenérgica exerce papel fundamental, tendo em vista que os receptores α-adrenérgicos estão em menor quantidade no miocárdio. Em relação aos subtipos de receptores β-adrenérgicos cardíacos, os receptores β
1- adrenérgicos estão expressos em maior quantidade quando comparados aos receptores β
2-adrenérgicos (80: 20 %, respectivamente) prevalecendo, dessa forma, a ação dos receptores β
1-adrenérgicos. Na insuficiência cardíaca a relação β
1: β
2modifica-se, pois ocorre “downregulation” dos receptores β
1-adrenérgicos na
membrana, fazendo com que a razão β
1: β
2chegue a valores de aproximadamente
60: 40% (BRISTOW, 1993). O processo de “downregulation” consiste na
Como os receptores β
2-adrenérgicos têm menor ação inotrópica positiva, pois se acoplam tanto a proteína Gs como a proteína Gi (BRISTOW, GINSBURG, UMANS, FOWLER, MINOBE, RASMUSSEN, ZERA, MENLOVE, SHAH & JAMIESON, 1986), há uma diminuição da função contrátil cardíaca. Portanto, a diminuição na densidade de receptores β
1-adrenérgicos de membrana associa-se a reduções da resposta inotrópica e cronotrópica ao exercício físico e a uma conseqüente diminuição de tolerância à realização de esforço físico.
2.4 β-bloqueadores de diferentes gerações
Atualmente, na prática clínica, o uso de antagonistas β-adrenérgicos constitui-se em um dos principais tratamentos da síndrome da insuficiência cardíaca.
Entretanto, o mercado tem oferecido uma variedade de antagonistas β-adrenérgicos com diferentes propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas, classificados em três diferentes gerações (TABELA 1). Dentre os antagonistas β-adrenérgicos de primeira geração, o propranolol foi o mais utilizado para o tratamento pós-infarto e o tratamento da insuficiência cardíaca (ARONOW, 1997; GOTTLIEB & MCCARTER, 2001). Os antagonistas β -adrenérgicos de primeira geração apresentam a característica de serem antagonistas não-seletivos para receptores β-adrenérgicos, ou seja, exercendo sua ação sobre os subtipos β
1e β
2-adrenérgicos. Os antagonistas β-adrenérgicos de segunda geração são seletivos para receptores β
1-adrenérgicos, usados primariamente no tratamento da hipertensão arterial (ALMEIDA et al, 2000).
Como exemplos dessa classe de antagonistas β-adrenérgicos, podemos citar o
bisoprolol e metoprolol. Não são raros na literatura estudos utilizando essas drogas,
porém são mais freqüentes estudos utilizando o metoprolol (CLEMENTS & MILLER,
2001; PACKER et al., 2001; RAJPUT, GNANASEKERAM, SATWANI, DAVENPORT,
GRACELY, GOPALAN & NARULA, 2003). A terceira geração de antagonistas β-
adrenérgicos tem a característica de não serem seletivos exercendo sua ação sobre
ambos os subtipos de receptores β
1e β
2-adrenérgicos. Além dessa característica
semelhante aos antagonistas β-adrenérgicos de primeira geração, essa família de
antagonistas β-adrenérgicos apresenta outras ações auxiliares, tais como, vasodilatadora e antioxidante. Como exemplo de antagonistas β-adrenérgicos de terceira geração, podemos citar o carvedilol e bucindolol (bucindolol parece não ser tão eficaz quanto o carvedilol, pois parece ser um agonista parcial, o que na clínica é chamado como atividade simpatomimética intrínseca). Estudos com o carvedilol são encontrados com freqüência na literatura recente (AL-NASSER, YOUSUFUDDIN, AL-NOZHA, ANKER, COATS, PIEPOLI & PONIKOWSKI, 2003; DE MATOS, GARDENGHI, RONDON, SOUFEN, TIRONE, BARRETTO, BRUM, MIDDLEKAUFF
& NEGRÃO, 2004; PACKER et al., 2001; RAJPUT et al., 2003), demonstrando a importância que tal medicação tem tido no tratamento da insuficiência cardíaca.
TABELA 1 - Geração e ação dos diferentes tipos de antagonistas β-adrenérgicos
Apesar de os estudos com diferentes gerações de antagonistas β- adrenérgicos existirem em grande número, parece não haver um consenso sobre qual seria a melhor geração de antagonista β-adrenérgico a ser utilizada na clínica da insuficiência cardíaca. Além disso, há carência de estudos mais aprofundados sobre
Geração antagonistas β-adrenérgicos Ação
1
ageração Propanolol antagonistas β-adrenérgicos
não-seletivos
2
ageração Bisoprolol
Metoprolol
antagonistas β-adrenérgicos seletivos para receptores adrenérgicos do subtipo β
13
ageração Carvedilol
Bucindolol
antagonistas β -adrenérgicos
não seletivos e com ação
vasodilatadora e antioxidante
o efeito de tal tratamento na função cardíaca, no remodelamento cardíaco e nos mecanismos envolvidos nessa melhora.
A literatura e a prática clínica, de maneira geral, demonstram particular interesse em entender os efeitos do metoprolol e carvedilol no tratamento da insuficiência cardíaca.
O fato de o metoprolol ser um antagonista β-adrenérgico específico para receptores β
1-adrenérgicos (TABELA 1) parece ser um ponto positivo, na medida em que, atualmente, vem se entendendo melhor o papel das vias intracelulares β- adrenérgicas. Vários estudos (CHESLEY, LUNDBERG, ASAI, XIAO, OHTANI, LAKATTA & CROW, 2000; COMMUNAL, SINGH, SAWYER & COLUCCI, 1999; ZHU, ZHU, LU, WANG, WANG & YAO, 2003) demonstraram os diferentes papéis das vias β
1e β
2-adrenérgicas na regulação da apoptose celular do tecido cardíaco. Sabe-se que a ativação da via β
2-adrenérgica na insuficiência cardíaca tem um efeito anti- apoptótico importante modulado pela ligação da proteína G
áià fosfadilinositol 3- quinase (PI-3K). Na insuficiência cardíaca o processo de morte celular programada é um dos principais fatores de remodelamento cardíaco e perda de função cardíaca, portanto, não se sabe ao certo até que ponto bloquear os receptores β
2-adrenérgicos é desejável.
Os antagonistas β-adrenérgicos de 1ª e 3ª gerações são conhecidos
(TABELA 1) por serem inespecíficos, ou seja, exercem sua ação antagonista tanto
para receptores β
1-adrenérgicos quanto receptores β
2-adrenérgicos. Tanto na prática
clínica quanto na literatura, o carvedilol vem sendo o antagonista β-adrenérgicos
mais utilizado. Esta preferência deve-se principalmente à sua ação vasodilatadora
(bloqueio dos receptores α
1- adrenérgicos). Entretanto, parece que o efeito
vasodilatador do carvedilol é perdido com o passar do tempo (KUBO, AZEVEDO,
NEWTON, PACKER & FLORAS, 2001). Outra importante propriedade do carvedilol é
a sua ação antioxidante. Demonstrou-se que em ratos enfartados, que o tratamento
de dois meses com carvedilol foi suficiente para gerar efeitos antioxidante no tecido
cardíaco. Nesse mesmo estudo, demonstrou-se que o metoprolol também tem um
efeito antioxidante associado, porém de menor magnitude (KAWAI, QUIN, SHITE, MAO, FUKUOKA & LIANG, 2004)
Os estudos sobre o tratamento da insuficiência cardíaca com os antagonistas β-adrenérgicos ainda necessitam de maiores esclarecimentos quanto às implicações que as diferentes propriedades dessas drogas podem proporcionar.
Dessa maneira, o presente projeto, valendo-se de um modelo experimental com animais geneticamente modificados que desenvolvem cardiomiopatia por hiperatividade simpática, aborda questões a respeito da ação dos antagonistas β- adrenérgicos sobre a resposta da freqüência cardíaca, pressão arterial, remodelamento cardíaco e função ventricular. Espera-se com isso ampliar os conhecimentos a respeito dos mecanismos celulares envolvidos na melhora da função cardíaca em portadores de insuficiência cardíaca sob o uso de antagonistas β-adrenérgicos.
2.5 Modelo genético de cardiomiopatia por hiperatividade simpática Os receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos são responsáveis pela regulação da ação do sistema nervoso simpático no coração. Centralmente, no bulbo rosto ventro lateral, os receptores α
2A-adrenérgicos são pós-sinápticos e modulam negativamente o tônus simpático (ALTMAN, TRENDELENBURG, MACMILLAN, BERNSTEIN, LIMBIRD, STARKE, KOBILKA & HEIN, 1999) Nos terminais nervosos, os receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos são pré-sinápticos e regulam negativamente a liberação de noradrenalina para o coração. Portanto a ausência de receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos leva a um aumento crônico da atividade nervosa simpática em
camundongos (HEIN, ALTMAN & KOBILKA, 1999). Com estes conhecimentos
prévios, e estudando camundongos KO, foi demonstrado que aos quatro meses de
idade esses animais apresentavam comprometimento da função cardíaca, com
evidências de lesões dos cardiomiócitos, intolerância ao esforço e redução do
consumo pico de oxigênio (BRUM et al., 2002). Esses resultados sugeriram,
portanto, que o aumento crônico da atividade nervosa simpática estava associado à
progressão da cardiomiopatia em camundongos. De fato, aos sete meses de idade, os camundongos KO apresentam insuficiência cardíaca com aumento do teor de água nos pulmões.
Dessa forma, esses animais geneticamente modificados se constituem em um interessante modelo experimental para estudar o tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca por hiperatividade simpática.
Considerando-se que os camundongos KO apresentam hiperatividade simpática e mortalidade de aproximadamente 50% aos sete meses de idade (BRUM, et al., 2002) nos propusemos, no presente estudo, a investigar o efeito da terapia com antagonistas β -adrenérgicos de diferentes gerações sobre a função e ultraestrutura cardíacas em camundongos KO na faixa etária de cinco a sete meses, quando a cardiomiopatia é grave e associada a insuficiência cardíaca.
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
Estudar o efeito das três diferentes gerações de antagonistas β- adrenérgicos (propranolol, metoprolol e carvedilol) no tratamento da cardiomiopatia induzida por hiperatividade simpática, em camundongos KO na faixa etária de cinco a sete meses.
3.2 Objetivos específicos
Estudar em camundongos KO o efeito do tratamento com propranolol, metoprolol e carvedilol na:
• Tolerância ao exercício físico;
• Pressão arterial e freqüência cardíaca no repouso;
• Função ventricular;
• Peso da gordura corporal (retroperitonial e epididimal);
• Morfometria cardíaca, analisando-se, o diâmetro de miócitos e a fração de colágeno;
• Mortalidade ao longo do estudo.
Temos como hipótese que o uso de antagonistas β-adrenérgicos de segunda e terceira geração serão mais eficazes no tratamento da insuficiência cardíaca em função de suas propriedades auxiliares e de sua melhor tolerabilidade.
4 MATERIAL E METÓDOS
4.1 Amostra
Para a realização do presente projeto foi utilizado camundongos machos controle e KO, da cepa C57/BL6, com 20 semanas de vida, provenientes do Biotério Central da Faculdade de Medicina da USP.
Os camundongos utilizados neste estudo foram mantidos em biotério, com temperatura controlada entre 22 e 25° C e ciclo claro-escuro (12 horas) invertido.
Todos os procedimentos cirúrgicos e protocolos foram realizados de acordo com os Princípios Éticos de Experimentação animal adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA, www.cobea.org.br). O presente projeto de pesquisa integra o projeto de jovem pesquisador intitulado “Efeito do treinamento físico na cardiomiopatia induzida por hiperatividade simpática”, aprovado pelo Comitê de Ética da EEFE-USP (parecer CEP n
o004)
4.2 Identificação dos animais e genotipagem 4.2.1 Identificação dos animais
Os animais foram identificados com um dispositivo introduzido
subcutâneamente no dorso, após anestesia com éter. Cada dispositivo continha um
código com letras e números, o qual foi identificado por aparelho eletrônico capaz ler
o dispositivo utilizado.
4.2.2 Genotipagem
Para a genotipagem dos camundongos KO foi extraído DNA genômico por biopsia realizada na orelha esquerda dos animais. A genotipagem foi realizada por reação de polimerização em cadeia (PCR -polymerase chain reaction) em termociclador utilizando-se oligonucleotídeos iniciadores (primers) para a detecção dos genes intactos e com ruptura dos genes dos receptores α
2Ae α
2Cadrenérgicos.
Oligonucleotídeos para genotipagem dos receptores α
2A-adrenérgicos:
WTA sense: 5’ CTG CTC ATG CTG TTC ACA GTC ATT TG3’
WTA antisense: 5’ CCA CAC GGT GAC AAT GAT GGC CTT3’
Neo/sense: 5’ CGA GAT CCA CTA GTT CTA GCC TCG3’
Oligonucleotídeos para genotipagem dos receptores α
2C-adrenérgicos:
WTC sense: 5’ CAT CTT GTC CTC CTG CAT AGG CTC3’
WTC antisense: 5’ TCT CAT CCG GCT CCA CTT CAG TG3’
Neo/sense: 5’ GGG AGG ACA ATA GCA GGC ATG CTG3’
4.3 Pesagem corporal
A evolução do peso corporal de todos os animais foi acompanhada semanalmente, antes e durante o período de treinamento físico até o sacrifício, por balança semi-analítica (Gehaka, modelo AG 200).
4.4 Administração dos antagonistas β-adrenérgicos
A administração dos antagonistas β-adrenérgicos foi feita via gavagem em
dose estabelecida no estudo-piloto. O tratamento com todos os antagonistas β-
adrenérgicos teve duração de oito semanas, com início na 20ª semana de vida
desses animais. Os animais receberam o medicamento durante o período de
tratamento sempre no período da manhã. Foram utilizados os seguintes antagonistas β-adrenérgicos:
Propranolol (Sigma, EUA) 1
ageração, antagonistas β-adrenérgicos não- seletivo, ou seja, que exerce sua ação sobre os receptores β
1quanto β
2-adrenérgicos (20 mg/kg).
Metoprolol (Sigma, EUA) 2
ageração, antagonistas β-adrenérgicos seletivo para receptores do subtipo β
1-adrenérgico (165 mg/kg).
Carvedilol (Baldacci, Br)
23
ageração, antagonista β-adrenérgico não- seletivo e vasodilatador (antagonista receptores α
1-adrenérgicos) e com ação anti- oxidante (38 mg/kg).
.
4.5 Avaliação da capacidade funcional
A tolerância ao exercício físico foi estimada através de um teste progressivo até a exaustão, em esteira rolante, em camundongos com cinco e sete meses de idade.
O teste progressivo até a exaustão consistiu em um protocolo de exercício físico escalonado, em que a velocidade inicial era de 6m/min com incrementos de 3m/min a cada três minutos até a exaustão do animal (FERREIRA, ROLIN, GRANÁ, BARTHOLOMEU & BRUM, 2004). A exaustão foi identificada no momento em que o animal não conseguia mais manter o padrão de corrida. As variáveis analisadas foram o tempo e a distância percorrida durante o teste máximo.
2 O Carvedilol foi gentilmente cedido pela Companhia farmacêutica Baldacci que apóia esse estudo.
4.6 Avaliação cardiovascular 4.6.1 Avaliação ecocardiográfica
As medidas ecocardiográficas seguiram as recomendações do Comitê de Padronização do modo M da Sociedade Americana de Ecocardiografia (SAHN, DEMARIA, KISSLO & WEYMAN, 1978).
O exame ecocardiográfico transtorácico foi realizado antes e após o
período de tratamento farmacológico, quando os animais estivessem com cinco e
sete meses de idade, respectivamente. Os exames foram realizados por um único
observador que estava cego tanto para o genótipo quanto para o tipo de tratamento
realizado. Em cada exame foi coletado um total de cinco medidas para cada variável,
sendo calculados posteriormente, a média, o desvio padrão da média e o erro padrão
da média dessas medidas. O exame ecocardiográfico foi realizado com os animais
anestesiados pelo anestésico volátil halotano, sendo mantido um fluxo constante de
O
2misturado ao anestésico. Este animal anestesiado foi colocado em decúbito dorsal
em uma mesa cirúrgica apropriada para o posicionamento do transdutor no
hemitórax esquerdo do animal. Foi utilizado o equipamento SEQUOIA 512 (ACUSON
Corporation, Mountain View, CA), com transdutor de 14 MHz. As imagens foram
feitas com uma freqüência de 14 MHz, para a otimização da resolução e a
penetração do animal. Para registro das imagens foi utilizado gel de transmissão
para ultrassom de viscosidade média/alta (General Imaging Gel, ATL. Reedsville,
USA). As imagens foram armazenadas em fitas de videocassete (Sony SVO-9500
MD), em discos ópticos (Sony 128Mb) e em papel fotográfico (Sony, Color Video
Printer Mavigraph UP-5600 MDU). A partir da visualização do ventrículo esquerdo
(corte transversal) ao nível dos músculos papilares foi realizado o modo M e obtidas
as medidas das seguintes variáveis: diâmetro diastólico (DDFVE) e sistólico (DSFVE)
do ventrículo esquerdo e a espessura do septo interventricular e da parede posterior
do ventrículo esquerdo em sístole e diástole. Após a realização das medidas foi
calculada a massa do ventrículo esquerdo, segundo orientação da Sociedade
Americana de Ecocardiografia, que estima a massa do ventrículo esquerdo pela da
utilização da seguinte fórmula matemática: LVM = [(DDFVE+SIV+PP)
3– (DDFVE)3] x
1,047, onde 1,047 (mg/mm
3). Além da massa do ventrículo esquerdo, foi calculada a fração de encurtamento do ventrículo esquerdo (Fen% = [DDFVE – DSFVE)/DDFVE]
x (100).
FIGURA 1- Análise ecocardiográfica em modo monodimensional realizada em camundongos. Onde: 1; espessura do septo interventricular na diástole;
2; diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; 3; espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo na diástole; 4; espessura do septo interventricular na sístole; 5; diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo;
6; espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo na sístole.
4.6.2 Medida da pressão arterial e freqüência cardíaca
A medida indireta da pressão arterial caudal foi realizada pelo método de pletismografia de cauda. O camundongo foi colocado numa caixa restritora com a superfície aquecida o suficiente para vasodilatar a artéria caudal. Em seguida, um esfigmomanômetro (adaptado para camundongos) foi colocado na cauda do animal e insuflado até a obstrução total do fluxo sanguíneo para a artéria caudal. Em seguida,
1 2 5
4
3 6
a pressão do aparelho foi diminuída lentamente até a captação dos primeiros picos de pressão arterial sistólica. A pressão arterial foi captada por um transdutor eletromagnético (Kent Scientific) localizado na cauda do animal e conectado a um amplificador (General Purpose Amplifier-Stemtech, Inc.). O sinal era repassado para um conversor de sinal analógico da pressão arterial para digital (Stemtech, Inc) e registrado em tempo real no microcomputador (Gateway 2000, 4DX2, 66V), sendo analisado pelo programa AT/CODAS com uma freqüência de amostragem de 1000Hz por canal.
Esse método visava avaliar a freqüência cardíaca e da pressão arterial caudal ao longo do período de tratamento.
4.7 Sacrifício e coleta de tecidos
Vinte e quatro horas após a realização do teste de capacidade funcional, os animais foram sacrificados por deslocamento cervical.
Após o sacrifício dos camundongos, foi realizada excisão do coração para ulterior pesagem. Além disso, as gorduras retroperitoneal e epididimal (que auxiliaram na estimação da gordura corporal) foram pesadas e comparadas entre os grupos.
O sangue será centrifugado para separação do plasma e guardados em freezer -80° C.
Os corações foram submetidos à separação das câmaras em átrios,
ventrículo direito e ventrículo esquerdo, sendo que o septo ventricular em sua
totalidade fez parte do ventrículo esquerdo. Em seguida, as câmaras foram pesadas
separadamente. Apenas os átrios foram pesados conjuntamente. Os ventrículos
esquerdos foram rapidamente imersos em formalina tamponada 4% por 48 horas,
para ulterior processamento histológico.
4.8 Análise morfométrica cardíaca
Após 48 horas de fixação, o ventrículo esquerdo foi submetido ao processamento histológico habitual, com cortes de quatro micra e coloração por hematoxilina-eosina ou picrossírius. A análise morfométrica cardíaca foi realizada pela medida do diâmetro transverso dos cardiomiócitos e da avaliação do grau de fibrose do miocárdio. Estes experimentos foram realizados em colaboração com o Prof. Dr. José Eduardo Krieger (InCor-FMUSP).
A medida do diâmetro transverso dos cardiomiócitos foi realizada em sistema computadorizado (LEICA QUANTIMET 500), com aumento de 400x. Os cardiomiócitos utilizados para medida estavam localizados na parede livre do ventrículo esquerdo e orientados em corte longitudinal. O critério de escolha foi a integridade do cardiomiócito e a localização central do núcleo. O diâmetro dos cardiomiócitos foi considerado a partir de uma média de 10 valores medidos para cada animal.
Uma outra parte dos ventrículos esquerdos foram armazenados em formalina 4% foram destinados à análise quantitativa de colágeno. Os ventrículos esquerdos foram cortados em quatro níveis equidistantes em anéis de 5 µm ao longo de seu maior eixo. Os anéis foram embebidos em parafina e corados com Picrossírius. A seguir, o grau de fibrose do miocárdio foi avaliado pelo método de volumetria de pontos através de microscópio óptico. O volume relativo ocupado por tecido conjuntivo nos ventrículos foi medido aleatoriamente com uma ocular especial contendo um retículo de integração de 25 pontos (cinco linhas paralelas com cinco pontos cada). Foi avaliado o número de vezes em que os pontos caem sobre tecido conjuntivo em 25 campos microscópicos. A fração de volume ocupada por tecido conjuntivo (Ppi) foi calculada através da fórmula:
Ppi = p/P
Onde, p é a soma do número de pontos que caem sobre áreas
preenchidas com tecido conjuntivo, P é o número total de pontos que caem no
campo total da lâmina. Esta análise teve como objetivo identificar possíveis alterações histopatológicas decorrentes da miocardiopatia tóxica desenvolvida pelos camundongos KO e o possível remodelamento cardíaco após o período de tratamento farmacológico.
4.9 Análise estatística
Os dados obtidos neste estudo estão apresentados na forma de média ± erro padrão da média. A porcentagem de sobrevida foi analisada pelo teste Mantel- Haenszel logrank e modelo de regressão de Cox.
As variáveis peso corporal, pressão arterial caudal, freqüência cardíaca, tolerância ao esforço e ecocardiograma, foram comparados entre os grupos pela análise de variância de um caminho (ANOVA) para medidas repetidas. O peso das gorduras, diâmetro de miócitos e fração de colágeno pela analise de variância de um caminho.
Em caso de significância foi utilizado post-hoc de Tukey. Para todas as análises, foram adotados como nível de significância valores com p ≤0,05.
5 RESULTADOS
Apresentaremos na presente seção os resultados do estudo realizado com
camundongos controle e camundongos KO, subdivididos de acordo com a TABELA
2.
TABELA 2- Amostra utilizada e distribuição entre os grupos controle (CO) e com deleção dos receptores α
2A/ α
2Cadrenérgicos (KO)
Grupo controle Grupo KO
Salina 22
Salina 22
Propranolol 22
Metoprolol 30
Carvedilol 20
5.1 Teste de tolerância ao esforço
Antes e após o período de tratamento dos animais foram realizados testes de exercício progressivo escalonado até a exaustão, em esteira rolante, com o intuito de verificar a tolerância ao esforço nos camundongos controle e com cardiomiopatia.
Observamos que os animais KO apresentaram intolerância ao esforço aos cinco meses de idade quando comparados aos camundongos controle de mesma faixa etária (FIGURA 2). Essa resposta se manteve aos sete meses de idade.
Interessante nos camundongos KO, o tratamento com antagonistas β-adrenérgicos
não modificou a tolerância ao esforço.
100 150 200 250 300 350 400 450
CO KOS KOP KOM KOC
Distânciapercorrida(m)
pré-tratamento pós-tratamento
* *
FIGURA 2- Distância percorrida no teste de esforço antes e após período de experimento em camundongos controle (CO) e com deleção dos receptores α
2A/ α
2Cadrenérgicos (KO) tratados com salina (S), propranolol (P), metoprolol (M), e carvedilol (C)
* Diferença significativa vs KO
Os dados foram comparados entre os grupos pela análise de variância de um caminho (ANOVA) para medidas repetidas com post-hoc de Tukey. (p ≤ 0.05)
5.2 Medidas cardiovasculares
5.2.1 Evolução da pressão arterial caudal e freqüência cardíaca
Na FIGURA 3 observamos que o comportamento da pressão arterial caudal medida nos grupos estudados ao longo de oito semanas de experimento.
Conforme observado, não encontramos alteração da PA caudal em nenhum dos
grupos estudados. A não modificação da pressão arterial nesse modelo genético de
cardiomiopatia por hiperatividade simpática já era esperada e foi demonstrada anteriormente em nosso laboratório.
40 60 80 100 120 140 160 180 200
1 2 3 4 5 6 7 8
P .A (m m H g) CO
KOS KOP KOM KOC
FIGURA 3- Resposta da pressão arterial ao longo do período de experimento em camundongos controle (CO) e com deleção dos receptores α
2A/ α
2Cadrenérgicos (KO) tratados com salina (S), propranolol (P), metoprolol (M), e carvedilol (C)
Na FIGURA 4 observamos que a freqüência cardíaca durante o período
de tratamento. Nos camundongos KO tratados com salina observamos taquicardia
basal típica desse modelo de cardiomiopatia. Esses resultados de freqüência
cardíaca demonstram que as doses dos antagonistas β -adrenérgicos utilizados no
projeto de pesquisa são de fato equipotentes em reduzir a freqüência cardíaca, o que
facilitou a comparação intergrupos. Além disso, a redução da freqüência cardíaca
parece estar associada à melhora na função sistólica, representada pela fração de
encurtamento como pode ser observado na FIGURA 5.
450 500 550 600 650 700 750 800 850
1 2 3 4 5 6 7 8
semanas
FC (b pm ) CO
KOS KOP KOM KOC
# #
FIGURA 4- Resposta da freqüência cardíaca durante o período de experimento em camundongos controle (CO) com deleção dos receptores α
2A/ α
2Cadrenérgicos (KO) tratados com salina (S), propranolol (P), metoprolol (M) e carvedilol (C)
# Diferença significativa vs CO,KOP, KOM e KOC
Os dados foram comparados entre os grupos pela análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas com post-hoc de Tukey. (p ≤ 0.05)
5.3 Avaliação da função ventricular
Observamos na FIGURA 5 a realização do exame ecocardiográfico em
camundongos. Portanto, a seguir, apresentaremos os dados de fração de
encurtamento (índice de função sistólica) obtidos antes e após o período de dois
meses de tratamento com antagonistas β-adrenérgicos, com o intuito de verificar o
efeito respectivo dos antagonistas β -adrenérgicos de diferentes gerações sobre a
função sistólica. Os camundongos KO tratados com salina apresentaram redução de
fração de encurtamento quando comparados aos camundongos controle de mesma
faixa etária, (15% vs 21% respectivamente p ≤ 0,05). Interessante, o tratamento com
antagonistas β-adrenérgicos, independente da geração utilizada, restaurou a fração de encurtamento nos camundongos KO.
0 5 10 15 20 25
CO KOS KOP KOM KOC
FS (% )
pré-tratamento pós-tratam ento
#
#
#
# #
* * *
FIGURA 5- Fração de encurtamento (FS) antes e após período de experimento em camundongos controle (CO) e com deleção dos receptores α
2A/ α
2Cadrenérgicos (KO) tratados com salina (S), propranolol (P), metoprolol (M), e carvedilol (C)
* Diferença significativa para pré-tratamento (p ≤ 0.05)
# Diferença significativa para CO e pós-tratamento (p ≤ 0.05)
Os dados foram comparados entre os grupos pela análise de variância de um caminho (ANOVA) para medidas repetidas com post-hoc de Tukey.
Na TABELA 3 observamos os dados de diâmetro do ventrículo
esquerdo durante a sístole e durante a diástole obtidos no exame
ecocardiográfico. Além disso, podemos observar a freqüência cardíaca durante o
exame.
Embora não tenhamos observado diferença significante no diâmetro
diastólico final do ventrículo esquerdo dos camundongos KO quando comparados
aos camundongos do grupo controle, o diâmetro sistólico final estava
significantemente aumentado nos camundongos KO tratados com salina em
relação aos demais grupos estudados. Esses dados sugerem que o tratamento
com antagonistas β-adrenérgicos reverte a dilatação do ventrículo esquerdo em
sístole nos camundongos com cardiomiopatia. Interessante, durante o exame a
freqüência cardíaca entre os grupos estudados foi mantida semelhante para que
evitássemos sua influencia sobre a contratilidade, já que o aumento da
freqüência cardíaca aumenta a contratilidade cardíaca.
TABELA 3- Diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo (DSFVE) diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDFVE) e freqüência cardíaca (FC) durante exame ecocardiográfico em camundongos controle (CO) e com deleção dos receptores α
2A/ α
2Cadrenérgicos (KO) tratados com salina (S), propranolol (P), metoprolol (M), e carvedilol (C).
*Diferença significativa para CO pré CO pós, KOP pós, KOM pós e KOC pós (p ≤ 0.05). Os dados foram comparados entre os grupos pela análise de variância de um caminho (ANOVA) para medidas repetidas com post-hoc de Tukey.
5.4 Avaliação da massa corporal ao longo do período de tratamento
A evolução do peso corporal dos animais utilizados no experimento foi acompanhada durante as oito semanas de tratamento, e, como se observa na FIGURA 7, não houve diferença significativa no peso dos camundongos durante tal período.
DSFVE pré (mm)
DSFVE pós (mm)
DDFVE pré (mm)
DDFVE pós (mm)
FC pré (bpm)
FC pós (bpm) CO
3,01 ± 0,08 2,99 ± 0,08 3,86 ± 0,09 3,85 ± 0,09 433 ± 31 448 ± 38
KOS
3,35 ± 0,02 3,36 ± 0,07* 3,96 ± 0,02 3,97 ± 0,09 451 ± 42 437 ± 45
KOP
3,38 ± 0,07 3,16 ± 0,05 4,04 ± 0,07 4,01 ± 0,05 435 ± 31 440 ± 35
KOM
3,40 ± 0,05 3,10 ± 0,03 4,05 ± 0,06 4,02 ± 0,09 455 ± 37 464 ± 44
KOC