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Disputa pela água entre Rio e São Paulo

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palavra final Jerson Kelman

66 Brasil Energia, nº 406, setembro 2014

Disputa pela água entre Rio e São Paulo

A UHE Jaguari, localizada nas cabe- ceiras do rio Paraíba do Sul, em território do Estado de São Paulo, foi objeto de algumas reportagens quando o gover- no de SP anunciou a pretensão de fazer uma obra para transpor 5 m3/s do re- servatório de Jaguari para o reservatório Atibainha, localizado na bacia hidrográ- fica vizinha, com o objetivo de reforçar o abastecimento da região metropolitana de SP. Depois Jaguari voltou às manche- tes quando a CESP (concessionária da UHE Jaguari) desobedeceu a uma de- cisão operativa do ONS por orientação do governo de São Paulo, supostamen- te para garantir o abastecimento da pe- quena cidade de Santa Izabel. Ou, mais provavelmente, para reforçar a proposi- ção da obra Jaguari-Atibainha.

Para entender melhor o imbróglio, suponha que se pinte de vermelho uma gota de água no reservatório da UHE Jaguari. Em princípio, essa gota escoa- ria ao longo do vale do Paraíba do Sul e desembocaria no mar perto da cidade de Campos. No entanto, ao longo do percurso a gota poderia ser captada em uma ou mais cidades para abastecimen- to das populações.

Na realidade, a situação é um pou- co mais complicada: a gota poderia ser utilizada também no abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro, que fica fora da bacia hidrográfica. Isso porque, quando chegasse ao município fluminense de Barra do Piraí, poderia se- guir o caminho natural ou ser “captura- da” pelas bombas da estação elevató- ria de Santa Cecília, operada pela Light.

Nessa possibilidade, a gota seria empur- rada para cima uns 35 m, consumindo

energia, e depois despencaria de uma altura de mais de 300 m, produzindo energia nas usinas da Light.

Depois de passar pelas usinas, a go- ta continuaria o percurso, engrossando o Rio Guandu. No caminho em direção à Baía de Sepetiba poderia ser captada pela Estação de Tratamento de Água do Guandu (ETA), operada pela Cedae. Se não existisse a transposição Paraíba do Sul-Guandu, o rio Guandu seria um fi- lete de água e a Cedae não teria como abastecer grande parte da região me- tropolitana do RJ.

Como a vazão utilizada na ETA é menor do que metade da vazão míni- ma que flui pelo Guandu, o governo de SP tem argumentado que seria possí- vel subtrair 5 m3/s do limite inferior de 160 m3/s para a vazão afluente à eleva- tória de Santa Cecília. É claro que sim, isso seria possível. No entanto, há uma complicação: no percurso entre as usi- nas da Light e a ETA, o rio Guandu re- cebe alguns afluentes que atualmente trazem enorme carga de poluição, fru- to da falta de saneamento na bacia de contribuição. Por causa disso, nas con- dições de hoje, é preciso que haja su- ficiente vazão no Guandu para diluir a poluição e permitir que a água seja tra- tável. Em outras palavras, haveria um colapso de abastecimento se a vazão do Guandu fosse menor do que uma va- zão crítica, não por uma limitação qua- litativa e sim pela incapacidade de tra- tar uma água excessivamente poluída.

Qual é exatamente essa vazão crítica só quem opera a ETA seria capaz de dizer.

Não deve ser pequena, porque nos úl- timos anos a Cedae se opôs à diminui-

ção da vazão do rio Guandu pretendida pela Light para manutenção preventiva das estruturas hidráulicas da transpo- sição, mesmo que por algumas horas.

Essa dificuldade operacional aumenta a probabilidade – felizmente ainda pe- quena – de uma pane. Caso, porém, al- gum sinistro ocorra, faltaria água na re- gião metropolitana do RJ por um perío- do indefinido.

Seria possível alocar mais água para abastecimento urbano, inclusive da re- gião metropolitana de SP, diminuindo a vazão crítica no Guandu. Bastaria, por exemplo, executar uma obra “emer- gencial”, concebida há 20 anos (!), para deslocar o desemboque de dois rios al- tamente poluídos de montante para ju- sante da ETA. Haveria alguma diminui- ção de geração nas usinas da Light, com correspondente rebatimento comercial (diminuição das energias garantidas).

Mas o abastecimento de água para as populações é prioritário sobre qualquer outro uso da água, inclusive para a pro- dução de energia elétrica.

Alternativamente, uma boa gestão dos recursos hídricos permitiria alocar o recurso escasso de forma mais inteli- gente. Por exemplo, como o valor agre- gado de cada metro cúbico utilizado na irrigação tende a ser menor que o va- lor agregado nos demais setores, quan- do numa situação em que os rios estão quase secos faz sentido oferecer incen- tivos econômicos aos agricultores para que optem voluntariamente pela dimi- nuição da atividade agrícola.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses.

E-mail: jerson@kelman.com.br

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