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Efeitos biológicos da radiação X e radioprotecção em medicina veterináriaBiologic effects of X-radiation and radiation safety in veterinary medicine

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Academic year: 2021

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ARTIGO DE REVISÃO

Resumo: O diagnóstico radiográfico implica a utilização de radiação electromagnética ionizante (radiação X). Da interac- ção do feixe primário de raio X com o animal surge a radiação secundária com energia suficiente para sair do animal e ser dispersa na sala de raios X. A radiação ionizante tem efeitos bio- lógicos adversos, sendo considerada um perigo ambiental e ocu- pacional. Como tal existe, em Portugal, legislação específica de segurança para as instalações e actividade de radiodiagnóstico.

O risco do pessoal envolvido no diagnóstico radiográfico vete- rinário é pequeno, mas não deve ser subestimado. Os níveis de radiação a que os trabalhadores são profissionalmente expostos devem ser tão baixos quanto possível, para obter o diagnóstico radiográfico pretendido.

Summary: Radiological diagnosis involves the use of electro- magnetic ionizing radiation. In the interaction of the primary X-ray beam with the patient’s body, scatter radiation results, which may have enough energy to exit from the patient and be dispersed in the X-ray room. Ionizing radiations have adverse biologic effects and are considered an environmental or occu- pational hazard. In Portugal, there are specific regulations for X-ray workers and rooms. The risks to the personnel involved in veterinary radiographic procedures, although modest, should not be underestimated. Levels of radiation to workers should be kept to as low a level as practicable, but still allowing the achie- vement of the diagnostic radiographs required.

Introdução

A população humana está continuamente exposta a radiação ionizante e não ionizante, de origem natural (rochas, solos, cósmica, etc.) e artificial (procedimen- tos médicos, centrais nucleares, etc.). A radiação ioni- zante é desde há muito tempo considerada um perigo ambiental e ocupacional. Os seus efeitos biológicos adversos são perfeitamente conhecidos. Paradoxal- mente, ao avanço do conhecimento humano acerca dos efeitos indesejáveis da radiação, tem-se verificado um aumento do nível de exposição à radiação artificial, especialmente para fins médicos. A utilização de radia- ção ionizante na medicina (radiografia, fluoroscopia, tomografia computorizada, cintigrafia, radioterapia, etc.) é perfeitamente justificada, porque os benefícios clínicos que proporciona compensam largamente os riscos, desde que seja usada de forma criteriosa.

O radiodiagnóstico veterinário é um procedimento

médico que utiliza para a obtenção da imagem radio- gráfica radiação electromagnética ionizante, deno- minada raios X. Os raios X foram descobertos por Wilhelm Konrad von Röntgen, em 1895, e há relatos da sua utilização em medicina veterinária desde 1896 (Carter, 1995; Lavin, 1994). O diagnóstico radiográ- fico resulta da sensibilização diferencial das diferen- tes áreas da película radiográfica, após a passagem dos fotões do feixe primário de raios X pelo animal.

No percurso dos fotões, através dos tecidos orgâni- cos verificam-se interacções e absorções diferenciais selectivas, fundamentais para a formação da imagem radiográfica.

Os fotões da radiação X podem ultrapassar toda a espessura dos tecidos sem qualquer tipo de altera- ção na sua energia ou percurso, ou podem surgir três formas de interacção: a) os fotões interagem com os átomos e mudam de direcção, sem perda de energia (radiação secundária clássica); b) os fotões atingem os átomos, ionizam-nos e perdem toda a sua energia (absorção foto-eléctrica), sendo o espaço vazio na órbita ocupado por outro electrão de uma órbita mais externa e é produzido um novo fotão, com direcção aleatória, e energia equivalente à diferença de ener- gia entre as duas órbitas; c) os fotões podem perder parte da sua energia na interacção e continuarem com energia suficiente para prosseguir o seu percurso numa nova direcção (fenómeno de Compton). A constituição molecular e densidade dos tecidos são factores deter- minantes na permeabilidade orgânica à radiação X, bem como do tipo de interacções preferenciais que se verificam.

Dependendo da energia dos fotões da radiação secundária, estes podem ser posteriormente absorvi- dos pelos tecidos do animal ou sair para o exterior.

Na segunda situação, podem sensibilizar a película, prejudicando a qualidade radiográfica, ou serem dis- persos na sala de raios X, possuindo as mesmas pro- priedades biológicas indesejáveis dos fotões do feixe primário de raio X, embora sejam menos energéticos e por isso com menor poder de penetração. É este tipo de radiação (secundária), a que o médico veterinário deverá dedicar maior atenção, utilizando uma série de técnicas para limitar ao máximo a sua ocorrência e para se proteger a si e aos seus ajudantes no decurso

Efeitos biológicos da radiação X e radioprotecção em medicina veterinária Biologic effects of X-radiation and radiation safety in veterinary medicine

M.M.D. Ginja

1

e A.J.A. Ferreira

2

1

Departamento de Patologia e Clínicas Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000 –911, Vila Real, Portugal.

E-mail: mginja@utad.pt

2

Secção de Cirurgia, Departamento de Morfologia e Clínica-CIISA, Faculdade de Medicina Veterinária, Polo Universitário da Ajuda, 1300-477, Lisboa, Portugal.

R E V I S T A P O R T U G U E S A

DE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

(2)

RPCV (2002) 97 (543) 101-109 Ginja, M.M.D. e Ferreira, A.J.A.

dos exames radiográficos (Figura 1).

Este trabalho de revisão tem como principais objec- tivos: a) alertar para os efeitos biológicos da radiação ionizante; b) chamar à atenção para técnicas que dimi- nuem a radiação secundária; c) alertar para formas de reduzir o nível de exposição no procedimento radiográ- fico e assim reduzir os riscos; d) divulgar a legislação nacional relativa à técnica de radiodiagnóstico.

Efeitos biológicos da radiação X e resíduos do processamento radiográfico

Na exposição dos tecidos vivos à radiação ionizante há absorção da energia dos fotões pelas células. A transferência de energia resulta na ionização e excita- ção de átomos e moléculas celulares. Nas interacções fotões/células são produzidas moléculas estáveis ou instáveis e radicais livres, os quais podem reagir com moléculas adjacentes e directa ou indirectamente, exercer uma grande variedade de efeitos indesejáveis nas células irradiadas (Webbon, 1995). Os efeitos bio- lógicos secundários advêm da perda de função celular, mutações genéticas ou morte celular (Dobson, 1995;

Webbon, 1995). Os efeitos biológicos indesejáveis dos raios X sobre os seres vivos são conhecidos desde o início do século passado. Logo após a descoberta dos raios X começaram a surgir suspeitas, rapidamente confirmadas, dos efeitos secundários da radiação nos trabalhadores profissionalmente expostos à radiação X, eritemas, perda da sensação, infecções, descamação, dor e morte prematura (Davies, 1995; Rojas, 1988;

Webbon, 1995).

Os efeitos biológicos da radiação ionizante sobre os seres vivos, são classicamente conhecidos como efeitos estocásticos ou não estocásticos (Dowsett et al., 1998;

Orden e Gonzalo-Orden, 1994).

No primeiro grupo enquadram-se a carcinogénese e os defeitos genéticos transmitidos à descendência, secundários a danos no DNA. A probabilidade destes efeitos ocorrerem aumenta com a dose de radiação recebida, não existindo para os efeitos estocásticos uma dose mínima de segurança (Webbon, 1995). Na década de 40 foi observada nos radiologistas uma elevada incidência de leucemia (Strickland e Kensler, 1995). Trabalhos experimentais em animais e dados epidemiológicos humanos demonstraram a relação entre o aumento da exposição à radiação e o aumento da incidência de neoplasias (Rauth, 1991). O aumento da incidência de neoplasias só é evidente a partir de

níveis de radiação relativamente elevados e só pode ser detectado através de estudos em populações numerosas (Dowsett et al., 1998). Há incerteza sobre o potencial risco carcinogénico da exposição a baixas doses de radiação (Kane e Kumar, 1999). Os valores dos riscos da exposição a baixas doses de radiação são extrapola- dos, a partir dos dados recolhidos nos estudos dos efei- tos de elevadas doses de radiação, utilizando-se vários modelos matemáticos de análise, por vezes controver- sos (Quadro 1) (Cho e Glatstein, 1998; Dowsett et al., 1998). Normalmente decorre um período de latência de 10 a 20 anos até surgir a evidência clínica das neo- plasias (Kane e Kumar, 1999).

São exemplos de efeitos não estocásticos as catara- tas e as úlceras cutâneas (Webbon, 1995). A gravidade deste tipo de efeitos biológicos da radiação depende da dose absorvida pelos tecidos, sendo só evidentes quando é ultrapassado o limiar de segurança. Para os efeitos não estocásticos o limiar de segurança de cada órgão é conhecido, estando perfeitamente estabelecido (Quadro 2) (Dowsett et al., 1998; Webbon, 1995). Os tecidos com uma elevada taxa de renovação celular (medula óssea, gónadas, intestinos, etc.) são mais radiosensíveis (Morgan, 1993; Rauth, 1991), devido à acção da radiação no DNA (Dobson, 1995; Kane e Kumar, 1999). Este tipo de efeitos da radiação ioni- zante sobre os tecidos vivos não são aparentes ime- diatamente, podendo surgir semanas, meses ou anos depois (Dernall e Wheaton, 1995) e foram os primeiros a ser conhecidos e descritos (Davies, 1995). A extensão dos danos depende da dose de radiação, fonte de radia- ção, intensidade e duração da exposição (Dernell e Wheaton, 1995). Actualmente, este tipo de efeitos não estocásticos, resultantes dos danos de tecidos normais em procedimentos médicos só são evidentes nos trata- mentos de radioterapia (Dernell e Wheaton, 1995). Os equipamentos de radiodiagnóstico comercializados e homologados são seguros e desde que sejam cumpridas as normas de radioprotecção no procedimento radio- gráfico, a exposição à radiação ionizante do radiolo- gista e pessoal auxiliar é mínima (Dowsett et al., 1998).

Quadro 1 – Comparação de riscos fatais. Adaptado de Dowsett et al. (1998).

Evento Risco Razão do risco

Condutor de automóvel

(16 000 Quilómetros) 200 x 10

-6

1 : 5000 Idade de 55 anos 10 000 x 10

-6

1 : 100 1 mSv exposição 10 x 10

-6

1 : 100 000

50 mSv exposição 1,5 x 10

-3

1 : 700

Quadro 2 – Limiares estimados de efeitos não estocásticos em Sv para a exposição aguda e crónica de todo o corpo segundo ICPR60. Adaptado de Dowsett et al. (1998).

Tecido/efeito Dose de Dose anual de

exposição aguda exposição crónica Gónadas masculinas:

Esterilidade temporária 0,15 0,4 Esterilidade permanente 3,5 – 6,0 2.0 Gónadas femininas:

Esterilidade >2,5 >0,2

Cristalino:

Opacidades 2 – 10 >0,1

Cataratas >2.0 >0,15

Medula óssea

Anemia >0,5 >0,4

Figura 1 – Radiação dispersa

na sala de raio X. 1) ampola de

raios x; 2) colimador; 3) feixe de

raios X primário; 4) animal; 5)

radiação secundária dispersa.

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Em radiologia veterinária são especialmente preocu- pantes os efeitos estocásticos, uma vez que uma dimi- nuição da exposição à radiação ionizante simplesmente reduz a probabilidade de ocorrerem, mas nunca a sua importância. Os efeitos não estocásticos em Medicina Veterinária não assumem tanta importância, desde que sejam cumpridas as normas básicas de segurança.

No decurso do radiodiagnóstico, a dose de segurança destes efeitos, para qualquer órgão, dificilmente será atingida (Quadro 3).

Quadro 3 – Segundo Webbon 1981 ou Wrigley e BoraK 1983, citados por Webbon (1995) a exposição radiográfica registada numa radiografia de rotina para avaliação de displasia da anca num cão de 17 kg, com exposição de 60 kVp e 32 mAs

Dose registada à entrada da pele 1,5 mSv Dose junto do feixe de raios X primário 0,04 mSv Dose a 25 cm de distância do feixe de raios

X primário 0,008 mSv

Dose a 35 cm de distância do feixe de raios X primário debaixo do avental de 0,25 mm

de chumbo 0,00004 mSv

O Decreto-Lei nº348/89 de 12 de Outubro e o Decreto Regulamentar nº9/90 de 19 de Abril, estabele- cem os princípios e as normas de segurança destinados à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes.

No Decreto Regulamentar nº9/90 de 19 de Abril são referidos os limites de dose para pessoas profissional- mente expostas, limites especiais e limites de dose para membros do público (Quadro 4).

Quadro 4 – Limites de dose. Adaptado do Anexo IV do Decreto Regulamentar nº 9/90 de 19 de Abril

Pessoas/Tecidos Dose

Pessoas Profissionalmente expostas (PPE):

Todo o corpo 50 mSv/ano

Cristalino 150 mSv/ano

Pele, mãos, antebraços, pés e tornozelos 500 mSv/ano

Outros órgãos ou tecidos 500 mSv/ano

Limites especiais:

Idades entre os 16 e 18 anos 1/10 das PPE Mulheres em idade de gestação no abdómen 13 mSv/trimestre Dose no feto na gravidez < 10 mSv Limites de dose para membros do público 1/10 das PPE

O processamento das películas na câmara escura, através da utilização de soluções de revelação e fixação, produz resíduos perigosos para o ambiente, quando são libertados na natureza sem tratamento prévio. O produtor é responsável pelo destino final dos resíduos e as normas nacionais para a sua gestão adequada encontram-se no Decreto-Lei nº239/97 de 9 de Setembro. Em Portugal, segundo a Listagem de empresas de tratamento de resíduos legalizadas (http://www.inresiduos.pt), a TRIALAG (Agência de Intercâmbio Comercial, Parque Industrial da Quimigal, Rua 46 A, nº 8, 2831-904 Barreiro, tel. 212074958 / fax: 212074989) é a única empresa legalizada, espe- cializada na reciclagem da prata a partir dos banhos da fixação, películas radiográficas e na eliminação dos banhos de revelação. Uma gestão adequada dos resí- duos implica a sua armazenagem em contentores ade- quados, fornecidos pela empresa e a recolha periódica.

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Os encargos económicos que advêm do tratamento são reduzidos, pois a prata reciclada é valorizada.

Técnicas de limitação da radiação secundária

Há diversos factores que influenciam de forma directa, o tipo/quantidade de radiação X utilizada no procedimento radiográfico normal e indirectamente a quantidade de radiação secundária dispersa na sala de raios X: delimitação do feixe primário de raios X; tipo de feixe primário de raios X; filtros; ecrãs intensifica- dores; películas radiográficas; grelhas; compressão dos tecidos; distância da fonte de radiação; protecção das cassetes por chumbo na face inferior/posterior; repeti- ção de radiografias; radiografias desnecessárias.

O feixe de raios X primário deve ser delimitado à região a examinar, sendo apenas irradiada a região anatómica que se pretende radiografar. Este procedi- mento reduz a exposição à radiação do animal e evita a exposição, à radiação do feixe de raios X primário, de quem está a fazer a contenção. Por outro lado, ao reduzir-se a área irradiada diminui-se a quantidade de radiação secundária dispersa na sala e a que vai atingir a película (melhorando a qualidade radiográfica). A quantidade de radiação secundária produzida, quando o tipo de feixe primário se mantém, está directamente dependente da área irradiada (Douglas et al., 1987;

Lavin, 1994; Morgan, 1993). Ao longo dos anos têm sido utilizados diversos dispositivos no equipamento radiográfico com esta finalidade: aberturas diafragmá- ticas por lâminas de chumbo ajustáveis, cones e cilin- dros de chumbo. Os primeiros dispositivos são con- siderados mais eficazes, práticos e funcionais, sendo normalmente conhecidos por colimadores. Este tipo de delimitadores do feixe têm incorporada uma luz indi- cadora que permite a visualização da área irradiada. A manipulação das lâminas internas de chumbo (aproxi- mação ou afastamento), através de manípulos externos, possibilita o ajustamento das dimensões da área irra- diada, à região anatómica que se pretende radiografar (Figura 2) (Morgan, 1993).

Figura 2 – Esquema do interior de um colimador. a) lâminas de chumbo;

b) espelho; c) fonte de luz; d) manípulos externos de controlo dos movi-

mentos das lâminas; e) fonte de raios X.

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Para a formação da imagem radiográfica é impres- cindível utilizar um feixe primário de radiação X, com fotões suficientemente energéticos, para uma adequada quantidade de radiação ultrapassar os tecidos e estar disponível para sensibilizar a película e contribuir para a formação da imagem radiográfica. Na prática clínica, uma radiografia com a adequada densidade para o diagnóstico pode conseguir-se utilizando elevadas ou baixas kVp (”Kilovolt peak”: diferença de potencial máxima utilizada na realização dos exames radiográ- ficos, vulgarmente designada de quilovoltagem), desde que se façam as devidas compensações dos mAs. Uma radiografia torácica de um canídeo com densidade equivalente pode obter-se utilizando 40 kVp e 40 mAs ou 100 kVp e 1,5 mAs. Na segunda situação, a utiliza- ção de elevados kVp, permite uma redução drástica da intensidade do feixe de raios X primário, diminuindo consequentemente o nível de exposição à radiação a que é sujeito o animal, sendo neste aspecto preferível relativamente à utilização de feixes com kVp reduzi- das (Morgan, 1993).

Os filtros são placas de alumínio ou cobre com diferentes espessuras que são ajustados à saída da ampola, no trajecto do feixe de raios X primário.

Estes dispositivos eliminam do feixe os fotões menos energéticos, que não contribuem para a formação da imagem radiográfica, e uma pequena quantidade dos mais energéticos. Os filtros permitem um “endureci- mento” do feixe, ou seja a selecção dos fotões mais energéticos (fundamentais para a formação da imagem radiográfica) e reduzem drasticamente o nível de expo- sição à radiação dos animais. Por outro lado, os filtros também têm influência na quantidade de radiação secundária produzida e no contraste e densidade final da radiografia. As alterações da densidade radiográfica verificadas com a sua utilização implicam ajustamen- tos de compensação no feixe primário de raios X, em mAs. A quantidade final de filtração mais adequada é determinada essencialmente pelas kVp que se utilizam no disparo (Morgan, 1993).

Menos de 1% dos fotões que atingem a película interagem com ela e assim contribuem para a forma- ção da imagem latente. Devido a esta ineficiência no aproveitamento da radiação, podem ser usados na téc- nica radiográfica, desde 1897, os ecrãs intensificadores (Morgan, 1993). Estes acessórios radiográficos são incorporados nas cassetes e têm substâncias fluores- centes. A camada fluorescente tem uma maior eficácia de interacção com os fotões X e grande capacidade de absorver a energia dos fotões X e convertê-la em fotões de luz visível (menos energéticos e em maior quantidade) que vão sensibilizar a película. A inten- sidade do feixe primário de raios X requerida, pode ser consideravelmente mais reduzida. Esta redução tem influência directa na quantidade de radiação a que o animal está sujeito e na radiação secundária que é dispersa na sala de radiodiagnóstico (Douglas et al., 1987; Lavin, 1994; Morgan, 1993;). Existem no mercado vários tipos de ecrãs intensificadores incorporados nas cassetes com diferentes capacida- des de interacção e conversão da energia da radia- ção primária. Estas características são normalmente conhecidas como factor de intensificação. O factor de

intensificação do ecrã intensificador (exposição sem ecrã/exposição com ecrã) é determinado pela quali- dade da substância fluorescente (tungstato de cálcio, terras raras, etc.), espessura, dimensões e concentração dos cristais, temperatura da sala e kVp utilizada (Tor- torici, 1992). Os ecrãs intensificadores de terras raras são considerados mais rápidos, uma vez que estas substâncias têm uma grande capacidade de interacção e de conversão da energia dos fotões X, conseguindo- se elevados factores de intensificação.

As películas radiográficas comercializadas têm diferentes velocidades. A velocidade da película é determinada pela exposição requerida para a formação da imagem radiográfica com a densidade adequada. A utilização de películas rápidas permite obter radiogra- fias com o uso de feixes de raios X primário de menor intensidade. Para uma maior eficiência das películas no aproveitamento da radiação utilizada para a forma- ção da imagem radiográfica, a sua sensibilidade deve estar de acordo com o tipo de luz visível emitida pelos ecrãs intensificadores (Lavin, 1994; Morgan, 1993).

As grelhas são utilizadas na técnica radiográfica para eliminar a radiação secundária que vai atingir a película, responsável por prejudicar a qualidade da imagem radiográfica. O uso de grelhas permite obter radiografias com melhor contraste, estando a sua uti- lização recomendada quando a espessura dos tecidos a radiografar ultrapassa os 10/12 cm. As grelhas, colo- cam-se entre o animal e a película, e eliminam uma grande percentagem dos fotões de radiação secundá- ria que iriam sensibilizar a película e alguns fotões do feixe de raios X primário. A quantidade de fotões disponíveis para sensibilizar a película é drasticamente reduzida, pelo que para manter a densidade radiográ- fica de diagnóstico é fundamental compensar adequa- damente a intensidade do feixe de raios X utilizado. A compensação implica um aumento da radiação sobre o animal e consequentemente também vai ser responsá- vel pelo aumento da radiação secundária dispersa na sala de raios X (Morgan, 1993; Douglas et al., 1987).

A alteração na técnica radiográfica, para compen- sar a redução da exposição da película pelo uso das grelhas, também é conhecida como Factor de Bucky.

Este factor de compensação está dependente de carac- terísticas da grelha e da energia dos fotões (Quadro5) (Morgan, 1993).

Quadro 5 – Factor de Bucky para compensar a redução de exposição devido ao uso de grelhas. Adaptado de Morgan (1993).

Razão da < 70 kVp < 95 kVp < 120 kVp grelha*/energia

dos fotões

Sem grelha 1 1 1

5:1 3 3 3

8:1 3,5 3,75 4

12:1 4 4,25 5

16:1 4,5 5 6

*Razão da grelha: relação entre a altura das lâminas de chumbo e a dis- tância entre as lâminas.

Devido à característica dispersão rectilínea da radia- ção X, normalmente utiliza-se na quantificação da exposição a lei inversa do quadrado. Isto significa que,

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ao duplicar-se a distância da fonte de radiação primá- ria, o nível de radiação recebido é reduzido a 1/4, uma vez que a mesma quantidade de fotões vai irradiar o quadruplo da área (Figura 3) (Morgan, 1993; Tortorici, 1992).

nados na mesa correctamente, de preferência sedados ou anestesiados (obtém-se melhor qualidade e evita-se a contenção) e as soluções de processamento das pelí- culas não devem encontrar-se deterioradas (Morgan, 1993).

O exame radiográfico deve ser sempre precedido de um exame clínico completo e rigoroso. Os animais e as regiões anatómicas a radiografar devem ser criterio- samente seleccionados, pois só as vantagens clínicas justificam os riscos (Morgan, 1993).

Controlo da exposição à radiação X

Unidades de dose de radiação

Os efeitos biológicos das radiações ionizantes estão em certa medida dependentes da quantidade recebida.

Para podermos quantificar a radiação utilizam-se três tipos de medida: exposição, a dose absorvida, a dose equivalente.

A exposição representa o poder de ionização da radiação no ar e pode ser medida graças a uma câmara de ionização. A exposição é utilizada para descrever, por exemplo: a radiação de uma ampola radiográfica a uma determinada distância. A unidade de exposição no sistema Internacional (S.I.) é o Coulomb por quilo- grama (C/kg). O Roentgen (R) é uma unidade utilizada anteriormente mas que ainda aparece com frequência referenciada em muitos documentos. 1 R= 2,58 x 10

-4

C/kg.

A dose absorvida é utilizada para descrever a quan- tidade de radiação absorvida por um objecto ou um organismo vivo no decurso de um disparo radiográfico.

É a medida utilizada, por exemplo, para descrever a dose recebida ou prescrita em radioterapia. Pode ser definida pela energia, medida em Joules (J) , deposta por unidade de massa (kg) no decurso da exposição. A unidade do S.I. é o Gray (Gy) (1 Gy= 1J/kg). Ante- riormente a unidade utilizada era o rad. 1 Gy=100 rad.

A dose equivalente é uma medida que foi introdu- zida para reflectir os efeitos biológicos diferentes de uma mesma dose em função da natureza da radiação.

Aos diferentes tipos de radiação foi atribuído um factor de qualidade (Q) reflectindo o seu poder patogénico.

Este factor de qualidade é de 1 para a radiação X, γ e β , de 10 nos neutrões e 20 para as partículas alfa. Esta medida é utilizada em radioprotecção e as doses máxi- mas autorizadas são expressas na legislação na unidade denominada Sievert (Sv) (Dowsett et al., 1998). O Sv

= 1Gy x Q. Anteriormente a unidade utilizada era o rem (1 Sv= 100 rem) (Lavin, 1994). No sistema de limitação de doses definidos na legislação e na dosi- metria realizada nas instalações de radiodiagnóstico, são as unidades de dose equivalente que são utilizadas.

O Sv é uma unidade que corresponde a uma elevado nível de exposição no radiodiagnóstico veterinário.

Normalmente as quantidades de radiação em radiolo- gia veterinária são muito inferiores ao Sv, pelo que é comum a utilização do milisievert (mSv) ou mesmo do microsievert ( µ Sv).

Uma vez que a susceptibilidade dos tecidos à radia- ção não é igual a Comissão Internacional de Protecção Radiológica introduziu uma nova categoria de medida

Figura 3 – Esquema da lei inversa do quadrado.

Ao duplicar-se a distância (d) do local de origem da radiação, a área irradiada quadriplica, a intensidade de radiação é reduzida a um quarto, sendo conse- quentemente o nível de exposição também redu- zido a um quarto.

A Compressão dos tecidos com a utilização de objectos radiotransparentes (colheres de pau, bandas de pano, etc.), pode estar recomendada, por exemplo, na projecção lateral do abdómen caudal para a melhor visualização radiográfica do útero canino, uma vez que são reduzidas as sobreposições de outros órgãos com densidades equivalentes (Feeney e Johnston, 1986).

Por outro lado, a compressão ao diminuir a espessura dos tecidos, permite a redução dos factores de exposi- ção e a consequente diminuição da radiação secundária dispersa (Morgan, 1993). Esta técnica tem como des- vantagens a alteração da anatomia radiográfica normal das vísceras e por vezes podem surgir artefactos.

Há todo o interesse na utilização de cassetes com protecção por chumbo da face inferior/posterior, uma vez que mesmo com a utilização de ecrãs intensifi- cadores, há uma grande quantidade de fotões X que ultrapassam estas estruturas. Quando existe o chumbo na face posterior/inferior das cassetes, estes fotões des- perdiçados são absorvidos, caso contrário podem irra- diar directamente partes do organismo de quem está a fazer a contenção que se encontrem por baixo da mesa (p.e. pés) ou contribuir para o aumento da radiação secundária dispersa na sala (Morgan, 1993; Douglas et al., 1987).

A repetição de radiografias é sempre indesejada e deve ser evitada, uma vez que vai exigir a utilização de nova radiação. Há todo o interesse em ter nas instala- ções de radiodiagnóstico tabelas próprias de exposição radiográfica, para utilização nas diferentes projecções, espécies, raças, tamanhos, etc. Actualmente, também é comercializado equipamento radiográfico com pro- gramação anatómica e exposimetria automática, que neste aspecto pode ser vantajoso. O exame radiográ- fico também deve ser preparado, os animais posicio-

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da radiação, a dose efectiva. Com a utilização desta grandeza é possível comparar o risco que advém da radiação não uniforme e uniforme do corpo. A dose efectiva é a soma ponderada das dose equivalentes em diversos órgãos (Orden e Gonzalo-Orden, 1994). Os valores de ponderação para cada órgão estão definidos (DR nº 9/90) tendo em conta o risco da radiação no órgão em causa. A unidade de dose efectiva também é o Sv.

Dosímetros de radiação pessoais

Detectores de baixos níveis de radiação são utiliza- dos nas clínicas veterinárias, para monitorizar a quanti- dade de exposição individual, acumulada num determi- nado período de tempo (Morgan, 1993). No mercado existem diferentes tipos de detectores de radiação acei- táveis para monitorização individual e ambiental.

Os detectores de radiação fotográficos consistem numa película de filme inserida num suporte de plás- tico o qual pode ser preso no vestuário (Morgan, 1993).

O método fotográfico foi o primeiro a ser utilizado na detecção da radiação (Dowsett et al., 1998; Orden e Gonzalo-Orden, 1994). A exposição do dosímetro à radiação ionizante sensibiliza o filme, escurecendo-se quando é revelado. A quantidade de escurecimento do filme é avaliada com um densitometro e é proporcional à dose de radiação recebida (Morgan, 1993). O suporte de plástico contém diferentes filtros que permitem esti- mar a energia da radiação recebida (Figura 4) (Mar- tínez Hernández e San Andrés Larrea, 1992a; Rojas, 1992). A leitura é feita por entidades oficiais e cuida-

e o Serviço de Radiodiagnóstico (SR): 1º - envio de películas novas pelo DPRSN; 2º - envio das películas usadas pelo SR; 3º- envio das leituras de cada dosíme- tro em Sv (dose no período e acumulada). Os impres- sos do DPRSN com as leituras de cada trabalhador profissionalmente exposto devem ser cuidadosamente arquivados no SR. Os custos da dosimetria encontram- se definidos no Despacho nº 17018/2000 (Quadro 6).

Outro tipo de detectores de radiação são os dosíme- tros termoluminescentes, baseiam-se nas alterações produzidas pela radiação em certos cristais de sulfato de cálcio e fluoreto de lítio. Quando estas moléculas são expostas à radiação ionizante, absorvem a sua energia (Martínez Hernández e San Andrés Larrea, 1992a; Morgan, 1993). Actualmente estão a começar a substituir os dosímetros fotográficos (Orden e Gon- zalo-Orden, 1994). As moléculas mantêm o estado excitado até serem aquecidas a altas temperaturas.

Para a leitura são aquecidas, voltando ao seu estado normal e emitindo luz. A luz emitida é proporcional à quantidade de energia ionizante recebida, sendo a quantidade de luz emitida usada para extrapolação da dose de radiação de exposição (Morgan, 1993; Orden e Gonzalo-Orden, 1994).

As câmaras de ionização são outro tipo de detectores de radiação, que permitem a detecção electrónica e lei- tura directa da dose de radiação recebida (Dowsett et al., 1998; Orden e Gonzalo-Orden, 1994). A exposição da câmara à radiação ionizante resulta numa perda de carga proporcional à quantidade de exposição. Este tipo de detectores têm grande sensibilidade, a leitura pode ser em microsieverts, num visor. Como desvan- tagens, salienta-se o elevado preço, precisão não total- mente fiável e este tipo de detectores não possibilita um registo permanente da radiação recebida (Morgan, 1993).

Quadro 6 – Custos da prestação de serviços do controlo por dosimetria fotográfica

Serviço Custos

Iniciação do controlo por trabalhador 120 € Controlo periódico por período de controlo

e por trabalhador 5,40 €

Extravio ou danificação de um dosímetro 60 €

Instalações de Radiodiagnóstico

A radiação ionizante é considerada um perigo ambiental e ocupacional (Morgan, 1993). As instala- ções de radiodiagnóstico veterinário são abrangidas pela legislação nacional existente para actividades médicas que envolvem a produção de radiação ioni- zante. O Despacho nº 7191/97 de 5 de Setembro, nos seus anexos estabelece os critérios para aceita- bilidade das instalações de radiodiagnóstico, entre os quais destacamos: os requisitos técnicos a que devem obedecer as instalações e a necessidade do pedido de licenciamento e de um regulamento de funciona- mento aprovado pela Direcção Geral da Saúde (DGS, Alameda D. Afonso Henriques, 45, 1049-005 Lisboa, tel.: 218430500, fax: 218430530). O pedido de licen- ciamento deve ser feito pelo responsável da instalação à DGS, utilizando impressos próprios.

No decurso do processo de licenciamento das ins- talações de radiodiagnóstico é efectuado o estudo de dosamente registada e arquivada (Morgan, 1993).

Em Portugal, o controlo dosimétrico nas instalações de radiodiagnóstico é feito através de dosímetros foto- gráficos, pelo Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear (DPRSN, estrada nacional nº 10, apartado 21, 2686-953 Sacavém, tel.: 219946000, fax:

219941995). A utilização de dosimetria nas instalações de radiodiagnóstico deve ser solicitada ao DPRSN, em impressos próprios. Com base na quantidade de serviço radiográfico realizado nas instalações é calen- darizada a periodicidade de envio de películas e de leitura da exposição. Em cada período de controlo há troca de correspondência, via correio, entre o DPRSN

Figura 4 – Interior do dosímetro fotográfico. Áreas sem filtro (seta cinzenta) e com filtro de alumínio e de cobre (seta preta). No centro está a película individual, utilizada para leitura (seta branca).

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segurança radiológica, pelo DPRSN, a pedido da DGS.

Para o licenciamento é exigido equipamento com certi- ficados de homologação, adequada radioprotecção das portas e paredes, bem como uma eficaz sinalização da sala de exames, com uma luz vermelha e avisos indica- dores de perigo de radiação ionizante de acordo com a Norma Portuguesa Nº 442 de 1966 (Figura 5).

ausência de repetições e de radiografias desnecessárias;

d) no aumento da distância da fonte de radiação secun- dária; e) protecção adequada do organismo utilizando material radioprotector (luvas, aventais e protectores da tiróide de chumbo, óculos com lentes radiopacas, etc.) (Morgan, 1993; Perry, 1993).

O conceito ALARA pressupõe o cumprimento estrito de todas as medidas de radioprotecção no decurso dos exames (Quadro 7). Desta forma, previnem-se os efei- tos não estocásticos e reduz-se, para níveis aceitáveis, a probabilidade dos efeitos estocásticos ocorrerem (Dowsett et al., 1998). Quando a exposição é mínima os potenciais perigos da radiação são considerados negligenciáveis relativamente aos benefícios clínicos (Webbon, 1995).

A dosimetria individual fotográfica, utilizada em Portugal, não pode ser considerada ideal, tem algumas limitações, entre as quais destacamos a reduzida sen- sibilidade dos dosímetros (0,2 mSv). Normalmente, na radiologia veterinária, este tipo de dosimetria individual resulta em leituras de valor zero. Não pre- tendemos no entanto desencorajar a utilização desta dosimetria individual, é perfeitamente justificada por funcionar como alerta em eventuais anomalias de funcionamento do equipamento e indispensável para cumprimento da legislação em vigor.

O médico veterinário não deve satisfazer-se por, no controlo dosimétrico individual, não ultrapassar os limites de dose fixados por lei. Teoricamente, os limites de dose referidos na legislação, não permitem reduzir a zero os riscos da exposição humana à radia- ção ionizante e em Medicina Veterinária estes limites dificilmente serão atingidos. O trabalho mais seguro, com menores riscos, será sempre aquele que respeita o conceito ALARA, uma vez que permite obter a qua- lidade diagnóstica desejável, com níveis reduzidos de exposição humana à radiação ionizante.

Quadro 7 – Regras básicas de segurança para o diagnóstico radiográfico. Adaptado de Morgan (1993), Perry (1993) e Webbon (1997).

• O exame radiográfico deve ser justificado pelas vantagens clínicas que proporciona.

• Não permitir a permanência de menores nem de mulheres grávidas na sala de exames

• Rodar o pessoal que permanece na sala para a contenção dos animais.

• Utilizar a tranquilização dos animais sempre que possível.

• Não expor nenhuma parte do corpo ao feixe primário de raios X.

• Utilizar sempre vestuário radioprotector adequado (aventais, luvas, protectores da tiróide, etc.).

• Fazer uma adequada limitação do feixe primário de raios X e afastar-se o máximo possível da fonte de radiação secundária, durante a contenção dos animais.

• Usar combinações, de ecrãs intensificadores e películas, rápidas de forma a reduzir ao máximo os factores de exposição.

• Realizar o processamento das películas de forma correcta (temperaturas e qualidade das soluções adequadas).

• Utilizar dosímetros de radiação.

• Planear o exame radiográfico para evitar repetições desnecessárias.

• Utilizar tabelas de exposição radiográfica para assegurar a qualidade diagnóstico e evitar repetições.

Figura 5 – Símbolo de perigo de radiação ionizante NP-442. Trifólio preto sob fundo amarelo com indica- ções adicionais a preto.

Na radioprotecção das instalações as portas são nor- malmente revestidas com folhas de chumbo (2 mm), nas paredes é utilizada argamassa com barita (3/5 de barita, 1/5 de areia e 1/5 de cimento) com espessura de 3 cm, em 3 camadas de 1 cm, e nos visores vidro de compósito chumbíneo, materiais que oferecem uma radioprotecção equivalente a 2 mm de chumbo (Philips Portuguesa, 1999). As instalações de radiodiagnóstico, à excepção das de medicina dentária, quando estão integradas em áreas de habitação ou serviços devem situar-se a nível do solo ou subsolo. Os requisitos de radioprotecção das salas são definidos no Despacho nº 7191/97 e estão dependentes de vários parâmetros, nomeadamente: energia da radiação; carga semanal de funcionamento; direcção do feixe útil de radiação; tipo de ocupação das áreas a proteger.

Radioprotecção

Como a dose segura de radiação é ainda desconhe- cida, considera-se prudente evitar ao máximo a expo- sição rotineira à radiação ionizante (Cho e Glatstein, 1998). O risco do pessoal envolvido no procedimento radiográfico veterinário, embora pequeno, não deve ser subestimado (Webbon, 1995). Qualquer actividade que implique a exposição a radiação ionizante deve ser pre- viamente justificada pelas vantagens que proporciona.

Deve evitar-se sempre a exposição desnecessária, e o nível de exposição ser mantido o mais baixo possível e nunca ultrapassar os limites fixados por lei (DR Nº 9/90).

No diagnóstico radiográfico, em Medicina Veteriná- ria, recomenda-se para controlo do nível de exposição humana à radiação, o conceito ALARA “as low as reasonable achievable”, ou seja, a exposição à radiação deve ser sempre só a indispensável (Morgan, 1993;

Lavin, 1994).

A eficácia da radioprotecção em Medicina Veteriná- ria assenta essencialmente na: a) limitação do tempo de exposição; b) sedação ou anestesia dos animais para facilitar o posicionamento e evitar a contenção; c)

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Radiação ionizante natural e artificial

A radiação é um componente inevitável do nosso meio ambiente (Darby, 1999). Os seres vivos, que habitam a superfície terrestre estão sujeitos a radiação ionizante natural e frequentemente a radiação para fins médicos (Quadro 8 e 9).

A radiação natural à qual estamos expostos depende de diversos factores (altura, geologia, etc.). A inten- sidade de radiação a 4000 metros de altura é 4 vezes superior do que ao nível do mar (Martínez Hernández e San Andrés Larrea, 1992b) e uma viagem de avião a 9 000 metros de altura expõe o indivíduo a 5 µ Sv/hora (Cho e Glatstein, 1998). Em algumas áreas do globo terrestre, os níveis de radiação natural são especial- mente elevados, 100 mSv por ano no Kerala, Índia e certas regiões do Brasil. Estes locais são utilizados como modelos em estudos dos efeitos biológicos da exposição a baixas doses de radiação ionizante (Dow- sett et al., 1998).

Quadro 8 – Proporções típicas de radiação ionizante natural e artificial na Europa (dose para todo o corpo). Adaptado de Dowsett et al. (1998).

Fonte Dose (µSv) %

Radiação natural Radiação cósmica

(actividade solar) 310 13

Radiação gama terrestre

(solos, rochas e água) 380 16

Decréscimo radioactivo do gás rádon

(casas e área de trabalho) 800 33

Radiação interna

(

40

K,

14

C, etc.) 370 15

Total 1860 78%

Radiação artificial

Procedimentos médicos 500 21

Disparo de armas de fogo 10 0,4

Descargas nucleares 3 0,15

Ocupacional 9 0,36

Viagens de avião 8 0,34

Total 530 22%

Total da radiação média de exposição

do corpo humano 2390 100%

Quadro 9 – Dose equivalente em exames de Medicina Humana.

Adaptado de Rehani e Berri (2000).

Tipo de exame Dose equivalente

Exame tomográfico típico do tórax 8 mSv Exame radiográfico do tórax 0,02 mSv

A maior parte da exposição da população em geral à radiação ionizante é de origem natural. O gás rádon radioactivo que se acumula dentro das habitações tem grande importância (Darby, 1999; Strickland e Kens- ler, 1995). O gás rádon é um produto que resulta do decréscimo radioactivo do urânio, um componente natural de muitos solos e rochas duras como é o caso do granito (Dowsett et al., 1998).

De acordo com um estudo realizado em habitações no norte de Portugal pelo Instituto Tecnológico e Nuclear (Teste Saúde nº 34, de Novembro/Dezembro de 2001), existem em alguns destes locais, níveis de radioactividade quatro vezes acima do recomendado

pela Comissão Europeia. Em cada 100 pessoas expos- tas diariamente ao nível máximo de radioactividade recomendado pela Comissão Europeia, seis morrem vítimas de cancro do pulmão (o Instituto Tecnológico e Nuclear, http//:www.itn.pt, tel.: 219946000, efectua medições das concentrações de gás rádon por cerca de 50 Euros).

O médico veterinário radiologista deve conhecer a realidade da sua exposição contínua a este “campo de radiação” natural e artificial e ter presente o conceito de que a radiação ionizante, a que o seu organismo está sujeito no serviço normal de radiodiagnóstico dos animais, é uma radiação adicional. Esta constitui uma parcela da radiação a que está exposto que pode volun- tária e facilmente reduzir.

Agradecimentos

À Dr

a

. Délia Gazzo da Direcção Geral da Saúde pela revisão do texto e por todas as preciosas ajudas e disponibilidade que tem demonstrado sempre que é solicitada.

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ARTIGO DE OPINIÃO

Resumo: O conhecimento morfológico assenta na apreensão de parâmetros do domínio espacial (estruturas anatómicas reais) e simbólico (vocabulário).Tal conhecimento deverá considerar sempre a perspectiva funcional das estruturas anatómicas e estará então em condições de servir as áreas com base na medicina quer tenham uma valência acentuada para o exercício da clínica quer sejam áreas paraclínicas como por exemplo a inspecção sanitária. Se considerarmos domínios como a polícia sanitária, a inspecção sanitária, ou emissão de juízos periciais em cadáveres, é exigido ao médico veterinário conhecimentos que isoladamente ou integrados podem ser a chave para responder a questões que se prendem, por exemplo, com a diagnose da idade e sexo de bovinos. É sobre estas matérias que este trabalho se debruça.

Summary: The morphological knowledge has its bases on the perfect understanding of some parameters such as spatial proper- ties (real anatomical structures) and symbolic properties (vocab- ulary) of structures. This knowledge has always to take into account the functional perspective of the anatomical structures and only then it will be on conditions to assist medical areas either with an important aspect for the clinics or for the paraclin- ics areas such as sanitary inspection. If we consider areas such as sanitary police, sanitary inspection, or pericial judgements over cadavers, the veterinary has to show knowledges that isolated or integrated can be the key for solving questions concerning the age or the sex of bovines, for example. This work is a refl ection over the integration of those knowledges.

Introdução

O conhecimento do corpo, não apenas na perspectiva sumária do estatismo do cadáver mas sempre na pers- pectiva funcional das diferentes estruturas anatómicas que o compõem, está na base da formação do "pensa- mento anatómico". A detenção deste conhecimento é condição essencial ao acto clínico e é também a única arma quando, no exercício de actividades em áreas ditas paraclínicas ou higiosanitárias, o médico veteri- nário se vê na contingência de aferir os seus conheci- mentos ao realizar juízos periciais. Conhecimentos em áreas específi cas, como por exemplo, a odontologia, assumem uma valência de banda larga quando integra-

dos com conhecimentos na área da osteologia, miolo- gia e artrologia, para efeitos, por exemplo, de diagnose da idade em carcaças de bovinos.

Os autores realizaram durante um biénio observa- ções a nível das arcadas dentárias de carcaças de bovi- nos, assim como avaliações do estado de ossifi cação do esqueleto e partilham neste trabalho a sua visão de como estes conhecimentos integrados se mostram úteis para efeitos de sexagem e peritagem da idade de carcaças bovinas.

A datagem das idades em que ocorre a ossifi cação das linhas epifi sais para cada osso, quando particulari- zado, mostra elevada constância. Trata-se de um dado que datado com acontecimentos semelhantes ocorridos em ossos que ossifi cam em data anterior ou posterior a esse evento, permitem saber com exactidão a idade do animal.

A posição relativa entre diferentes conjuntos de ossos (a linha vertical que traçada do púbis atinge a coluna vertebral, pode incidir sobre vértebras colo- cadas em diferentes pontos desta) e constitui um ele- mento de elevada relevância para a diagnose da sexa- gem de carcaças. Igual importância assume, por exem- plo, o conhecimento da morfologia que os músculos assumem quando seccionados. Chamamos a atenção para o facto de estes elementos anatómicos estudados isoladamente, tais como os dentes, a linha epifi sal e a morfologia dos músculos, serem de primordial importância na peritagem da idade das carcaças e na diferenciação de carcaças de machos e de fêmeas e de uso imperioso no quotidiano de quem trabalha nas áreas paraclínicas, como a inspecção sanitária, ou quando actos de peritagem sobres estas matérias são requeridas.

Avaliação da idade do animal, parâmetros a considerar

Anatomia do dente

O dente é constituído por uma coroa, revestida por esmalte, e uma raiz, coberta por cemento, constituindo o colo a área de transição entre eles. O colo e a coroa

Elementos para a diagnose do sexo e idade em carcaças de bovinos Elements for the diagnosis of sex and age of bovine carcasses

Júlio Cavaco Faísca, Graça Alexandre-Pires, Luísa Mendes-Jorge

Faculdade de Medicina Veterinária, núcleo de Anatomia –DEMOC - CIISA – Rua Prof. Cid dos Santos, Polo Universitário do Alto da Ajuda 1300 – 477 Lisboa, Portugal.

R E V I S T A P O R T U G U E S A

DE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Tel 21 3652800 Fax: 213652898 e-mail: gpires@fmv.utl.pt

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RPCV (2002) 97 (543) 111-118 Faísca, J. C. et al.

constituem a parte exposta do dente, estando a raiz contida no alvéolo. O esmalte é uma substância branca, calcifi cada, muito resistente, de origem ectodérmica. O cemento é, por seu turno, um tecido amarelado, menos brilhante, mais macio, constituindo o menos rígido dos tecidos calcifi cados do dente.

O dente é, do ponto de vista estrutural, acelular, e portanto incapaz de reagir a traumatismos (não é pas- sível de se regenerar para colmatar uma solução de continuidade ou reparar uma fractura).

A arquitectura quer da raiz quer da coroa é formada por dentina, sendo que, as células produtoras de den- tina, os odontoblastos, desaparecem da dentina recém formada e permanecem, como uma camada contínua, sobre a superfície que reveste a polpa do dente (polpa:

tecido conjuntivo, no seio do qual existe uma cavidade – cavidade pulpar – onde estão incluídos os vasos e nervos que atingem o dente através do forâmen locali- zado na raiz).

O esmalte constitui a substância mais dura do corpo, revestindo, como foi dito, sob a forma de uma fi na camada, a superfície da coroa. À medida que o dente se desgasta a dentina é exposta na face mesial do dente, pelo que, se não houvesse uma proliferação de dentina secundária, a cavidade do dente, ou cavidade pulpar estaria exposta nesta superfície. Esta dentina secundária recebe a designação de estrela dentária e é de fácil observação na face mesial, uma vez que surge com uma coloração mais escura. Este marfi m de nova formação, ou estrela dentária, cuja proliferação oblitera a cavidade pulpar, apresenta-se, nos dentes incisivos, inicialmente sob a forma linear, depois retangular e, por fi m, quadrada, circunstância que está relacionada com a morfologia própria da coroa destes dentes, como mais adiante se explica em detalhe. Em virtude da sua dureza, o esmalte desgasta-se mais lentamente do que a dentina, o que contribui para tornar irregular e, por consequência, mais áspera a face mesial, facto que providencia uma mais efi ciente trituração.

O dente apresenta-se fortemente fi xado ao alvéolo por intermédio do ligamento fi broso periodontal, cujas fi bras de colagénio se unem quer ao cemento quer ao osso alveolar.

Erupção/evolução do dente

Os mamíferos normalmente nascem sem dentes ou apenas com alguns que acabaram de irromper. São necessários alguns anos para que, nos bovinos, irrom- pam todos os dentes permanentes.

À medida que o dente irrompe na mandíbula/maxila, avança no sentido da cavidade oral. A altura da coroa vai sendo reduzida por atrito, provocando uma redução no comprimento total do dente, à medida que o animal fi ca mais velho, com o concomitante preenchimento do alvéolo por tecido ósseo.

Os dentes dos bovinos não são de crescimento con- tínuo, mas quando a coroa irrompe, a raiz ainda não

está completamente formada, pelo que continua a ser depositada substância, até que a raiz atinja o seu total desenvolvimento. No entanto, no momento em que a raiz do dente sofre oclusão, pouca ou nenhuma subs- tância é adicionada. Deste facto resulta que, a forma do dente, num corte transversal, sofra alterações ao longo do seu eixo maior, à medida que, devido ao atrito decorrente da mastigação, vai sofrendo gasta- mento. Por consequência, a observação da morfologia do dente permite a diagnose da idade do animal, uma vez que as diferentes fases de evolução do dente (erup- ção, gastamento, nivelamento, substituição, etc.) e o aparecimento de um determinado perfi l da face oclusal dos incisivos ocorrem em datas relativamente constan- tes. A substituição dos incisivos decíduos por dentes permanentes ocorre, de igual modo, em idades também constantes. Todos estes factores, em conjunto, são pre- ciosos elementos indiciadores da idade do bovino.

Fórmula dentária dos bovinos

É útil a este propósito relembrar que os bovinos são animais de dentição difi odonte. Possuem, portanto, um conjunto de dentes (dentes decíduos ou de leite) que irrompem no início da vida e que são, a seu tempo, substituídos por dentes permanentes com a mesma designação.

O conjunto temporário de dentes consiste em incisi- vos e pré-molares. Os molares não são precedidos por dentes temporários, fazendo, assim, parte do conjunto de dentes permanentes.

A fórmula dentária traduz o número e a especifi ci- dade dos dentes, quer na maxila quer na mandíbula, uma vez que os bovinos são também animais de dentição heterodôntica, isto é, apresentam dentes de características morfológicas e funcionais diferenciadas (Figura 1). Assim, a fórmula dentária dos dentes decí- duos nesta espécie é:

Figura 1 – Dentição heterodôn-

tica: dentes incisivos (seta 1),

dentes pré-molares (seta 2) e

dentes molares (seta 3).

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2 i 0 c 0 pm 3 m 0 = 20 4 0 3 0

A substituição desta dentição de leite pela perma- nente é traduzida pela fórmula seguinte:

2 i 0 c 0 pm 3 m 3 =32 4 0 3 3

Caracterização dos incisivos de leite e de adulto

Nos bovinos, os dentes incisivos não existem na maxila. Como se pode induzir da fórmula dentária, esta espécie possui quatro incisivos em cada hemi- mandíbula, a saber: pinças, 1OS médios, 2OS médios e cantos, respectivamente do plano mesioplagiomérico para a periferia, onde formam uma linha curva, dis- pondo-se em leque.

Cada incisivo possui, para efeitos de descrição, uma superfície livre (face oclusal ou face mesial) e duas faces (a face vestibular ou labial – bucal para os pré-

permanentes que os substituem excepto em relação aos seguintes aspectos (Figura 2 e 3): são mais pequenos;

são mais pediculados, ou seja, o colo do dente é mais acentuado; são mais lisos (ausência de sulcos na face labial); são mais esbranquiçados (cor de giz).

Caracterização dos pré-molares de leite e de adulto

Os 1

os

pré-molares (superiores e inferiores) não estão presentes. Os três pré-molares restantes são menores do que os três molares e ocupam cerca de metade do espaço exigido pelos molares. Os dentes pré-molares e molares progridem de tamanho do mais cranial para o mais caudal.

Os pré-molares inferiores decíduos são bastante irregulares em seu formato; possuem uma coroa com várias unidades de cúspides, e apresentam várias raízes. P2 é o menor dos dentes pré-molares; P3 e P4

molares e molares – no vestíbulo oral e a face interna que é a face lingual), três bordos e respectivos ângulos (Figura 2).

Acidentes da face labial: sulcos (apenas nos dentes permanentes).

Acidentes da face lingual: eminência aval (acidente em relevo, de forma cónica, de vértice superior e diri- gido para o ângulo mais externo do dente).

A coroa de um dente incisivo é, nesta espécie, em forma de pá. Nestes dentes observa-se um achatamento lábio-lingual de tal forma que o bordo dorsal é cor- tante. Em corte sagital observa-se que a coroa é mais grossa próximo à raiz, adelgaçando-se em direcção ao bordo dorsal, e que a face labial é convexa enquanto que a face lingual é plana ou ligeiramente côncava.

Os dentes incisivos decíduos são semelhantes aos

Figura 2 – Dentes incisivos decíduos: A - face lingual, 1 - pinças, 2 - primeiros médios, 3 - segundos médios, 4 - cantos; B - face ves- tibular ou labial.

Figura 3 – Dentes incisivos: observar que os pinças decíduos já foram substituídos pelos pinças permanentes.

são semelhantes, excepto pelo facto de P4 ser maior e possuir três raízes, ao invés de duas como apresentam P2 e P3 (Figura 4).

A face mesial da coroa apresenta várias unidades de cúspides (acidentes em relevo que formam um padrão específi co para cada espécie): P2 e P3 apresentam 2;

enquanto P4 apresenta 3.

Os dentes pré-molares decíduos são semelhantes ao permanentes que os substituem excepto em relação aos

Figura 4 – Dentes pré-molares decíduos: PM2, PM3 e PM4, sendo que PM4 possui 3 raízes e 3 unidades de cúspides (ê). Dentes molares: M1 e M2, observar o início da erupção de M2 ( ∗ ).

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seguintes aspectos: são mais pequenos; são mais pedi- culados, ou seja, o colo do dente é mais acentuado; são mais lisos (ausência de sulcos na face labial); são mais esbranquiçados (cor de giz). O 4º pré-molar decíduo apresenta 3 unidades de cúspides e três raízes (Figuras 4 e 6); o defi nitivo apresenta apenas duas unidades de cúspides (Figura 5).

adultos; 4ª fase - a) gastamento e b) nivelamento dos incisivos substituintes; 5ª fase - afastamento dos inci- sivos.

Erupção dos dentes decíduos

A partir do folículo dentário o dente irrompe na mandíbula e projecta-se na cavidade bucal, surgindo em primeiro lugar os dentes de leite ou decíduos. Esta evolução dos dentes apresenta-se nas datas que a seguir se mencionam.

Erupção dos dentes permanentes

Para efeitos de diagnose da idade há que ter em consideração que a erupção do primeiro molar (4 a 6 meses) ocorre num período anterior à substituição completa dos incisivos. Como a erupção destes está directamente relacionada com o crescimento do man- dibular, verifi ca-se que em primeiro lugar irrompe uma crista, que é a mais cranial do dente, sendo observáveis posteriormente as outras cristas à medida que o dente vai atingindo o nível da mesa dentária. Esta fase é conhecida pela fase de erupção total do dente.

É muito importante que fi que registada a ideia de que a erupção dos dentes faz-se do plano mesioplagio- mérico ou sagital mediano para a periferia, querendo isto dizer que, primeiro surgem os incisivos (pinças, 1

os

médios, 2

os

médios e cantos), por esta ordem, contra- riamente ao que ocorre no caso dos suínos, ou mesmo dos ovinos, em que por vezes os 2

os

médios irrompem primeiro que os 1

os

médios. (Quadro 1).

Para além disso há ainda a considerar o aspecto da precocidade da raça que altera de forma considerável a data de erupção dos dentes incisivos, mas que, no entanto, em nada interfere com a data em que se veri- fi ca a erupção dos dentes pré-molares e molares. Esta realidade determina que, para efeitos de diagnose da idade, deva sempre ser levada em consideração a fase de evolução destes dentes cuja data de erupção não sofre nenhuma alteração decorrente da precocidade da raça (Figura 6). Não é demais sublinhar este facto.

Em termos médios, são considerados 3 graus de precocidade, nos quais a evolução se faz nos pinças com um diferencial de 6 meses entre o 1º e o 3º grau (Quadro 2).

Em relação à evolução dos dentes pré-molares decí- duos para dentes permanentes processa-se mais ou menos como mostra o quadro anexo, independente- mente da precocidade das raças, tendo em atenção que para efeitos práticos de determinação da idade não se deve esquecer que o 4º pré-molar decíduo apresenta 3 unidades de cúspides, e que depois quando é substitu- ído pelo dente adulto este apenas apresenta 2 unidades de cúspides, coincidindo com o rompimento do 3º molar (24 a 30 meses), este sim com 3 unidades de cúspides, contrastando com os restantes molares (estes com 2 unidades de cúspides).

Figura 5 - Observar o 4º pré-molar permanente com 2 unidades de cúspi- des (seta 1). A seta 2 indica o 3º molar, este com 3 unidades de cúspides.

Figura 6 - Face bucal (A) e face oclusal (B) dos dentes pré-molares ( ∗ ) e molares (ê). Observar o 4º pré-molar decíduo, cuja substituição se irá efectuar entre os 30-34 meses, e o 2º molar, cuja erupção se efec- tuou entre os 15-18 meses. Salientamos a ausência do 3º molar que irá irromper entre os 24-30 meses. Daqui se conclui que este animal terá menos que 24 meses de idade.

Diagnose da idade através da observação dos dentes

Pelas alterações da morfologia do dente que se observam ao longo da sua evolução, facilmente se compreende que os dentes são estruturas que nos for- necem óptimas indicações para determinarmos a idade dos bovinos.

Chama-se a atenção para o facto de que as diferen- tes fases pelas quais passa a dentição, e que contribuem para a diagnose da idade são: 1ª fase - erupção dos dentes (incisivos) de leite - a arcada só está «feita» aos 3 ou 4 meses; 2ª fase - a) gastamento e b) nivelamento dos incisivos caducos; 3ª fase - erupção dos incisivos

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Referências

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