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A arbitragem nos contratos ante a na administração pública

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

MÁRIO SÉRGIO COUTINHO RAULINO

A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ANTE A

CONSENSUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FORTALEZA

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MÁRIO SÉRGIO COUTINHO RAULINO

A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ANTE A CONSENSUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor M.Sc. William Paiva Marques Júnior

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

R245a Raulino, Mário Sérgio Coutinho.

A arbitragem nos contratos administrativos ante a consensualidade na administração pública / Mário Sérgio Coutinho Raulino. – 2013.

65 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Administrativo. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Contratos administrativos - Brasil. 2. Administração pública - Brasil. 3. Arbitragem (Processo civil). I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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MÁRIO SÉRGIO COUTINHO RAULINO

A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ANTE A CONSENSUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. M.Sc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________ Doutorando M.Sc. Álisson José Maia Melo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________ Mestranda Tainah Simões Sales

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A Deus.

À minha mãe, que batalhou para que eu estivesse aqui.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado o privilégio de viver ao lado de pessoas maravilhosas, cuja convivência só me engrandeceu em todos os aspectos.

À minha mãe, por impulsionar a realização de todos os meus projetos e estar sempre ao meu lado, apoiando-me nos momentos de maior necessidade.

À minha família, por sempre estar presente a festejar cada pequena conquista que não é somente minha, mas de todos nós.

Ao meu amigo Victor Mota, que sempre se mostrou prestativo e me auxiliou não só na confecção deste trabalho, mas durante todo o período de faculdade.

Aos meus amigos Rafael, Samuel, Alan, Daniel, Jonas, Nairim e Kate, cujos excelentes momentos que passamos juntos ao longo destes cinco anos de convivência diária jamais serão esquecidos.

À minha irmã Ana Teresa, a quem nunca deixei de amar mesmo com a distância que a vida nos impôs.

Ao professor e orientador William Paiva Marques Júnior, de quem a disponibilidade e presteza demonstradas foram de fundamental importância para a conclusão deste trabalho.

Aos examinadores Álisson José Maia Melo e Tainah Simões Sales por, tão prontamente, terem aceitado fazer parte da avaliação do presente trabalho.

Aos amigos da Procuradoria da República, com quem tive o privilégio de conviver por dois anos, saindo com valiosa experiência e grandes amizades.

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RESUMO

A posição de supremacia estatal absoluta ante os particulares é um modelo de Administração Pública advindo do Século XVIII, quando havia a necessidade de garantir a liberdade individual e a legalidade por meio de um Estado forte e centralizador. Essa supremacia, embora tenha tido substancial importância para a construção do Estado Democrático de Direito em seus primórdios, tem dado espaço ao exercício irresponsável do poder administrativo, mediante práticas que não se prestam à proteção dos direitos fundamentais, interesse público primário do Estado. Nesse contexto, esse trabalho pretende analisar a aplicação da arbitragem aos contratos administrativos como meio alternativo à via judicial na solução de lides entre o Estado e os particulares. A fim de melhor compreender o instituto da arbitragem, serão estudados pontos relevantes do seu desenvolvimento histórico, bem como suas características no direito brasileiro. Devido à sua flexibilidade, custo menor e à maior participação popular, conclui-se que a arbitragem pode resolver conflitos de modo mais célere, barato e eficaz, protegendo os direitos fundamentais dos cidadãos e ampliando a legitimidade das decisões governamentais acerca de solução de conflitos.

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ABSTRACT

The position of absolute state supremacy before individuals is a model of Public Administration coming from the XVIII century, when there was the need to ensure individual freedom and legality through a strong and centralized State. This supremacy, although it had had substantial importance to the building of a Democratic State of Law in its beginnings, has given room to the irresponsible exercise of administrative power by practices that do not lend themselves to the protection of fundamental rights, the primary public interest of the State. In this context, this paper intends to analyze the application of arbitration to administrative contracts as an alternative mean to judicial way in the settlement of disputes between the State and particular parties. In order to understand better the concept of arbitration, it will be studied relevant points of its historical development, as well as its characteristics in Brazilian Law. Due to its flexibility, lower cost and greater popular participation, it is concluded that the arbitration can resolve conflicts in a faster, cheaper and more effective way, protecting the fundamental rights of citizens and increasing the legitimacy of government decisions regarding disputes settlement.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 RELEITURA DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO ... 11

2.1 O conceito de interesse público ... 11

2.2 Reconstrução do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado ... 16

2.3 O modelo de Administração Pública consensual ... 21

3 ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ... 27

3.1 Atos e contratos administrativos ... 27

3.2 A arbitragem no Direito brasileiro ... 32

3.3 A utilização da arbitragem nos contratos administrativos ... 38

4 A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ANTE A CONSENSUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ... 44

4.1 Métodos alternativos de resolução de controvérsia em contendas fazendárias e ambientais: busca pelo legítimo interesse público ... 44

4.2 Arbitragem nos contratos administrativos e efetivação do direito de acesso à justiça ... 47

4.3 A arbitragem e a consensualidade: análise econômica do Direito ... 50

4.4 Consensualidade e arbitragem: meios de efetivar o princípio da eficiência ... 53

4.5 Promoção do Estado de Direito, da democracia e da cidadania ... 56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 60

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1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, é visível a necessidade de mudança de paradigmas no trato dos interesses públicos. O modelo dos séculos XIX e XX precisa ser revisto. A figura do Estado-garantidor já não atende a dinâmica tão caracterizadora de nossa sociedade. Os conflitos sociais crescentes demandam uma Administração Pública mais presente e atuante nos interesses de toda a coletividade.

Para isso, é necessário o estudo do regime jurídico-administrativo, notadamente no tocante ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Com efeito, esse princípio, que por tanto tempo fundamenta a atuação estatal, vem sendo interpretado doutrinariamente de maneira diversa ao clássico, ensejando a formação do conceito de Administração Pública consensual.

A prática gradual desse modelo de Administração Pública marca definitivamente a passagem da atuação do Estado como garantidor para a sua atuação como mediador, na medida em que cresce a tendência da não imposição de decisões para a coletividade ou para particulares específicos através da utilização de instrumentos voltados para a mediação entre o Poder Público e os indivíduos interessados.

Nessa seara, é notável o surgimento de instrumentos mediadores entre o Poder Público e particulares na Administração Pública brasileira. Pode-se citar, como exemplo, a exigência de audiência pública para a realização de determinadas obras e a possibilidade de utilização de arbitragem para a solução de controvérsias decorrentes das chamadas Parcerias Público-Privadas (PPPs) e dos contratos de concessão de serviço público.

O Estado, nessas ocasiões, passa a ser tratado em igualdade de condições com o particular, restando afastado o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado tal qual como concebido na atualidade. É imperioso, portanto, analisar as conveniências e desvantagens deste modelo administrativo, buscando fundamentar a utilização da arbitragem nos contratos administrativos no moderno Direito Público pátrio.

Com efeito, é preciso um estudo aprofundado acerca do modelo de Estado-mediador, buscando regular o uso dos instrumentos de Administração Pública consensual. Estes não devem ser usados de maneira aleatória, pois fatalmente levariam a um enfraquecimento do Estado, tornando-o nulo frente a grandes interesses particulares.

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Tal temática é de grande importância na medida em que tende a implantar um modelo de Administração Pública mais moderna e atual, tendente a fortalecer o Estado de Direito e a democracia, e mais hábil à satisfação dos interesses públicos primários impostos pela Magna Carta de 1988.

A metodologia utilizada foi bibliográfica, com consulta a livros, publicações especializadas e artigos, além de pesquisa legislativa, documental e jurisprudencial.

O trabalho visa a responder as seguintes indagações: o modelo de Administração Pública baseado na imperatividade é o que melhor se coaduna com as presentes demandas sociais? Existe, de fato, uma supremacia do interesse público sobre o privado em abstrato? O que é interesse público? É possível a implantação de uma Administração Pública baseada na mediação e no consenso? A arbitragem nos contratos administrativos se presta à satisfação daquele interesse público? Quais as vantagens deste modelo de resolução de controvérsias para o particular e para a máquina estatal?

A fim de responder satisfatoriamente a todas estas indagações, dividiu-se o presente trabalho em três capítulos. No primeiro, busca-se analisar o alicerce principal da Administração Pública tradicional: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Assim, analisa-se o conceito de interesse público em si, determinando suas feições e limites, passando então a expor uma necessidade de reconstruir o mencionado princípio de acordo com os ditames de uma sociedade moderna e democrática. Como resposta a essa reconstrução, apresenta-se os contornos e instrumentos da Administração Pública consensual.

Em seguida, passa-se a analisar a arbitragem no Direito brasileiro em geral, expondo sua regulamentação legal, suas vantagens e desvantagens, bem como sua aplicabilidade atual nos contratos administrativos.

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2 RELEITURA DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

SOBRE O PRIVADO

O Direito Administrativo, enquanto disciplina jurídica, somente passou a existir como ciência após a Revolução Francesa de 1789. Naquele momento de quebra do Antigo Regime, caracterizado pela infalibilidade do Estado, aquele surgiu como limite à atuação do nascente Estado de Direito, personificado na prevalência do princípio da legalidade.

No Antigo Regime, embora existisse Administração Pública em seu sentido material, inexistia Direito Administrativo, haja vista que o interesse público era o interesse do próprio monarca, estando este livre de qualquer limite material ou formal. Outrossim, com as Revoluções Liberais que derrubaram o Ancien Régime, o interesse público passou a ser considerado como necessidade de garantia das liberdades individuais, já que os súditos haviam se convertido em cidadãos livres (SILVA, 2012, p.113).

Em sentido oposto, Binenbojm (2008, p. 11) entende que aquele ramo do Direito surgiu tão somente para possibilitar a sobrevivência de práticas do Antigo Regime. Com efeito, a imposição de regras de privilégio para a Administração Pública e o relativo afastamento do Judiciário nas contendas administrativas pelos revolucionários de 1789 são apontados como indícios razoáveis de que o Estado continuaria com amplos poderes, dispondo de meios eficazes de intervir nas liberdades individuais dos cidadãos, em razão da inexistência de previsão de controle, que seria realizado pela própria Administração no sistema conhecido como contencioso administrativo.

O certo é que, após a queda do Antigo Regime, o conceito de interesse público surgiu, mudando, entretanto, os seus contornos ao longo do tempo, em busca de sustentar e dar legitimidade ao governo estatal.

2.1 O conceito de interesse público

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A Administração Pública, definida por Dias e Oliveira (2006, p. 9) como “uma organização específica a quem incumbe uma tarefa de prossecução de finalidades ou

interesses” sempre esteve vinculada ao conceito de interesse público, o qual, não obstante

diversas tentativas doutrinárias, jamais foi delimitado de maneira clara e concreta ao longo da história, servindo, muitas vezes, para respaldar atividades estatais duvidosas.

De modo a vislumbrar a íntima e interdependente relação entre Administração Pública e interesse público, veja-se o conceito de função pública, fornecido por Justen Filho (2006, p.30):

A função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional.

Como já referido, a noção de interesse público surgiu na Revolução Francesa, sob o manto de um discurso liberal que apregoava a afirmação dos interesses individuais. A legalidade passou a ser considerada como a própria expressão do interesse público, uma vez que se prestava a garantir as liberdades individuais (GABARDO; HACHEM, 2010, p. 28).

Tem-se claro, entretanto, que o Direito Administrativo e o próprio conceito de interesse público dele decorrente serviram como meros instrumentos retóricos dos revolucionários, com o objetivo primário de preservar a mesma lógica do poder reinante durante o Antigo Regime (MARQUES JÚNIOR, mimeografado).

Em um Estado de Direito moderno, regido sobre uma forma de governo republicana, no qual, segundo as palavras da Magna Carta, todo o poder emana do povo1, o conceito de interesse público precisa alcançar novas feições, face à necessidade de legitimidade popular. Com efeito, o princípio da soberania popular, que emana diretamente do Estado Democrático de Direito e do princípio republicano, impõe uma maior participação popular no poder, de modo a auxiliar na determinação do que, efetivamente, é interesse público.

O advento da democracia, definida por Silva (2012, p. 132) como “regime de

garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem” veio delimitar ainda

mais o conceito de interesse público, visto que a Constituição Federal de 1988 elencou uma série de direitos do cidadão, diversos deles exigindo uma prestação positiva por parte do Estado, diferenciando-se de sua concepção liberal, a qual somente exigia abstenções.

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No mesmo sentido, Machete (2007, p. 372) assevera que: “[...] o Estado de Direito surge em correlação com os direitos fundamentais e com a democracia, conforme a

fórmula de um Estado de Direito livre e democrático”.

O interesse público, agora intimamente ligado aos direitos fundamentais por força da Magna Carta de 1988, é alicerce do chamado regime jurídico-administrativo. Este, como amplamente lecionado, impõe os limites e declara as prerrogativas do poder estatal, através dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesses públicos (MELLO, 2010, p. 55).

O mesmo autor, ao analisar o conceito jurídico de interesse público, assevera que há, em decorrência do regime jurídico-administrativo, a ideia de falso antagonismo entre o interesse das partes e o interesse do todo (MELLO, 2010, p. 59). Ora, a imposição abstrata de um dito interesse público em face de um interesse particular, sem qualquer oportunidade de exame de caso, pressupõe a contraposição entre o interesse público e o interesse privado.

Infere-se, a partir do exposto, que o próprio regime jurídico-administrativo parte do antagonismo entre os interesses públicos e particulares para regular a atividade estatal. E, em vista disso, dá primazia ao interesse público em face do particular. Tem-se aqui, sobretudo, mais um resquício das práticas absolutistas do Antigo Regime, impensáveis em um Estado Democrático de Direito que dá primazia, conforme a Lei Maior, aos princípios e garantias fundamentais.

É fácil observar que a ideia de interesse público abstrato, sem qualquer instrumento que o contenha ou o defina é campo fértil para a prática de condutas, por parte do Estado, contrastantes com a democracia. Acerca do tema, assevera Binenbojm (2008, p. 94):

Tal princípio legitimaria toda e qualquer outorga de vantagens à Administração, prescindindo de qualquer análise a respeito de sua razoabilidade e proporcionalidade. Em síntese: a ideia de supremacia como norma jurídica não se coaduna com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, que preconizam a cedência recíproca entre interesses em conflito.

Nota-se, assim, a necessidade de delimitar o conteúdo do interesse público, com o escopo de evitar seu uso para a legitimação de práticas antijurídicas. É corrente na doutrina pátria a identificação do interesse público como um somatório de interesses individuais coincidentes, enquanto partícipes da sociedade (MELLO, 2010, p. 60).

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Importa salientar, em vista do exposto, que a doutrina nacional, em sua maioria, tende a considerar o interesse particular como parte integrante do interesse público, daí não se sustentando a ideia de antagonismo entre estes. Acerca do tema, Moreira Neto (2006, p. 329) vai mais além, ao afirmar que o interesse público consiste no respeito aos direitos e interesses do cidadão legalmente previstos.

Reconhecendo-se a imbricação entre interesse público e interesse particular, aquele deve consistir na busca por uma solução constitucional e legal otimizada, quando da decorrência de um eventual conflito. Nas palavras de Binenbojm (2008, p. 119): “[...] qualquer interferência legislativa ou administrativa em matéria de direitos fundamentais deve buscar sempre uma solução otimizadora que prestigie, igualmente, todos os direitos ou

princípios constitucionais envolvidos”.

Reconhecido o interesse particular como parte integrante do sobredito interesse público, reveste-se aquele de autêntico limite para a atuação estatal, na medida em que o Direito Privado fixa limites que só poderão ser ultrapassados pela Administração Pública com a permissão legal, não podendo o Estado restringir direitos e liberdades individuais, frise-se, com a mera invocação abstrata de um interesse público (DIAS; OLIVEIRA, 2006, p. 90).

De acordo com o exposto, Justen Filho (2006, p. 38) buscou a conceito de interesse público através de uma conceituação negativa, ou seja, esclarecendo, primeiramente, o que não pode ser considerado interesse público. Para o autor, o interesse público não se confunde com o interesse do Estado, nem com o interesse do aparato administrativo, tampouco com o interesse do agente público (JUSTEN FILHO, 2006, p. 38). Aprofundando o estudo, ele chega à conclusão de que o interesse público não tem conteúdo próprio, já que não pode ser considerado interesse privado comum a todos os cidadãos, nem de sua maioria, tampouco da sociedade abstratamente analisada (JUSTEN FILHO, 2006, p. 40).

Com efeito, a ausência de conteúdo próprio para o interesse público, em seus moldes tradicionais, resta latente. É temerário, para o Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988 (art. 1º, caput), basear toda a atuação estatal em um instituto que não tem conceituação própria. Tal daria espaço, como já salientado anteriormente, para a prática de diversos atos arbitrários do poder estatal, que seriam chancelados pelo pomposo discurso da busca pelo interesse público.

A busca pelo interesse público abstrato dá azo ainda maior para a prática de arbitrariedades no caso concreto, face à sua completa impossibilidade de reconhecimento, sobretudo por, em uma mesma relação jurídica, existir diversos interesses que podem ser

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Ou seja, as situações concretas demonstram a existência de diversos interesses públicos, inclusive em conflito entre si. Logo, a decisão a ser adotada não poderá ser fundada na pura e simples invocação do ‘‘interesse público’’. Estarão em conflito diversos interesses públicos, todos em tese merecedores da qualificação de supremos e indisponíveis.

Não obstante o exposto, é imperioso reconhecer a notória evolução doutrinária acerca do tema, muito embora ainda haja desvios na prática cotidiana da Administração Pública. Como limite doutrinário já existente ao conceito de interesse público, tem-se importante doutrina italiana importada para o nosso Direito por Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 65). Através desta, separa-se os interesses públicos em primários e secundários. Estes seriam decorrentes da situação do Estado como pessoa jurídica, ou seja, pertencentes à própria máquina administrativa, também chamados de interesses particulares do Estado (MELLO, 2010, p. 65). Eles não merecem, de maneira alguma, tratamento diferenciado por parte do ordenamento jurídico.

Os interesses públicos secundários devem ter como objetivo, tão somente, a viabilização dos interesses públicos primários, devendo, por isto, ter caráter meramente instrumental. Tais interesses não devem, por si só, legitimar a restrição da esfera jurídica do particular, pois o fim do Estado é o homem, e não o próprio Estado.

Os interesses públicos primários, por sua vez, são a própria razão de ser do Estado. Consistem, entre outros, nos direitos fundamentais previstos na Magna Carta. De fato, o interesse público primário reside na necessidade de efetivação e prestação, por parte do Estado, dos direitos previstos na Lei Maior. O Estado deve agir sempre com este desiderato, sendo-lhe vedado perseguir interesses próprios quando contrapostos ao direito do cidadão, este sim descrito e garantido constitucionalmente.

Nota-se, com todo o exposto, que a busca por interesses de um particular pode se configurar, em determinado caso, como de interesse público, não havendo razão para se pressupor, de plano, de uma supremacia do Estado ante os indivíduos.

Conclui-se, no tocante à relação entre o interesse público abstrato e o interesse particular, que o fim precípuo da Administração Pública atualmente é a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, nas palavras de Pedro (2007, p. 444), o ordenamento jurídico existe por causa do homem e para o homem, não podendo eventuais interesses públicos alegados se sobrepor aos princípios fundantes do Estado Democrático brasileiro, dentre eles o citado princípio.

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práticas estatais em que o homem é tratado como mero objeto do ato administrativo. Outrossim, este deve ser visto como o fim de toda relação jurídica que envolva o Estado.

O interesse público, hodiernamente, reside na efetivação do princípio da dignidade humana e dos demais princípios fundamentais, devendo aquele ser considerado o interesse público primário da Administração Pública. Faz-se necessário, outrossim, a reconstrução do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, abandonando antigas amarras absolutistas para caminhar em direção aos anseios de uma sociedade democrática condizente com os preceitos estatuídos na Magna Carta.

2.2 Reconstrução do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado

Busca-se, descortinada a questão da indeterminabilidade e da impossibilidade de concretização prática da ideia de interesse público em seus moldes tradicionais, analisar a alardeada supremacia que dado interesse teria, de plano, sobre todos os interesses particulares porventura existentes em uma relação jurídica que envolva o Estado.

A ideia de princípio, definido de modo corrente na doutrina pátria como mandado de otimização ou, ainda, como mandamento nuclear de um sistema (SILVA, 2012, p. 91) implica, de fato, a noção de uma valoração acima da lei, servindo-lhe de espírito e direcionando a aplicação do Direito no caso concreto, uma vez que todo o ordenamento seria uma irradiação direta de tais valores tidos como superiores.

Destarte, o posicionamento do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado como fundamento basilar do atuar estatal não é compatível com o atual momento social e político, haja vista que a gestão estatal não deve pressupor conflitos, mas, antes, composição dos diversos interesses existentes. Ademais, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, em seus moldes tradicionais, carece de sentido frente à atual conjectura social, acabando por restar esvaziada.

Propõe-se, aqui, desmitificar o precitado “princípio”, de modo a adequá-lo ao cotidiano, já que seu caráter autoritário vigorante por mais de dois séculos não se coaduna mais, principalmente, com os direitos e garantias fundamentais apregoadas pela Magna Carta.

Mello assim o define (2010, p. 69):

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Analisando-se a mencionada definição do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, nota-se claramente se tratar de uma superioridade garantida ao Estado sem qualquer análise de mérito no caso concreto, sendo ainda alçado à posição de garantidor de uma ordem social na qual todos se sentem resguardados. Ora, não se vislumbra como o cidadão possa estar protegido frente a um poder de supremacia dado ao Estado sem

qualquer critério de análise e controle, sobretudo pela ideia abstrata de “interesse público”.

Aos defensores do citado princípio, conforme explicita Ávila (2007, p. 5), coube identificá-lo como um axioma, pois seria, à luz do ordenamento jurídico vigente, óbvio e autossustentável. Tal entendimento, todavia, não merece prosperar. O citado princípio, nos moldes da definição acima transcrita, não se presta a fundamentar as ações estatais. O mencionado princípio não é óbvio, tampouco autossustentável, uma vez que tal entendimento deriva das origens autoritárias do Direito Administrativo, que se prestou, em um primeiro

momento, a proteger o indivíduo das ações do “inimigo” estatal. Resta claro que a sua

aceitação equivale a reconhecer o permanente conflito entre interesses públicos e interesses particulares, o que se constitui em evidente anacronismo.

De modo a fundamentar o acima alegado, importa analisar o caráter principiológico da alegada supremacia, com vistas a reconstruir o seu conteúdo.

É cediço, conforme já exposto, que princípios são considerados, sobretudo, como mandamentos nucleares de um sistema, tendo como função direcionar o intérprete à adequada aplicação do Direito. Entretanto, estes não gozam de valor absoluto, de modo que, em um eventual conflito, tendem a ser relativizados em busca de uma solução otimizada. Por sua vez, o alegado princípio da supremacia do interesse público sobre o privado não comporta relativização (ÁVILA, 2007, p. 9). Seu conteúdo normativo já é a própria imposição de um único resultado possível em caso de conflito.

A ausência de possibilidade de relativização face ao caso concreto já seria apta, por si só, a demonstrar que a alegada supremacia não possui natureza de princípio-norma. No entanto, há diversos outros embargos ao reconhecimento de seu caráter principiológico. Uma análise acurada da legislação vigente, notadamente a Constituição Federal, permite perceber que não há, em qualquer dispositivo, qualquer menção a uma subentendida supremacia de um interesse público abstrato sobre o privado.

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atuação arbitrária do Estado, positivando um vasto elenco de direitos intangíveis, a princípio, pelo Estado.

Ora, tampouco institutos tradicionalmente citados, como, por exemplo, a desapropriação, são capazes de demonstrar a existência de uma supremacia de um interesse sobre o outro, visto que estes são derivados do princípio da legalidade, que serve de fundamento para a atuação estatal restritiva, conforme restará demonstrado adiante.

O “princípio” em tela, por todo o exposto, configura-se como mera regra abstrata de preferência, sendo incompatível com a Constituição Federal e a diversidade de interesses que permeiam a nossa sociedade. Nesse sentido, Binenbojm (2008, p. 99):

Em face da diversidade de interesses consagrados constitucionalmente, os quais se impõem à consideração do intérprete/aplicador do direito, um princípio explicativo do Direito Administrativo não pode apresentar-se como uma regra de preferência.

Atualmente, uma eventual posição de superioridade entregue ao Estado em uma dada relação jurídica não deve ser encarada como mero reflexo do dito princípio, mas como incidência do princípio da legalidade.

Com efeito, a legalidade estatal, que difere da legalidade garantida aos indivíduos na medida em que aquele só pode agir quando a lei proíbe, sendo-lhe vedado agir sem previsão legal, é o verdadeiro pilar do Direito Administrativo moderno. Qualquer intervenção estatal só estará justificada com a correspondente previsão normativa, sob pena de eivar o ato de vício insanável (ÁVILA, 2007, p. 19).

Analisando a atuação estatal através de sua faceta legalista, resta evidente que o Estado não goza de qualquer prerrogativa pela simples razão de representar o interesse público. Este, enquanto parte na relação jurídica, somente gozará de benefícios quando a lei assim determinar.

Com o exposto, não se está negando a existência de privilégios para o Estado. É evidente a sua existência nas mais diversas relações jurídicas, consubstanciados em prazos processuais dilatados ou, ainda, da possibilidade de extinção unilateral de contratos administrativos, entre outros. O que se expõe é, basicamente, que tais privilégios não são implicações diretas do proclamado princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, pois somente a lei tem o condão de justificar eventuais prevalências (MACHETE, 2007, p. 442).

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referentes às relações da Administração Pública com particulares, nas quais, costumeiramente, há a distribuição de favorecimentos ilícitos estatais a certos indivíduos (BINENBOJM, 2008, p. 93).

Em vista do discutido, a ideia de uma pretensa supremacia do interesse público sobre o particular resta antiquada e inverossímil frente ao atual quadro administrativo, no qual a demanda por maior legitimação da atuação estatal é crescente.

A restrição às liberdades individuais, com a alegação da supremacia do interesse público sobre o privado, deve cessar. Atualmente, a atuação estatal encontra-se atrelada à legalidade. Só devem ser admitidas como intervenções estatais legítimas aquelas condizentes com os ditames da Constituição Federal, pois somente esta pode ser fundamento para a restrição de liberdades e garantidas individuais. Leciona Binenbojm (2008, p. 94):

Ora, se é a Constituição que, explícita ou implicitamente estabelece quando e em que medida direitos individuais podem ser restringidos, (I) o fundamento da restrição é a norma constitucional específica, e não o dito princípio, e (II) a medida da restrição, conforme permitida pela Constituição, é dada por uma norma de proporção e preservação recíproca de interesses em conflito, e não de prevalência a priori do coletivo (estatal) sobre o individual (privado).

Ou seja, é impossível sustentar que o Estado detenha uma superioridade pelo simples fato de defender um pretenso interesse público. É imperioso reconhecer a igualdade de posição do Estado e dos indivíduos perante a lei. Estão ambos com suas disciplinas jurídicas reguladas na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais. A partir do momento em que se cristalizou o entendimento de que a Administração Pública só poderá agir de acordo com suas competências legais, firmou-se terreno fértil para o reconhecimento de uma relação de paridade Estado-indivíduo, ambos com suas garantias e limitações definidas em lei (MACHETE, 2007, p. 431).

Importa salientar ainda, pela sua relevância, que o princípio da legalidade supramencionado deve ser entendido de maneira ampla. Ao afirmar que o citado princípio é o verdadeiro fundamento para as prevalências estatais existentes, não está a se falar somente na lei, mas em todo o ordenamento jurídico, no que parte da doutrina convencionou chamar de princípio da juridicidade (DIAS, 2006, p. 99).

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medida analisada, bem como o respeito ao princípio da isonomia (BINENBOJM, 2008, p. 114).

Acerca do citado princípio, Silva (2012, p. 121), ao analisar a adequada aplicação da lei em um Estado Democrático de Direito, afirma que o império da lei reinante deve se prestar a realizar o princípio da igualdade e da justiça. De fato, o princípio da legalidade, aqui entendido como juridicidade, acaso não direcionado à concretização dos preceitos e mandamentos constitucionais, estaria eivado de irremediável ilegitimidade.

Assim, o pretenso princípio da supremacia do interesse público sobre o privado não se presta a regular a atuação estatal na busca pelos seus fins colimados, visto que já pressupõe conflitos sem qualquer análise concreta. A lei lato sensu surge, assim, não mais como limite à atuação estatal, mas como seu próprio fundamento. Nesse sentido, importa colacionar ensinamento de Machete (2007, p. 413):

Nos primórdios do Estado constitucional o princípio da legalidade foi, com efeito entendido fundamentalmente com aquele sentido de preferência da lei. Posteriormente, a situação tornou-se cada vez mais diferenciada e, em certos países, tende hoje a prevalecer uma interpretação daquele princípio no sentido de a lei constituir o fundamento de toda a actividade administrativa.

A partir do moderno entendimento de que o interesse público primário consubstancia-se na efetivação dos direitos fundamentais previstos pela Lei Maior, a reconstrução do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado afigura-se necessária para embasar a atuação estatal em busca daquele objetivo.

Com efeito, atualmente cumpre reconhecer que não há no Direito pátrio, seja este positivado ou não, a existência de uma supremacia do interesse público a priori. Somente pode-se aferir uma relação de supremacia no tocante aos direitos fundamentais, notadamente

o princípio da dignidade da pessoa humana. Como aduz Silva (2012, p. 105): “[...] a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos

fundamentais do homem, desde o direito à vida”.

Acerca do tema, leciona Justen Filho (2006, p. 67):

(23)

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como detentor da verdadeira supremacia em relação aos demais interesses, bem como da paridade do Estado e do indivíduo perante o ordenamento jurídico, que deve ser aplicado de acordo com o princípio da proporcionalidade, impõe a substituição de uma posição de supremacia do Estado para uma relação de ponderação entre esta e os particulares, de modo a buscar a efetivação dos direitos fundamentais, que é interesse tanto do Estado quanto dos indivíduos que o compõem, não havendo que se falar, portanto, em um pretenso conflito.

Outrossim, tal objetivo requer um modelo de Administração Pública moderno, em que o consenso nas relações estatais prevaleça, uma vez que a ideia oitocentista de eterno conflito de interesses entre Estado e particular resta ultrapassada. A necessidade de efetivação dos direitos fundamentais, bem como do aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, conduzem à implantação de um modelo de Administração Pública consensual.

2.3 O modelo de Administração Pública consensual

Foi exposto que a verdadeira relação de supremacia que existe em nosso direito vigente é aquela que envolva os direitos fundamentais, consubstanciados na dignidade da pessoa humana. Não há qualquer razão para se aceitar que o Estado detenha, de plano, supremacia de interesse sobre qualquer indivíduo.

Como já ressaltado, o Estado e o particular figuram como partes de uma mesma relação jurídica, e devem ser tratados de forma paritária frente ao ordenamento jurídico. Em outras palavras, relações de supremacia já existentes e positivadas são resultado de ponderação de valores realizada pelo legislador, de modo que, ressalte-se, não derivam de um princípio supremo que deixa o particular a mercê do corpo estatal.

Há casos, entretanto, em que a lei deixa uma margem de escolha à Administração Pública, de modo que esta possa, ao analisar o caso concreto, escolher como agir, entre as opções autorizadas legalmente. Costuma-se chamar tal faculdade, em sede doutrinária, de poder discricionário. Acerca do citado instituto, aduz Mello (2010, p. 430):

Atos discricionários, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundos critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.

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limites estabelecidos pela lei. Justamente quando da efetivação de atos discricionários, usa-se o critério abstrato de interesse público para legitimá-los, visto que a máquina estatal, em sua concepção clássica, resta dotada de irremediável imperatividade.

Em um moderno modelo de Administração Pública, onde se reconhece a efetivação dos direitos fundamentais como fim precípuo da atuação estatal, a imperatividade pura e desmedida do governante não se coaduna com as demandas sociais. A Administração Pública consensual surge, assim, como a nova faceta da atuação estatal no século XXI (MARQUES JÚNIOR, 2009, p. 261).

Esta requer, primeiramente, a implantação de uma cultura do diálogo. A posição do Estado como mero detentor do poder de império resta ultrapassada, de modo que este surge com a função de mediador e garantidor perante a sociedade. Conforme adverte Oliveira (2010, p. 217), a função de garantia do Estado emerge, outrossim, da sua obrigação constitucional de efetivar diversos direitos fundamentais.

Do exposto, depreende-se que o modelo administrativo reinante durante os últimos séculos, consistente em impor suas vontades em nome de um pretenso interesse público, merece ser abandonado. A imperatividade estatal deve dar lugar ao diálogo. Assim, o Estado não deverá impor sua vontade sobre o particular, mas sim compor o eventual conflito da melhor maneira possível, buscando tutelar ambos os interesses envolvidos. Nas palavras de Oliveira (2010, p. 218):

Ademais disso, cabe notar que a principal tarefa da Administração mediadora passa a ser a de compor conflitos envolvendo interesses estatais e interesses privados, definitivamente incluindo os cidadãos no processo de determinação e densificação do interesse público, o qual deixa de ser visto como um monopólio estatal, com participação exclusiva de autoridades, órgãos e entidades públicos.

Resta clara, assim, a necessidade de particulares participarem da gestão estatal. Tal entendimento é corolário da própria noção de democracia, cuja conotação agora vai além da política para atingir o próprio exame de oportunidade e conveniência de um ato discricionário. De fato, trata-se de uma evolução da democracia brasileira, visto que a democracia indireta revela-se falha por partir de uma presunção de legitimidade, quando esta só poderá advir, em relação à atuação estatal, através de uma participação direta, aberta e incentivada pelo Estado (MOREIRA NETO, 2006, p. 322).

(25)

transação e conciliação, dentre outros, surgiu para oxigenar as relações existentes entre o Estado e seus jurisdicionados.

Acerca do tema, é notório o crescimento de práticas consensuais na prática administrativa brasileira. Tem-se, como exemplo, a previsão de audiência pública para diversas obras e empreendimentos públicos. Esta funciona como requisito de aferição da publicidade e eficiência do ato administrativo. Conforme leciona Figueiredo (2007, p. 14):

Agir com eficiência significa contemplar todas as possibilidades de obter o melhor contrato, a melhor decisão (sobretudo legítima por obter o consenso dos administrados), possibilitando, sem dúvida, que se discuta amplamente os modelos e que, ademais, tais modelos possam estar estribados em fortes elementos de convicção e nunca dependerem de escolhas discricionárias, sem limites, portanto, até arbitrárias da Administração, sem peias ou amarras.

O particular deve ser parte integrante e permanente da máquina pública, uma vez que aquele não mais é tido como mero objeto da relação jurídica estatal, mas como efetivo detentor de direitos frente a este, sendo corolário deste entendimento o afastamento de uma sujeição pré-normativa do particular face uma pretensão estatal (MACHETE, 2007, p. 450).

O conceito de Estado-instrumento surgiu para sepultar o outrora consagrado viés autoritário do Estado, tido como fim em si mesmo. Vai mais além, afirmando a insuficiência do princípio da legalidade estrita, conforme leciona Moreira Neto (2006, p. 233):

Juridiciza-se, no percurso, o conceito de Estado-instrumento como contribuição compensatória das duras lições políticas sobre a insuficiência da legalidade estrita na conceituação da juridicidade e da passagem da referência jurídica da lei ao Direito.

Com efeito, conforme já explicitado, o analisado princípio da legalidade estrita não se presta a fundamentar a atuação do ente público. Para a restrição de garantias e interesses individuais, além da previsão legal, é forçosa a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como requisitos intrínsecos à legitimidade do ato.

Uma Administração Pública consensual demanda, ainda, o reconhecimento da absoluta paridade do Estado e do indivíduo frente ao ordenamento jurídico, que por si só já determina os privilégios que ambas as partes terão em dada relação jurídica. Em consequência disso, há completa possibilidade de defesa do particular ante um ato administrativo que, indevidamente, vier a restringir direito legítimo. Assevera Machete (2007, p. 579):

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posições jurídicas gozam, como indicado, da garantia de tutela jurisdicional prevista na Constituição.

Com todo o exposto até aqui, não se está descartando a coerção como instrumento estatal válido. Esta é necessária para regular a sociedade e garantir a segurança jurídica dos administrados. O que importa reconhecer, de fato, é que a coerção, apesar de necessária, não é por si mesma suficiente para uma atuação estatal de acordo com os ditames da Constituição Federal (MOREIRA NETO, 2006, p. 316).

Para uma completa adequação, urge estimular a participação dos cidadãos, através de um canal direto e aberto com o administrador, em que se busque a moderação e se estabeleça a ponderação dos valores envolvidos na relação em análise. Somente assim se alcançará a legitimidade plena de uma eventual ação estatal, superando-se, por completo, a presunção de legitimidade decorrente da democracia indireta que, juntamente com o conceito abstrato de interesse público tradicionalmente adotado, contribuía para a realização de práticas antijurídicas por parte do Estado.

O dogma da vinculação ao interesse público impede qualquer possibilidade de negociação no âmbito da Administração Pública, sendo assim obstáculo intransponível ao reconhecimento de um modelo consensual. Com efeito, o reconhecimento de uma prevalência

a priori afasta a possibilidade de participação do cidadão na determinação das prioridades públicas (MOREIRA NETO, 2006, p. 325).

Por óbvio, a negociação referida deve ser direcionada ao atendimento do interesse público, em sua concepção moderna. Entretanto, em sua busca, é salutar a proteção e reconhecimento dos interesses individuais, na medida do possível, fazendo uso da ponderação. Esta, como bem define Borges (2007, p. 17), consiste no sopesamento de interesses tidos como conflitantes em busca de uma solução ótima, capaz de obter a maior realização possível de ambas. No mesmo sentido, colhe-se ensinamento de Moreira Neto (2006, p. 330):

A passagem de uma viciosa relação de supremacia a uma virtuosa relação de ponderação marca, assim, o atual estágio evolutivo dessa interação, cada vez mais intensa, entre a sociedade e Estado e põe em evidência a missão instrumental que lhe cabe, tudo para que jamais e a qualquer pretexto se volte a invocar supremacias téticas ou raisons d’État para sobrepor quaisquer interesses aos direitos fundamentais.

(27)

O fomento, como se sabe, é tradicionalmente entendido como um instrumento da política estatal tendente a estimular certa área do setor produtivo ou da sociedade. Em outras palavras, é um impulso estatal a atividades privadas valoradas como importantes para o Estado e a sociedade.

Em comparação, a prática de uma Administração Pública consensual guiaria o Estado para a prática de um fomento ao revés, ocasião em que este deixará de ser o agente estimulador para se tornar o agente estimulado. O crescimento da participação negocial do particular no cotidiano estatal tende a promover a adoção de políticas públicas condizentes com a efetiva necessidade da sociedade. Com efeito, ninguém poderá ter maior conhecimento sobre as necessidades da sociedade do que ela própria.

Através do conceito de Estado-instrumento e do estímulo a práticas consensuais por parte da Administração Pública, dá-se azo para o reconhecimento de um novo papel do particular na vida pública: trata-se da Administração concertada, na qual a Administração renuncia ao emprego de seus poderes coercitivos para aceitar fazer acordos com particulares, de modo a ganhar a colaboração ativa destes (OLIVEIRA, 2010, p. 222).

Cumpre salientar, por oportuno, que tais negociações devem sempre ser realizadas com vistas ao critério da consensualidade e aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a evitar eventuais ingerências negativas da máquina administrativa.

Para facilitar a aludida participação popular nas decisões administrativas, bem como as negociações necessárias para a realização de acordos, a consensualidade na Administração Pública pressupõe a existência de dois conceitos básicos: governança pública e Estado em rede.

O estado em rede expõe a necessidade de criação de diversos canais de negociação e estímulos mútuos entre Estado e particulares. Em outras palavras, requer a criação de mecanismos tendentes a identificar as necessidades e interesses sociais. Acerca do estado em rede, aduz Oliveira (2001, p. 28):

É imprescindível que tal fato ocorra para o fim de possibilitar a internalização das demandas da sociedade, o que propiciará uma compatibilidade entre as políticas públicas e as necessidades da sociedade.

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(29)

3 ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Uma administração moderna da máquina estatal requer, sobretudo, a participação do particular, como meio de concertar e garantir legitimidade ao próprio atuar do governante. Tal participação, privilegiando o consenso e a mediação em detrimento da imposição pura e simples, levaria a uma contratualização da Administração Pública, dando-se preferência à celebração de contratos em detrimento da expedição de atos unilaterais.

Assim, urge, primeiramente, analisar os dois meios principais que o Estado se utiliza para intervir na sociedade: ato administrativo e contrato administrativo. Após, serão analisados os instrumentos atuais tendentes a garantir uma maior consensualidade na gestão pública, dentre eles se destacando o instituto da arbitragem.

3.1 Atos e contratos administrativos

Os atos administrativos devem ser entendidos, primeiramente, como categoria do gênero ato jurídico, sendo este uma atuação humana que produz efeitos no mundo jurídico. Assim, os atos administrativos são imputáveis à própria Administração Pública, produzindo efeitos regulados pelo Direito Administrativo.

Ocorre, entretanto, que há atos produzidos pela Administração Pública que não podem ser considerados como atos administrativos, sendo imperioso destacar a existência do gênero atos da administração, do qual o ato administrativo é uma espécie.

Como leciona Di Pietro (2011, p. 192), na categoria atos da administração estão englobados os atos de direito privado efetuados pelo Poder Público, os atos materiais, atos de conhecimento, atos políticos, atos normativos, contratos e atos administrativos propriamente ditos. Neste estudo, no entanto, importa analisar tão somente os dois últimos modelos citados.

Os atos administrativos propriamente ditos diferenciam-se dos demais por serem prolatados pelo Estado sob as regras de Direito Público. Em outras palavras, os atos administrativos estão sujeitos ao regime jurídico-administrativo, razão pela qual não se reconhece sua existência em países cujo Estado atua em regime de direito privado (DI PIETRO, p. 194).

A mencionada autora assim define os atos administrativos:

(30)

observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário. (DI PIETRO, 2011, p. 198)

Para atingir seu desiderato, os atos administrativos gozam de atributos que, teoricamente, garantiriam uma supremacia do Estado em face ao particular. Entre eles, cita-se a presunção de legitimidade e veracidade, imperatividade, autoexecutoriedade e tipicidade.

Dentre tais atributos, sem dúvida merece destaque a imperatividade, que é oposta à ideia de consensualidade, uma vez que garante ao Estado o poder de impor seus atos aos particulares através de sanções, mesmo sem a concordância deste, e, em alguns casos, com contraditório diferido.

Por muito tempo, em decorrência da imperatividade inerente à Administração Pública, os atos administrativos foram predominantes na atuação estatal. Verifica-se atualmente, entretanto, estímulo à contratualização administrativa, uma vez que a governabilidade e a legitimidade estatal tendem a aumentar com a diminuição de conflitos entre este e os seus jurisdicionados.

Entretanto, o contrato administrativo possui peculiaridades que não permitem seja este confundido com o contrato de Direito Privado. Este é conceituado por Caio Mário da

Silva Pereira (2009, p. 7) como: “[...] um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar e extinguir direitos”. Infere -se, das lições do citado autor, que o contrato tem como fundamento a vontade humana voltada para a criação de direitos e obrigações.

Por sua vez, o contrato administrativo é assim conceituado por Carvalho Filho (2009, p. 169):

[...] o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.

Depreende-se, da análise dos conceitos colacionados, que contratos administrativos contam com seu objeto reduzido, visto terem como objetivo precípuo, tão somente, a efetivação de determinado interesse público. Sua principal diferença reside no regime jurídico de Direito Público.

(31)

As citadas prerrogativas, que no regime de direito privado estariam eivadas de irremediável vício e seriam, portanto, nulas de pleno direito, são chamadas doutrinariamente de cláusulas exorbitantes ou, ainda, cláusulas de privilégio e, no direito brasileiro, são cinco: alteração unilateral, rescisão unilateral, imposição de sanções, poder de fiscalização e faculdade de impor garantias ao particular (CARVALHO FILHO, 2009, p. 185).

A alteração unilateral do contrato está prevista no art. 58, I da Lei n. 8.666/93 2

. Esta, para a doutrina juspublicista, demonstra a superioridade estatal face à outra parte, e traduz a possibilidade de a Administração Pública alterar o projeto e suas especificações de maneira coercitiva, independendo da aquiescência do particular.

Tal alteração facultada ao poder público pode ser qualitativa, quando visa uma maior adequação técnica ao objeto do contrato ou quantitativa, quando diz respeito ao valor da contratação em si. Na alterações em tela, os interesses do particular restam resguardados, uma vez que o equilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser mantido, por imposição legal (art. 58, §2º da Lei n. 8.666/933).

Verifica-se, de plano, a existência de efetiva superioridade do ente estatal na relação contratual em análise decorrente de imposição legal, e não de uma pretensa supremacia do interesse público sobre o privado in abstracto. Com efeito, o mesmo dispositivo assegura o interesse particular frente ao poderio estatal, ao impor a obrigação de manutenção econômico-financeira, em uma clara demonstração de que o ordenamento jurídico vigente busca preservar tanto os interesses públicos quanto os particulares, em uma ponderação realizada pelo legislador em cada caso vislumbrado.

Reflexo disso é a possibilidade do particular ser reembolsado pelo poder público em determinados casos, tendo o seu interesse reconhecido como o que, efetivamente, merece tutela jurídica. Assim expõe Carvalho Filho (2009, p. 187):

Conquanto a lei confira ao Poder Público a prerrogativa de supressão no caso de obras, serviços ou compras, pode surgir efeito pecuniário para o contratado. Se este já houver adquirido os materiais necessários ao cumprimento do objeto contratual e os tiver colocado no lugar da execução, a Administração, no caso de supressão, poderá ser sujeita a duplo ônus: 1) ficará obrigada a reembolsar o contratado pelos custos do material adquirido, com a devida atualização monetária; 2) terá o dever de indenizar o contratado por outros danos decorrentes da supressão. Em qualquer caso, todavia, deverá o contratado comprovar os custos de aquisição e os prejuízos que se originaram da supressão (art. 65, §4º, Estatuto).

2

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado.

(32)

Tal obrigação, assim como a necessária revisão em caso de fato de príncipe ou da administração, é corolário do reconhecimento da aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos. Tal teoria, em regime de Direito Privado, encontra farta aplicação. Assim a expõe Caio Mario da Silva Pereira (2009, p. 138):

A teoria tornou-se conhecida como cláusula rebus sic stantibus, e consiste, resumidamente, em presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula, que não se lê expressa, mas figura implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu cumprimento rigoroso, no pressuposto de que as circunstâncias ambientes se conservem inalteradas no momento da execução, idênticas às que vigoravam no da celebração.

A Administração Pública goza ainda da prerrogativa de extinguir unilateralmente o contrato avençado nos casos previstos no art. 78 da Lei n. 8.666/93. Basicamente, surgirá para a Administração a faculdade de rescindir unilateralmente o contrato em caso de inadimplemento, por razões de interesse público ou em caso fortuito ou de força maior (art. 393, parágrafo único, do Código Civil4).

Nota-se, mais uma vez, o uso de um conceito jurídico de difícil determinação em uma lei de regência, fato que pode gerar práticas abusivas por parte da Administração Pública. No entanto, tal vício resta parcialmente remediado, uma vez que em caso de rescisão por razões de interesse público, a Administração Pública estará obrigada a ressarcir o particular de suas despesas comprovadas. O mesmo vale para as recisões decorrentes de caso fortuito ou força maior (DI PIETRO, 2011, p. 274).

Em sede de Direito Civil, tal faculdade é conhecida como exceptio non adimpleti contractus e surge sempre que uma das partes contratantes não cumpre com o pactuado, não podendo exigir esta que a outra cumpra com a sua. Discorre acerca do inadimplemento contratual Pereira (2009, p. 135):

Daí se origina uma defesa oponível pelo contratante demandado, contra o co-contratante inadimplente, denominada exceptio non adimpleti contractus, segundo o qual o demandado recusa a sua prestação, sob fundamento de não ter aquele que reclama dado cumprimento ao que lhe cabe.

No tocante ao tema, importa salientar que por muito tempo reinou o entendimento doutrinário e jurisprudencial que afirmava não poder o particular suspender a prestação de um serviço em face do inadimplemento da Administração, em respeito ao princípio da

4 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

(33)

continuidade dos serviços públicos (art. 22 do Código de Defesa do Consumidor5). Tratava-se, outrossim, de mais uma face da alegada supremacia do interesse público sobre o privado, ao afirmar que o particular deveria continuar a prestar o serviço até que obtivesse uma decisão favorável na justiça.

À luz dos preceitos constitucionais e do disposto na Lei n. 8.666/93, o mencionado entendimento não merece prosperar de maneira absoluta. Não pode o particular em dia com as suas obrigações contratuais ficar a mercê de uma Administração Pública em mora com suas obrigações. Assim, restou relativizado o princípio da continuidade que dava suporte a este privilégio. Assim aduz Carvalho Filho (2009, p. 190):

O Estatuto vigente mitigou o privilégio. Dispõe que é causa de rescisão contratual

culposa o “atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela

Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da

ordem interna ou guerra”, estabelecendo que nesse caso o particular tem direito a

optar pela suspensão do cumprimento da obrigação ou pela indenização por prejuízos causados pela rescisão.

Tem-se, mais uma vez, um dispositivo que protege o indivíduo em face de eventuais ações arbitrárias estatais. Este não ficará mais a mercê da Administração Pública em mora e do judiciário lento para ver resguardados os seus direitos.

Como terceira cláusula exorbitante, está prevista a faculdade conferida ao Poder Público de aplicar penalidades de natureza administrativa ao contratado em face de inexecução total ou parcial do objeto da contratação (art. 58, IV, da Lei n. 8.666/936). As sanções cabíveis estão previstas no art. 877 da mesma lei.

Ressalte-se que tais sanções não precisam estar previstas no contrato celebrado, decorrendo diretamente da lei de regência. Isso não impede, todavia, que o termo contratual preveja outras sanções oponíveis ao particular. Leciona Carvalho Filho (2009, p. 190):

5 Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

6 Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; 7

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

(34)

Nos contratos administrativos, porém, prevê o art. 58, IV, do Estatuto, que é prerrogativa da Administração aplicar sanções ao particular inadimplente. Trata-se, nesse caso, da possibilidade de serem aplicadas sanções não previstas no instrumento contratual, mas sim na própria lei.

Intimamente ligada com a possibilidade de impor sanções está a prerrogativa da Administração Pública de fiscalizar o particular no cumprimento do objeto contratual (art. 67 da Lei n. 8.666/938). Tal fiscalização será obrigatória, não podendo ser repelida pelo particular, cuja resistência poderá dar ensejo à rescisão unilateral do contrato.

Por fim, no tocante às cláusulas exorbitantes, que colocam o Estado acima do particular na relação contratual, resta aduzir a faculdade conferida ao poder público de impor a prestação de garantia por parte do contratado (art. 56, §1º, da Lei n. 8.666/939).

Apesar de a presença de cláusulas exorbitantes conferir um grau de imperatividade estatal frente ao particular, é forçoso reconhecer que a contratualização administrativa é um grande passo rumo à Administração Pública consensual. De certo, a celebração de contratos em detrimento da imposição de atos administrativos é uma tendência visível no Direito Administrativo moderno, notadamente com o surgimento de novos modelos de contratação regulados por lei, como, por exemplo, as parcerias público-privadas. Ali, verifica-se prontamente a mitigação de diversas prerrogativas estatais, rumo a uma relação de paridade entre o Estado e seus contratados.

3.2 A arbitragem no Direito brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro, o Estado conta com o monopólio da jurisdição. Assim aduz até mesmo a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXV, que “a

lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Entretanto, a

jurisdição estatal não é o único instrumento tendente a dirimir eventuais conflitos existentes

8 Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

9 Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.

§ 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:

I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;

(35)

na sociedade. Em determinados casos, existem meios mais adequados e efetivos para a resolução de conflitos, tais como a arbitragem, a mediação e a conciliação.

Estes instrumentos, conhecidos doutrinariamente como métodos alternativos de solução de controvérsias, existem paralelamente à jurisdição estatal, não visando a sua substituição, mas tão somente auxiliar a resolução das diversas lides existentes. É certo que tais métodos vem ganhando espaço na prática jurídica brasileira, sendo mais um sintoma de uma relação de cooperação entre o particular e o Estado. Com efeito, a valorização destes instrumentos é notória, tendo estes especial destaque no projeto do novo Código de Processo Civil, em trâmite no Congresso Nacional.

Ao longo da história, há notícias de três modelos de solução de controvérsias adotados pelo homem. Primeiramente, surgiu a autotutela, marca dos povos antigos, onde não havia qualquer regulação e cada indivíduo resolvia seus conflitos como entendesse conveniente. Tal método, obviamente, está em franco desuso no Direito ocidental há alguns séculos, embora ainda possa ser aplicado em determinados casos previstos em lei, como a legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento do dever legal.

A autocomposição, por sua vez, visa atenuar os conflitos sociais existentes através da implantação de uma cultura do diálogo, sendo instrumento efetivo da aplicação de uma Administração Pública consensual. Aqui, busca-se amenizar o conflito existente entre as partes através da implantação de uma resolução colaborativa, onde todos tenham voz. Atualmente, a mediação e a conciliação são seus representantes mais efetivos, sendo sua aplicação prevista para os mais diversos ramos do ordenamento jurídico.

Por fim, a heterocomposição surgiu quando as partes envolvidas resolveram investir um terceiro com o poder de resolução do conflito através da análise do caso. Primeiramente, tal poder era entregue a um particular isento, que analisava o caso e dava o seu parecer. No entanto, com a evolução da civilização ocidental, tal poder acabou sendo entregue ao Estado. Tem-se, nessa categoria, a jurisdição estatal e a arbitragem.

Embora a arbitragem seja um método de composição de conflitos heterocompositivo, sabe-se que esta guarda íntimas relações com a mediação e a conciliação, pois, apesar de o poder decisório estar investido em um terceiro, o seu caráter de litígio resta atenuado através da efetiva participação das partes, tanto na escolha do árbitro, quanto nos métodos de resolução da controvérsia, escolhidos antecipadamente.

A arbitragem costuma ser definida pela doutrina brasileira como “um meio

privado de resolução de controvérsias no qual as partes, em acordo de vontades,

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