Revista Dialectus
Ano 2 n. 4 Janeiro-Junho 2014Editorial
Durante um longo tempo na história do Ocidente a religião forneceu o alicerce
para as questões fundamentais do ser humano, tais como: qual a origem do homem?
Qual a finalidade da existência? Em que se deve pautar as ações humanas? Existe vida
após a morte? Para essas questões eram dadas respostas de cunho religioso. No entanto,
o fundamento religioso era validado sobre bases dogmáticas, nas quais a motivação
mais forte para o seguimento, por exemplo, de mandamentos morais era a expectativa
de salvação. Com o advento da modernidade e o desenvolvimento da ciência se instaura
um novo quadro, no interior do qual a religião vai aos poucos perdendo seu status de
base reguladora e de validação, cada vez mais reconhecida como função do Estado
moderno. A dimensão religiosa do homem não é mais considerada “natural”, e o papel
da religião entra em profundo questionamento.
Em nossos dias, porém, a religião tem retornado ao centro das atenções e da vida
humana com aspectos semelhantes aos de tempos pré-modernos. E sua influência não se
exerce apenas na vida privada dos indivíduos, ela baliza, em muitos casos, as ações e
decisões políticas de grupos com denominações e visões de mundo
dogmático-religiosas. Essa influência intervém ainda nas relações entre Estados, causando diversos
conflitos.
Diante desse cenário, é mister refletirmos sobre o fenômeno religioso na
atualidade com o intuito de entendermos a força dessa fenômeno na estruturação da vida
do homem hodierno.Foi com esta inquietação que nos propomos a reunir e organizar
alguns textos de pensadores que se preocupam em refletir sobre o retorno do fenômeno
religioso na contemporaneidade, sob diversos matizes. Intelectuais de diversas
Universidades do Brasil contribuíram com nossa empreitada.
O artigo do Prof. Dr. José Carlos Silva de Almeida (UFC) expõe a critica do
poeta Tito Lucrécio Caro às superstições religiosas do povo romano no poema De
rerum natura, assim como a proposta de superação delas por meio da correta
compreensão da natureza das coisas e dos deuses, à luz dos ensinamentos de Epicuro.
Por sua vez, a Profª. Drª. Ideusa Celestino Lopes (UVA) aborda a crise religiosa
que assolou a Europa no século XVI, iniciada com Martinho Lutero (1483-1546)
quando tornou pública a sua insatisfação em 1517, contra vários procedimentos da
Revista Dialectus
Ano 2 n. 4 Janeiro-Junho 2014a partir das considerações de Giordano Bruno, que a religião pode ser considerada como
um aglutinador social, um instrumento político a ser usado pelos governantes para
manter a ordem entre os seus súditos.
Com o intuito de nos proporcionar uma reflexão sobre a religião como projeto
educacional em Lessing, o artigo do Prof. Dr. Marcos Fábio Alexandre Nicolau (UVA),
ao relacionar analogamente a educação com o processo de revelação ocorrido tanto no
indivíduo como no gênero humano, interpreta a proposta de Lessing como um projeto
educacional, demonstrando sua tese a partir da forte influência que o filósofo exerceu
sobre o processo de reformas educacionais na Alemanha entre os séculos XVIII e XIX.
O Prof. Dr. Paulo Roberto Konzen (UNIR) nos convida a ponderar sobre a
relação entre Estado e Religião no pensamento de Hegel, para quem, Estado e religião
concorrem juntos para formar o espírito do povo, tendo por conteúdo a verdade. O
artigo procura mostrar, ainda, como Hegel espera que a religião e o Estado reconheçam
e apresentem a verdade, que dissipa todo erro.
O artigo do Prof. Dr. Deyve Redyson (UFPB) trata das considerações de Hegel
sobre o Budismo, destacando que o filósofo alemão foi um dos primeiros a fazer uma
leitura filosófica de outras religiões que não a cristã.
Tratando da religião em Ludwig Feuerbach, o Prof. Dr. Eduardo F. Chagas
(UFC) mostra que, na perspectiva do pensador alemão, o Deus das religiões tradicionais
perde seu caráter de divindade (deixa de ser Deus) para tornar-se um predicado do
homem e/ou da natureza, os quais são, na realidade, o fundamento de religião.
O Prof. Dr. Francisco Alencar Mota (UVA) procura, em seu artigo, nos
apresentar alguns pressupostos básicos para a compreensão da religião nas obras de
Marx, fazendo um percurso por diversos escritos do mesmo, no intuito de entender
quais questões e contextos motivaram Marx a abordar a religião.
No artigo do Prof. Renato Almeida (UVA) a religião é analisada numa relação
direta com a questão antropológica presentes no pensamento dos filósofos
neohegelianos de esquerda, entendo que a crítica que tais pensadores tecem à religião
nada mais é do que uma tentativa de resgatar o homem real.
Ateísmo: um humanismo?, este é o título do artigo do Prof. Dr. Rosalvo Schütz
(UNIOESTE), no qual nos são apresentadas as leituras, mutuamente excludentes, que
ateus e crentes fazem entre si. Por um lado, os crentes acusam os ateus de
Revista Dialectus
Ano 2 n. 4 Janeiro-Junho 2014Rosalvo Schütz procurará encontrar uma leitura que possa unir ambas as perspectivas de
um ponto de vista humanista.
Encerrando o dossiê sobre Filosofia e Religião, temos o artigo do Prof. Dr.
Antonio Glaudenir Brasil Maia (UVA), o qual realiza uma análise do retorno do
fenômeno da religião no âmbito da filosofia pós-moderna, com atenção particular às
reflexões do filósofo italiano Gianni Vattimo. O artigo tematiza a dissolução das
principais teorias filosóficas que julgavam ter liquidado a religião e investiga as
possibilidades do discurso religioso.
O número 4 da Revista Dialectus traz, ainda, a tradução do texto Activity and
Consciousness, de autoria de Aleksei Nikolaevich Leontiev, traduzido por Marcelo José
de Souza e Silva (UFPR). A tradução do referido texto é inédita em língua portuguesa,
sendo seus originais publicados em russo na revista Voprosyfilosofii (1972) e em inglês
no livro Filosofia na URSS: Problemas do Materialismo-Dialético (1977). Neste texto,
Leontiev enfatiza o caráter social da consciência humana, tanto no nível coletivo quanto
no nível individual, em contraposição às concepções positivistas de uma influência
minimalista do ambiente.
Desejamos a todos uma ótima leitura e valiosas reflexões.
Eduardo F. Chagas Editor