CLAUDIO ALVES DA SILVA MAJ QCO
D D D E E E G G G A A A R R R A A A N N N T T T I I I A A A D D D A A A L L L E E E I I I E E E D D D A A A O O O R R R D D D E E E M M M
SET/2018
DIREITO APLICADO ÀS OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM
CLAUDIO ALVES DA SILVA – Maj QCO
Trabalho analisando de acordo com as instruções Reguladoras da Gestão de
Conhecimento Doutrinário ( EB20-IR-10.003) aprovadas pela Port EME Nr 35, de
26 Fev 14, que atende às prescrições das Instruções Gerais para a Organização e
Funcionamento do Sistema de Doutrina Militar – SIDOMT ( EB 10-IG-01.005), ao
qual foi atribuída a a Menção (MB) e autorizada a publicação, conforme tornou
público o BI Nr 174, de 22 Set 14, do EME, fl 2728/2729.
Em muitas cidades brasileiras, monumentos foram erigidos em memória dos heroicos integrantes da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
O dessa imagem, em especial, sempre me marcou muito. Homenageia os expedicionários da cidade de Candeias/MG, cidade dos meus pais, avós, tios, primos... O fascínio que me
despertava, quando criança, essa imagem do Soldado, com sua arma e tenacidade, defendendo Brasil, contribuiu para que eu escolhesse a carreira das Armas.
Assim sendo, é justo prestar homenagem à memória desses treze inspiradores candeenses e, na pessoa deles, agradecer e relembrar os feitos de todos os ex-
combatentes integrantes da FEB.
Dedicado a Ana, meu amor.
Louise, Camille e Maria Clara, minhas alegrias.
Minha mãe Nely, pelo carinho.
Meu pai, Severino, exemplo de homem, de pai e de profissional.
Cleide, Cleison, Cleise e Cleonice, meus irmãos.
8 INTRODUÇÃO
10 Capítulo 1 - ASPECTOS JURÍDICOS GERAIS DE UMA OP GLO.
11 a. Conceituação.
14 b. O que significa garantir a Lei e a Ordem - Sua importância e a razão do emprego das Forças Armadas nesse tipo de Operação.
19 c. Doutrina Jurídica sobre GLO.
21 d. Previsão Constitucional.
22 e. Op GLO e o Direito Comparado.
24 f. Op GLO e os institutos da Intervenção Federal, Estado de Sítio e Estado de Defesa.
30 g. Previsão legal das Op GLO na atualidade.
40 Capítulo 2 - GLO E OUTRAS OPERAÇÕES DE NÃO GUERRA.
42 a. Op GLO e Garantia da Votação e Apuração.
49 b. Op GLO e Operações na Faixa de Fronteira.
53 c. Op GLO e Ações Subsidiárias.
58 d. Op GLO e Ações de Polícia Judiciária Militar.
61 e. Op GLO e Segurança de Autoridades Nacionais e Estrangeiras e Viagens Presidenciais.
64 f. Op GLO e GLO Ambiental.
67 Capítulo 3 - EMPREGO EM GRANDES EVENTOS.
75 Capítulo 4 - MISSÕES DAS ASSESSORIAS JURÍDICAS NUMA OP GLO.
80 Capítulo 5 - DELEGACIAS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR E CARTÓRIO JUDICIÁRIO MILITAR.
85 Capítulo 6 – EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DURANTE UMA OP GLO.
87 a. Poder de Polícia.
91 b. Uso da força.
93 1) Uso de algemas.
96 2) Uso de armas de fogo.
101 3) Uso de armas não letais (Instrumento de Menor Potencial Ofensivo - IMPO).
104 c. Medidas a serem adotadas após o uso da força.
105 d. Identificação de pessoas.
106 e. Revistas.
106 1) Revista em mulheres.
108 2) Revista em veículos.
109 3) Revista em autoridades.
109 4) Revista em deficientes.
115 f. A busca e apreensão.
124 g. Prisão.
127 h. Pessoas em situações especiais.
128 i. Estrangeiros.
141 m. Parlamentares.
143 n. Agentes Diplomáticos.
147 o. Magistrados e Membros do ministério Público e Defensores Públicos da União.
151 p. Advogados.
153 q. Manifestações e controle de distúrbios.
158 r. Recebimento de mandados judiciais.
159 s. Entrega de preso à autoridade de polícia judiciária comum, estadual ou federal.
161 t. A Competência da Justiça Militar.
165 u. Lavratura de APFD de crime militar.
165 1) Roteiro para a confecção de Auto de Prisão em Flagrante.
170 2) Modelos para lavratura de APFD.
194 3) Informação da prisão ao Juiz Auditor, Ministério Público e Defensoria Pública.
199 4) Apresentação do preso para realização de Audiência de Custódia.
204 x. Veículos Aéreos Não Tripulados.
213 Capítulo 7 – REGRAS DE ENGAJAMENTO E NORMAS DE CONDUTA.
214 a. Introdução.
215 b. A denominação ―Regras de Engajamento‖ e suas variações. O termo
―Engajamento‖.
216 c. O Conceito de Regras de Engajamento.
219 d. Importância.
221 e. Natureza jurídica das ROE.
224 f. Origens históricas.
224 g. ROE e Normas de Conduta.
225 h. Elaboração das ROE.
226 i. Proposta de padronização de ROE e NC em nível estratégico e operacional.
234 j. Proposta de modelo de ROE e NC para nível tático.
238 CONCLUSÃO.
240 BIBLIOGRAFIA.
245 O AUTOR.
INTRODUÇÃO
O conhecimento de questões jurídicas que envolvem uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é de interesse para todos os envolvidos nesse tipo de operação.
Todavia, a legislação referente à Op GLO é dispersa. Acrescente-se a isso a ausência de uma obra jurídica, com a visão pragmática, voltada ao cumprimento da missão, que esquematize os principais temas jurídicos que suscitam dúvidas nos planejadores operacionais e nos executores.
Tendo em conta este norte, o objetivo do presente estudo é servir como uma ferramenta de consulta para aqueles que se encontrarem envolvidos no preparo e no emprego da tropa uma Op GLO.
Alerta-se, desde já, que questões relativas às Operações de Garantia da Votação e Apuração, Operações em faixa de fronteira, Ações Subsidiárias, Operações de Polícia Judiciária Militar não serão tratadas com profundidade no presente estudo, embora questões referentes ao exercício do poder de polícia em Op GLO possam ter aplicação nessas outras Operações de Não-Guerra.
Em razão da recente ocorrência dos chamados ―Grandes Eventos‖ no Brasil, o Capítulo 3, cuida da possibilidade de atuação das Forças Armadas nesse contexto. Ali poderá ser comparada a forma prevista para o emprego das Forças Armadas nos eventos da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 e Olimpíadas Rio 2016 com o emprego efetivo de Forças Armadas de outros países, tais como na Copa do Mundo FIFA Alemanha 2006, Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver 2010 e Jogos Olímpicos de Verão de Londres 2012.
O leitor atento observará que o trabalho se divide em duas partes. Num primeiro
momento, procura-se apresentar conceitos e aspectos gerais indispensáveis à compreensão das
operações de GLO, bem assim a base legal e os fundamentos jurídicos da atuação das Forças
Armadas em Op GLO, eis que ainda há vozes que questionam a legalidade de tal forma de
atuação. Para tanto, demonstra-se, com a História do ordenamento jurídico pátrio, com o
estudo dos ordenamentos jurídicos de outros países, bem assim com o mais abalizado cabedal
do pensamento jurídico, a legalidade da atuação das Forças Armadas em Op GLO.
A partir do Capítulo 6, apresentam-se, de maneira prática, questões jurídicas atinentes ao exercício do poder de polícia, que podem auxiliar no preparo e no emprego da FTer em Op GLO.
É certo que, dada à complexidade do tema, nem todas as questões que podem ocorrer numa Op GLO estarão aqui tratadas. Algumas das soluções apresentadas deverão ser adaptadas para a realidade de cada ambiente operacional, levando em conta aspectos culturais e humanos do local onde se dará a operação, o maior ou menor envolvimento de outros órgãos governamentais, a cultura institucional de outras agências envolvidas e os próprios meios a serem empregados na operação.
As críticas, sugestões e, especial, o encaminhamento de material para atualização
serão sempre bem recebidos. Peço que sejam remetidos para o e-mail calaudyo@gmail.com.
CAPÍTULO 1
ASPECTOS JURÍDICOS
GERAIS DE UMA OP GLO
1. ASPECTOS JURÍDICOS GERAIS DE UMA OP GLO.
a. Conceituação.
Segundo o Ministério da Defesa (Portaria Normativa Nr 186/MD, de 31 de janeiro de 2014), Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar determinada pelo Presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado. Tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem (Artigos 3º, 4º e 5º do Decreto Nr 3.897, de 24 de agosto de 2001).
O C85-1 e o MD35-G-01 definem Op GLO como operações militares conduzidas pelas Forças Armadas, por decisão do Presidente da República, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, com o propósito de assegurar o pleno funcionamento do estado democrático de direito, da paz social e da ordem pública.
O manual MD 35-G-01 trata de GLO nos seguintes termos:
―atuação coordenada das Forças Armadas e dos Órgãos de Segurança Pública na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, possui caráter excepcional, episódico e temporário. Ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A decisão presidencial para o emprego das Forças Armadas nessa situação poderá ocorrer diretamente por sua própria iniciativa ou por solicitação dos chefes dos outros poderes constitucionais, representados pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados‖.
Dos conceitos trazidos pelos manuais militares podemos deduzir que Op GLO:
a) é uma operação militar;
b) é determinada pelo Presidente da República;
c) a decisão de emprego das Forças Armadas em uma Op GLO pode ocorrer por iniciativa do Presidente da república ou a pedido dos representantes máximos dos poderes constitucionais (representados pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados) e dos chefes dos poderes executivos estaduais.
d) seus objetivos são:
- garantir a normalidade da vida cotidiana, preservar pessoas e bens;
- assegurar o funcionamento das Instituições públicas;
- a manutenção e/ou restabelecimento da ordem econômica e social;
e) ocorre em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem;
f) convém ocorrer em um ambiente interagências;
g) deve ser limitado no tempo e no espaço.
Operação militar é definida no EB20-MF10.103 da seguinte forma:
2.1.6 As operações militares são o conjunto de ações realizadas com forças e meios militares das FA, coordenadas em tempo, espaço e finalidade, de acordo com o estabelecido em uma Diretriz, Plano ou Ordem para o cumprimento de uma tarefa, missão ou atribuição. São realizadas no amplo espectro dos conflitos, desde a paz estável até o conflito armado/guerra, perpassando pela paz instável e situações crises, sob a responsabilidade direta de autoridade militar competente.
Importante destacar que as condicionantes jurídicas para a realização de operações militares têm sido catalogadas, em vários países, em manuais de Direito Operacional, podendo ser apontadas como referência o Operational Law Handbook, do Exército Americano, e o Manual de Derecho Operacional das Forças Militares da Colômbia. Diversos cursos de Direito Operacional são oferecidos em vários países, inclusive cursos universitários, como ocorre na Austrália, onde o curso ―Military Operations Law‖ é oferecido pela universidade de Adelaide. O Direito Operacional visa, portanto, dar cabedal jurídico para o planejamento, direção e condução de operações militares.
No Brasil, porém, inexiste, ainda, um Manual de Direito Operacional
Militar. Tampouco essa disciplina nos cursos de Direito ou, com esta nomenclatura, em
Escolas Militares. Todavia, é factível falar na existência de um Direito Operacional Militar Brasileiro.
Isso porque as operações militares são regidas pela Constituição, pelas Leis brasileiras e por atos normativas emanados da Presidência da República, do Ministério da Defesa e dos Comandos de cada Força Armada, além dos manuais expedidos em cada uma das Forças Armadas, cabendo mencionar até a incidência de normas internacionais, tais como convenções sobre Direitos Humanos e, também, as Convenções de Genebra, por exemplo.
Entendo que Direito Operacional possa ser definido como o conjunto de normas e princípios jurídicos que tratam do emprego operacional de uma força armada.
Abrange tanto as normas e princípios nacionais, como as normas, princípios, usos e costumes internacionais que tratam do emprego operacional de uma Força Armada.
Estudando as normas jurídicas que condicionam as operações militares no Brasil, podemos extrair do Direito Operacional Militar Brasileiro, os seguintes princípios:
- Legalidade – o emprego operacional da Força Armada somente se dá nas hipóteses previstas em lei.
- Prevalência dos direitos humanos – em qualquer situação de emprego, as ações operacionais militares tem por condicionante o respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana.
- Observância dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição – as garantias constitucionais são norte a ser seguido durante a realização de operações militares.
- Observância dos tratados e convenções internacionais – as normas estabelecidas em tratados e convenções internacionais, com as quais o Brasil se comprometeu, incidem, direta ou indiretamente, sobre as operações militares desenvolvidas pelas Forças Armadas.
Especialmente quando as operações militares se derem em nível internacional, na ocorrência de conflitos armados, missões de paz e, também, quando estiver caracterizada a ocorrência de conflito armado não internacional, além das normas internas, as normas estabelecidas em tratados e convenções internacionais guiarão o preparo e o emprego das Forças Armadas.
- Razoabilidade e proporcionalidade no uso da força – nas operações militares o uso da
força sempre terá por parâmetro a razoabilidade e a proporcionalidade.
- Subsidiariedade do emprego das Forças Armadas – salvo situações de defesa da pátria, o emprego das Forças Armadas ocorrerá de forma subsidiária e complementar aos demais órgãos estatais.
- Decisão política do emprego – salvo previsão legal expressa, a realização de operações militares depende de determinação do Presidente da República.
- Competência jurisdicional da Justiça Militar da União – nas operações militares, os delitos imputados aos integrantes do componente militar ou contra ele cometidos, desde que previstos no Código Penal Militar, serão de competência da Justiça Militar da União.
b. O que significa garantir a Lei e a Ordem - Sua importância e a razão do emprego das Forças Armadas nesse tipo de Operação.
Conforme prevê o artigo 142da Constituição Federal, as Forças Armadas (Exército Marinha e Aeronáutica) ―são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes poderes, à garantia da lei e da ordem‖.
Portanto, no Brasil permite-se o emprego dos efetivos das Forças Armadas para garantir a lei e a ordem.
A determinação constitucional este regulamentada na Lei Complementar Nr 97, de 9 de junho 99, com as alterações trazidas, em 2004 e 2010, respectivamente, pelas Leis Complementares Nr 117 e Nr 136. Há, ainda, um extenso cabedal normativo que disciplina ou interfere na atuação das Forças Armadas, que será destacado final desta exposição.
Voltando ao texto constitucional, constata-se que dele consta a expressão
―garantia da lei e da ordem‖. Não da lei ou da ordem. E isso é bastante significativo porque,
para fins de emprego das Forças Armadas, no contexto interno, busca-se assegurar,
simultaneamente, que as leis nacionais mantenham-se vigor e que a ordem pública seja
preservada.
Fazer cumprir a lei parece algo mais palpável e inteligível. As Forças Armadas podem vir a ser empregadas para que as leis nacionais, aprovadas na forma prevista na Constituição – inclusive ela própria - se mantenham em vigor.
Por outro lado, o conceito ordem, que se traduz na ordem pública, é mais amplo e, portanto, carece análise mais atenta. Trata-se de algo de difícil definição, embora possa ser facilmente compreendido, empiricamente, o momento em que a ordem pública existe e vige e quando ela deixa de existir e as estruturas sociais entram em colapso. Sobre a dificuldade em definir ordem pública, VINCENZI e MACHADO (2009), dissertando sobre ordem pública, destacaram que:
―Há linha de entendimento doutrinário que tende a conceituar a Ordem Pública como a tradução do sentimento de toda uma nação (DOLINGER, 1997); e que há também outros pesquisadores, que entendem que a Ordem Pública está intrínseca no sistema jurídico de um Estado Soberano (GRECO FILHO, 1978), de modo que uma situação notadamente estranha à cultura jurídica, à Constituição, ao interesse social e aos direitos mais basilares de um povo seria contrária à Ordem Pública (PUCCI, 2007)‖.
Ao fim, concluíram que o conceito de Ordem Pública é multifacetário e admite uma série de definições. Mas, mesmo dentro dessa pluralidade de conceitos, as normas de caráter público e aquelas que traduzem proteção a direitos fundamentais, ainda que infraconstitucionais, devem sempre ser consideradas.
Os conceitos de ordem pública, em geral, orbitam em torno da ideia de que se trata - nos dizeres de ELIA JÚNIOR (2006) - de ―um reflexo dos valores de determinada época e de certas culturas jurídicas, representando, assim, os valores que a moral vigente em nossa cultura jurídica considera fundamentais. Assim, tudo que se mostrar contrário a essa conformação moral básica será considerado contrário à ordem pública (...).‖
Um bom entendimento de ordem pública foi traduzido por TARANTA (2008), no sentido de que:
―(...) as normas de ordem pública, tanto no direito interno como no direito
internacional, constituem os princípios indispensáveis para organização da
vida social, conforme os preceitos do direito, consubstanciando um conjunto
de regras e princípios, que tendem a garantir a singularidade das instituições de determinado país e a proteger os sentimentos de justiça e moral de determinada sociedade‖.
LAZZARINI (1991), ressalvando a posição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ensina que a noção de ordem pública é muito mais ampla e envolvente que a de segurança pública:
(...) Igualmente a festejados administrativistas pátrios e europeus, entendo que a segurança pública é um aspecto da ordem pública, concordo até que seja um dos seus elementos, formando a tríade ao lado da tranquilidade pública c salubridade pública, como partes essenciais de algo composto. Saliento que não é uma ordem pública reduzida como já se interpretou.
O eminente Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende que a relação entre ordem pública não é de todo para parte, mas de "efeito para causa", concluindo que a "segurança pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos destinados a garantir a ordem pública na convivência de homens em sociedade".
A divergência, mais bem analisada, não é tão profunda quanto parece, pois o todo é mesmo sempre efeito de suas partes, e a ausência de uma delas já o descaracteriza. Assim, não há conflito ao afirmar-se que a ordem pública tem na segurança pública um dos seus elementos e uma das suas causas, mas não a única.
Ao afirmar que a "segurança pública é o conjunto de processos (...)", Diogo de Figueiredo Moreira Neto superdimensiona e aproxima o conceito doutrinário da sua materialização, pois processo, sob o prisma jurídico, é a série ordenada de atos sucessivos, entremeando-o com o conceito de defesa pública:
"Conjunto de atitudes, medidas e ações adotadas para garantir o cumprimento das leis de modo a evitar, impedir ou eliminar a prática de atos que perturbem a ordem pública‖.
Ainda sobre o tema, LAZARINI (1987) a seguinte noção sobre ordem
pública:
―Na verdade, nada mais incerto em direito do que a noção de ordem pública.
Ela varia no tempo e no espaço, de um para outro país e, até mesmo, em determinado país de uma época para outra. Nos anais da jurisprudência, aliás, tornou-se conhecida a frase do Conselheiro Tillon, da Corte de Cassação de Paris, deque procurar definir o termo ordem pública é aventurar- se a pisar em areias movediças.
Todos, porém, compreendem e sentem que ela se constitui dos princípios superiores que formam a base da vida jurídica e moral de cada povo, formando um sistema institucional destinado a defender, como disse CALANDRELLI, altas concepções morais, políticas, religiosas e econômicas que fundamentam a organização do Estado, dentro do equilíbrio normal da vida do indivíduo e da nação. De Plácido e Silva diz entender-se por ordem pública ‗a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma consequência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada‘.
E desse sentir é, também, JOSÉ CRETELLA JUNIOR quando com apoio em WALINE, diz: ‗A noção de ordem pública é extremamente vaga e ampla. Não se trata, apenas, da manutenção material da ordem na rua, mas também da manutenção de uma certa ordem moral‘.
VEDEL traz que ‗a noção de ordem pública é básica em direito administrativo, sendo constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente. A segurança dos bens e das pessoas, a salubridade e a tranquilidade formam-lhe o fundamento. A ordem pública reveste-se também de aspectos econômicos (luta contra o monopólio, o açambarcamento, a carestia) e também estéticos (proteção de lugares e monumentos)‘.
LOUIS ROLLAND, professor de Direito Público Geral da Faculdade de
Direito de Paris, ao cuidar da política administrativa, enfatizou ser a noção de
ordem pública extremamente vaga. Mas, partindo de textos legais, diz ter a
polícia por objeto assegurar a boa ordem, isto é, a tranquilidade pública, a
segurança pública e salubridade pública, concluindo, então, por asseverar que assegurar a ordem pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo, nada mais do que aquilo.
A ordem pública é mais fácil de ser sentida do que definida, mesmo porque e lavaria de entendimento no tempo e no espaço. Aliás, nessa última hipótese, pode variar, inclusive, dentro de um determinado país. Mas sentir-se-á a ordem pública segundo um conjunto de critérios de ordem superior, políticos, econômicos, morais e, até mesmo, religiosos. A ordem pública não deixa de ser uma situação de legalidade e moralidade normal, apurada por quem tenha competência para isso sentir e valorar. A ordem pública, em outras palavras, existirá onde estiver ausente a desordem, isto é, os atos de violência, de que espécie for, contra as pessoas, bens ou o próprio Estado.
E, no que interessa à Polícia, a ordem pública, que elas tem por missão assegurar, definir-se-á pelo seu caráter principalmente material, cuidando de evitar desordens visíveis, isto é, só as manifestações exteriores de desordem justificam a sua intervenção‖.
Na legislação pátria, encontramos o conceito de ordem pública no Decreto nº 88.777, de 30.9.1983:
―conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum‖.
Dito isso, podemos concluir que a ordem pública é consequência da ordem jurídica estabelecida pelo conjunto das leis de uma nação. Logo, ela reflete os valores dominantes e a cultura jurídica vigente em determinada época.
Em decorrência, tem-se que a preservação da ordem pública só pode
realizar-se dentro do ordenamento jurídico e pelos Poderes do Estado, de forma integrada e
harmoniosa a fim de garantir a democracia e a preservação dos direitos e interesses da
nação.
A manutenção da lei e da ordem é, portanto, de vital importância para o exercício da democracia e a para a própria existência do Estado. Por essa razão, o Estado pode optar por empregar a expressão maior de seu poder militar para conseguir esse desiderato da forma preconizada pelo ordenamento jurídico e gerenciado pelos Poderes do Estado, que estabelecerão as formas de emprego – missão do Legislativo – determinarão o uso das Forças Armadas e baixarão as competentes diretrizes – Poder Executivo – e julgarão a legalidade e as eventuais lesões ou ameaças a direito decorrentes dessa atividade – Poder Judiciário.
É nesse contexto que encontramos a prescrição do emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem nas Constituições Brasileira e, também nas de outras nações democráticas, como veremos mais adiante.
c. Doutrina Jurídica sobre Op GLO.
Não apenas os manuais militares se preocupam com a atuação das Forças Armadas em uma Op GLO. A doutrina jurídica também se ocupa do estudo desta forma de atuação especial das Forças Armadas.
José Afonso da Silva, em seu ―Curso de Direito Constitucional Positivo‖, Malheiros Editores, 33ª Edição – 2010, página 772, giza que:
―A Constituição vigente abre a elas um capítulo do Título V sobre a defesa do Estado e das instituições democráticas com a destinação acima referida, de tal sorte que sua missão essencial é a da defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, o que vale dizer defesa, por um lado, contra as agressões estrangeiras em caso de guerra externa e, por outro lado, defesa das instituições democráticas, pois a isso corresponde a garantia dos poderes constitucionais, que, nos, termos da Constituição emanam do povo (art. 1º, parágrafo único). Só subsidiária e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a polícia federal, e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal.
[...]
Sua interferência na defesa da lei e da ordem depende, além do mais, de convocações
dos legítimos representantes de qualquer dos poderes federais: Presidente da Mesa do
Congresso Nacional, Presidente da República ou Presidente do Supremo Tribunal
Federal. Ministro não é poder constitucional. Juiz de Direito não é poder
constitucional. Juiz Federal não é poder constitucional. Deputado não é poder
constitucional. Senador não é poder constitucional. São simples membros dos poderes e
não os representam. Portanto, a atuação das Forças Armadas convocadas por Juiz de
Direito ou por Juiz Federal, ou mesmo por algum Ministro do Superior Tribunal de
Justiça ou até mesmo do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional e arbitrária,
porque estas autoridades, por mais importantes que sejam, não representam qualquer dos poderes constitucionais federais.‖
Nesse diapasão, Ivo Dantas, in ―Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas na Nova Constituição (Direito Constitucional de Crise ou Legalidade Especial)‖, página 148, leciona que:
―Observe-se que o texto não inclui, em princípio, as Forças Armadas como responsáveis pela segurança pública, salvo se requisitadas por um dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) e apenas para defenderem a lei e a ordem.‖
Também Uadi Lâmmego Bulos (Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., página 1267) preceitua que:
―A missão precípua das Forças Armadas, portanto, é a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, que, harmônicos e independentes (CF, art. 2º), têm a sua fonte nas aspirações populares (CF, art. 1º, parágrafo único).
Esporadicamente, contudo, incumbi-lhe defender a lei e a ordem interna, atribuições típicas de segurança pública, exercidas pelas polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal‖.
Emerson Garcia, no artigo ―As Forças Armadas e a Garantia da Lei e da Ordem‖, realça que:
―Como se percebe, a atuação das Forças Armadas pode ocorrer em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do seu território de origem. Essa atuação, no entanto, tanto pode ocorrer a título principal, refletindo um dever jurídico imediato, como a título acessório, que surgirá quando constatada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública remediarem a situação de injuridicidade que abala o Estado e a sociedade. Nesse último caso, uma interpretação teleológico-sistemática da Constituição brasileira de 1988 exige seja observado um referencial de subsidiariedade. No plano administrativo, o princípio da subsidiariedade parte da premissa de que o interesse público será melhor tutelado com a descentralização administrativa: o poder administrativo, assim, deve ser exercido no plano mais baixo possível, aproximando os centros de decisão dos sujeitos destinatários da ação administrativa; somente quando o exercício do poder se mostre ineficaz no plano inferior é que será acionado o órgão de escalão superior, e assim sucessivamente.
[...]
Conclui-se, assim, que a intervenção das Forças Armadas, no âmbito interno, em situação de normalidade institucional, há de ser devidamente motivada pela ineficiência dos órgãos que, por imposição constitucional, possuem, como dever jurídico imediato, a obrigação de zelar pela segurança pública.‖
Facilmente se observa que as conclusões dos grandes mestres do Direito
Constitucional Brasileiro vão ao encontro do que se preconiza nos manuais militares. Assim
as Op GLO são plenamente legais diante da ordem constitucional em vigor, sendo
perfeitamente delimitadas em lei.
d. Previsão Constitucional das Op GLO
A previsão de emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não constitui em inovação da Constituição de 1988. Todas as Constituições anteriores previam essa missão para as Forças Armadas. Vejamos:
Constituição de 1824:
Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Império.
Constituição de 1891:
Art 14 - As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.
A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais.
Constituição de 1934:
Art 162 - As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, ordem e a lei.
Constituição de 1937:
Art 166 - Em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas, ou existência de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderá o Presidente da República declarar em todo o território do Pais, ou na porção do território particularmente ameaçada, o estado de emergência. (Redação da pela Lei Constitucional Nr 5, de 1938)
Desde que se torne necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado, o Presidente da República declarará em todo o território nacional ou em parte dele o estado de guerra.
Constituição de 1946:
Art 177 - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.
Constituição de 1967:
Art 92 - As forças armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei.
§ 1º - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os Poderes
constituídos, a lei e a ordem.
Constituição de 1969:
Art. 91. As Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem.
Portanto, deve-se ter em conta que a tradição constitucional brasileira sempre conferiu às Forças Armadas à defesa ou garantia da lei e da ordem, situação esta que se verifica também no ordenamento constitucional de outras grandes democracias ocidentais.
A Constituição de 1988 prevê o seguinte:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
Grifados os pontos mais importantes do art. 142 e seu §1º, temos que é missão Constitucional das Forças Armadas realizar a GLO, na forma da Lei Complementar, que será estudada no item e. do presente capítulo
e. Op GLO e o Direito Comparado.
Disposições semelhantes às da Constituição brasileira podem ser encontrados em constituições de outras grandes democracias ocidentais. Nesse sentido, Emerson Garcia ensina que:
―No direito espanhol, por exemplo, as ―fuerzas armadas‖ e as ―fuerzas y cuerpos de seguridad del Estado‖ têm atribuições bem definidas: às primeiras compete
―garantir a soberania e independência da Espanha, defender a integridade
territorial e o ordenamento constitucional‖; às segundas compete ―proteger o
livre exercício dos direitos e liberdades e garantir a segurança cidadã‖. Em
qualquer caso, a força pública atua sob autoridade e direção do Governo, que
poderá, em situações extremas, pleitear a declaração dos estados de alarme, de
exceção e de sítio. A política militar e de defesa, apesar de essencialmente ligada à
política exterior, o que se verifica nas hipóteses de conflito bélico com Estado
estrangeiro, também alcança a política interior, assegurando a defesa da ordem
constitucional em caso de rebelião interna. Na Itália, situa-se no âmbito das
funções presidenciais a possibilidade de determinar o emprego legítimo das forças
armadas em caso de crise internacional ou interna. Na Alemanha, do mesmo
modo, admite-se que as Forças Armadas, em caso de defesa ou tensão, apóiem as
medidas policiais, atuando em regime de cooperação com as autoridades
competentes. Tratando-se de perigo imediato para a existência ou o regime
fundamental de liberdade e democracia da Federação ou de um Estado, e não
estando o Estado afetado disposto ou em condições de combatê-lo com suas forças
de segurança, o Governo Federal o fará com o emprego das Forças Armadas,
assumindo o controle da polícia desse Estado ou, se necessário, também de outros.‖
Um exemplo disso é a Confederação Suíça, que prevê, em sua Constituição Federal, o emprego subsidiário do Exército na segurança pública 1 em conjunto com a Polícia.
Essa forma de emprego somente ocorre em situações de interesse público e quando as autoridades não são mais capazes de lidar com as suas tarefas por falta de pessoal, de material ou de tempo.
Conforme previsto no artigo 70 parágrafo 2 da Lei das Forças Armadas Suíças, a Assembleia Federal deve aprovar o uso, quando deverão ser empregados mais de 2.000 militares ou da nas situações em que o emprego durará mais de três semanas.
No portal do governo da Confederação Suíça 2 , foi consignado que o Exército deve apoiar as autoridades civis se os seus meios empregados na defesa contra ameaças graves à segurança interna já não são suficientes em termos de pessoal, equipamentos e tempo para lidar com a situação. É o que o governo suíço nomeia como princípio da subsidiariedade.
Tal princípio, todavia, como faz questão de deixar claro o governo suíço, não impede a realização de exercícios conjuntos e a manutenção de plataformas de comunicação entre a polícia e o Exército suíços, o que é visto como reforço do princípio da subsidiariedade.
Naquela nação, há sete princípios básicos formaram a base para a subsidiária de segurança do Exército em operações de segurança interna.
1. O Exército apoia as autoridades civis, com base em questões pertinentes, em que as expectativas de desempenho de concreto são definidas. O uso do Exército e o seu emprego, em geral, exige a aprovação dos órgãos políticos relevantes.
2. A responsabilidade emprego é das autoridades civis; a responsabilidade da conduta, das militares.
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Art. 58 Exército
1 A Suíça dispõe de um exército que, de carácter genérico, é organizado segundo o princípio da milícia.
2 O exército serve para evitar guerras e contribui para a manutenção da paz; ele defende o país e sua população. Apoia as autoridades civis na defesa contra ameaças graves à segurança interna e no controle de outras situações extraordinárias. A lei pode prever tarefas adicionais.
3 O emprego do exército é assunto da Confederação. Os cantões podem empregar suas unidades para manutenção da ordem pública no seu território se os recursos das autoridades civis para combater ameaças graves à segurança interna deixam de ser suficientes.
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