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Ciência da Lógica e O Capital : algumas interfaces abertura

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Academic year: 2021

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Ciência da Lógica e O Capital:

algumas interfaces

João Alberto Wohlfart*

Resumo: O artigo que segue procura fazer um estudo comparativo entre a Ciência da Lógica, de Hegel, e o Capital, de Karl Marx. Na comemora- ção dos 200 anos de publicação da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, de Hegel, e dos 150 anos de publicação da primeira edição de O Capi- tal, o artigo tenta expor um estudo sintético acerca das principais refe- rências de comparação entre as duas obras, tanto em suas semelhanças, quanto em suas diferenças radicais. Os pontos comparativos em questão são as determinações abstratas da Lógica do ser comparadas à forma elementar do capital que é a mercadoria; as determinações relacionais da Lógica da essência comparadas a processo de produção do capital;

e as determinações da Lógica do conceito e a sua estruturação silogís- tica comparadas ao processo de circulação do capital. Do ponto de vis- ta metodológico, em cada seção do trabalho serão introduzidos textos referenciais de Hegel extraídos do primeiro volume da Enciclopédia e textos de Marx, comentados num contexto argumentativo. O resultado da abordagem é a integração complementar entre os dois filósofos, e não uma separação que os transforma em inimigos.

Palavras-chave: Capital. Ciência da Lógica. Mercadoria. Silogismo. Liberdade.

abertura

* Doutor em filosofia pela PUCRS, professor de filosofia no IFIBE.

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1. Introdução

O artigo que segue procura estabelecer alguns parâmetros compa- rativos entre a Ciência da Lógica, de Hegel, e O Capital, de Karl Marx.

Como as duas obras apresentam uma semelhança metodológica pro- funda, pois a estrutura de exposição segue os parâmetros da concepção dialética de mundo. Com isto, não queremos afirmar que elas seguem um paralelismo estrito, no qual cada estrutura categorial da Ciência da Lógica tenha uma correspondência exata em O Capital, mas há linhas gerais que podem ser comparadas. Esta discussão torna-se mais rica porque entre as duas obras há profundas divergências, e há profundas semelhanças porque há profundas divergências e vice-versa.

O estudo aqui proposto tem uma motivação histórica clara. Neste ano de 2017 celebramos os 200 anos de publicação da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, de Hegel, e os 150 anos da primeira edição de O Capital, de Karl Marx. E o primeiro volume da obra hegeliana é a Ciên- cia da Lógica resumida em parágrafos densos didaticamente expostos e completados por adendos explicativos dos parágrafos. As duas obras hegelianas aqui indicadas são objeto de amplos estudos ao longo das décadas, porém o seu significado está longe de ser inteiramente explici- tado. Quanto a O Capital, dada a extensão e complexidade, ela ainda é pouco estudada e conhecida entre nós, o que justifica uma abordagem a partir dela. No texto que segue não vamos opor Hegel e Marx, como o fazem muitas interpretações, mas discuti-los na perspectiva da comple- mentariedade recíproca, pois eles tratam do mesmo problema, adotam um método semelhante e abordam objetos diferentes. O presente artigo tem uma insuperável limitação, pois a abordagem aqui proposta é muito carente de referencial bibliográfico capaz de estabelecer uma aproxima- ção entre os dois filósofos. A maioria das citações constantes no artigo são de Hegel e de Marx.

A metodologia segue a exposição de alguns parâmetros compa- rativos, o que indica a proximidade e a diferença entre as duas obras.

Propomos três pontos de exposição, começando com a Lógica do ser, de Hegel, cuja abstração e imediação é comparável com o exame crítico que Marx faz da mercadoria, lá no começo de O Capital. Num segundo momento, adentraremos na Lógica da essência, segundo livro da Ciên-

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cia da Lógica, especialmente nas categorias de essência e aparência, e o aproximaremos ao momento da produção do capital, exposto por Marx no volume que trata da Produção do Capital. Num terceiro momento adentraremos na Lógica do conceito, terceiro livro da Ciência da Lógica, quando faremos uma exposição sintética da teoria do juízo e do silogis- mo, que será comparada com Marx ao processo de circulação do capital.

As duas obras aqui em questão estão revestidas de uma significa- ção histórica para os nossos dias marcados por profundas contradições.

Em ambas encontramos um referencial teórico amplo e sistemático para a leitura e interpretação do nosso tempo, especialmente num contex- to mundial no qual a sociedade atravessa radicais transformações. As contradições e a crítica formulada por Marx em O Capital são válidas para os dias atuais quando o modelo capitalista de produção põe ris- cos globais à vida social e ao meio ambiente. O aniversário das duas obras coincide com um contexto mundial de contradições econômicas, políticas e sociais, e especialmente no Brasil onde as decisões políticas e econômicas recaem sobre o trabalhador e concentram a riqueza nas mãos dos capitalistas.

O procedimento metodológico do artigo será bastante simples e básico. Ao celebrarmos solenemente o aniversário das duas obras, ci- taremos alguns parágrafos da Enciclopédia das Ciências Filosóficas no intuito de expor sinteticamente a estrutura e a significação da Lógica do ser, da Lógica da essência e da Lógica do conceito distribuídas nestas partes do trabalho. Dentro da mesma subdivisão do artigo, serão expos- tas algumas considerações sobre O Capital a partir de textos que con- sideramos referenciais na obra, para esclarecer os argumentos básicos relativos a cada livro ou partes de O Capital. Esta exposição será enca- minhada para que nela mesma seja possível estabelecer uma compara- ção básica. No final do artigo teceremos algumas considerações acerca das antinomias fundamentais entre Hegel e Marx expostas no nível sis- temático mais abrangente, divergências que novamente unem profun- damente os dois sistemas. É evidente que a exposição aqui empreendida é superficial e extremamente básica. Para uma aprofundada abordagem desta temática, a Enciclopédia das Ciências Filosóficas e O Capital deve- riam ser escritos novamente, numa síntese de anos de trabalho.

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2. Lógica do ser e a definição de mercadoria

Hegel começa a sua Ciência da Lógica com a Lógica do ser. Con- trariamente ao conceito mais rico e fundamental, o ser representa o mo- mento mais pobre e imediato pelo qual Hegel inicia a sua argumenta- ção. No começo da Lógica, o ser é absolutamente vazio, indeterminado e abstrato, e a sua principal determinação é o nada. Na dificuldade de expor o começo da Lógica, Hegel o faz com a dialética do ser e do nada.

Como o ser é totalmente vazio, ele se identifica com o nada. Contraria- mente ao que pensa o senso comum, ser e nada não se excluem, mas se integram e acompanham todo o percurso dialético da filosofia. Não se trata de uma plenitude ontológica representada pelo ser e pela negação absoluta representada pelo nada, mas o vazio do ser o identifica com o nada. O importante desta trajetória é a primeira síntese que se estabele- ce no interior da Ciência da Lógica, o devir, pois possui em sua estrutura o ser como algo já posto, e o nada, na condição de ainda não plenamente realizado. O devir é a síntese entre o ser e o nada porque o movimento já realizou algo e ainda é indeterminado porque em processo de realiza- ção. Começamos com Hegel

Quando, pois se deixa à história da filosofia demonstrar com ri- gor em que medida o desenvolvimento — que nela ocorre — do seu conteúdo, de um lado, concorda com o desenvolvimento da pura ideia lógica e, de outro lado, dele se desvia, antes de tudo há apenas que mencionar aqui que o começo da lógica é o mes- mo que o começo de uma história propriamente dita da filoso- fia. Esse começo, nós o encontramos na filosofia eleática, e mais precisamente na filosofia de Parmênides, que compreende o ab- soluto como o ser, quando diz: “O ser somente é; e o nada não é”. É isto o que se deve considerar como o verdadeiro começo da filosofia, pelo motivo que a filosofia, de modo geral, é [o] conhe- cer pensante; ora, foi aqui, pela primeira vez, que o puro pensar foi capturado e se tornou objetivo para si mesmo (HEGEL, 1995,

§ 86, Zusatz).

O texto é emblemático porque Hegel começa a sua Ciência da Ló- gica pelos primórdios da História da Filosofia, em Heráclito e Parmê- nides. Parmênides afirma a absoluticidade do ser, sem nenhuma forma de negação, de diferença ou de indeterminação. A riqueza absoluta do

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ser exclui qualquer forma de falsidade e de não-ser da racionalidade e da verdade. Por outro lado, Heráclito defende a absoluta mobilidade, di- versidade e indeterminação do ser na identificação dos contrários como dia e noite, morte e vida, alto e baixo etc. Quando Hegel começa a sua Ciência da Lógica pelos conceitos de ser e de nada, o filósofo integra sinteticamente no começo do sistema estes dois contrários no devir e inaugura um desenvolvimento dialético que passa por muitas determi- nações ao longo da obra. Hegel começa pelo vazio e impulsiona uma exposição dialética que vai enriquecendo progressivamente a argumen- tação e densificando o processo dialético.

Hegel organiza a Lógica do ser na estrutura categorial de quali- dade, quantidade e medida. No capítulo sobre a qualidade, Hegel não expõe esta categoria como o fez a metafísica clássica, evidenciando as qualidades fundamentais de um objeto e de um ser. Não se trata de um ser determinado com tais qualidades fundamentais sem as quais ele não poderia ser e com a negação destas qualidades a outros seres. A qua- lidade exposta por Hegel não expressa a determinidade irredutível de um indivíduo com tais adjetivos intrínsecos e inegáveis, mas destaca a importância do vir-a-ser através do qual todos os seres são intrinseca- mente indeterminados. Diante da não identidade fixa dos indivíduos e dos seres, é estabelecida a diferenciação intrínseca como marca re- gistrada da qualidade, pois tudo é marcado pela negação de si mesmo.

Nesta exposição chama a atenção que a “base de toda a determinidade é a negação” (Hegel, 1995, § 91), pois tudo passa para o outro de si e contém dentro de si o outro. Assim, ao invés de qualidades irredutíveis e intransferíveis que caracterizam uma identidade, o indicativo de qua- lidade é a negação de si mesmo.

Da qualidade Hegel passa para a quantidade. Numa primeira apro- ximação, a quantidade seria uma atribuição exterior das coisas, sem nenhuma indicação acerca da qualidade ontológica e identidade pró- pria delas. Assim, uma casa maior que a outra é um aspecto meramente quantitativo que nada acrescenta e em nada desmerece a casa. Um ser humano mais alto ou mais baixo, mais gordo ou mais magro, de cor branca ou preta, são determinados como exterioridade imediata em re- lação à humanidade. A quantidade de reais que um sujeito tem no banco não representa nenhum indicativo de uma liberdade mais qualificada ou de um cidadão mais comprometido. A quantidade de eleitores de

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um colégio eleitoral não tem vinculação direta com a qualidade da ci- dadania e com a consciência política de um determinado povo. Sobre a quantidade, citamos Hegel:

O absoluto é quantidade pura — esse ponto de vista coincide em geral com o que dá ao absoluto a determinação de matéria\ em que a forma, decerto, estaria presente, mas seria uma determi- nação indiferente. A quantidade também constitui a determina- ção-fundamental do absoluto, quando é compreendido de modo que nele — [que é] o absolutamente-indiferente — toda a dife- rença seria apenas quantitativa. Aliás, podem-se tomar como exemplos da quantidade o puro espaço, o tempo etc., na medida em que o real deve ser entendido como o recheio indiferente do espaço e do tempo (HEGEL, 1995, § 99).

Hegel adentra para um aspecto mais qualificado da quantidade. O filósofo é claro ao indicar a pureza absoluta de Deus em função de sua onipresença contínua e universal no interior da qual todas as coisas e tudo está incondicionalmente mergulhado e implicado. Nesta quantida- de contínua, todas as coisas seriam indiferentes na diferença quantita- tiva e não qualitativa, pois a continuidade quantitativa é mais forte que as diferenças. Além do absoluto, também são citados como quantidade pura a continuidade ilimitada do espaço e a homogeneidade do tempo como um oceano que se difunde incondicionalmente sobre todas as coi- sas. O espaço e o tempo são indiferentemente preenchidos pelo real, pois entre um objeto e outro figurados como diferentes há uma continuidade básica, o que dissolve as diferenças numa indiferença quantitativa.

Hegel constrói a síntese entre qualidade e quantidade. “A medida é o quanto qualitativo, antes de tudo como imediato, um quanto ao qual está unido um ser-aí ou uma qualidade” (Hegel, 1995, § 107). A síntese entre qualidade e quantidade resulta numa quantidade qualitativa, pois quando é incrementada a quantidade, também acontece uma transfor- mação qualitativa. É falsa a proposição segundo a qual o aumento da quantidade não resulta na transformação qualitativa. Segundo Hegel, a quantificação de algo resulta necessariamente em mudança qualitativa, com a construção de uma nova realidade. Quando a água é submetida a uma temperatura mais elevada, ela é qualitativamente transformada em vapor, e quando ela é submetida a uma temperatura muito baixa, ela se transforma em gelo. Quando um pobre apenas consegue sobreviver com diminutas posses monetárias ganha numa loteria milionária, au-

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menta a quantidade de dinheiro e se transforma qualitativamente num rico. O aumento ou diminuição da temperatura ambiental é fator de determinação de uma estação. A Lógica do ser conclui com a categoria de desmedida, pois o aumento da quantidade resulta numa nova quali- dade, de forma a não estabelecer um universo qualitativo e quantitativo de referência.

Passamos para Karl Marx. O início de O Capital tem muita seme- lhança com o começo da Ciência da Lógica. Marx começa com a análise da mercadoria em sua expressão mais superficial e imediata. A primeira determinação do capital no modo de produção capitalista é uma imensa acumulação de mercadorias isoladamente abordadas. As mercadorias, atomisticamente consideradas, caracterizam o ponto de partida de O Capital, com clara indicação do começo pela superfície da sociedade.

A abstração deste momento é um viés epistemológico que considera as mercadorias de forma isolada, sem interconexão sistemática da multi- plicidade delas. Sob este olhar, desaparece diante dos olhos a origem das mercadorias, o processo produtivo e o caminho de circulação até o consumidor final. Da forma como Marx começa com a exposição da obra, a estrutura social e política, a organização do sistema econômico, os mecanismos produtivos e de exploração do trabalhador ficam oculta- dos pelas mercadorias que encobrem a superfície social. Por esta razão, é necessária uma epistemologia filosófica crítica para ultrapassar este material desordenado e penetrar no interior da sociedade, especialmen- te nos mecanismos de produção para não ser enganado pelas formas mistificadoras da mercadoria. Marx escreve:

A utilidade de uma coisa faz dela um valor-de-uso. Mas essa uti- lidade não é algo aéreo. Determinada pelas propriedades mate- rialmente inerentes à mercadoria, só existe através delas. A pró- pria mercadoria, como ferro, trigo, diamante etc., é, por isso, um valor-de-uso, um bem. Esse caráter da mercadoria não depende da quantidade de trabalho empregado para obter suas qualida- des úteis. Ao se considerarem valores-de-uso, sempre se pressu- põem quantidades definidas, como uma dúzia de relógios, um metro de linho, uma tonelada de ferro, etc. Os valores-de-uso fornecem material para uma disciplina específica, a merceolo- gia. O valor-de-uso só se realiza com a utilização e o consumo.

Os valores-de-uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja, qualquer que seja a forma social dela (MARX, 1999, p. 58).

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As primeiras categorias escolhidas por Marx são valor-de-uso e valor-de-troca, categorias estas que expressam a dupla configuração das mercadorias. O valor-de-uso é indicador da qualidade material de um objeto destinado para uma finalidade específica. Diz respeito ao uso es- pecífico, ao consumo quotidiano, como o tênis é usado em determina- das circunstâncias, um relógio para conferir as horas e um automóvel para a locomoção quotidiana. Nesta categorização da mercadoria, en- tram os materiais necessários para a produção de determinado objeto, o processo produtivo material, instrumentos produtivos e habilidades específicas requeridas do trabalhador para a sua produção. A função do valor-de-uso do objeto é a utilização e o consumo porque caracteriza o conteúdo material da mercadoria. No valor-de-uso está implicada a multiplicidade qualitativa de mercadorias disponíveis e consumidas no dia a dia da vida material das pessoas. A forma material, a especificidade do uso e as habilidades materiais diferenciam uma mercadoria de outro.

E Marx ainda diz que é independente da forma social, pois todas as clas- ses sociais usam sapato e calça jeans.

Ao considerar os valores do casaco e do linho, prescindimos da diferença dos seus valores-de-uso, e, analogamente, ao focalizar os trabalhos que se representam nesses valores, pomos de lado a diferença entre suas formas úteis, a atividade do alfaiate e a do tecelão. Os valores-de-uso casaco e linho resultam de ativida- des produtivas, subordinadas a objetos, associadas com pano e fio, mas os valores casaco e linho são cristalizações homogêneas de trabalho; os trabalhos contidos nesses valores são considera- dos apenas dispêndio de força humana de trabalho, pondo-se de lado sua atuação produtiva relacionada com o pano e o fio (MARX 1999, p. 67).

A outra forma da mercadoria é o seu valor-de-troca. Nesta função, desaparece a sua determinidade material para entrar na esfera da inde- terminação da circulação de mercadorias. Não conta a função específica do objeto, mas unicamente a sua capacidade de ser trocado e compara- do com outras mercadorias. O objeto é valorizado pela quantificação monetária e integrado no universo da circulação do dinheiro. Qualquer objeto encontrado nas prateleiras dos supermercados é indetermina- do em relação à sua composição material, ao processo de produção e distribuição, à sua utilidade empírica, pois o seu comprador não tem

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conhecimento acerca da qualidade, do processo de fabricação e do tra- balho humano dispendido na produção. Conta tão somente a mudança de mão e o valor monetário que lhe conferem a abstração e a indeter- minação. Neste círculo, a sociedade e o comportamento material dela se transformam num sistema de troca de mercadorias. A multiplicida- de de mercadorias são mutuamente indeterminadas entre si, apenas se distinguindo quantitativamente pelo valor econômico atribuído a elas.

Nesta acepção, o vendedor do comércio não tem interesses em relação ao produto material, apenas no retorno valorativo proporcionado por ele. Esta função da mercadoria não apenas estabelece uma abstração ge- neralizada ao universo dos objetos materiais negados em sua estrutura empírica, mas abstrai a força dos trabalhadores que não se reconhecem mais no universo abstrato das mercadorias. Marx escreve:

A forma geral do valor relativo do mundo das mercadorias im- prime à mercadoria eleita equivalente, o linho, o caráter de equi- valente geral. Sua própria forma natural é a figura comum do valor desse mundo, sendo, por isso, o linho diretamente permu- tável por todas as outras mercadorias. Considera-se sua forma corpórea a encarnação visível, a imagem comum, social, de todo o trabalho humano. O trabalho têxtil, o trabalho privado que produz linho, ostenta, simultaneamente, forma social, a forma de igualdade com todos os outros trabalhos. As inumeráveis equações em que consiste a forma geral de valor equiparam, su- cessivamente, ao trabalho contido no linho qualquer trabalho encerrado em oura mercadoria e convertem, portanto, esse tra- balho têxtil em forma geral de manifestação do trabalho huma- no sem mais qualificações (MARX 1999, p. 89).

Enquanto restritos ao valor-de-uso, os objetos não constituem mercadorias. A condição de mercadoria somente pode ser aplicada aos objetos na modalidade de valor-de-troca, porque no processo de cir- culação geral aparece uma mercadoria equivalente. Marx cita o linho como a forma geral da mercadoria e do valor das coisas, não porque na economia de seu tempo o linho seria uma mercadoria de referência, mas é escolhido como referência geral de todo o valor. No círculo universal e infinito do valor-de-troca, qualquer mercadoria é resultante da cadeia sistemática multidimensional do trabalho de todos os trabalhadores e determinada pelo valor de todas as mercadorias. Pelo raciocínio inverso,

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qualquer mercadoria determina o valor de todas as mercadorias e todas as mercadorias reciprocamente determinadas resultam numa referência conjunta de valor. Marx fala da forma social do trabalho na referência comum de valoração de todas as coisas enquanto formula de igualdade e de universalidade para todo o sistema de mercadorias inscritas num único círculo de trabalho e de valor. Isto significa dizer que a força ge- ral do trabalho humano socialmente organizado se encarna numa mer- cadoria comum com expressão do valor social e da igualdade geral de tudo. Neste estágio de predomínio do valor-de-troca, a diferença qua- litativa dos objetos ficou dissolvida na igualdade universal estabelecida pela força comum da massa social de trabalho quantitativamente mani- festada. Continuamos com Marx:

A forma simples de circulação de mercadorias é M – D – M, conversão de mercadoria em dinheiro e reconversão de dinheiro em mercadoria, vender para comprar. Ao lado dela, encontra- mos uma segunda especificamente diversa, D – M – D, conver- são de dinheiro em mercadoria e reconversão de mercadoria em dinheiro, comprar para vender. O dinheiro que se movimenta de acordo com esta última circulação transforma-se em capital, vira capital e, por sua destinação, é capital (MARX, 1999, p. 178).

O capítulo sobre a mercadoria expõe um raciocínio complexo e impossível de ser reconstruído aqui. Mas incluímos nesta abordagem a lógica do dinheiro. No texto acima, Marx indica várias funções do dinheiro em diferentes fórmulas de mediação. Na fórmula M – D – M, o dinheiro aparece como simples meio de troca na figuração exterior do valor das coisas. É determinado como um simples meio de troca em função da facilidade da operação, assim como um agricultor teria muitas dificuldades ao fazer as suas compras numa loja e trocar estas mercadorias pelo equivalente em sacas de soja. A mediação do dinheiro caracteriza uma simples equivalência de valor entre as mercadorias que precisam ser trocadas no processo de consumo, pois nenhum ser huma- no e nenhum trabalhador têm as condições de produzir todos os bens materiais que necessita para satisfazer as suas necessidades básicas. No silogismo que indica a mediação do dinheiro, o valor não é dado pelo dinheiro, mas ele está inscrito nas mercadorias, razão pela qual o di- nheiro aparece como uma simples figuração da troca. Nesta fórmula da

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troca de mercadorias, os dois extremos constituem uma indicação pela qual, na circularidade da troca as mercadorias são substituídas por ou- tras mercadorias, quando continua o ciclo da produção e do consumo.

O dinheiro aparece com outra função e em outra estrutura silo- gística. Nesta formula, o dinheiro é configurado como começo e como término do silogismo, enquanto a mercadoria aparece na condição de mediação. O dinheiro não é um simples meio de troca, mas na troca de uma mercadoria por outra, na imanência do processo produtivo e de consumo, o dinheiro aumenta quantitativamente e se transforma em capital. Contrariamente às mercadorias que são dissolvidas no proces- so de consumo, na fórmula D – M – D, o dinheiro não é consumido quando gasto na compra de uma mercadoria, mas ele muda de mão e de função, e se multiplica no círculo da troca e do consumo. Nesta fór- mula, o dinheiro se transforma em capital porque alcança o estatuto da autodeterminação e se transforma no sujeito do processo produti- vo. O círculo começa por uma quantidade de valor, e no final do ciclo produtivo, o dinheiro alcança outro estatuto de valor, multiplicando-se a si mesmo na imanência da produção e do consumo material. Nesta fórmula, a referência do valor passa da mercadoria, portanto do objeto, para o dinheiro, que determina incondicionalmente o valor de todas as coisas. Assume uma força absolutamente autotélica e determina o valor de todas as coisas. Do começo de um ciclo até o final dele, não apenas se valoriza quantitativamente, mas se transforma na mediação absoluta e universal da produção, do consumo e da vida social.

Numa homologia com a lógica hegeliana, não há na lógica do di- nheiro uma oposição entre qualidade e quantidade, mas o dinheiro é determinado qualitativamente e quantitativamente. Quanto mais quan- titativamente se avoluma, mais qualidade terá. Trata-se de uma espé- cie de quantidade qualificada, na denominação hegeliana advinda da Lógica do ser de medida. O dinheiro passa a ser o padrão absoluto de toda a medida, mede e valoriza incondicionalmente tudo, mas não é mensurado por nada, na mais absoluta condição autotélica. Nesta fór- mula D – M – D, tudo se transforma em capital, porque simplesmente não tem condições de existência aquilo que fica excluído do seu uni- verso de abrangência e de valoração. Pela outra via, tudo se transforma em dinheiro cristalizado e objetivado, pois determinações naturais já são quantificadas e qualificadas em dinheiro. A diferença entre Hegel

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e Marx neste ponto, entre a medida exposta por Hegel na Lógica do ser e a mercadoria absoluta exposta por Marx no começo de O Capital, é que em Hegel a quantidade qualificada sempre alcança outro sistema de qualidade, enquanto que em Marx é absolutamente definitivo.

3. A lógica da essência e a produção do capital

A correlação mais clara entre Hegel e Marx é pelo viés da Lógica da essência. Em O Capital encontramos um significativo universo de raciocínios que indicam uma ampla fundamentação da teoria marxia- na na Lógica da essência. Assim, o segundo livro da Ciência da Lógi- ca hegeliana dedicado à essência não representa uma continuidade ou uma nova versão das metafísicas da substância, mas uma radical crítica.

Contra estas versões, Hegel inclui ao movimento da essência o fenô- meno como um momento constitutivo dela, e integra dialeticamente as cisões, dualismos e oposições típicas da metafísica tradicional. Neste livro, o filósofo mostra que essência e aparência formam um círculo ló- gico e epistemológico inseparável. Categorias como substancialidade e acidentalidade, absoluto e relativo, necessidade e contingência, formam círculos relacionais integrados e inseparáveis. Hegel escreve:

A diferença é em si a diferença essencial, o positivo e o negativo, assim que o positivo de tal modo é a relação idêntica para con- sigo, que não é o negativo; e este de tal modo é o diferente para si, que não é o positivo. Sendo cada um para si, enquanto não é o Outro, aparece cada um no Outro, e só é na medida que o Outro é. A diferença da essência é por isso a oposição, segundo a qual o diferente não tem frente a si o Outro em geral, mas o seu Outro, isto é, cada um tem sua própria determinação só na sua relação ao Outro; só é refletido sobre si enquanto é refletido no Outro, e o Outro, do mesmo modo: cada um é assim seu Outro do Outro (HEGEL, 1995, § 119).

A Lógica da essência caracteriza o movimento estrutural da razão que parte da abstração e indeterminação do ser e adentra na interiori- dade da lógica da reflexão. Neste movimento, a essência não é oposta ao ser, a essência não é oposta à manifestação fenomênica, mas constituem momentos e movimentos ciclicamente integrados. Por este caminho,

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uma das características da Lógica da essência é a radical crítica à noção clássica de identidade, enquanto subjetividade que se basta a si mesma em sua essência, para introduzir a noção de diferença. Dito de outra forma, o que vai marcar o processo argumentativo da Lógica da essência é a radical insuficiência de alguma coisa isolada e da subjetividade, e a abre a um sistema de interconexão universal, a uma rede de relações que caracteriza a interdependência de todas as coisas e sujeitos. Nesta lógica, a diferença não é apenas acidental, mas essencial e constitutiva na me- dida em que a identidade é inseparável da diferença. Cada um não é o Outro, mas aparece no Outro, e o Outro aparece em cada um, na identi- dade, e cada um tem a sua determinação na relação ao Outro. Cada um é refletido sobre si mesmo na medida em que reflete sobre o Outro, e o Outro é refletido sobre si mesmo quando reflete sobre cada um. Nesta lógica, cada um somente será ao incluir o Outro na sua reflexividade, e nesta ação sobre si mesmo se torna relacionalmente constitutivo do Outro.

Dada a extensão e a profundidade da exposição hegeliana, não te- mos a pretensão de aprofundar a abordagem sobre este livro da Ciência da Lógica. Basta, tão somente, indicar alguns elementos relativos à sua estrutura argumentativa. A estrutura da Lógica da essência é constituí- da pela Essência (identidade, diferença e fundamento), pelo Fenômeno (o mundo do fenômeno, conteúdo e forma e a relação) e pela Efetividade (o Absoluto, a Lógica das modalidades e a Relação absoluta). A centra- lidade da exposição hegeliana consiste em sustentar que a Essência é inseparável de sua manifestação no Fenômeno, que caracteriza o mo- mento da própria automanifestação da essência. Assim, por exemplo, importantes eventos e sistemas filosóficos expostos ao longo da História da Filosofia não são dados filosóficos essenciais, mas momentos de um processo de diferenciação e expressões de uma racionalidade filosófica em construção. Hegel constrói a síntese entre essência e fenômeno na relação enquanto unidade da reflexividade sobre si mesmo e da reflexi- vidade sobre o outro. O raciocínio desta unidade pode ser formulado a partir da mútua relatividade entre si de todas as coisas como uma qua- lificação do fenômeno, e o sistema de relações entre uma multiplicidade de coisas relativas é uma qualificação da essência. As relações funda- mentais elencadas por Hegel são todo e parte, força e exteriorização e interior e exterior, simultaneamente correspondentes às diferenciadas

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esferas do real. Neste sentido, uma das grandes revoluções filosóficas implicadas na Ciência a Lógica é o enfraquecimento da essência e a con- sequente fundamentação da realidade e densidade das relações.

Hegel dedica a última parte da Lógica da essência à Relação ab- soluta. Esta é estruturada em relação de substancialidade, relação de causalidade e em ação recíproca. A relação de substancialidade não é contraposta aos acidentes, mas a totalidade dos acidentes organizados em substancialidade. Nesta lógica, a totalidade dos acidentes constitui a substancialidade, e a ação desta resulta na totalidade dos acidentes. É a transformação da forma no conteúdo e do conteúdo na forma. A re- lação de substancialidade se traduz em relação de causalidade, na qual as múltiplas determinações acidentais são produzidas pela substancia- lidade. Não se trata de uma causalidade linear na qual a substancialida- de primeira produz acidentes inferiorizados, mas na produção de um efeito no qual, efetivamente, a causa é causa. Portanto, o efeito é equi- valente à causa cuja circularidade se transforma em substancialidade e em autodeterminação. A relação de causalidade se transforma em ação recíproca. Nela, cada sujeito se relaciona com todos os outros sujeitos, todos os sujeitos se relacionam com cada sujeito, cada sujeito se relacio- na com cada sujeito e todos os sujeitos se relacionam com todos. A ação recíproca resulta numa relação absoluta onde tudo está incluído numa teia infinita de relações cujo sistema relacional é a autodeterminação da totalidade. Na ação recíproca, a coisa singular é uma densificação da totalidade e um ponto de convergência de uma totalidade de relações, e cada coisa se entrelaça com múltiplas outras em cujo movimento de abertura se constitui a substancialidade.

Passamos para Karl Marx. O equivalente à Lógica da essência, conforme enfatizamos acima, é o sistema da produção do capital. Como Marx começou metodicamente pela superfície, como um amontoado de mercadorias na base da sociedade, adentra na interioridade dela para re- construir o processo de produção do capital. Não se trata de uma oposi- ção entre a superfície da aparência e a interioridade da essência, mas são dois momentos mutuamente constitutivos e integrados. A temática bá- sica na estruturação da produção do capital é a produção da mais-valia absoluta e da mais valia relativa, especialmente na jornada de trabalho e na determinação do tempo cronológico para a produção da mercadoria.

Na produção da mais valia relativa, Marx examina os momentos his-

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tóricos do desenvolvimento capitalista, numa lógica histórica marcada pelo esvaziamento da subjetividade do trabalhador e a densificação do processo objetivo de produção, numa absoluta primazia da objetividade material sobre a liberdade do trabalhador. Estas fases são a cooperação entre os trabalhadores, a divisão do trabalho e a manufatura e a ma- quinaria da indústria moderna. Para a produção da mais-valia relativa não há mais a necessidade de prolongamento da jornada de trabalho, mas a maquinaria pesada proporciona uma produção quantitativamen- te maior, mais qualificada, mais intensiva e num tempo muito menor.

Marx escreve

O instrumento de trabalho, ao tomar a forma de máquina, logo se torna concorrente do próprio trabalhador. A autoexpansão do capital através da máquina está na razão direta do número de trabalhadores cujas condições ela destrói. Todo o sistema de pro- dução capitalista baseia-se na venda da força de trabalho como mercadoria pelo trabalhador. A divisão manufatureira do tra- balho particulariza essa força de trabalho, reduzindo-a à habi- lidade muito limitada de manejar uma ferramenta de aplicação estritamente especializada. Quando a máquina passa a manejar a ferramenta, o valor-de-troca de força de trabalho desaparece ao desvanecer seu valor-de-uso. O trabalhador é posto fora do mercado como o papel-moeda retirado da circulação (MARX, 1998, p. 491).

Nos limites deste trabalho, não vamos reconstruir o processo entre a cooperação e a grande indústria. Apenas mostrar a forma mais aguda de contradição entre a lógica da produção industrial e a dissolução da subjetividade e da vida do trabalhador. Na lógica capitalista, há uma contínua concorrência entre a máquina e o trabalhador, pois quanto mais avançadas são as máquinas, mais elas produzem e mais elas dis- pensam da mão-de-obra do trabalhador. Marx viu muito bem em seu tempo o impacto da maquinaria sobre o trabalhador e a sua atividade, pois o aperfeiçoamento das máquinas o transforma em peça adicional e exterior. Marx faz menção ao período da manufatura onde o traba- lhador manuseava uma ferramenta e a aplicava às suas atividades es- pecíficas. Nestas condições, a habilidade da mão tinha primazia sobre a ferramenta por ele manuseada, mas quando a máquina substitui as ferramentas, o trabalhador sobra como uma moeda tirada de circula-

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ção. No processo de produção industrial capitalista é formado o capital com a simultânea aniquilação do trabalhador enquanto sujeito livre do trabalho. A guerra entre o capital e o trabalho na imanência da produ- ção industrial é um fundo invisível aos olhos dos sentidos, razão pela qual Marx penetra racionalmente no interior desta contradição para explicitar criticamente os mecanismos de exploração que este universo comporta sistematicamente.

4. A lógica do conceito e a circulação do capital

A Lógica do conceito é o terceiro livro da Ciência da Lógica hege- liana. Este livro caracteriza outro patamar de racionalidade em compa- ração aos outros dois livros, com destaque na passagem da necessidade na liberdade, da essência no conceito. Em outras palavras, trata-se da passagem da necessidade, de Espinosa, na liberdade hegeliana. Em ter- mos simples, na Lógica da essência Hegel constrói um diálogo crítico com Espinosa onde propõe o caminho duro da passagem da lógica da necessidade na lógica da liberdade. O absoluto spinozista é um duro sistema de necessidade determinado inexoravelmente, diante do qual Hegel propõe um sistema dinâmico de liberdade. Falta em Espinosa o princípio da personalidade e da intersubjetividade. Segundo Hegel, “na verdade, Deus é a necessidade, com certeza, ou como também se diz, a Coisa absoluta; mas também é, ao mesmo tempo, a pessoa absoluta, e esse é o ponto a que Spinoza não chegou” (HEGEL, 1995, § 151, Zusatz).

Não se trata mais de uma substância absoluta, mas de uma lógica da liberdade que perpassa todos os campos do real e os campos do conhe- cimento.

O conceito como tal contém os momentos da universalidade, enquanto livre igualdade consigo mesma em sua determinida- de; da particularidade, da determinidade em que permanece o universal inalteradamente igual a si mesmo; e da singularidade, enquanto reflexão-sobre-si das determinidades da universalida- de e da particularidade; a qual unidade negativa consigo é o de- terminado em si e para si, e ao mesmo tempo o idêntico consigo ou o universal (HEGEL, 1995, § 163).

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As categorias estruturantes da Lógica do conceito são universali- dade, particularidade e singularidade. Numa primeira aproximação, a universalidade e a particularidade não se opõem, mas a reflexividade e inteligibilidade do universal somente se dão na diferenciação do auto- desenvolvimento imanente quando se traduzem numa multiplicidade de determinações concretas. A particularidade, por sua vez, interioriza a universalidade e a expõe a partir de sua limitação e determinidade. Na dupla implicação entre universalidade e particularidade, a universali- dade na particularidade caracteriza um desdobramento sistemático de determinações cada vez mais amplas e complexas, abrindo o movimen- to para as esferas da Natureza e do Espírito. Por outro lado, a particula- ridade na universalidade transforma a universalidade numa mediação fundamental e na significação universal de todas as determinações do conceito. A singularidade caracteriza o retorno à universalidade pela mediação da particularidade, na forma da universalidade concreta.

Trata-se da unidade dialética entre universalidade e particularidade quando aquela é preenchida por um sistema de particularidades e a par- ticularidade se constitui numa estrutura racional concreta. Na verdade, uma aprofundada exposição da Lógica do conceito revela que todas as categorias do conceito constituem a universalidade, a particularidade e a singularidade, pois em cada uma estão as outras. Hegel escreve:

O sujeito é a determinação determinada, e o predicado é esta determinação sua posta. O sujeito está determinado só em seu predicado, ou seja, só naquele é sujeito; voltou a si no predicado e nele representa o universal. Mas agora, sendo o sujeito o inde- pendente, aquela identidade tem a relação seguinte: que o predi- cado não tem um subsistir independente por si, senão que tem seu subsistir somente no sujeito, inere neste. Como se distingue o predicado do sujeito, o predicado é assim uma determinação isolada do sujeito, somente uma de suas propriedades; mas o su- jeito mesmo é o concreto, a totalidade de múltiplas determina- ções, tal como o predicado contém uma só delas; é o universal.

Mas por outro lado, também o predicado é universalidade in- dependente, e vice-versa o sujeito é somente uma determinação dele. Portanto o predicado subsume o sujeito; a singularidade e a particularidade não existem por si, senão que têm a sua essência e substância no universal. O predicado expressa o sujeito no seu conceito; o individual e o particular são determinações aciden- tais dele; ele é sua absoluta possibilidade (WL II, p. 58).

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A teoria do juízo é um dos capítulos da Lógica do conceito. Trata- -se da relação entre sujeito e predicado através da mediação da cópula. O sujeito é determinado como a base concreta de atribuição de um conjun- to de predicados, e o predicado um significado universal que transcende as coisas concretas. Na relação com o predicado, o sujeito não é apenas uma particularidade empírica a quem se atribuem predicados, mas en- quanto referência de sistematização de uma multiplicidade de predica- dos ele se transforma num sujeito universal. Por sua vez, o predicado se transforma numa singularidade porque apenas um dentre muitos predicados possíveis. Como cada predicado pode ser aplicado a muitos sujeitos, ele os transcende e não se esgota a nenhuma determinação em- pírica. Da multiplicidade de predicados aplicados a múltiplos sujeitos, e múltiplos sujeitos como base de sustentação de predicados, o universo de sujeitos é mediado por um sistema de predicados. Disto resulta uma radical crítica ao subjetivismo e ao isolamento dos objetos como môna- das autônomas, por um sistema complexo de mediação das subjetivida- des que resulta numa subjetividade absoluta e numa intersubjetividade absoluta. A interdependência de todos os sujeitos se amplia na universa- lidade e totalidade da subjetividade absoluta constituída na perspectiva lógica de todos os sujeitos relacionados entre si. A passagem do juízo no silogismo é marcada pela constituição da totalidade concreta em au- todesenvolvimento e em autodeterminação, na qual o juízo não é uma operação de um sujeito finito, mas momento no processo de autoconsti- tuição da totalidade. Hegel escreve:

Por causa disso, o silogismo é o fundamento essencial de todo o verdadeiro; e a definição do absoluto é, de agora em diante, que ele é o silogismo, ou, exprimindo essa determinação como pro- posição: “Tudo é um silogismo”. Tudo é conceito, e seu ser-aí é a diferença dos momentos do conceito, de modo que a natureza universal de tudo, mediante a particularidade, se confere rea- lidade exterior, e assim, enquanto reflexão-sobre-si negativa, se faz algo singular. Ou, inversamente, o efetivo é um singular, que pela particularidade se eleva à universalidade, e se faz idêntico a si mesmo. O efetivo é uno, mas é igualmente o dissociar-se dos momentos do conceito, e o silogismo é o percurso completo da mediação de seus momentos, pelos quais se põe como uno (HE- GEL, 1995, § 181, Zusatz).

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A teoria hegeliana do silogismo é a estrutura metodológica do sistema filosófico hegeliano. Não se trata, apenas, de um conjunto de fórmulas lógicas, tal como na lógica formal clássica, mas toda a raciona- lidade e toda a realidade são articuladas silogisticamente. Encontramos silogismos em vários lugares da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, o que indica a sua importância fundamental para a compreensão do pensamento hegeliano. Para Hegel, tudo é silogismo e o absoluto é silo- gismo. O absoluto é silogismo porque as esferas da Ciência da Lógica, da Filosofia da Natureza e da Filosofia do Espírito somente são compreen- síveis quando articuladas em silogismos, nos mais variados formatos expostos por Hegel. Traduzindo o mesmo argumento para a Trindade cristã, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são constituídos em estruturas silogísticas de diferentes significações racionais em variadas formas de mediação. Para Hegel, o mundo é um sistema de mediações no qual todas as coisas, todos os sujeitos e todas as estruturas mediatizam e são mediatizadas. No parágrafo acima introduzido, Hegel esboça silogis- mos em dois movimentos de estruturação. No primeiro deles, a natu- reza universal de tudo, a universalidade absoluta de tudo exterioriza-se na natureza e na história por meio das quais se particulariza, estabelece a autorreflexividade e se singulariza por meio da particularidade. Por outra via, a singularidade do sujeito se eleva à universalidade por meio da particularidade. No primeiro caso, a universalidade da razão se sin- gulariza nas figuras de Pedro e de Paulo por meio das estruturas sociais, culturais e comunitárias. No segundo caso, a singularidade de Sócrates e de Hegel se absolutizam e se universalizam por meio de estruturas como a natureza e a história. Assim, o uno hegeliano não é imediato e indiferenciado, mas se estabelece num conjunto de mediações que per- correm um caminho racional. Seguimos com Hegel:

O sentido objetivo das figuras do silogismo é, em geral, que todo o racional se mostra como um tríplice silogismo; e isso de tal modo que cada um de seus termos tanto ocupa a posição de um extremo como também a do meio-termo mediatizante. E, em especial, o caso com os três termos da ciência filosófica, isto é, a ideia lógica, a natureza e o espírito. Aqui é primeiro a natureza o termo mediador, que conclui juntamente (os outros). A natu- reza, essa totalidade imediata, se desdobra nos dois extremos da ideia lógica e do espírito. Mas o espírito só é espírito ao ser mediatizado pela natureza. Em segundo lugar, é igualmente o

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espírito que nós conhecemos como o individual, o ativo, [que é]

o meio-termo; e a natureza e a ideia lógica são os extremos. E o espírito que na natureza conhece a ideia lógica, e assim a eleva à sua essência. Igualmente, em terceiro lugar, a própria ideia lógica é o meio-termo; é ela a substância absoluta do espírito, como da natureza: o universal que-tudo-penetra. São esses os termos do silogismo absoluto (HEGEL, 1995, § 187, Zusatz).

O texto da Enciclopédia das Ciências Filosóficas insere um adendo conciso e denso sobre a significação de três configurações de silogismos que podem ser desenhados com os componentes da Ciência da Lógica, da Filosofia da Natureza e da Filosofia do Espírito. O texto aqui inserido é comparável em abrangência sistemática e em significação aos parágra- fos finais da Filosofia do Espírito (574-577), nos quais Hegel esboça três estruturas de mediação do sistema filosófico. Nesta composição, a Ciên- cia da Lógica, a Filosofia da Natureza e a Filosofia do Espírito ocupam, respectivamente, as posições de extremos e de mediação, para comple- tar o ciclo de desenvolvimento silogístico. A primeira configuração silo- gística é a clássica ordem conhecida de Lógica, Natureza e Espírito, com a mediação fundamental da Filosofia da Natureza. Como mediação, a Natureza imediata é a base fundamental para a constituição da ideia ló- gica e do espírito, como resultados do seu desdobramento. A ideia lógica é a significação racional que haure da natureza e o sistema da Ciência da Lógica pode ser interpretado como um desdobramento racional da natureza. É a tradução da natureza em lógica, pois os componentes, as estruturas, os círculos e os movimentos do sistema complexo da natu- reza são epistemologicamente sistematizados nas categorias, estruturas categoriais e sistemas de racionalidade típicos da Ciência da Lógica. A Natureza também se desdobra no Espírito enquanto base material para a constituição da segunda natureza no universo do próprio Espírito. As- sim, a Natureza é termo mediatizante do sistema do silogismo porque ela constitui as outras esferas e se traduz nelas.

Nesta primeira configuração silogística, a Filosofia da Natureza estabelece a mediação entre a Lógica e a Natureza, entre a Ciência da Lógica e a Filosofia do Espírito. Sabe-se que no tempo de Hegel, Lógica e Natureza constituíram termos de uma antinomia irredutível, razão pela qual o filósofo, juntamente com Schelling, empreende outro caminho racional para aproximar as duas esferas. Nesta formulação, a Filosofia

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da Natureza aproxima as duas esferas porque ela compreende em seu interior uma significação e uma estrutura lógica como base de sua auto- -organização; igualmente é edificada em diferentes círculos da Nature- za, como os universos da mecânica, da física e da orgânica. A Filosofia da Natureza contém em sua imanência uma dimensão lógica, uma inte- ligibilidade racional compatível com a realidade da Natureza a partir da qual ela articula a sua estrutura. A segunda esfera do sistema filosófico também estabelece a mediação entre a Ciência da Lógica e a Filosofia do Espírito, pois ela materializa a primeira e esboça os primeiros passos da subjetividade individual e social, especialmente no sistema biológico.

Nesta primeira sistemática de mediação, a Lógica e o Espírito estão mer- gulhados na Natureza e dela emergem em sua sistemática assim como estão formuladas na Enciclopédia das Ciências Filosóficas.

O segundo silogismo apontado pelo parágrafo é Natureza, Espírito e Lógica. A mediação do silogismo é exercida pelo espírito finito que Hegel inclui na primeira parte do terceiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, a Filosofia do Espírito. A dimensão epistemológica do conhecimento subjetivo é determinante na estruturação do mundo objetivo porque ele traduz o sistema do real na significação racional e na estrutura do próprio real. Neste movimento, o espírito subjetivo conhe- ce na Natureza a Ideia lógica e eleva a natureza à sua própria essência. No conhecimento subjetivo da Natureza ela é suprassumida da condição de objetividade imediata em objetividade significada e em estrutura de au- todeterminação. Hegel dá a entender que o conhecimento da Natureza, do mundo e da realidade confere a eles outra condição de racionalidade, pois a lógica a elas implícita é explicitada pelo conhecimento subjetivo e epistemologicamente traduzida em sistema filosófico. O silogismo aqui em consideração contribui na autodeterminação subjetiva da objetivi- dade da Natureza, razão pela qual ela adquire diferentes significações ao longo do tempo. É por este viés de mediação que temos uma Cosmologia Filosófica, uma Filosofia da Natureza, uma Ecologia, uma Física, uma Biologia etc.

Os dois silogismos anteriores evoluem para o formato Espírito, Ló- gica, Natureza. Nesta estrutura silogística, a Lógica exerce a função de mediação entre o Espírito e a Natureza, e aparece como a substanciali- dade absoluta destas duas esferas filosóficas. A função da Lógica não se restringe a uma pura lógica, como muitas interpretações o dão a enten-

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der, mas ela evolui para a condição de substancialidade intrínseca da Filosofia da Natureza e da Filosofia do Espírito. A primeira evidência deste caráter intrínseco é a constatação de que a Filosofia da Nature- za e a Filosofia do Espírito estão estruturadas em conformidade com a Ciência da Lógica, em correspondências a partir das quais é possível estabelecer paralelos entre as três esferas. Portanto, ela não se restringe aos limites da primeira esfera do sistema, mas ela se desdobra e penetra nos universos da Filosofia da Natureza e da Filosofia do Espírito, na con- dição de estrutura lógica destas esferas. Este desdobramento tem como consequência uma logicidade da Natureza e uma logicidade do Espírito, segundo o estatuto de racionalidade que corresponde a cada uma. Este silogismo tem como significação a intrínseca autodeterminação racio- nal da Ciência da Lógica na condição de inteligibilidade fundante das outras esferas, ao mesmo tempo em que assume uma função transversal de interrelacionalidade interesférica ao perpassar interdisciplinarmente e transversalmente as esferas como determinações particulares da Ideia lógica. Esta mediação tem outro significado fundamental, pois a Filoso- fia da Natureza e a Filosofia do Espírito são reconduzidas para o interior da inteligibilidade lógica universal, o que transforma o caráter lógico e epistemológico do sistema numa Ontologia do real. Quando a Filo- sofia da Natureza e a Filosofia do Espírito são configuradas a partir da mediação fundamental da Ciência da Lógica, o sistema hegeliano pode ser interpretado como expressão filosófica do sistema real em autode- senvolvimento e autodeterminação. Trata-se do Absoluto real em sua autoestruturação global, envolvendo esferas como Deus, o Cosmos, a Natureza e a História dispostos em interação dinâmica.

Passamos para O Capital. Quando Marx conclui com o processo de produção do capital, passa para a circulação do capital. Do ponto de vista epistemológico, da interioridade da essência, o capital retorna para a superfície onde se dá a circulação da produção e do consumo. Toda a mercadoria que é produzida pela tecnologia capitalista, entra na circula- ção do consumo para proporcionar um novo ciclo de produção do capi- tal. Trata-se da unidade entre produção e consumo, um círculo no qual a produção determina o consumo e o consumo determina a produção. É consumido o que é produzido, e é produzido segundo as tendências de consumo do mercado. Em O Capital, Marx escreve:

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Globalmente, o capital se encontra, ao mesmo tempo, em suas diferentes fases que se justapõem. Mas cada parte passa, inin- terrupta e sucessivamente de uma fase, de uma outra forma fun- cional, para outra, funcionando sucessivamente em todas. As formas são, portanto, fluidas e sua simultaneidade decorre de sua sucessão. Cada forma sucede e precede a outra, de modo que o retorno de uma parte do capital a uma forma tem por condi- ção o regresso de outra parte a outra forma. Cada parte descreve continuamente seu próprio circuito, mas de cada vez se encontra em dada forma outra parte do capital, e esses circuitos particu- lares constituem apenas elementos simultâneos e sucessivos do movimento global (MARX, 2008, p. 119).

Uma coincidência metodológica entre a Ciência da Lógica hege- liana e O Capital está na Teoria do Silogismo e no livro que trata da circulação do capital. A base da argumentação marxiana está na estru- turação do capital dinheiro, do capital industrial e do capital mercantil em silogismos que envolvem a universalidade e totalidade do capital e a circularidade das formas específicas de capital que circulam simulta- neamente em si mesmas e nas outras e a partir delas. Numa homolo- gia com a Lógica hegeliana, é possível sustentar que a universalidade é homóloga ao capital dinheiro, a particularidade é homóloga ao capital industrial e a singularidade é homóloga ao capital mercantil. A univer- salidade é atribuída ao capital dinheiro em razão de que o mesmo cons- titui a plataforma formal de valoração de tudo; a particularidade é atri- buída ao capital industrial pelo processo de produção material e pelos distintos ramos da produção; a totalidade concreta é atribuída ao capital mercantil porque os ciclos de produção e de consumo se transformam no mercado. Cada uma destas determinações do capital constitui uma expressão do capital global que se realiza em cada uma de suas especi- ficações, pois as diferenciadas formas de capital se movem numa lógica circular na qual uma forma antecipa a outra na medida em que é suce- dida pela outra. Isso significa dizer que a estrutura global do capital não é linear, mas circular. Os movimentos referidos no texto por Marx sig- nificam que cada determinação do capital aparece como começo, como mediação e como fim do processo, e no desenvolvimento completo da sistemática de mediação cada uma das determinações do capital aparece logicamente configurada como universalidade, como particularidade e como singularidade.

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Todos os silogismos aqui esboçados têm uma significação diferen- ciada, e todas as formas silogísticas totalizam o movimento global de autoconstituição do capital. Não se trata apenas de uma construção silo- gística estruturada na alteração de termos no interior do silogismo, mas de um movimento intersilogístico de estruturas silogísticas. A primeira configuração diz respeito à multiplicidade de determinações do capital que intercalam as posições no processo de desenvolvimento silogístico, num processo que vai da totalidade do capital para a multiplicidade de suas denominações. A segunda configuração de movimentos intersi- logísticos significa a totalidade do capital e a circularidade totalizante que mantém a sua unidade e integridade. Nesta abordagem, faremos uma formulação a partir das múltiplas mediações que o sistema global possibilita esboçar, quando a totalidade do capital é configurada nesta forma. Quando a abordagem é feita sob o ponto e vista do seu começo, esta determinação aparece na condição de imediação simples, e quando a abordagem é feita pelo viés da conclusão, esta determinação aparece como um desdobramento da mediação. Para Marx

Se fizermos uma síntese das três formas, todas as condições pré- vias do processo se mostram resultado dele, por ele mesmo pro- duzidas. Cada elemento aparece como ponto donde se parte, por onde se passa e para onde se volta. O processo total se apresenta como unidade do processo de produção e do processo de circu- lação; o processo de produção serve de meio para o processo de circulação e vice-versa (MARX, 2008, p. 115).

A primeira estrutura silogística é constituída na ordem do capi- tal financeiro, do capital industrial e do capital mercantil, no formato lógico de universalidade, particularidade e singularidade. A media- ção do capital produtivo industrial reconduz para a centralidade desta mediação as outras determinações do capital, quando o produtivo não caracteriza apenas uma fábrica ou um conjunto de fábricas que perfa- zem um setor produtivo, mas a totalidade de indústrias e de forças que caracterizam o sistema de produção industrial. Num viés de leitura da coextensividade entre sistema e historicidade, este silogismo represen- ta a sociedade industrial e da tecnologia, atualmente representada nas tecnologias da comunicação, da cibernética e da nanotecnologia, por

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