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Concepção Marxista de Estado

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Concepção Marxista de Estado

1[ 1 ]

Si l vi o Cost a *

Mar x, e m suas pr i me i r as r efl exões fi l osófi cas mai s si st e mat i za das, que pode m ser caract eri zadas co mo n eo -he gel i anas , j á abor da quest ões referent es à pr obl emát i ca do Est ado.

Nest e mo me nt o, sua for mação f i l os ófi ca é f ort ement e i nfl uenci ada por Hegel , che gando , i ncl usi ve, a se i nt egr ar por al gu m t e mpo aos cha mados he gel i a nos de esquerda ou j ove ns hegel i anos . O per í odo que vai do fi nal da década de 1830 a me ados dos anos 40 do sécul o passado mar ca o i ní ci o da r u pt ur a de Marx co m a concepção he ge l i ana de Est ado, quan do faz crí t i cas fundame nt ai s ao i deal i smo e ao pensa ment o p ol í t i co l i ber al , por conceber e m a de mocraci a e a l i berd ade, apenas no ní vel for mal . Se us escr i t os mai s i mp ort ant es no p er í odo são Crí t i ca d o E st ad o Hegel i anos (1843) , A quest ão j u dai ca (18 4 3) e Crí t i ca da f i l osof i a do di rei t o de Hegel (1 843 -184 4) .

2[ 2 ]

Mar x i ncorpor a cri t i ca ment e a concepção hegel i ana do Est ado, consi der ando co mo positiva a separação feita por Hegel entre “sociedade civil” e “Es tado político”, como duas esfer as di st i nt as, separadas e em cont r adi çã o. Marx consi dera ser est a separação a responsáve l pel a al i enação pol í t i ca do ho me m moder no.

( ...) o que Marx reprova e m He gel não é a sua descri ção do Est ado moder no; t al descr i ção é p or el e c o nsi der ada, no f u nda ment al , cor ret a. O que Marx r eprova e m He gel é a propost a pol í t i ca que est e aut or ar t i cul a à descri ção do Est ad o moderno: a prop os t a de et erni zação do Est ad o moderno, cuj a essênci a é apr esent ada como essênci a do Est ado em geral . ( . ..) par a po der cri t i car a propost a hegel i ana de et erni zação do Est ado Modern o, Marx deve criticar ao mesmo tempo a ‘versão’ hegeliana da separação entre sociedade civil e Est ado, apresent ando t al separação como al i enação pol í t i ca, i st o é, negação da pr ó pr i a essência (ser genérico) do Homem(...) a ‘massa dos indivíduos’, existindo sob a forma de membros da família e de membros da sociedade civil faz o Estado; o ‘homem real’, o ‘povo real’ constituírem a ‘base’ do Estado.(...) Fazer o Estado consiste, no j ovem Marx, em proj et ar a essênci a humana, o ser ge néri co do ho me m, par a fora do pr ópr i o ho me m, medi ant e a cri ação de u m ent e q ue o do mi nar á, ocul t a ndo aos se us ol hos o fat o de ser s ua cri at ur a o Est ado moder no , ou E st ado pol í t i co abst r at o. Fazer o Est ado é , por t ant o, al i enar -s e; supr i mi r a al i enação i mpl i ca con sequent e ment e, e m s u pr i mi r o Est ado, ou m el hor , o dual i s mo al i enant e do Est ado Mo derno e da soci edade ci vi l .

3[ 3 ]

Neste período, Marx afirma que “o liberalismo só concebia a emancipação humana do pont o de vi st a pol í t i co ( nas i nst i t ui ções pol í t i cas) e não na vi da real , quot i di ana, na qual o que predominava eram as relações econômicas (esta era a esfera da ‘sociedade civil’ para Marx, que seguia o conceito de Hegel).”

4[ 4 ]

O Est ado , col ocado c o mo medi a dor n as rel ações ent re os ho men s, co mo expressão do conj unt o da soci edade , el i mi na, aparent e me nt e, as cont r adi ções e desi gual da des exi st ent es no mundo real , o que pos si bi l i t a a cri ação de u ma si t uação i l usóri a, f ont e da al i enação pol í t i ca e de sua cont í nua re prod ução.

O Est ado anul a a seu modo, as di f erenças de nasci ment o , de st at us soci al , de cul t ura e de ocupação, ao decl ar ar o nasci ment o, o st at us soci al , a cul t ura e a ocupação do ho me m c o mo di ferenças não pol í t i c as, ao pr ocl a mar t od o me mbro d o po vo, se m at ender a est as di f e r enças, co -part i ci pant e da sober ani a popul ar em bas e de i gual dade, ao ab or dar t odos os el emen t os da vi da real do po vo do pont o de vi st a do Est ado. Cont udo , o Est ado dei xa que a propr iedad e

1[1]

COSTA, Silvio (1998): “Concepção marxista de Estado”. In COSTA, Silvio (1998): Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto. Goiânia / São Paulo : Editora da UCG / Anita Garibaldi. págs.109-144.

2[2]

”A Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel é, freqüentemente, encarada como um marco no pensamento de Marx; a introdução, no texto, da figura histórica do proletariado como força motriz da emancipação humana (supressão do Estado, liquidação da alienação política) autoriza muitos autores a encararem essa obra como expressão decisiva da passagem de Marx ao comunismo(...) é inegável que a aparição do proletariado na reflexão filosófico-político desse autor se reveste de grande importância.(...) não é suficiente para alterar essa concepção de Estado; ela provocará, no máximo, incongruências e desajustes internos.”

SAES, Décio. Do Marx de 1843-1844 ao Marx das obras históricas. In: SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos.

Campinas : IFCH/Unicamp. 1994. p. 65-67. (Col. trajetória, 1).

3[3]

SAES, Décio. Do Marx de 1843-1844 ao Marx das obras históricas. In: SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. p. 60-62.

4[4]

FERNANDES, Luís. Democracia: valor histórico. In Princípios. São Paulo : Editora Anita Garibaldi, novembro/1990. n.

19. p. 6.

(2)

pri vada, a cul t ur a e a ocupação at ue m a se u m o do, i st o é , co mo pr opri edade pri vada , co mo cul t ur a e como ocupa ção, e f açam val er su a nat ureza especi al . Lon ge de acabar co m est as di ferenças de fat o, o Est ado só exi st e sobre t ai s premi ssas, s ó se sent e co mo Est ad o pol í t i co e só faz val er sua ge neral i dad e e m co nt r aposi ção a est es el e me nt os seus.

5[ 5 ]

A apr eensão do Est ad o, enquant o poder p ol í t i co organi zado, q ue pressupõe di mens ões econô mi cas e as i nt er -rel ações ent re as me s mas, ai nda não est á present e e m Marx, mes mo colocando “como premissas ou pressupos tos, tanto elementos materiais (propriedade, ocupação) quant o el e ment os espi ri t uai s ( cul t ur a, rel i gi ão) e mai s ai nda, col ocando -os l ado a l ado, se m est abel ecer, no pl ano t eór i co, qual quer hi er arqui a ent r e esses di ferent es elementos.”

6[ 6 ]

Port ant o, as rel aç ões j urí di cas não são abor dadas c o mo sendo a o mes mo t empo econô mi cas, pol í t i cas, i deol ógi cas e de cl as ses, o que i mpl i cari a est abel ecer necessari ament e u ma rel ação cont radi t óri a ent re soci edade ci vi l e Est ado, ent re aparênci a e essênci a, e nt r e a vi da r eal e uma gener al i dade i r real e i ma gi nári a. O Est ado, assi m co mo a mer cador i a, ai nda não surge f et i chi zado e não se apr esent a co mo o poder or gani zado de u ma cl asse sobr e out ra( s), mas co mo ge neral i dade af et a a t oda a soci edade.

O Est ado pol í t i co ac abado é, pe l a própri a essênci a, a vi da ge n ér i ca do ho me m e m oposi ção à sua vi da mat eri al . T odas as pr e mi ssas dest a vi da e goí st a per manece m d e pé à mar ge m da esf er a est at al na soci edade ci vi l , porém co mo qual i dade dest a. Onde o Est ado pol í t i co j á at i ngi u se u ver dadei r o desen vo l vi me nt o, o ho me m l eva, não só no pl an o do pensa ment o, da c onsci ênci a, mas t a mbé m no pl ano da real i dade, d a vi da, u ma dupl a vi d a: u ma cel est i al e out ra t errena, a vi da na co muni dade pol í t i ca, na qua l el e se consi dera um ser col et i vo, e a vi da na s oci edade ci vi l , e m q ue at ua co mo part i cul ar ; consi dera out r os h o mens co mo mei os , de gr ada -se a si própr i o como mei o e con vert e - se em j oguet e de p oder es est ranhos. O Est ado pol í t i co conduz -se e m rel ação à soci edade ci vi l de modo t ão espi ri t ual i st a co mo o céu e m rel ação à t err a.

7[ 7 ]

A super ação da ma r cant e e i mport ant e i nfl uênci a de He gel , de abando no do de mocrat i s mo r e vol uc i onár i o que pode ser i dent i f i cado com o a nar qui s mo

8[ 8 ]

e o i ní ci o da el abor ação das bases da t eor i a de Mar x ( e En gel s) sobre o Est a do cor responde ao pe r í odo co mpr eendi do ent r e 1844 e i ní ci o de 1850. São dest e perí odo al gu mas de suas mai s i mpor t ant es obr as: Manuscri t os Econômi co - Fi l osóf i cos (1844); Teses sobre Feuerbach ( 1845) , A mi séri a da f i l osof i a (1847), Trabal ho ass al ari ado e capi t al ( 1847) e, e m col aboração co m En gel s, A sagrada f amí l i a ( 1844), A i deol ogi a al emã ( 1845 -184 6) e O mani f est o comuni st a (1848).

Par t i ndo do pr essupos t o dos pensador es l i ber ai s de que a função do Est ado é gar ant i r a propr i edade, Marx co mpreende que , por ma i s qu e se t ent e apresent ar o Est ado co mo ex p r essão har môni ca e genéri ca do conj unt o da soci ed ade, el e é, na real i dad e, o l ocus dos ant a go n i smos soci ai s baseados na co nt r adi ção ent r e o i nt er esse ger al e o part i cul ar , ent re o p úbl i co e s oci al e a vi da pr i vada. As si m, Marx concl ui ser o Est ado u ma ent i dade de cl asses, u m ór gão par a assegurar o do mí ni o das cl asses propr i et ári as e ao mes mo t e mp o reproduzi r a di vi são da soci edade e m cl asses ant agô ni cas. Nest e sen t i do, o Est ado, por ma i s de mocr át i ca que sej a sua for ma, nã o é ex pressã o da vo nt ade ger al , m as si m u m i nst ru ment o a ser vi ço da do mi na ção de cl asse.

Nest e perí odo, o dese nvol vi ment o da t eor i a pol í t i ca mar xi st a sobr e o Est ado, mes mo que esta teoria seja colocada “de uma forma muito abstrata, nos termos e expre ssões mais gerais”

9[ 9 ]

pode s er si nt et i zada e m l i nhas gerai s nas se gui nt e s passage ns d’O Manifesto Comu ni st a:

O poder pol í t i co é o p oder or gani zado d e u m a cl asse para a opressã o da out ra;

10[ 1 0 ]

O go verno moder no n ão é senão u m co mi t ê para geri r os ne góci o s co muns de t o da a cl asse bur guesa;

11[ 1 1 ]

5[5]

MARX, Karl. A questão judaica. 2. ed. São Paulo : Editora Moraes, 1991. p. 25.

6[6]

SAES, Décio. Do Marx de 1843-1844 ao Marx das obras históricas. In: SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. p. 64.

7[7]

MARX, Karl. A questão judaica. p. 26.

8[8]

SAES, Décio. Do Marx de 1843-1844 ao Marx das obras históricas. In SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. p. 59.

9[9]

LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução. São Paulo : Hucitec, 1987. p. 35.

10[10]

MARX. K.; ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista. In: MARX; ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo : Alfa- Omega, s.d. v. 1, p. 38.

11[11]

Idem. Ibidem. p. 23.

(3)

A pr i mei r a fase da r e vol ução operár i a é o ad ve nt o da c l asse operári a co mo cl asse do mi nant e, o ad vent o da de mocr aci a. O prol et ari ado af i r mará su a supre maci a pol í t i ca par a arrancar pouco a pouco t odo o capi t al à burguesi a, para cent r al i zar t odos os i nst rument os de produção nas mãos do Est ado, i st o é, do prol et ari ado orga ni za do e m cl asse do mi nant e.

12[ 1 2 ]

A or i gi nal i dade das obr as de Mar x é a anál i se do Est ado vi ncul ada às rel ações econô mi cas e à di vi são da soci e dade e m cl asses soci ai s ant agôni cas, cont ri bui ndo deci si va ment e para a dessacr al i zação do Est ado e para a co mpr eensão da t e mp est ade revol uci onár i a que var ri a a Europa.

As i no vações t eóri cas de Marx (e En gel s) assu me m i mpor t ânci a não só t eór i ca, mas pri nc i pal me nt e prát i ca. São de grande si gni f i cado pol í t i co -re vol uc i onári o, poi s i nt r odu ze m a co mpr eensão de que a verdadei ra e manci paçã o hu ma na não será pos sí vel nos marcos do E st ado burguês, mas si m e m u ma no va soci edade se m cl asses, o co muni s mo.

É i mp ort ant e dest acar que, nest e per í odo , Marx ai nda não el abo rar a sua co mpr eensão sobre a f or ma q ue ass u mi ri a o poder p ol í t i co do pr ol et ari ado, ou sej a, que t i po de de mo cr aci a subst i t ui r i a a l i beral -burguesa após a afi rmação do prol et ari ado co mo cl asse do mi nant e. É a part i r de 1850, pri nci pal me nt e após a Comuna de Pari s de 1871, que será abordada est a quest ão.

Mar x, ao r eal i zar est a anál i se, mes mo não p ossui ndo u m est udo si st emát i co e uma obr a de apr ofunda ment o s obre o t e ma, j á ha vi a el abor ado, e m t r aç os gerai s, sua concep ção de Est ado. A par t i r da crí t i ca a Hegel , Marx aborda o Est ado i nseri do em con di ções mat er i ai s concret as e vi ncul ado às rel ações de produção, co mo u m pr odut o da exi st ênci a de classes soci ai s ant agô ni cas.

Nat ur al ment e a sua concepção de Est ado vai -se expl i ci t ando ou desen vol vend o à medi da que est uda m a s i mbri cações ou os d esdobr a ment os soci ai s , pol í t i cos e econô mi cos das forças produt i vas e d as r el ações de pr odu ção, e m se us desen vol vi ment os especi fi ca ment e capi t al i st as. O conj unt o do processo de pr odução de mai s -val i a, de repr odução a mpl i a da do capi t al ou de mer can t i l i zação uni versal da s rel ações, pessoas e coi sas so ment e pod e ser co mpr eendi do se a a nál i se apreende t amb é m o Est ado, co mo u ma di mensã o essenc i al do capi t al i smo . A t eori a da l ut a de cl as ses ser i a uma si mpl es abs t ração, se as rel ações e os ant ago ni s mos de cl as ses não i mpl i casse m no Est ado capi t al i st a co mo expressão e co ndi ção dessas mes mas rel açõ es j urí di cas e pol í t i cas, que expr essa m as r el ações de produção , est á se referindo à ‘superestr utura’ da sociedade, ao poder estatal. Todas as contradições funda ment ai s do c ap i t al i smo en vol ve m o Est ado, co mo ex pr essão nucl ear da soci edade ci vi l .

13[ 1 3 ]

O B O NAP ARTISMO CO MO UMA F O RMA DO E S TA DO B UR GU ÊS

He gel obser va e m u ma de suas obr as qu e t odos o s fat os e per sonage ns de grande i mpor t ânci a na hi st óri a do mund o ocorr e m, por assi m di zer , du as ve zes. E esqueceu -se de acrescent ar : a pri mei r a ve z co mo t ra gédi a, a se gunda co mo fars a. Caussi di èr e por Da nt on, Luí s Bl anc por Robe spi er r e, a Mont anha de 1848 -1 851 pel a Mont anha de 1793 -1 795, o sobri nho pel o t i o. E a mes ma c ar i cat ura ocor re nas ci r cunst ânci as que aco mpanha m a se gu nda edi ção do De zoi t o Br u már i o! (K arl Mar x. O 18 Bru mári o de Luí s B onapart e ) .

Mar x, em O 18 Brumá ri o de Luí s Bonapart e , anal i sa a hi s t óri a e a or gani zação de u ma det er mi nada for ma de Est ado bur guês, o B o napart i s mo, que t e m s uas ori gens e cont or n os no desen vol vi ment o do p rocesso de l ut a de cl a sses na Franç a a part i r de f e verei ro de 184 8, na Const i t ui ção bur guesa republ i cana, no gol pe de est ado de de ze mbr o de 1851 e na i mpl an t ação do II Impéri o.

O Est ado bur guês , apr esent ado co mo est and o aci ma das co nt radi ções de cl asses e co m o repr esent at i vo do conj unt o da soci edade, na r eal i dade não perde sua det ermi naçã o de cl asse, mesmo quando “a lut a de classes na França criou circunstâncias e condições que lhe possibilitaram a uma personagem medíocre e grotesca desempenhar um papel de herói.”

14[ 1 4 ]

O bo napar t i s mo é o resul t ado da i nt ensa l u t a de cl asses — ent re o prol et ari ado e as c l asses

12[12]

Idem. p. 37.

13[13]

IANNI, Octávio. Introdução. In MARX, Karl. Marx: sociologia. p. 30.

14[14]

MARX, KARL. O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, K. Marx. p. 325.

(4)

propr i et ár i as — e ent re as f rações das cl asses pr opr i et ári as, da r upt ura ent re a ar i st ocraci a e a burguesi a — republ i ca na e monar qui st a — e sua represent ação parl a ment ar.

Mar x, ao pr odu zi r o concei t o Bonapart i s mo para caract eri zar a for ma — especí f i ca e francesa — assumi da pel o Est ado burguês , o f az i nser i do no cont ext o de surgi men t o do prol et ari ado no proc esso de l ut a de cl asses — i nsurr ei ção de fe verei r o e der ro t a do prol et ari ado e m j unho de 1848 —, na pr o mu l gação d a Const i t ui çã o bur guesa r epubl i can a, que est abel e ce as bases est r ut urai s do bonapart i smo , mas que, a pós o gol pe de est a do de Bonapar t e, o sobri nho , sof r erá al t erações no sent i do de ada pt á -l a a u m go verno a ut or i t ár i o: o Se gundo I mpér i o.

A onda re vol uci onári a que at i n gi u a Europa de 1848 a 1850 e que des aguará no gol pe de est ado do 18 bru mári o de Luí s Bonapart e e no Se gund o Impér i o e na vi t ór i a mo ment â nea da cont r a -re vol ução são acont eci ment os i mp ort ant es e deci si vos para o desen vol vi me nt o do pensa ment o p ol í t i co de Mar x que, ao anal i sar o processo da l ut a de cl asses na Franç a e o surgi ment o do prol et ari ado co mo força pol í t i ca i ndependent e, formul a a necessi da de da dest rui ção do Est ado b ur guês e da e di f i cação do Est ado pr ol et ári o.

Nesse mo ment o hi st ó ri co, co meça va a apar ecer na Europa Oci dent al , ao l ado d o

‘comunismo burguês’, o chamado ‘comunismo operário’. Mas o que era afinal, o ‘comunismo operário’? O grau de desenvolvimento do capitalismo (grande indústria) na Europa Ocidental j á era sufi ci ent e para a di fusão da i deol o gi a pr ol et ár i a revol uci on ári a, i s t o é, para a di f usão, pel o prol et ar i ado, de idéi as j ust as a ser em t r abal hadas co mo mat é ri a pri ma pel os i nt el ect uai s do port e de Marx? V ej a mos al gu mas i nf or ma ções a esse respei t o, levant adas por En gel s no seu art i go sobre a Li ga do s Co muni st as: a) o cont i ng ent e cent ral da L i ga dos J ust os ( ant ecessora da Li ga dos Co muni st as), e m 1 840, se co m punha não de operári os f abr i s, e si m de al f ai at es (artesões); b) os membros ditos ‘operários’ da Liga eram então, em geral, artesões explorados por u m pequeno mest r e e e mp e nhados e m se con ver t er e m el es pr ó pri os e m peq uenos me st r es;

c) na pr ópr i a Londr es da época, ape nas co meça va a gran de i ndú st ri a de confecções; d ) esses artesões ‘(...) ainda não era proletários, no pleno sentido da palavra, mas apenas um mero apêndi ce da p equena b ur guesi a e m processo de for mação do prol et ari ado moderno, mas n ão se achava ai nda e m op osi ção di r et a à bur guesi a, i st o é, ao gran de capi t al .

15[ 1 5 ]

Mar x, anal i sando a i nt ensa l ut a de cl as ses que at i n gi u vári os paí ses eur opeus , not ada ment e a França, e a i rr upção de re vol u ções e i nsur rei ções p o pul ares, acont eci me nt os e m que par t i ci pava pesso al me nt e, apr eende, a par t i r de ensi nament o s prát i cos, que no processo revol uci onár i o e m c ur so há i nú mer as se mel hanças: no pri me i ro mo me nt o, a bur guesi a revol uci onár i a apoi a -s e no pr ol et ari ado em armas para co mb at er a reação absol ut i st a e, à medi da que o processo r evol uci onári o se r adi cal i za, sua di reção t ende a se encont r ar com l i deranças à esquerda. Mas, co m as pr i mei r as vi t ór i as de mocr át i cas cont ra o vel ho re gi me, o enfraqueci ment o do absol ut i s mo e a e m er gênci a do pr ol et ari ado co mo força po l í t i ca i ndependent e, a bur gu esi a t ende a al i ar -se co m a ar i st ocraci a, com as facções re manes cent es do re gi me ant er i or, pa r a i sol ar , desar mar e massacr ar o prol et ari ado r e vol uci oná r i o. A par t i r daí , che ga -se à co ncl usão de que, para l e var a vant e a re vol uçã o, o prol et ar i ado não pode dei xar i nt act a e se ut i li zar da máqui na do Es t ado burguês , mas si m dest r uí -l a e edi fi car em seu l ugar u ma no va má qu i na, o Est ado do prol et ar i ado, ou sej a , “uma di t adura oper ári a que, ao l i qui dar econo mi ca me nt e a bur guesi a e ao i nst aur ar o soci al i smo , cr i e condi ções para a sua própr i a ext i nção e par a a ext i nção do Est ad o e m geral ; ou sej a, a necessi dade de u ma u ni dade cont r adi t óri a ent re Es t ado e não -E st ado .”

16[ 1 6 ]

S ão dest e perí odo: As L ut as de Cl asses na França de 1848 a 185 0 (1850) e O 18 Bru m ári o de Luí s Bonap art e ( 1852).

As ref l exões dest e perí odo pode m ser si nt et i zadas na cél eb re cart a de Mar x à Weyde me yer , de 185 2:

No que me concerne, não me cabe o mér i t o de haver descobert o ne m a exi st ênci a das cl asses, ne m a l ut a ent re el as. Mui t o ant es d e mi m, hi st ori adores b urgueses j á havi a m de scri t o o desen vol vi ment o hi st óri co dessa l ut a en t r e as cl asses e ec on o mi st as bur gueses ha vi a m i ndi cado sua anat o mi a eco nô mi ca. O que eu t rouxe de novo f oi 1) de monst rar que a exi st ênci a das cl asses est á l i gada so ment e a det er mi nad as fases do desen vol vi ment o da produçã o; 2) que a l ut a de cl asses con duz, necessar i a me nt e, à di t adur a do pr ol et ari ado; 3) que essa p r ópr i a

15[15]

SAES, Décio. Do Marx de 1843-1844 ao Marx das obras históricas. In: SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. p. 72.

16[16]

Idem. Ibidem. p. 73.

(5)

di t adu ra nada mai s é do que a t r ansi ção à abol i ção de t odas as classes e a uma soci eda de se m cl asses.

17[ 1 7 ]

Mar x apr eende a co mpl exi dade e a di mensã o da l ut a de cl asses e o co mpl exo e l on go processo de af i rmaç ã o da do mi nação bur guesa sobr e as de mai s cl asses que, para afi rmar e m sua do mi naç ão e cri ar e m condi çõe s à sua h ege moni a, necessi t a m não só de se apo dera r e m e cont r ol ar e m o poder est at al , mas f unda ment al ment e ut i l i zá -l o para propi ci ar o pl eno desen vol vi ment o das for ças produt i vas e par a asse gur ar a p r edo mi nânc i a das rel ações capi t al i st as. Est a anál i se permi t e co mpree nder as i nt er -rel açõe s ent re o econômi co e o pol í t i co -j ur í di co, não co mo d oi s ní vei s est an ques e se gment ados, i s t o porque “o Di rei t o j á est á no econô mi co, mas t ambé m não est á. A s cl asses j á est ão na r el ação capi t al / t rabal ho assalariado, mas também não estão.”

18[ 1 8 ]

Nest a anál i se, o Es t ado não é apresent ad o mecani ca me nt e co mo si mpl es refl exo das d et er mi naç ões econô mi cas ou al go suspenso no ar, i ndependent e das cl a sses soci ai s, mas é s i m, r esul t ado da r el a ção di al ét i ca ent re i nf ra e super est r ut ur a.

T r adi ci onal ment e se a f i rma que o Est ado de ve ser apr esent ado a par t i r da cont r adi ção

‘de classe’ entre a burguesia e o proletariado. Esta fórmula não está errada, mas não tem ri gor. (...) O pont o de part i da d o desenvol vi ment o do Est ado não é a cont radi ção de cl asse. O pont o de par t i da do d esenvol vi ment o do Es t ado é ( ...) a cont radi ção ent re a aparênci a e a essênci a do m odo de produção ca pi t al i st a . Or a, na aparênci a , nã o há cont radi ção de c l asse.

Não há ne m mes mo cl asse. Há i dent i dade en t r e i ndi ví duos. É na s egu nda que se enco nt ra u ma rel ação de expl oração que const i t ui as cl asse s co mo opost os. Se se caract eri zar essa opo si ção co mo u ma cont radi ção , é pr eci so di zer : o Es t ado capi t al i st a (consi der ado a par t i r das f or mas) não deri va da cont r ad i ção ent re as cl asses, el e deri va da co nt radi ção (i nt erversão ) e nt re a i dent i dade e a cont r adi ção . Da cont r adi ç ão ent r e a i dent i dade e a nã o -i de nt i dade se se qui ser .

19[ 1 9 ]

O Est ado, i st o é, a organi zação da do mi naç ão pol í t i ca d e cl asse, nasce sobre o t er r eno das rel ações de produç ão e de propr i edades d adas. (...) A s uperest rut ura pol í t i ca e sobret udo a vida política oficial do Estado é um momento secundário e derivado. ‘Assim, o caminho que vai da r el ação de prod ução à rel ação j ur í di ca, ou r el ação de pro pri edade, é mai s curt o d o que se pensa a assi m c ha mada j ur i spr udênci a posi t i va, que não pod e e vi t ar um el o i nt er medi á r i o: o poder de Estado e suas normas’. A relação jurídica que se costuma colocar na superestrutura j urí di ca — el a reaparece l á — se acha no pr ó pri o ní vel da rel ação e conô mi ca.

20[ 2 0 ]

Na car act eri zação d o Est ado bur guês na Fr a nça pós -1848, Marx f a z det al hada anál i se d a Const i t ui ção fr ancesa e de suas ant i no mi as , caract er i zando -a co mo u ma reedi ção rep ubl i cana da Cart a C onst i t uci onal de 1830. Ist o por qu e as al t erações democr át i cas conqui st adas não são resul t ant es da l ut a e dos i nt eresses da burgu esi a, mas si m pro dut o da i nt ervenção pol í t i ca do prol et ari ado que aspi r ava u ma Repú bl i ca soc i al .

Na l ut a cont ra a ant i ga cl asse domi nant e, a bur guesi a não propõe a i nst auração de uma i gual dade pol í t i ca f or mal — di r ei t os pol í t i cos para t odos —, e si m a i nst auração de u ma no va desi gual da de pol í t i ca for mal , dest a ve z fa vorecendo o conj unt o das cl asses propri et ár i as ( e não mai s a penas a n ob r eza f eudal ) e desfa vo recendo o conj unt o da s cl asses t rabal hadoras .

21[ 2 1 ]

Essas a mbi güi dades s ão conseqüênci as da presença do prol et ar i ado revol uci o nár i o na l ut a de cl asses, da int er venção do ca mpe si nat o e da pequena burguesi a republ i ca na nas di sput as pol í t i co -i nst i t uci onai s, pr i nci pal me nt e a par t i r da conqui st a do sufrági o uni versal mascul i no, ass ust ando sobr e manei ra a ari st ocraci a e a grande b urguesi a. Na l ut a con t ra os privilégios aristocráticos, o elemento motivador das “classes populares, no séc ulo XIX, é o seu i gual i t ar i smo abso l ut o; quant o à b ur gues i a, el a é mo vi da si mul t anea ment e pel o desej o de dest rui ção do pr i vi l é gi o feudal e pel a i nt enção de i nst aur ar u ma no va desi gual dade pol í t i ca for mal ( ent re propri et ári os e não -propr i et ári os).”

22[ 2 2 ]

17[17]

MARX, K. Carta a Weydemeyer. In: MARX; ENGELS. Obras escolhidas. v. 3. p. 253-254.

18[18]

FAUSTO, Ruy. Marx. Lógica & Política: investigações para uma reconstituição do sentido da dialética. São Paulo : Brasiliense, 1987. 2 vol. Tomo II. p. 299.

19[19]

Idem. Ibidem. p. 293.

20[20]

Idem. p. 295-296.

21[21]

SAES, Décio. A democracia burguesa e a luta proletária. In SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. p.

165.

22[22]

Idem. Ibidem. p. 167.

(6)

A Const i t ui ção el abor ada pel os r epubl i canos bur gueses, sob a é gi d e dos acont eci ment os revol uci onár i os de fe verei ro e j unho de 1 848 e do est ado de s í t i o, assegura as l i be r dades apenas f or mal ment e, p rocl a madas co mo abso l ut as, i st o porque os mecani s mos que per m i t i r i am ou l i mi t ar i a m seu pl en o exer cí ci o são re met i dos par a fut ur as l ei s o r gâni cas.

A bur guesi a não pode se l i mi t ar a co mbat er pel a força o i gual i t aris mo sóci o -econô mi co das cl asses popul ar es; el a deve i gual ment e fazer -l hes u ma conce s são. Mas e m que con s i st e essa concessão? El a c onsi st e e m pr opor às c l asses popul ares nã o a concret i zaçã o da i gua l dade pol í t i ca f or mal ent re t odos os i ndi ví d uos. ( .. .) a burguesi a quer co nve ncer as cl asses popul ares de que o ‘povo representado no Estado’ é o meio adequado para a transformação de uma soci edade de cl asses, fundada na ex pl or ação do t r abal ho al hei o, nu ma de mocraci a sóci o - econô mi ca; e de que os di rei t os polí t i cos const i t uem a condi ç ão de sat i sf ação das suas aspi rações i gual i t ári as. ( ...) e mbora se cons t i t ua nu ma f or ma de organi zação do Est ad o ( de cl asse) bur guês, a de mocraci a bur guesa é o resul t ado defor mado de u m processo de l ut a, não correspondendo às i nt enções ne m de u m ne m de out r o dos a gent e s.

23[ 2 3 ]

Ao pr ol et ari ado, as l i berdades i ndi vi d uai s e seus di rei t os são l imi t ad os pel o apar at o pol i ci al -mi l i t ar , pel o est ado de sí t i o, sob o ar gu ment o de gar a nt i a da segurança pú bl i ca.

Assi m, as cl asses e f rações de cl asses no poder apresent a m a s ua vi ol ênci a or gani za da sob for ma est at al para ass egur ar a expl or ação c o mo sen do u ma cont ra -vi ol ênci a pre ve nt i va cont r a a vi ol ênci a r e vol uci o n ár i a prol et ár i a, mas a aparent e cont ra -vi ol ên ci a est at al é, na real i dade, a vi ol ênci a or gani zada das cl asses pr opri et ár ias.

24[ 2 4 ]

Na pr át i ca, a garant i a da pl ena ut i li zação dest a vi ol ênci a est at a l organi zada l i mi t a -se às cl asses que a organ i zara m e l hes dá vi da l ega l ao produzi r a Const i t ui ção à sua i ma ge m e semel hança , ou sej a, à i ma ge m e se mel ha nça da grande bur guesi a al i ada à ar i st ocraci a. São assegur ad os o suf rági o uni versal , a l i ber dade pesso al , de pal avra , associ ação, r euni ão, ed ucação, r el i gi osa, de i mpr ensa et c., procl a mados co mo di r ei t os absol ut os de t odo ci dadão fr ancês, só que l i mi t ad os pel os di rei t os i gua i s dos out ros e pel a segur ança públ i ca, ou sej a, pel os pr ópri os i nt er esses das cl as ses propri et ár i as, poi s cada pará gr afo d a Const i t ui ção encer r a sua pr ópri a ant í t ese , sua pr ópr i a Câ mara Al t a e Câ mar a Bai xa, i sso é l i berdade na fr ase geral , ab -r o ga ção da l i berdade na not a à ma r ge m.

Assi m, desde que o n o me da l i berdade sej a respei t ado e i mpedi d o apenas a sua r eal i zação efet i va — de acor d o co m a l ei , nat ur al m ent e —, a exi st ênci a const i t uci onal da l i ber dade per manece i nt act a, i nvi ol ada, por mai s mo rt ai s que sej am os gol pes assest ados cont r a sua exi st ênci a na vi da real .

25[ 2 5 ]

A Repúbl i ca parl a men t ar assegur ada na Con st i t ui ção col oca de um l ado o Le gi sl at i vo, uni ca mer al , for mad o pel a Asse mbl éi a L egi sl at i va Naci onal e de out ro o Execut i vo, represent ado pel o Pre si dent e. Os poderes sã o aut ôno mos e i nt erde pendent es, suas at ri bu i ções e rel ações são def i ni d as de f or ma posi t i va e não cont r adi t ór i a.

À Asse mbl éi a Le gi sl a t i va, col oca da co mo p oder absol ut o que dec i de sobr e quase t udo , é assegur ad o o p oder de af ast ar o presi dent e e est e só poderi a di ssol vê -l a i nconst i t uci onal ment e, ou sej a, cont r a a pró pr i a Const i t ui ção. A Asse mbl éi a Naci onal t em o poder de deci di r sobr e quest ões r eferent es à guerra, à pa z, aos t rat ados co mer ci ai s, co nceder ani st i a, apr o var a or ga ni zação do Mi ni st ér i o e, e m si t uação especí fi ca, at é el e ger o Pr esi dent e.

Ao Pr esi de nt e, co m o chefe do Execut i vo e co m poder es i mperi a i s, sust ent ados pel as Forças Ar ma das, cabe ri a di st ri bui r r ecursos, cargos e no me ar os funci onári os, suspen der a Guar da Naci onal , el i m i nar os consel hos ger a i s, cant onai s e muni ci pai s, el ei t os pel os ci d adãos e real i zar t r at ados co m out r os paí ses. É co m base nessas ant i no mi as que decorr e o j ogo dos poderes const i t uci onai s. Na real i dade, a Con st i t ui ção assegura po d eres efet i vos ao E xecu t i vo, concent rando -o n o Pr esi dent e. À Asse mbl éi a Naci onal é asse gura do apenas o p oder pol í t i co, ou sej a, o poder moral .

A Co nst i t ui ção republ i cana possui u m di spo si t i vo const i t uci onal q ue possi bi l i t ava s ua própr i a r e vi são, só que, para i sso, fa z -s e necessári o o apoi o da mai ori a absol ut a dos par l a ment ar es, ou sej a, de pel o me nos t r ês quar t os de seus me mbr os, e m t rês vo t ações sucessi vas , e a e xi gên ci a da par t i ci pação de pel o menos qui nhent os vot ant es.

Finalmente a Constituição, em um parágrafo melodramático, se confia ‘à vigilância e ao pat ri ot i smo de t odo o povo f r ancês e de cada ci dadão f rancês’ , depoi s de t er ant er i orment e

23[23]

Idem. p. 168.

24[24]

FAUSTO, Ruy. Marx. Lógica & Política: investigações para uma reconstituição do sentido da dialética. p. 303.

25[25]

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, K. Marx. p. 338-339.

(7)

confiado aos ‘vigilantes’ e ‘patriotas’, e em um outro parágrafo, os cuidados mais ternos são dedi cados à Al t a Cor t e de J ust i ça, a Haut e C our , expr essa ment e cri ada para i sso.

26[ 2 6 ]

Est a Const i t ui ção f oi el aborada est and o Pari s sob o est ad o de sí t i o , que é i ncorpor ado à Constituição como mecanismo de garantia da “ordem pública” e utilizada periodicamente em todos os momentos de crise como “salvaguarda da sociedade” contra a “anarquia vermelha”, enfi m, cont r a as a mea ças ao s i nt er esses das cl asses do mi nant es. “Est a era a Const i t ui ç ão de 1848, que a 2 de de ze mbr o de 1851 nã o foi der rubada por u ma ca beça, mas cai u por t er r a ao cont at o co m u m si mpl es chapéu — esse chapéu, evi dent e ment e, era u m t ri cór ni o napoleônico.”

27[ 2 7 ]

Ao a nal i sar as i nst i t ui ções que co mp õe m o Est ado bur guês na F rança, Marx aborda a quest ão da b ur ocraci a co mo decorr ent e da necessi dade de ce nt ral i zação d o poder est at al , da necessi dade de as cl asses propr i et ári as se apr opr i are m dos i nst ru ment os que l hes per mi t a m promover o entrelaçamento entre seus interesses materiais e seus interesses políticos, “onde o Est ado enf ei xa, cont r ol a, re gul a, su per i nt ende e mant é m sob t ut el a a soci edade ci vi l , desde suas mai s a mpl as ma ni f est ações de vi da at é suas vi br ações mai s i ns i gni fi cant es, desde suas for mas mai s ger ai s de co mpor t a ment o at é a vi da pri va da dos i ndi ví duos; onde, at ra vés da mai s ext raordi nár i a cent ral i zação, esse cor po de parasi t as adqui re uma ubi qüi dade , uma oni sci ênci a, u ma capa ci dade de acel erada mobi l i dade e u m a el a st i ci dade que só enco nt ra m paral el o na dependên ci a desa mpar ada, no car át er caot i cament e i nf or me do própri o c orpo soci al .

28[ 2 8 ]

Est a i mensa máqui na burocr át i ca est at al est ende seus t ent ácu l os a t oda à soci edade ci vi l , cont r ol ando desde as quest ões r el aci onadas ao co mpor t a ment o col et i vo at é a vi da pr i va da.

Esse Poder Execut i vo , co m sua i mensa or gani zação burocrát i ca e mi l i t ar, co m sua enge nhosa máqui na d o Est ado, a br an gendo a mpl as ca madas co m u m exérci t o de funci o nári os t ot al i zando mei o mi l h ão, al é m de mai s mei o mi l hão de t r opas regul ares, esse t remendo cor po de par asi t as que envo l ve m co mo u ma t ei a o cor po da soci edade francesa e sufoca t odos os seus poros.

29[ 2 9 ]

Assi m, bur ocraci a não é u m corpo ad mi ni st rat i vo neut ro, mas si m u m i nst r u ment o par a o do mí n i o da ari st ocr aci a e da bur guesi a s o br e a soci edade , co m a função for t al ecer o Poder Execut i vo, a cent ral i zação e o aut or i t ari smo . Para t al , é necessário que t odo i nt eresse co mu m [sej a] i medi at a me nt e cor t ado da soci edade, cont r apost o a el a como u m i nt er ess e supe r i or , geral , ret i r ado da at i vi dade dos própri os me mbr os da soci edade e t r ansfor ma do e m obj et o da at i vi dade do go verno, desde a pont e, o edi fí ci o da escol a e a pr opri edade co munal de u ma al dei a at é as est radas de fer r o, a ri queza na ci onal e as uni vers i da des da França. Fi nal ment e, e m sua l ut a cont ra a Re vol ução , a rep ú bl i ca parl a ment ar vi u -se f orçad a a co ns ol i dar , j unt ament e co m as me di das repr essi va s, os r ecur sos e a ce nt ral i zaç ão do p oder go ver na ment al . T odas as r evol uç ões a perfei çoaram essa máq ui na a o i n vés de dest r oçá -l a.

30[ 3 0 ]

Est e aparat o burocrát i co é aper fei çoado e a mpl i ado por Napol eão I, q ue durant e seu Impér i o o t ransforma em u m i nst r u ment o necessári o à domi n ação de cl asse da gr ande burguesi a al i ada à ari st ocraci a. Durant e a Rest auração, co m L uí s Fel i pe, co nt i nua co mo u m i nst rume nt o de poder das cl asses pr opri et ár ias, pri nci pal ment e da ari st ocr aci a fi nancei r a. Na repúbl i ca par l ament ar , de f everei ro de 184 8 at é a procl amação do prí nci pe -presi dent e Luí s Bonapar t e co mo i mpe rador , é o f ór um onde as di f er ent es cl asses e fr ações de cl asses l ut am obj et i vando apropri ar -se d o apar el ho est at al e par a cont rol a r o aparat o bur ocr á t i co, col ocando -o a seu ser vi ço, na concret i zaçã o de seus i nt er esses excl usi vos . So ment e co m o gol pe de est ado, a i mp osi ção de um re gi me di t at ori al e a procl amaç ão do II Impéri o, o Es t ado e sua organi zação b ur ocr át i ca são consol i dados de t al f orma que o exer cí ci o do poder i ndepende de que m se encont ra em exer cí ci o no Execut i vo , se o chefe da Soci edade de 10 de De ze mbro ou out ro qu al q uer. É nest e cont ex t o de super di mensi ona ment o do Est ado que r egul a e cont r ol a a soci edad e que sur ge o bona p ar t i smo , enquant o u m a for ma de or gani zaç ão do Est ado bur guês .

26[26]

Idem. Ibidem. p. 340-341.

27[27]

Idem. p. 341.

28[28]

Idem. p 357-358.

29[29]

Idem. p. 395.

30[30]

Idem. p. 396.

(8)

O deno mi nado bona pa r t i smo , enquant o u m r egi me aut ori t ári o, con f or me o anal i sado por Ma rx em O 18 Br u mári o de Luí s Bo na part e , cor r esponde a u ma det er mi nada fo r ma de exercí ci o do poder, e m u m per í odo de l i mi t ado hi st ori ca me nt e ent re doi s i mpo rt ant es mo me nt os: o pr i mei ro é i ni ci ado em f e verei ro de 1848, quando é produ zi do u m va zi o p ol í t i co e m c onseqüênci a da i nt ervenção i ndepe nde nt e do prol et ar i ado e da di vi são rei nant e ent r e as di ver sas f acç ões das cl asses pr opri et ár i as e nenhu ma cl asse ou fr ação de cl asse con segue i mpor -se co mo do mi nant e, quan do a i nt ensi f i cação da l ut a de cl asses col oca as c l asses propr i et ár i as cont ra sua r epresent ação par l a ment ar e provo ca o gol pe de est ado e m 2 de deze mbr o de 18 51; o se gundo é i ni ci ado co m a der r ot a da Fra nça no Méxi co , a per da da Al sáci a e da Lorena p ara a Al e manha, a der r ot a mi l i t ar para a Prú ssi a, a queda do II I m pér i o e m 187 0 e a Co muna d e Pari s de 18 71.

O bonapar t i s mo é o r esul t ado do i mp asse decor rent e das cont radi ções e do aprofunda ment o da l u t a de cl asses, quan do as cont radi ções ent r e as cl asses e fr açõe s de cl asses que const i t uem o bl oco de poder p r oduze m prof unda cri se pol í t i co -i nst i t uci on al que poderia favorecer as classes e frações de classes revolucionárias. “A burguesia francesa se achava atemorizada diante do aparecimento do proletariado como força política.”

31[ 3 1 ]

É a sol ução bur guesa, con t r a -re vol uci onár i a, ant e a perspect i va da Re vol uçã o soci al , repr es ent ada pel o pr ol et ari ado.

O Bonapar t i s mo é a f or ma necessári a do E st ado nu m paí s e m q ue a cl asse operári a, ai nda que t endo al can çado u m al t o ní vel de desen vol vi ment o nas c i dades, mas nu meri ca me nt e i nfer i or aos ca mp ones es que se acha m no c a mpo, t enha si do ven ci da e m u m grande co mbat e revol uci onár i o pel a cl asse dos capi t al i st as, a pequena b ur guesi a e o exérci t o.

32[ 3 2 ]

No mo ment o e m que o poder e os i nt eresses pol í t i cos de cl asse da burguesi a ent r a m e m cont r adi ção co m seus negóci os pr i vados, co m seus i nt eresses de garant i a de l ucr o e de a mpl i ação da acu mul ação de capi t al , el a exi ge or de m, at ri bui a responsabi l i dade po r suas dificuldades à “anarquia” que toma conta da sociedade em conseqüência das di sputas entre o Parl a ment o e o Execut i vo, conde na seus represent ant es par l ament ar es e cl ama por u m go verno fort e, col ocado co mo sol ução à a meaça de desi nt egr açã o soci al , ou sej a, a seus i nt er esses part i cul ar i st as de acumul ação de capi t al , de ri quezas .

“Diante das crises de direção, muito freqüentes na sociedade burguesa, o homem forte, sej a pel a sua fi gur a, sej a pel as al i anças que si mbol i za, co nfere a mui t os a i l usão de que o poder está acima de todos, exercido em benefício de todos”

33[ 3 3 ]

, de que o Est a do é desvi nc ul ado dos i nt e r esses de cl asse, de u m o u out r o se gme nt o das cl asses do mi na nt es.

Assi m, é cr i ada a i l usão de que t odo o aparat o est at al col oca -se ac i ma da di vi são da soci edade em classes sociais antagônicas, como estando “solto no ar”. Portanto, p or mais que Bonaparte, o sobr i nho, se apresen t e co mo r epresent ant e de t oda a soci edade faça concessões secund ár i as e i nsi gni f i cant es às classes e camadas expl o radas, procurando apresent ar -se co mo o ben f ei t or pat ri ar cal de t odas as cl asses

34[ 3 4 ]

, na r eal i dad e, confor me o de m onst rado por t odas as suas ações, el e se vi ncul a e se col oca a ser vi ç o dos i nt er esses e ob j eti vos de u ma det er mi nada cl asse ou f acções de cl asse, afi nal , na soci edade de cl asses, não é possí vel fa zer conces sões e dar a u ma cl asse se m a nt es r et i rar de out r a.

O bonapart i s mo é u ma for ma es peci f i ca que assu me m o go verno e o Est ado bur guês, e m condi ções det er mi nad as pel a l ut a de cl asses quando nenhu ma cl asse ou fração de cl asse consegue impor sua dominação e há um vazio político, que “envolve o predomínio do Execut i vo sobr e o l egi sl at i vo e o j udi ci ári o; uma espéci e de d i t adura ou semi di t adu r a da burguesi a, exer ci da p or mei o de al i ados de out r as cl asses ou set or es de cl asses, co mo pol í t i cos, mi l i t ar es, i nt el ect uai s, cl ero e outr os; um po der bur gu ês que se exer ce por me i o de u ma poderosa e nu me rosa bur ocraci a públ i ca ci vi l e mi l i t ar, pr i vi l egi ando o Est ado ant es de qual quer coi sa, de t al manei r a que el e par eça sol t o no ar, aci m a de t odos; u ma for ma de

31[31]

IANNI, Octávio. Introdução. In MARX, Karl. Marx: sociologia. p. 35.

32[32]

ENGELS, F. citado por Maximilien Rubel. Karl Marx devant le bonapartisme, Mouton & Co., Paris, 1960, p. 117. Apud:

IANNI, Octávio. O bonapartismo. In IANNI, O. Dialética & Capitalismo: ensaios sobre o pensamento de Marx. p. 79-80.

33[33]

IANNI, Octávio. O bonapartismo. In: IANNI, Octávio. Dialética & Capitalismo: ensaios sobre o pensamento de Marx.

p. 85.

34[34]

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, K. Marx. p. 403.

(9)

Est ado que r esponde à s conj unt uras crít i cas mai s ou menos i nerent es e crôni cas da soci edade burguesa; u ma sol ução aut or i t ári a, e m f ace d e conj unt ur as de cr i se de he ge moni a.

35[ 3 5 ]

As car act erí st i cas bási cas do bonapar t i s mo e seu cont eúdo de cl asse são del i neados pel as i dées napol éon i ennes : a pr i mei ra i dée napol éoni enn e r efere -se às co ndi çõe s de exi st ênci a do ca mpesi nat o: Bonapar t e, o so br i nho, di zendo -se re present ant e da super st i ção e do pr econcei t o do camponês ape gad o à pequena propri edade da t err a, cri a as condi ções mat eri ai s de favoreci ment o à gr a nde pr opr i edade e o l eva à escravi zação, à pauper i zação , enfi m, a r uí na , à s ubs t i t ui ção do senhor f eu dal pel o capi t al i st a us ur ári o, a hi pot eca oc u pa o l ugar d o i mpo st o fe udal , o bur guê s capi t al i st a o expl ora e m subst i t ui ção a ari st ocr aci a nobiliárquica. “A peq uena propriedade do camponês é agora o único pretexto que permite ao capi t al i st a ret i r ar l ucros, j ur os e renda do sol o, ao mes mo t e mp o e m que dei xa ao pr ópr i o lavrador o cuidado de obter o próprio salário como puder.”

36[ 3 6 ]

Assi m,

“a pequena propriedade, nesse escravizamento ao capital a que seu desenvolvimento i nevi t a vel me nt e cond uz, t r ansfor mou a ma ssa da nação f rances a e m t ro gl odi t as. De zessei s mi l h ões de ca mp onese s ( i ncl usi ve mul her es e cr i anças) vi ve m e m ant ros, a mai ori a dos quai s só di spõe de u ma ab ert ura, out ros apenas duas ou os mai s fa vor eci dos apenas t rês.( ...) A orde m bur guesa(.. .) t ornou -se u m va mpi r o q ue suga seu san gue e sua me dul a, at i rando -a no cal dei r ão do capi t al al qui mi st a. O Code Nap ol éon j á não é mai s do que u m có di go de arr est os, ven d as f or çadas e l ei l ões obr i gat óri os.( ...) Os i nt eresses dos ca mponeses, port ant o, j á não est ão mai s, co mo n o t e mpo de Na pol eão [ o t i o] , e m consonânci a, mas si m e m o posi ção co m os interesses da burguesia, do capital”.

37[ 3 7 ]

A se gunda i dée na pol éoni enne di z r esp ei t o à superação da al i ança do ca mpesi nat o co m frações das cl asses pr opri et ári as. Encont r an do -se, no mo me nt o, e m oposi ção à bur gues i a, ao capitalista, “os camponeses encontram seu aliado e dirigente natural no proletariado urbano, cuj a t ar efa é der rubar o re gi me bur guês .”

38[ 3 8 ]

Nest a i dent i dad e co m o prol et ari ado , o ca mpesi nat o po bre vê -se na cont i n gênci a de enfrent ar o re gi me bona part i st a, o gover n o di t at or i al , a máqui na b urocrát i ca, ci vi l e mi l i t ar , a ser vi ço dos ca pi t al i st as.

A t er cei ra i dée napol éon i enne est á rel aci onada ao aparat o bu rocrát i co do Est ado burguês, cuj a ampl i a ção e manut enção s obr ecarrega m os ca mponeses co m os i mp ost os necessár i os à cont i nui dade da máqui na buro cr át i co -r epressi va sub met i da ao Poder Exec ut i vo:

exérci t o, padr es, func i onal i smo ad mi ni st r at i vo, ar i st ocraci a da c or t e et c. “Go ver n o f o r t e e i mpost os f or t es são coi sas i dênt i cas.( ...) U ma das suas pri mei r as operações fi nanc ei ras, portanto, foi elevar os salários dos funcionários ao nível anterior e criar novas sinecuras.”

39[ 3 9 ]

A quart a i dée napol é oni enne é o do mí ni o i deol ó gi co at ra vés d a rel i gi osi dade e dos padres co mo i nst ru ment o de go ver no . A burguesi a fr ancesa, marcada ment e vol t a i ri ana, esgot ada a capaci da de de do mi nação i deol ógi ca do l i beral i smo e t emer osa frent e ao prol et ari a do soci al i sta e comuni st a, r eco mpõe -se co m a Igrej a, co m o V at i cano, co m o obj et i vo de r eforçar seu do mí ni o — mat er i al e espi r i t ual — sobre as cl asses t rabal hador as, pri nci pal me nt e ut i l i za ndo -se da fort e i nf l uê nci a dos curas so bre o ca mpesi nat o.

Mas e m s ua har moni a co m a s oci edade, e m sua dependên ci a das forças nat ur ai s e e m sua sub mi ssã o à aut or i dade que a pr ot e gi a de ci ma, a pe quena pr opri edade recé m -cri ad a era nat ur al ment e rel i gi osa , a pequena propr i eda de arr ui nada pel as dí vi das em fr anca di ver gênci a co m a soci edade e co m a aut ori dade é impel i da para al é m de suas l i mi t ações t or na -s e nat ur al ment e i r rel i gi o sa. O céu er a u m acr é sci mo bast ant e a gradá vel à est rei t a fai xa de t er r a recé m-a dqui r i da, t ant o mai s quant o del e dependi a m as co ndi ç ões met eorol ó gi cas; mas se con ver t e e m i nsul t o assi m que se t ent a i mpi ngi -l o co mo subst i t ut o da pequena propri edade. O padre apar ece ent ão c o mo mero mast i m u n gi d o da pol í ci a t er rena.

40[ 4 0 ]

A qui nt a i dée napol éo ni enne é o point d’honneur das cl asses propr i et ári as, f unda ment al à manut enção da prop ri edade pr i vada dos mei os de pr o dução, d os pr i vi l é gi os de cl asse, d a expl oração da gran de mai ori a da Naçã o po r uma mi nori a de cap i t al i st as, enf i m, do pr ópri o

35[35]

IANNI, Octávio. O bonapartismo. In IANNI, Octávio. Dialética & Capitalismo: ensaios sobre o pensamento de Marx. p.

87.

36[36]

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, K. Marx. p. 399.

37[37]

Idem. Ibidem. p. 400.

38[38]

Idem. p. 400.

39[39]

Idem. p. 400.

40[40]

Idem. p. 400-401.

(10)

Est ado bur guês e de afi r mação da do mi naç ão capi t al i st a: o Exér ci t o que, para o s peq uenos ca mponeses ,

“eram eles próprios transformados em heróis, defendendo suas novas propriedades cont r a o mund o ext eri or, gl or i fi cando s ua naci onal i dade recé m -adqui r i da, pi l han do e revol uci ona ndo o mu n do. A far da era seu mant o de poder ; a guer ra a sua poesi a; a peq uena propr i edade, a mpl i ada e al ar gada na i ma gi n a ção, a sua pát ri a e o p at ri ot i smo, a for ma i d eal do sent i me nt o da propri e dade. Mas os i ni mi gos cont ra os quai s o ca mponês francês t e m a go r a que defender sua propr i eda de(...) são os [ofi ci ai s de j ust i ça] e os agent e s do f i sco.

41[ 4 1 ]

A sext a i dée nap ol éon i enne é u ma i déi a bás i ca e funda ment al par a a caract er i zaçã o do regi me bonapart i st a, n ão se vi nc ul a às pret ensões apar ent es de Bo napart e, o sobr i nho, m as si m aos i nt eresses de cl a sse que, na rea l i dade, o bona par t i s mo exp ressa: o favoreci ment o aos i nt er esses da bur gue si a sai nt -si mo ni ana, vi ncul ada à expa nsã o capi t al i st a — i nd ust ri al fi nancei r a e co merci al —, per mi t i ndo à Fran ça gra nde desen vol vi ment o econô mi c o.

Out r a i mport ant e i dée napol éoni enne que c aract er i za o bonapart i s mo: seu chefe é o chefe da Soci edade de 10 de Dezembr o , é o chefe do Lu mpe mprol et ar i ado que, ao p ossi bi l i t ar o desen vol vi ment o do co mérci o e da i ndúst ri a, fa vorece a especul a ção. Bon apart e, o so bri nho , procurando apr esent ar -se co mo “ o benfei t or” de t odas as cl asses ,

Gost ar i a de roubar a Fr ança i nt ei ra a f i m d e poder ent r egá -l a de present e à Fr ança, ou mel hor , a f i m de p ode r co mprar no va ment e a França co m di nhei r o fr ancês, poi s, c o mo chef e da Soci edade de 10 d e De ze mbro, t e m que co mpr ar o q ue de vi a pert encer -l he. E t od as as i nst i t ui ções do Est ado, o Senado, o Consel h o de Est ado, o Legi sl at i vo, a Le gi ão de Hon r a, as medal has dos sol dad os , os banhei r os p úbl i co s, os ser vi ços de ut i l i dade públ i ca, as est ra das de ferro, o ét at - maj or da Guarda Naci onal com a exceção das praças, e as propriedades confi scadas à Casa de Or l éans — t u do se t or na par t e da i nst i t ui ção do su borno. T odo pos t o do exérci t o ou na máqui n a do Est ado co n vert e -se e m mei o de s uborn o. Mas a caract erí st i ca mai s i mpor t ant e desse pro cesso, pel o qual a França é t o mada para que l he possa ser ent r egue no va ment e, são as p orcent agens que vão t er aos bol sos do c hefe e dos me mbros da Soci e dade de 10 de De ze mbro d u rant e a t r ansação.

42[ 4 2 ]

O bonapart i s mo , enqu ant o u ma f or ma desp ót i ca de go verno , u m regi me di t at ori al , é part e i nt egrant e da c ont r a -re vol ução i nt er n aci onal . É a sí nt ese, a vocação e a rel i gi ã o da burguesi a.

Mar x que vi nha el abor ando sua conce pção de Est ado j á a pa rt i r de suas pri mei r as obras e de sua i nserção n o mo vi ment o de mocr át i co — i ni ci al me nt e bur guês e p ost er i or ment e prol et ári o — que a gi t a va a Europa , t r a va con heci ment o co m as t eor i as de ent ão.

A sua co mpree nsão no va el e a el ab orou à me di da que d esenvol vi a os t rês nú cl eos pri nci pai s e combi na d os da sua at i vi dade: a ) a cr í t i ca da di al ét i ca hegel i ana, do soci al i smo ut ópi co e da econo mi a pol í t i ca cl ássi ca; b) a anál i se do capi t al i s mo; c) a part i ci pação pr át i co - crí t i ca nas l ut as pol í t icas do pr ol et ar i ado.(...) Nesse pr ocesso crí t ico, for mul a a chave d a sua concepção, quando di z que o Est ado pr eci s a ser co mpreendi do, s i mul t anea ment e, co mo u ma

‘colossal superestrutura’ do regime capitalista e como o ‘poder organizado de uma classe’

soci al e m sua r el ação co m as out r as.

43[ 4 3 ]

Est e t r abal ho de el abor ação i nt el ect ual será co mpl e ment ad o a part i r da pr i mei r a experi ênci a de revol ução pr ol et ári a — a Comuna de Pari s de 1871 —, que mes mo sobrevi ve ndo a penas doi s meses , é ri ca e m ensi na ment os sobr e o t i po de Est ad o a ser produ zi do pel o poder pr ol et ár i o e m subst i t ui çã o ao Est ado bur guês .

ENSI NAM EN TO D A COMU NA:

DIT AD UR A DO P RO LET A RIA DO E EX TI NÇ ÃO DO E ST ADO

“O Estado, por conseguinte, não existiu sempre. Houve sociedades que passaram sem el e e que não t i nham a men or noção de Est ado ne m de poder go v erna ment al . A cer t o gr au do desen vol vi ment o eco n ô mi co, i mpl i cando ne cessari ame nt e na di vi são da soci edade e m cl asses, o Est ado t ornou -se u ma n ecessi dade, e m cons eqüênci a des sa di vi são. Present e ment e, marcha mos a passos l ar gos par a t al desenvol vi ment o da produç ão que a exi st ê nci a dessas cl asses não só dei xou de ser uma necessi dad e, co mo se t orna mes mo u m obst ácul o à pro dução.

41[41]

Idem. 401.

42[42]

Idem. p. 403.

43[43]

IANNI, Octávio. Introdução. In: MARX, K. Marx: sociologia. p 30-31.

(11)

As cl asses desaparecer ão t ão i nel ut avel ment e como aparecera m. A o mes mo t e mp o e m q ue as cl asses desaparecerão i nevi t a vel me nt e o Est ado. A soci edade reorga ni zan do a produção sobr e a base da ass oci ação l i vre e i gual de t odos os produt ores, en vi ar á a máq ui na go ver n a ment al para o l u gar q ue l he c on vé m: o museu de an t i gui dades, ao l ado da r oda de f i ar e do mac hado de br on ze. ( F. E n gel s. A ori gem da f a mí l i a, d a pr opri edade pri vada e do Est a do .)

Anal i sando a e xperi ên ci a da Co muna de Par i s, a for ma ass u mi da pel o poder prol et ár i o dest aca a or gani zação de u m t i po no vo de de mocraci a, qual i t at i va ment e di f er ent e da bur guesa , pri nci pal me nt e nos se gui nt es aspect os: ar m a ment o popul ar ger al e m subst i t ui ção à pol í ci a a aos exérci t os permane nt es, or gani zação das at i vi dades burocrát i cas sob responsabi l i dade dos col et i vos de t r abal had or es e mor a dor es, el ei ção para t odos os car gos públ i cos, fi m do po l í t i co profi ssi onal — os represe nt ant es el ei t os cont i nuava m seus t rabal hos pr ofi ssi onais —, est abel ecendo -se o ma ndat o i mper at i vo, o u sej a, o mandat o poder i a ser revo gad o a qua l quer mo me nt o, desde que o el ei t o não cor respondesse à vo nt ade de se us el ei t ores, i nst i t ui ção dos t ri bunai s popu l ares, el i mi nação da separaçã o ent re Execut i vo e Legi sl at i vo e or gani zaç ão de u m ór gão repr esent at i vo úni co.

A exper i ênci a re vol uci onár i a pr ol et ár i a, suas i ndi cações prát i cas e as refl exões de Mar x per mi t e m co mpr eende r que a efet i vação e a ampl i ação dos m ecan i smos pol í t i cos, econô mi c os e soci ai s r eal me nt e de mocrát i cos só são p os sí vei s co m a supressã o das rel ações e est r u t ur as j urí di co -pol í t i cas, bur ocrát i cas e mi l i t ar es burguesas e co m u m no vo t i po de Est ado — a di t adura do pr ol et ari ado —, que cri a as co nd i ções mat eri ai s à e l i mi nação da soci eda de de cl asses e à edi f i cação da soci edade co muni st a.

Os t rabal hos pol í t i cos mai s i mpor t ant es ne st e per í odo são A gu erra ci vi l na França (1871) e Crí t i ca ao P rograma de Got ha ( 1 875).

44[ 4 4 ]

En gel s, a pa rt i r de not as dei xadas por Marx, redi ge e publ i c a, e m 1884, A ori ge m da f amí l i a, d a propri edade pri vada e do E st ado , consi der ada co mo u ma das obr as cl ássi cas d o pensa ment o marxi st a sobre o Est ado .

A di vi são da soci edad e em cl asses soci ai s ant agô ni cas e o Est ado são fenô men os soci ai s hi st óri cos car act erí st icos de det er mi nado per í odo do desen vol vi me nt o da hu mani dad e. O Est ado ne m se mpre ex i st i u, el e é uma conse qüênci a do desen vol vi ment o das for ças prod ut i vas, do cr esci ment o da p o pul ação, do sedent ar i s mo e da desa gre gação da s oci edade gent í l i ca, da produção de u m vol u me crescent e de ex cedent es e da di vi sã o soci al do t rabal ho, do surgi ment o da propri edade pri vada e da ci são da soci edade em c l asses, da separação ent r e produt or e consu mi do r, enfi m, da se gment a ção da soci edade e do surgi ment o de i nst i t u i ções vol t adas à opressão de parcel a cr escent e da p opul ação, que é escra vi zada.

O Est ado não é, poi s, de mo do al gu m, u m p oder que se i mpôs à s oci edade de f or a par a dentro; tão pouco é ‘a realidade da idéia moral’, ou ‘a imagem e a rea lidade da razão’, como afi rma He gel . É a nt es u m pro dut o da soci eda de, quand o est a che ga a u m det er mi na do gr a u de desen vol vi ment o; é a conf i ssão de que essa soci edade s e enredou nu ma i rr e medi ável cont r adi ção consi go mes ma e est á di vi di da por ant a goni s mos i r reconci l i ávei s que não conse gue co nj ur ar. Mas par a que esses a nt a goni s mos, essas cl asses co m i nt eresses econ ô mi c os col i dent es não se devor e m e não consu ma m a soci edade numa l ut a est ér i l , t orna -se nec essár i o u m po der col ocado ap arent e ment e por ci ma da soci e dade, c ha ma do a a mort ecer o cho que e mant ê -l o dent r o dos l i mi t es da ‘ orde m’ . Es t e poder , nasci do da soci edade, mas p ost o aci ma del a e di st anci ando -se cada ve z mai s, é o Es t ado.

45[ 4 5 ]

No perí odo ant eri or, na soci edade gent í l i ca, não ha vi a di vi são e m cl asses, não e xi st i a Est ado. Não ha vi a ó rgãos especi ai s de re pressão, de vi ol ênci a or gani zada e si st e mát i ca, vol t ados par a a su b mi s são e a expl or ação da mai or i a da po pul ação.

A anál i se marxi st a do Est ado part e do pr essupost o de que na so ci edade, após o sur gi ment o da propr i edade pri vad a dos mei os de pr odu ção, é pr odu zi da a su a di vi são e m cl asses s oci ai s ant agô ni cas, a cont radi ção ent r e o desen vol vi ment o das forças produt i vas e as rel aç ões de produção, ent r e i nf ra -est r ut ura e super est r ut ur a, enfi m, ent re a ap a rênci a e a essênci a do modo de pr odução.

No ca pi t al i smo, n o funda me nt al est ão d e u m l ado os propri et á ri os dos mei os de pro dução, a cl asse bur guesa ca pi t al i st a, que l ut a pel a manut enção da pro pri edade pri vada e d e seu s pri vi l é gi os de cl asse e de out r o os propri et ár i os apenas da sua f orça de t rabalho, da

44[44]

O Capital, considerada uma das mais importantes obras de Marx, tem seu primeiro volume publicado em 1867 e os dois outros, organizados por Engels a partir dos manuscritos deixados por Marx, são publicados em 1885 (2° volume) e 1895 (3°

volume).

45[45]

ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo : Global, 1984. p. 227.

Referências

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