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Atual migração africana para o Brasil e direitos humanos

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

FRANCISCO JACY LUZ NETO

ATUAL MIGRAÇÃO AFRICANA PARA O BRASIL E DIREITOS HUMANOS

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FRANCISCO JACY LUZ NETO

ATUAL MIGRAÇÃO AFRICANA PARA O BRASIL E DIREITOS HUMANOS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Newton

Albuquerque.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

L979a Luz Neto, Francisco Jacy.

Atual migração africana para o Brasil e direitos humanos / Francisco Jacy Luz Neto. – 2015. 60 f. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Área de Concentração: Direitos Humanos.

Orientação: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque.

1. Migração - África. 2. Direitos humanos. 3. Imigrantes. I. Albuquerque, Newton de Menezes (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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FRANCISCO JACY LUZ NETO

ATUAL MIGRAÇÃO AFRICANA PARA O BRASIL E DIREITOS HUMANOS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Newton

Albuquerque.

Aprovada em ____/____/______.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Prof. Dr. Newton Albuquerque. (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________________

Mestranda Julianne Melo dos Santos

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________________

Mestrando Isaac Rodrigues Cunha

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Ao Mestre Jesus,

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AGRADECIMENTOS

Agradeço principalmente e insuficientemente a irmã Eleia Scariot, missionária do mundo, que me faz entender que a sociedade e o coração devem ser libertados em conjunto.

A toda família muito amada.

Pelo risco mnêmico de elencá-los, aos amigos digo que os amo todos.

Aos imigrantes e irmãos africanos de Fortaleza.

À Pastoral dos Migrantes.

Ao Prof. Dr. Newton Albuquerque, pela atenção e orientação.

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RESUMO

O escopo deste trabalho é abordar a atual migração africana para o Brasil e relacioná-la com a positivação e efetividade dos direito humanos no âmbito internacional e no corpo jurídico brasileiro, em especial no que concerne à política migratória, bem como apontar as causas diretas da migração africana na atual globalização, quais guerras, perseguições, subdesenvolvimento, necessidades de trabalho e formação acadêmica. É também escopo tratar das consequências do colonialismo e da escravidão dos séculos XV ao XIX para o racismo histórico e para o tratamento dado aos atuais imigrantes africanos em terras brasileiras. A metodologia usada foi a de pesquisa bibliográfica e documental. O resultado do trabalho ensejou uma visão mais abrangente e realística da migração africana ao Brasil, que cresce, revela violações e, ao mesmo tempo, oportuniza, por meio de militância e esforços, a construção do progresso, pautado nos direitos humanos, das políticas migratórias brasileiras, de modo a servir de exemplo aos demais países do mundo.

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ABSTRACT

The purpose of this study is to discuss the current African migration to Brazil and relate it to the affirmations and effectiveness of human rights internationally and in the Brazilian legal body, especially with regard to the migration policy, as well as to identify the direct causes of African migration in the current globalization, such as wars, persecutions, underdevelopment, labor needs and academic training. It is also scope to address the consequences of colonialism and slavery, between the XV and XIX centuries, to the historical racism and to the treatment received by African immigrants in the Brazilian territory. The methodology used was bibliographical and documentary research. The result of this paper gave rise to a more comprehensive and realistic view of the African migration to Brazil, which still grows. Also, reveals violations and, at the same time, through social struggles, favors the Brazilian progress, based on human rights, in its immigration policies as an example to be given to the rest of the world.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 1

2 GLOBALIZAÇÃO, ÁFRICA E BRASIL ... 4

2.1 Globalização e Migração Africana ... 4

2.2 Relação entre os Povos, Racismo e Políticas Públicas ... 10

3 DIREITO INTERNACIONAL E CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 18

3.1 Soberania, direitos humanos e migrações internacionais ... 18

3.2 Internacionalização dos direitos humanos ... 24

4 VIOLAÇÕES NA ATUAL MIGRAÇÃO AFRICANA AO BRASIL ... 34

4.1 Migração e trabalho: entrada e exploração de africanos no Brasil atual .. 34

4.2 Violência contra africanos ... 38

4.3 A política migratória brasileira – refúgio, anistia e projeto de lei. ... 42

5 CONCLUSÃO ... 49

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1 INTRODUÇÃO

As grandes migrações, como a diáspora africana forçada entre os séculos XV e XIX e a migração europeia durante o século XIX e começo do XX, são relevantes para a compreensão da trajetória do capitalismo mundial. Por sua vez, o refúgio e a migração econômica contemporâneos evidenciam deletérias desigualdades e difundidas mazelas no orbe terrestre.

Nesse contexto, na medida em que as regiões de economia Central, em especial a Europa Ocidental, cerram mais intensamente as fronteiras e os problemas socioeconômicos e políticos na África se agravam, crescem as migrações destes povos aos países emergentes.

Dentre estes, destaca-se o Brasil, que nos últimos anos marcou-se por relativa estabilidade política e econômica, com progresso no combate à fome e à miséria e com aumento de acesso e de estrutura quantitativa do ensino, em especial o superior, fatores atrativos da migração.

A par disso, este trabalho se justifica pela demanda cada vez mais premente por proteção dos direitos humanos aos migrantes africanos no Brasil, tendo em vista o aumento no território brasileiro de africanos desempregados, escravizados pelo trabalho, vítimas de racismo e violência física, e de estudantes com dificuldades de apoio.

Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses serão analisadas através de pesquisa bibliográfica e documental. No que se refere à tipologia da pesquisa será esta pura, segundo a utilização dos resultados, cujo norte é o intuito de aumentar o conhecimento, sem alteração da realidade. Conforme a abordagem, será quantitativa, insculpida na pesquisa de fatos e dados objetivos, assim como qualitativa, com a observação intensiva de determinados fenômenos sociais.

Quantos aos objetivos, a pesquisa será exploratória, definindo objetivos e buscando mais informações sobre o tema em análise, bem como descritiva, descrevendo fatos, natureza, causas, relações e características da atual migração africana para o Brasil e sua relação com os direitos humanos.

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repercussão para o racismo do Brasil, nas instituições estatais e nos padrões sociais, até os dias hodiernos, em que pese os avanços do combate ao mesmo.

Ademais, serão apontadas políticas brasileiras em relação aos países africanos no decorrer do século XX, citando os acordos de cooperação acadêmica, assim como a extensão dos problemas raciais aos atuais imigrantes africanos no Brasil.

No segundo capítulo, será avaliada a questão da soberania dos Estados frente aos direitos humanos dos imigrantes, com destaque a efetividades dos direitos humanos internacionais no tratamento dos imigrantes, sobretudo irregulares, nos países comprometidos com tratados de amparo à dignidade humana.

Ainda, analisar-se-á os efeitos da internacionalização dos direitos humanos no corpo jurídico brasileiro por meio de sua Carta Magna, bem como suas implicações no amparo aos imigrantes e as necessidades de avanços jurídicos na temática.

No terceiro capítulo, será abordada a entrada de imigrantes africanos no espaço brasileiro através das fronteiras terrestres do norte do país, indicando o distanciamento do estado brasileiro para com este crescente fluxo, e o reflexo disso na vulnerabilidade e no trabalho escravo deste grupo, seja em empregos formais ou não.

Além disso, serão analisadas a política do refúgio, dando destaque aos imigrantes econômicos irregulares que recorrem a tal solicitação; a política eventual de anistia dos imigrantes irregulares, apontando sua importância e suas falhas; e a necessidade de reformulação dessas políticas e da lei pertinente ao imigrante, Estatuto do Estrangeiro, ressaltando os progressos presentes no Anteprojeto da Lei do Migrante.

Cabe dizer que este trabalho terá mais foco nos imigrantes africanos subsaariana, conquanto por vezes, mesmo não especificando, o estudo englobe os do Norte da África. Tal foco se justifica nas fontes de pesquisas disponíveis e no estímulo do contato frequente com subsaarianos na militância da migração, em especial na Pastoral dos Migrantes de Fortaleza.

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Partimos da ideia de que os atuais modos de produção, sistema econômico mundial e liberalismo compõem as causas do deslocamento espacial humano. Contudo, não caberá a este trabalho se aprofundar nas mesmas, ater-se a discussão sobre os graus de liberdade e coerção nos fluxos migratórios nem tratar das correntes de estudo da migração.

Também não caberá aqui o estudo dos direitos humanos no que se refere a sua formação histórica, ou a reflexão sobre sua banalização e instrumentalização de opressão no capitalismo. Abordamos os direitos humanos, assim como o termo dignidade humana, no aspecto de instrumentos práticos para proteção e melhoria da qualidade de vida, no que é possível no sistema econômico vigente, de indivíduos e coletividades, bem como suas positivações internacionais e nacionais.

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2 GLOBALIZAÇÃO, ÁFRICA E BRASIL 2.1 Globalização e Migração Africana

Os atuais fatores diretos que impulsionam a mobilidade na África Subsaariana são o crescimento demográfico, com alta taxa de natalidade (38 por 1000) e a população mais jovem do planeta, sendo 45% com menos de 15 anos e 3% com mais de 65 anos; a pobreza, 34 dos 49 países menos desenvolvidos são subsaarianos, com proporções de precariedade aumentando; o esgotamento dos recursos naturais, com fortes secas, desertificações, desmatamentos, baixa produção agrícola, escassez de água e crescente urbanização; os conflitos, várias guerras civis nas últimas décadas, como em Ruanda, Burundi, Uganda, Libéria, Serra Leoa, Somália, Guiné-Bissau, Congo-Brazzaville, RD Congo, Sudão, Costa do Marfim, Mali, África Central, entre outros.

Los 400 millones de pobres africanos, o sea la mitad de la población del África Subsahariana, seguirán siendo candidatos potenciales a la emigración hacia Europa, por haber perdido económica y socialmente la década de los 80 y 90, y sin tener claras perspectivas en la de los 2000, por la persistencia e incluso el empeoramiento de los factores arriba diagnosticados. Las responsabilidades de la persistencia de esta situación son internas y externas. (KABUNDA, 2015, p.40).

Há que falar também dos estados despóticos ou profundamente corruptos cujas políticas não estão voltadas para o desenvolvimento social, sendo característicos muitos deles agirem com estímulo ou indiferença ante a migração de suas populações, não esclarecendo a respeito de desilusões e riscos - morte em travessias, prostituição, perseguição policial - na mobilidade às regiões receptoras como a Europa, as vezes incentivando tal deslocamento.

A razão dessa postura está na pressão de envio de capital europeu em tese destinado ao auxílio do desenvolvimento local, dinheiro dos ricos dos países ricos aos ricos dos países pobres, alimentando o clientelismo e a corrupção de elites africanas. Ademais, enseja a saída de segmentos mais críticos aos descasos estatais. O retorno e a situação dos migrantes são tratados com desprezo pelas embaixadas e políticas de certos países africanos.

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definir una política de reinserción económica y social o de recuperación de este capital humano que son los inmigrantes. En consecuencia, favorecen la marcha de sus conciudadanos para presionar al Norte, para que aumente su ayuda al desarrollo, como queda subrayado, ayuda que se há convertido en muchos casos en la ayuda de los ricos de los países ricos a los ricos de los países pobres, o como una alternativa barata a la persistente crisis económica interna. Potencian la emigración, que es la principal fuente de divisas de muchos países, o para eliminar sus adversarios políticos o los opositores. Nunca los Estados emisores se preocupan del retorno de los inmigrantes, ni tampoco preparan su reinserción en el caso en el que decidieran regresar. Al contrario, no desean este regreso, por ser este colectivo el más informado sobre sus derechos y que podría perturbar la relativa paz social interna, mantenida mediante la represión y disuasión de las clases obreras. Triste realidad a la que está sometida la juventude africana a la que, según denuncia Boisbourvier (2006: 68), se deja solo uma alternativa: elegir entre el exilio o el kalashnikov. El no respeto de los derechos humanos en los países emisores debilita aún más a los inmigrantes en los países de inmigración. Prueba de ello es que las embajadas y los consulados de estos países no suelen preocuparse de la defensa de los derechos de sus conciudadanos. Es la prolongación en el exterior de la política interna, donde las autoridades suelen someter a los ciudadanos a una serie de trabas administrativas contra cualquier actividad productiva o iniciativa individual. Ello genera una situación de total indefensión y contradicción, y es lo que caracteriza la vida de los inmigrantes, descuartizados entre la hostilidad o el rechazo de los países receptores y la indiferencia o el abandono de los países emisores. (KABUNDA, 2015, p.45).

O neoliberalismo internacional alimenta a disparidade e as mazelas na medida em que as elites econômicas e políticas lançam mão de agendas da concentração de renda em detrimento das massas. Empréstimos de bancos internacionais ditam e amarram a política interna de países africanos, em programas que priorizam o cumprimento de obrigações financeiras a despeito do atendimento básico à população e da implantação de políticas programáticas para o desenvolvimento social. O mercado interno, os povos e a natureza são instrumentos para uso ou desprezo de acordo com as conjunturas das elites locais e dos interesses financeiros de corporações e estados desenvolvidos.

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externos en detrimento de los mercados internos. El resultado es la pauperización de amplias capas de la población, el descuido de los aspectos de desarrollo humano (educación, sanidad y formación) y la extensión de la pandemia del SIDA, consagrando el derecho a la muerte de los africanos que no pueden tener acceso a los fármacos o a los medicamentos genéricos antisida. Ello equivale a la violación del derecho al desarrollo y a la vida de los africanos. Es decir, la no asistencia a personas en peligro. Las consecuencias económicas y sociales del SIDA, con 25,4 millones de seropositivos (o el 60% de personas infectadas en el mundo), seguirán teniendo graves y nefastas repercusiones en el desarrollo del continente em las décadas venideras. Por lo tanto, el continente se ha convertido en un infierno del que huyen los ciudadanos (“efecto huída”). En uno u otro sentido, se ha equivocado de camino en el trato del fenómeno de la inmigración, al perder de vista que dicho fenómeno viene dictado esencialmente por factores de orden económico, que no han resuelto ni las políticas de desarrollo impuestas a los gobiernos y pueblos africanos, basadas en el modelo de industrialización occidental y la mayor apertura externa, ni la ineficiente cooperación o ayuda al desarrollo, a causa de la adversidad de los mecanismos y estructuras del sistema internacional concebidos por y para los países ricos. En el mismo orden de ideas, Sassen (2002: 11-12) subraya que no se puede atribuir exclusivamente la inmigración a la huída espontánea de las masas de la pobreza hacia la riqueza, sino también y sobre todo a las políticas concebidas y realizadas desde el exterior o de los países desarrollados, en el tiempo y en el espacio, y que convierten la emigración en una de las opciones de supervivencia de las poblaciones, tales como las prácticas de las empresas multinacionales que en su afán de internacionalización de la producción arruinan a los pequeños productores locales además de favorecer la movilidad de mano de obra y la extroversión de las economias locales; las operaciones e intervenciones militares a manos de los gobiernos con su cohorte de desplazados, refugiados, el ajuste privatizador de las instituciones financieras internacionales que obligan a los pobres a utilizar la emigración como estrategia de supervivencia, y el liberalismo comercial y económico que implica la libre circulación o la importación de la mano de obra especializada. (KABUNDA, 2015, p.51).

O envio de dinheiro dos imigrantes africanos a seus países representa parcela significativa no fluxo de capital na áfrica. Com diferentes perfis de destinação, tais remessas movimentam a economia local às vezes com tal dependência que o corte abrupto deste fluxo causaria graves impactos econômicos a muitas comunidades.

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Outras remessas têm destinação individual-familiar, para sustento, matrícula em colégios, consumo em geral, como também para o estabelecimento de status e diferenciação de famílias e grupos.

Cabe registrar que autores africanos apontam efeitos negativos nesse quadro, como a dependência das remessas que implicaria em estímulo a permanência do ciclo geracional migratório, e portanto de suas problemáticas, e em desestímulo ao desenvolvimento do trabalho no âmbito interno.

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(valentía y éxito personales), em sustitución de la iniciación tradicional. (KABUNDA, 2015, p.67).

O Subdesenvolvimento impulsiona intensa fuga de cérebro, mobilização dos que tem formação acadêmica ou dos que estão em vias ter, nos países africanos. Novamente aponta-se o desvio das finalidades assumidas pelos Estados, tendo em conta importantes agentes das elites internas e internacionais num contexto de capitalismo descontrolado regido em geral pelo lucro ad infinitum, que repercute inclusive em produção, perfil e deslocamento da mão de obra qualificada ou em vias de qualificação.

Escassa política de geração de emprego e renda, economia sem aportes e sem direcionamento para a produção diversificada, parco incentivo ao desenvolvimento do ensino e da ciência, bem como pouca valorização a cientistas e estudiosos, do ramo tecnológico ao universitário, além da burocracia e da censura a determinados estudos, compõem as causas diretas da emigração de mão de obra qualificada e dos que anelam formação acadêmica nos países economicamente centrais.

Ademais, o avanço da padronização do conhecimento, das metodologias, da cultura e da visão de mundo dos países de economia central, destacam-se o eurocentrismo e o modelo americano, são contributos para a exportação de cérebros bem como, diga-se de passagem, para a presença dos anseios por importações de modo de vida e de organização social estrangeiros.

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contribución científica extrovertida de modelos teóricos y metodológicos, libros y artículos elaborados en estos centros. (KABUNDA, 2015, p.75).

Imposições de ordem diplomática – financeira - empresariais em conluio, ou em estímulo, com ditaduras ou gestões governamentais marcadamente corruptas, estabelecendo a abertura descontrolada ao capital estrangeiro, a exploração da mão de obra barata da pobreza, a extração desmedida das matérias primas, o impedimento para estruturação do mercado interno, a manutenção da economia nacional baseada na monocultura ou a na monoprodução industrial, suscetibilizando todo o país a flutuações do mercado internacional, a imposição de importações, o gasto exorbitante com pagamento de dívidas, entre outras circunstancias e arranjos, devem ser vistos como fatores que impelem o fluxo migratório.

Quando se discute a contribuição para o desenvolvimento social da África, deve-se ficar atento a propostas de assistência clássica, que frequentemente compuseram estratégias econômicas que privilegiaram determinados grupos nacionais e estrangeiros. Mesmo o assistencialismo bem implantado, não obstante a relevância da ajuda emergencial, deve ser considerado paliativo e temporário, não uma “cooperação para o desenvolvimento socioeconômico” que maquie a distancia e a indiferença dos países desenvolvidos aos povos africanos.

A boa fé dos países ditos desenvolvidos estaria em ações que visassem cooperar na superação da estrutura colonial, ou das consequências dela, nas regiões africanas. Diversificar a economia, investir no povo e na preservação ambiental seriam algumas políticas implantadas ou defendidas, com mais ou com menos consistência, nos países desenvolvidos, mas não apoiadas e até desarticuladas para os países subdesenvolvidos. Lembrando que as crises neoliberais do mundo atingem a população dos países centrais, contudo é inconteste que o peso inclina-se para o dorso do mais frágil, em especial a África.

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A raíz de lo anteriormente expuesto, se debe considerar el fenómeno migratório como un derecho nacido de las propias leyes de la naturaleza o de la condición de persona del inmigrante, en particular la necesidad de supervivencia y la búsqueda de un mejor porvenir de los seres humanos. Está alimentado por las perversas prácticas oficiales y las injusticias institucionalizadas, nacionales e internacionales, responsables de la pobreza, subdesarrollo, hambrunas y persecución e los que huyen las víctimas. Es decir, está dictado por la supervivencia de los sujetos individuales o colectivos. Ir a contracorriente de este objetivo, por acción u omisión, equivale a vulnerar los derechos humanos fundamentales y naturales o los derechos de los inmigrantes como seres humanos: el derecho a la satisfacción de las necesidades básicas o a la supervivencia; el derecho a buscar las mejores condiciones de vida; el derecho a la libre circulación y a conocer mundo, y por lo tanto, a descubrir los fallos personales y de los sistemas políticos de sus países de origen, etc… En pocas palabras, la violación de los derechos de la persona basados en la dignidad humana. Puesto que los inmigrantes africanos huyen de la pobreza, el hambre y la persecución, como queda subrayado, la solución a la inmigración africana pasa por la ayuda a las economías africanas para superar sus estructuras coloniales y la monoproducción, es decir, conseguir su diversificación e ir en contra de la dependência con respecto a las materias primas, cuyas constantes fluctuaciones en el mercado internacional bloquean cualquier posibilidad de acumulación interna, la legalización de los inmigrantes africanos arraigados en los países de la Unión Europea, la comprensión y el trato más humano de la inmigración africana, que alivia en el Continente la miséria de millones de seres humanos que, de lo contrario, serían candidatos a la inmigración. Además de concebir una nueva forma de cooperación desinteresada, desde la sociedad civil y orientada hacia la justicia social, al margen de la asistencia clássica pasiva con efectos nocivos (efecto que ha arruinado a África), al igual que ocurre em los demás países del Sur, que han pagado muy caro los proyectos de cooperación, ayudando de una manera involuntaria y gratis a Europa con la exportación de sus cerebros o cuadros, cuya formación costó mucho tiempo y dinero a los Tesoros Públicos locales, y la importación impuesta de cooperantes o “desarrolladores”europeos con altos sueldos. Por otra parte, se ha de considerar la clandestinidad de los/as inmigrantes irregulares como una verdadera pérdida de talentos, por ser integrado este colectivo por hombres válidos, jóvenes y solteros en edad de producción y procreación. Se debe presentar a la opinión pública europea la inmigración no como un problema o “um riesgo para las identidades colectivas”, sino como una “contribución al enriquecimento de la cultura receptora” (Altamirano Rua, 2006: 204) o de las culturas locales en um contexto de interculturalismo, y a favor de las relaciones humanas y comerciales, máxime cuando millones de personas que viven hoy en Europa son de descendência africana. En definitiva, la única manera de impedir la emigración de los africanos pasa por la mejora de las condiciones de vida y la promoción de los derechos humanos en el continente, para erradicar las raíces de la violencia estructural y física y de la miseria, que constituyen el caldo de cultivo de la emigración. En este continente se imponen cambios radicales por evolución y por revolución, empezando por la creación de condiciones para que la globalización, que ha generado una situación en la que hay muchos perdedores y muy pocos ganadores, esté al servicio de los intereses de los países africanos. (KABUNDA, 2015, p.82).

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Para entender a atual migração africana ao Brasil e o racismo que jaz premente, faz-se mister abordar as relações históricas dos povos, especialmente a partir do século XV entre os da Europa e os da África, até os fatos internos e internacionais do Brasil relacionados aos países africanos nos séculos XX e XXI.

O Império Colonial europeu, Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França, junto com a Igreja Católica sustentaram, material e ideologicamente, a instrumentalização de milhões de africanos como mercadoria de trabalho. Escravidão, racismo e tráfico negreiros foram mantidos e apoiados por essas instituições. No século XV os europeus que aportavam na costa africana firmaram relações de modo geral assimétricas, conquanto se considere vários agentes africanos, (reis, traficantes, entre outros), na prática da escravidão.

A preponderância dos interesses europeus nos séculos do configurado comércio triangular, África, Europa e América, foi estabelecida de modo geral à força e assim se desdobrou até a presente globalização. As marcas probatórias dessas seculares opressões estão hoje no racismo “mundializado” contra os negros, na conjuntura político-econômica da África e também da América Latina, e a imposição cultural eurocêntrica que reveste o consumo, o modo de viver e de pensar em vários quadrantes da Terra, a benefício ainda hoje do enriquecimento das elites mundiais, em boa parte brancas.

A instituição de escravidão e do tráfico negreiro geraram lucros para uns e ônus para outros. Para os europeus e seus descendentes, geraram lucros econômicos e prestígios. Para os africanos traficantes e colaboradores ativos ou passivos, se durante a existência dessas atividades tiveram lucros econômicos, nem todos conseguiram conservá-los depois. O ponto comum, hoje, entre aqueles africanos e as vítimas de escravidão que ficaram no continente africano e os que foram embarcados para as Américas, é que todos são hoje portadores de danos econômicos e psicológicos. Sofrem o preconceito e o racismo pelo fato de ser negros, vistos pelos brancos como povos diferentes por conta de sua cor e cultura. A branquitude racista, nesse quadro, continua reproduzindo as desigualdades raciais, torturando e mutilando os corpos dos negros descendentes e negros africanos (BENTO, 2002). (MALOMALO, FONSECA, BADI, 2015, p. 7).

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ressalta-se a Conferência de Berlim de 1885, proposta por Portugal, da qual as potências europeias acordaram quais territórios africanos cada uma iria explorar.

Embora as teorias racistas sejam construídas historicamente no século XIX, quando os impérios europeus conquistaram as terras africanas, o racismo como prática e ideologia de superioridade racial encontra a sua explicação numa arqueologia histórica de longo alcance. A emergência do racismo do século XIX pode ser delineada no século XV, com a aparição da teologia da escravidão, que pregava a escravização dos africanos pelos europeus pelo fato de serem filhos do Cam. Carlos Moore (2007) chamou esse tipo de escravidão de “escravidão racial de plantação”, para diferenciá-la dos outros tipos, quais sejam: escravidão econômica e escravidão doméstica. Ao serem capturados, vendidos, transportados e usados como mão de obra barata tanto na África como nas Américas, os corpos dos africanos livres e seus descendentes escravizados foram transformados em “peças”, coisas, mercadorias, isto é, os não humanos, semoventes (MOURA, 1994). A teologia da escravidão e a filosofia escolástica funcionaram como aparelhos ideológicos, nos séculos XVI, XVII, como forma de manutenção da dominação e das violências físicas e simbólicas (BOURDIEU, 2002) contra os corpos dos africanos e seus descendentes. Assim, de mulheres e homens livres em seus territórios, os africanos foram transformados em escravos e selvagens pelas instituições estatais e eclesiásticas da época. No século XIX, a colonização europeia sobre a África, para se manter, recorreu ao darwinismo social e às teorias racistas vigentes. Para essas teorias era preciso colonizar os africanos, pois eram “povos primitivos”, isto é, pertenciam a raças inferiores. A lei do mais forte foi usada para justificar essa colonização. Os impérios europeus nesse período recorreram à violência física (guerras) e simbólica presentes no seu racismo tanto intelectual quanto religioso para dominar os corpos africanos (MALOMALO, FONSECA, BADI, 2015).

Após a pressão inglesa, de interesses econômicos, que resultou na proibição do tráfico de escravos em 1850, continuou-se praticando aqui comércio de seres humanos por quase quatro décadas, até 1888, sendo o Brasil o último país a positivar a proibição da escravidão no mundo.

Prosseguem os ditames estatais ratificando a ideia de inferioridade do negro, como a busca do branqueamento da população no fim do século XIX e começo do XX, causa da imigração europeia desse período que provavelmente se sobressai as demais consideradas, quais as de mão de obra assalariada para cafeicultura e de mão de obra já afeiçoada à indústria para os projetos de industrialização brasileira.

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Ainda nessa esteira de ideias, em 1943 um decreto de Getúlio Vargas coloca explicitamente a necessidade de a migração ser europeia.

A elite, que era contra a abolição, era a mesma que propagava a política de branqueamento e da imigração seletiva branca europeia (MALOMALO, 2010). Foi ela que, embutida de medo contra as possibilidades de reformas da parte dos abolicionistas e monarquistas - e contra uma possível revolta da população negra que compunha a maioria da população - daria o golpe do Estado de 15 de novembro de 1889, fundando, com esse ato, a República Brasileira (SKIDMORE, 1976). Cabe dizer ainda que é a mesma elite brasileira, em permanente contato com as teorias racistas europeias, que inventou o negro brasileiro como o ser inferior (SANTOS, 2005)... o presidente Deodoro da Fonseca assinou o decreto n. 528 (em 28 de junho de 1890), que dificultava a imigração asiática e africana no Brasil. Somente em 1892 foi aprovada a lei n. 97, que viria a permitir a entrada de imigrantes chineses e japoneses no Brasil e, dessa forma, o decreto n. 528, de 1890, perderia o seu efeito. Um decreto do presidente Getúlio Vargas de 18 de setembro de 1943, afirmava visar atender “na admissão dos imigrantes a necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes de sua ascendência europeia". O darwinismo social, com certeza, atuava na ideologia social e migratória da elite branca brasileira dos séculos XIX e XX. Foi a defensora da ideologia do branqueamento da população brasileira, fazendo da imigração europeia a sua estratégia política; uma parcela da elite foi adepta da eugenia no país. Seria inútil dizer que o racismo era um dos seus fundamentos. Levando-se em conta seu descrédito nos anos do pós-guerra pela comunidade internacional, a parcela dominante da elite brasileira pautou suas práticas discriminatórias nas teorias da democracia racial de Gilberto Freyre. O discurso dessa teoria, de que o Brasil é um paraíso das relações raciais, está presente também no discurso da sua política imigratória. Para nós, seguindo a crítica de Florestan Fernandes (IANNI, 2004), a democracia racial continua sendo um mito para os não brancos, mais especificamente para os negros brasileiros e os negros africanos imigrantes. (MALOMALO, FONSECA, BADI, 2015, p. 8;9).

Com respeito ao vulto intelectual, Gilberto Freyre é hoje tido por importantes estudiosos como um dos formuladores de uma distorção da realidade brasileira chamada Democracia Racial. Criticado por partir de uma óptica elitista, seu pensamento serviu para políticas internas e externas do racismo e do velamento do mesmo.

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Com efeito, entende-se atualmente que a mestiçagem brasileira nos séculos de escravidão se deu em grande medida pela exploração sexual e social das mulheres negras e indígenas. Percebe-se de outra forma a causa e o processo de surgimento de uma sociedade etnicamente misturada, bem como a formação das divisões sociais com uma pobreza preponderantemente negra e parda e a permanência resistente do preconceito de cor.

O tropicalismo e a teoria da democracia de Gilberto Freyre impediram a realização de uma política cidadã tanto para os negros brasileiros como para com os negros africanos durante os governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek. Nos dois governos, o Brasil não teve coragem de assumir a questão das desigualdades raciais entre negros e brancos. A política de Vargas foi de cunho culturalista: reconhecimento do samba como patrimônio o nacional (PAIXÃO, 2006), enquanto as casas de candomblé continuaram a ser perseguidas até 1976. O governo Kubitschek, pelo seu apoio ao governo português, não pôde ter uma posição firme de condenação ao colonialismo português na África (RAMPINELLI, 2008). A “cultura mestiça”, como expressão do tropicalismo, foi usada por estes governos como arma política de manutenção da ordem sociorracial estabelecida do que para buscar soluções efetivas. Em ações concretas, o culturalismo serviu mais para a retórica do que para uma política das relações raciais e imigratórias em relação à África. (MALOMALO, FONSECA, BADI, 2015, p. 9).

Na década de 60, começa a se desenhar uma abertura oficial brasileira às migrações africanas. O Presidente Jânio Quadros, com lampejos de autonomia à cartilha política norte americana, intenta uma independência maior no plano diplomático ao lançar mão de ações como convênios de cooperação de cultura e tecnologia com países africanos independentes. A partir daí inicia a vinda de estudantes africanos conveniados para diversas faculdades brasileiras.

Nessa década, vieram migrantes principalmente do PALOP (Países Africanos de Língua Portuguesa), sendo que na década de 70, em decorrência das guerras civis pós-independência em Angola e Moçambique, acentuou-se a vinda de refugiados desses países, como também por motivo de guerra os de fora do PALOP, quais os da Costa do Marfim e da República Democrática do Congo.

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Dados da Organização Internacional da Migração (OIM) do ano de 2012, revelam que em todo o mundo estima-se cerca de 19 milhões de imigrantes africanos (OIM, 2012). Em relação à situação da imigração africana atual para o Brasil, há uma dificuldade na obtenção de dados recentes, precisamente por ser uma temática pouco estudada e não ter a devida atenção nas políticas públicas.

Em dados estatísticos divulgados por Desidério apud Langa (2006) referentes ao Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000) nos anos de entrada - entre 1996 e 2000 -, havia no Brasil 15.568 africanos, certamente um número muito menor do que o da realidade atual, pois só no Ceará apenas o número de estudantes é apontado em mais de 3 mil, havendo em vários estados brasileiros a presença de migrantes africanos, especialmente migrantes econômicos. No entanto, em tal estatística, já bem desatualizada, não se explicita em quais categorias eles se encontram, se são imigrantes econômicos, refugiados ou estudantes.

Muitos destes africanos são migrantes econômicos, refugiados (que trataremos adiante), ou estudantes que fazem parte do Programa de Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G) e Pós-Graduação (PEC-PG), programas que têm o objetivo de formar recursos humanos em ciência e tecnologia e que possibilitam que estrangeiros oriundos de países em desenvolvimento ingressarem nos programas de pós-graduação nas instituições do ensino superior no Brasil. De acordo com Desidério (2006), segundo o censo demográfico do ano de 2000, havia 1.630 estudantes africanos no Brasil, seja nos programas de graduação ou de pós-graduação. (MALOMALO, FONSECA, BADI, 2015, p. 2;3).

A inclusão e a dignidade dos descendentes de escravos negros não seriam apenas uma justiça socioeconômica do século XIX, mas uma necessidade de efetivação contemporânea. Tal postergação de quase 130 anos é responsável por mazelas imensuráveis e fornece um dos principais esclarecimentos sobre a nossa pobreza social que distancia mais de uma centena de milhões de seres humanos da parcela mais incluída da economia nacional.

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a negro e o desperdício de uma múltipla e rica cultura nos aspectos estéticos, artísticos, políticos, técnicos, sociais, ambientais e religiosos, acrescentadores do desenvolvimento social e quiçá fontes de soluções para as relações humano-afetivo-ambientais no destrutivo capitalismo global.

Inconteste, há no Brasil a transferência, do afrobrasileiro ao migrante subsaariano, do desrespeito ao corpo negro.

Embora alguns venham com o status de estudantes, o que se percebe na atualidade brasileira é que a imigração africana continua sendo tratada ainda numa perspectiva de “política colonialista” racista. Se a política migratória brasileira, em geral, é tratada ainda como “caso da polícia”, ela atua ainda sobre os corpos dos imigrantes africanos de forma desumana. Os agentes do Estado da imigração brasileira, sobretudo a polícia, continuam lidando com os imigrantes africanos com base na violência simbólica e física. Como os casos relatados resultantes da batida da Polícia Federal ocorrida no centro de São Paulo em março de 2012, que prendeu dezenas de pessoas de forma arbitrária, bastava ser negro e estrangeiro, inclusive haitianos com o visto “humanitário”. A maioria estava em situação regular e foram soltos no dia seguinte. Essa violência tem o cunho racista do passado colonial e que se configura no presente republicano. A violência cometida pela política contra cidadãos negros brasileiros nos séculos XX e XXI, muitas vezes, é transferida para os corpos dos “cidadãos do mundo africanos”. Uma parcela dos cidadãos comuns brasileiros e estrangeiros, os estudantes, os tripulantes dos navios estrangeiros que trafegam entre África e Brasil, marcados pelo mesmo racismo, tendem a violentar os corpos dos africanos. Tudo isso é por causa da cor da sua pele, que os diferenciam. Além disso, o despreparo dos policiais, dos estudantes brasileiros e tripulantes dos navios em lidar com a interculturalidade agrava negativamente o seu relacionamento com os imigrantes africanos. Suas atitudes, que causam a violências sobre estes e violam os direitos humanos, manifestam- se através de seus discursos e suas ações em relação aos imigrantes africanos que têm vindo de forma legal ou clandestina para o Brasil nos séculos XX e XXI. (MALOMALO, FONSECA, BADI, 2015, p. 13).

Numa operação da Polícia Federal (PF), no centro de São Paulo, no ano de 2012, rodeada de espetáculos e flashes da imprensa burguesa, foram presos cerca de 600 africanos. Contudo, uma sul-africana branca foi abordada pela polícia, mas não foi levada para as instalações da PF1.

Nessa problemática, reconhece-se o avanço da implementação da história africana no ensino brasileiro, luta antiga dos movimentos sociais. Com efeito, gestões governamentais dos últimos anos ou das últimas décadas possibilitaram algumas concretizações de demandas de movimentos da causa negra. As ações afirmativas no ensino superior público para afro-brasileiros, tema polêmico e

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controverso, é uma delas junto com o reconhecimento e proteção de quilombos, não obstante entraves e morosidades.

Cabe lembrar a existência de lutas libertárias desde os primeiros traslados atlânticos de escravos e as suas diversas formas, quais bélicas, psicológicas, políticas, religiosas, artísticas, desportivas, científicas e literárias, até os dias hodiernos.

O desafio ainda se mostra extenso, servindo de estímulos os frutos das lutas brotados especialmente de poucos anos para hoje, como as positivações constitucionais do artigo 4ª inciso VII, o qual prevê como princípio das relações internacionais o repúdio ao racismo, do artigo 5º inciso XLII no qual “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, a lei 7.716/89 que define os crimes resultantes do preconceito de raça e de cor, a existência de julgados mais frequentes de condenação por tal crime e algumas políticas estaduais e municipais voltados aos brasileiros negros.

Contudo, mesmo considerando certo tempo geracional para o esgotamento do racismo, tais avanços são insuficientes, como evidenciam a realidade lentamente alterada e a necessidade de mudanças a curto e médio prazo. Ademais, e de certa forma por extensão, quando se refere às políticas públicas voltadas a proteção e inclusão dos imigrantes africanos constata-se o distanciamento estatal.

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3 DIREITO INTERNACIONAL E CONSTITUIÇÃO FEDERAL

3.1 Soberania, direitos humanos e migrações internacionais

Um fato, abordado com profícua metáfora por Reis (2004), sobre o aspecto da soberania estatal num contexto mundial de conflitos e exclusões de grupos humanos, põe à tona a contradição dos Estados contemporâneos que são considerados democráticos e firmados em direitos humanos.

No dia 28 de agosto de 2001, um navio cargueiro, denominado Tampa, de bandeira norueguesa resgatou 438 pessoas que estavam num barco indonésio à deriva em alto-mar. A maioria dessas pessoas vinha do Afeganistão, mas também havia passageiros do Sri Lanka e do Paquistão, todos tentando chegar à Austrália. A imprensa dividiu-se entre falar de um navio “cheio de refugiados” oude um navio “cheio de imigrantes ilegais”. A Austrália recusou-se a recebê-lo, e afirmou que “a carga” do Tampa era responsabilidade da Indonésia ou da Noruega. A Indonésia ameaçou mandar o exército ao porto para impedir os refugiados de desembarcarem, mas depois voltou atrás, aceitando recebê-los. Os passageiros, por sua vez, recusaram-se a voltar e resolveram fazer greve de fome. Durante uma semana, o navio Tampa permaneceu no mar, vigiado pela marinha australiana e impedido de atracar em qualquer lugar do mundo. A situação desse navio serve como uma metáfora da questão da imigração atualmente, refletindo, na figura de um navio impedido de atracar, a situação de milhões de pessoas ao redor do mundo. Os dilemas e os questionamentos que vieram à tona durante as negociações sobre o destino dos passageiros do Tampa sintetizam, de certa forma, uma série de problemas gerais relacionados aos aspectos políticos das migrações internacionais hoje. Em uma só questão: Afinal, o que impede um indivíduo de viajar para o exterior ou viver em um determinado país? Levando em consideração de que é cada vez mais fácil, tanto em termos de custo como de tecnologia de transporte, se deslocar de um ponto ao outro do planeta, e tendo em mente que as oportunidades econômicas são tão desigualmente distribuídas em termos geográficos, por que, então, as pessoas não podem simplesmente sair de um lugar e ir para outro em busca de uma vida melhor? (REIS, 2004, p. 149).

Nesse acontecimento, a Austrália estaria violando o Protocolo de Nova York e o artigo 33 da Convenção de Genebra, que estabelecem a norma de non-refoulement, (não devolução), ou seja, nos pedidos de refúgio o Estado não deve tomar atitudes de devolução ou extradição dos peticionários antes de avaliar a situação dos mesmos, como comprimento das regras internacionais que amparam aqueles que saem de seus territórios por ameaça à vida e à liberdade. E nesse sentido

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internacional tradicional, que garante a soberania nacional no controle dos movimentos migratórios. (REIS, 2004, p. 150).

Os institutos do direito internacional para proteção dos direitos humanos, e em especial dos trabalhadores migrantes, ampliam-se e aperfeiçoam-se, conquanto muitos Estados em contrapartida recrudesçam políticas conservadoras de restrição ao ser humano.

Pode-se elencar no rol do avanço da positivação internacional, as Convenções da OIT, destacando-se a Convenção de Imigração para o Trabalho (n. 97), de 1949, e a Convenção dos Trabalhadores Imigrantes (n.143), 1975, bem como, as Convenções da ONU, em particular, a Convenção sobre Direitos dos Imigrantes, de 1990, aprovada em Assembleia Geral. Quando a organizações, deve-se apontar a IOM, Organização Internacional para Migração, criada em 1951.

A estas, acrescentam-se estudos e encontros que viabilizam diálogos para questionamentos e possibilidades de avanços, revelando a tendência de se intensificar a pauta da questão migratória.

A importância cada vez maior das migrações internacionais no cenário internacional também pode ser medida tanto pela proliferação de reuniões onde esse assunto se tornou tema principal (Seminário Internacional sobre o Diálogo Cultural entre Países de Origem e Destino de Trabalhadores Imigrantes, 1989), como pelo papel de destaque que o tema adquiriu em conferências mais amplas, como as relacionadas à população, ao trabalho e ao combate ao racismo (Conferência Mundial de Direitos Humanos, parte 2, parágrafos 33-35; Conferência Internacional em População e Desenvolvimento, capítulo 10; Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, cap. 3 e 4; e IV Conferência Internacional da Mulher, cap. IV. D). (REIS, 2004, p. 153).

As Convenções e Conferências abordam sobre os combate ao tráfico de pessoas e à vulnerabilidade dos migrantes irregulares. Sendo que o combate direto a irregularidade do migrante deve ser no sentido de atender-lhe as necessidades com políticas de inclusão e alternativas humanitárias, e não na direção de injustificáveis expulsões, extradições e barreiras grotescas, como as muralhas, cada vez mais erguidas nos países ditos desenvolvidos, denotando frieza, desumanidade política e ilusão de existir uma guerra com lados opostos.

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Existe uma tendência atual de disseminação da prática da construção de muros de contenção nas fronteiras dos países mais ricos. Já existem trinta barreiras dessa espécie construídas no mundo, com destaque para as seguintes: a China construiu uma cerca de concreto e arame farpado, de 4,5 metros de altura, em sua fronteira com a Coreia do Norte, a fim de inibir a entrada de coreanos; os Estados Unidos edificaram um muro de metal de 5 metros de altura em um terço de sua fronteira com o México, também para evitar a imigração ilegal; para evitar a entrada de africanos na Europa, foi erguido um muro de 6 metros de altura e 8,2 quilômetros de extensão para isolar a cidade espanhola de Ceuta, que fica incrustada no Marrocos; Israel já levantou 434 quilômetros de um muro que tem previsão de contar com 707 quilômetros de extensão, para se isolar da Cisjordânia. Não bastasse, a Grécia pretende construir um muro em sua fronteira continental com a Turquia, com 3 metros de altura e 12,5 quilômetros de extensão2.

Não obstante avanços internacionais na defesa de que os direitos que dignificam a pessoa humana independem da nacionalidade, são ainda os Estados que controlam e têm, normalmente, a última palavra de como vão lidar com as pessoas oriundas de fora de suas fronteiras ou com as gerações descendentes de migrantes não inseridas socialmente no interior de um país. Na prática, na maior parte das vezes cabe à decisão estatal a garantia dos direitos básicos dos migrantes no mundo

Um fato a ser citado para a reflexão da problemática da migração no contemporâneo duelo entre direitos humanos, consagrados externa e internamente pelos países, e conjunturas políticas e sociais de efeitos xenófobos e excludentes, foi o ocorrido nos Estados Unidos no início dos anos 1980.

Na Califórnia, por meio de plebiscito, a maioria da população aprovou medida que excluía do ensino público os filhos de imigrantes irregulares. A medida, conhecida como proposição 187, foi revogada pela Suprema Corte, que fundamentou-se no direito inalienável do ser humano e na ideia de que as crianças não deveriam ser punidas pela situação de irregularidade de seus ascendentes. (REIS, 2004)

Hodiernamente, o argumento da segurança nacional tem alimentado as políticas de restrição migratória em vários países, presentes discursos simplistas e maniqueístas que colocam nos migrantes oriundos de países periféricos e nas culturas e religiões diferentes as causas da existência do terrorismo, do narcotráfico e da violência urbana.

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Assim, distanciam a reflexão sobre as raízes e os agentes responsáveis por essas problemáticas, ensejando o uso da violência contra grupos discriminados como fator agregador de nacionais para apoio às elites ultraconservadoras anelantes do monopólio do poder e do aumento da riqueza.

A questão da imigração continua a ser regulamentada basicamente pelo Estado, além de ser tratada, na maioria das vezes, como um problema de segurança pública e uma questão de polícia. Como vimos, a Austrália tratou o problema do navio Tampa como uma questão de segurança nacional desde o começo, convocando a Força Aérea para interceptar o navio e obrigá-lo a voltar para águas internacionais. A União Européia, por sua vez, discute uma política de imigração comum no mesmo grupo de trabalho que discute terrorismo, narcotráfico e questões relacionadas à segurança interna. Nos Estados Unidos, sobretudo após os atentados de 11 de setembro de 2001, a questão da imigração também é considerada sobretudo um problema de segurança nacional. (REIS, 2004, p. 161)

A tendência em associar migração com delinquência é muito preocupante. A perspectiva sensacionalista adotada nos meios de comunicação não colabora com uma correta interpretação do fenômeno. Muitas vezes informam-se dados distorcidos sobre o número de migrantes detidos, omitindo o fato de que a maioria dessas detenções deve-se à situação administrativa irregular do migrante e não por crimes.

O Relator da Conferência Internacional sobre Migração e Crime, levada a cabo em Itália, em 1996, observou com razão, que "o termo migrante "ilegal" (que devemos evitar) "implica uma condição de criminalidade ipso facto antes de qualquer determinação judicial do status. Mais ainda, implica que um migrante 'ilegal' é um criminoso". No Brasil, de forma insistente, inconsequente e estigmatizante, usa-se o termo "ilegal", sem medir as desastrosas consequências de tal discriminação.

As prisões (ou centros de detenção) para imigrantes ilegais proliferam ao redor do mundo. Existem vários centros instalados na Europa, sendo que a Diretiva de Retorno, já mencionada, prevê a possibilidade de detenção de famílias, inclusive com crianças, até a efetivação da deportação. Ressalta Schwarz (2010, p. 182) que existem 224 centros de detenção de imigrantes na União Europeia, com capacidade para trinta mil detentos188. Israel já possui uma prisão para dois mil detentos, onde os imigrantes ficam de 2 meses a um ano presos, conforme o grau de lotação, mas está construindo um centro de detenção com capacidade para até dez mil pessoas, visando manter imigrantes ilegais africanos que entram no país pela fronteira sul do Egito, até que possa repatriá-los3.

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No Japão, por exemplo, existem centros de detenção nas cidades de Osaka e Ibaraki, onde inclusive são mantidos imigrantes menores; as detenções são por tempo indeterminado, e há registro de suicídios nessas prisões, inclusive de um imigrante brasileiro (INTERNATIONAL PRESS, 17-5-10). Na Austrália as condições dos centros de detenção são tão precárias que no dia 20 de abril de 2011 alguns detentos iniciaram uma rebelião e colocaram fogo no local. As denúncias são de superlotação e demora no processamento dos pedidos de asilo; as incertezas e inseguranças acarretam a deterioração do estado mental dos presos, com registro de episódios de suicídio e autoflagelação.

A Anistia Internacional acusou a Grécia de tratar imigrantes ilegais como criminosos, ao puni-los com prisão. Segundo a entidade, os imigrantes, que vêm de locais como Afeganistão, Somália, Palestina, Iraque e Eritreia, depois de uma jornada perigosa, são lançados em centros de detenção sem acesso a advogados, intérpretes ou assistentes sociais, mantidos por longos períodos de tempo em cadeias superlotadas, com menores desacompanhados detidos juntamente com adultos. Conforme a entidade, “a detenção não pode ser usada como uma ferramenta para controlar a imigração”.

Em dezembro de 2009 a deputada do Parlamento Europeu, Ana Gomes, encaminhou ao Conselho do Parlamento pergunta escrita a respeito desses dados, e a resposta foi que o Conselho “não dispunha desses dados”. A mesma notícia informa que entre 2006 e 2009 já haviam ingressado 20 mil africanos ilegais no território de Israel, e as estimativas eram de mais 13 mil ao longo de 2010; além dos africanos, estimavam que existiam outros 120 mil imigrantes com vistos vencidos no território do Estado4.

Importante perceber, contudo, que as opções do Estado nas políticas de migração não ocorrem unissonamente ou como as decisões de um ente homogeneamente direcionado. Com efeito, o entrechoque de interesses pinta o quadro da atuação estatal. Essa realidade política e social, composta de diferentes forças acionadas por distintos interesses, torna em alguma medida imprevisíveis as ações governamentais que sentem pressões de agentes internos e externos.

O que a literatura estudada considera uma limitação do papel do Estado seria, na verdade, apenas um reflexo do fato de que não existe um ator único – o Estado –, cuja vontade seja clara e indivisível. As políticas de migração refletem o dissenso dos diferentes atores políticos, dentro e fora

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do Estado, sobre a construção de suas fronteiras. A suposta ineficácia das políticas de imigração e nacionalidade não é resultado da perda de soberania do Estado em função do desenvolvimento da economia ou da evolução dos direitos humanos, mas, sim, um espelho das dificuldades de se chegar a um consenso quando se trata de delimitar as fronteiras do Estado. Quando se alinha a opinião pública ao lado dos restricionistas e alega-se que a defesa dos direitos humanos dos imigrantes não possui bases sociais, não se leva em conta que existem também defensores dos direitos dos imigrantes e que, mesmo entre os que preferem reduzir o nível da imigração, é muito difícil para as pesquisas de opinião captarem quais seriam as prioridades dessas pessoas, isto é, se elas aceitariam uma restrição de direitos em nome de uma restrição no número de imigrantes. (REIS, 2004, p. 160)

Dessa complexidade define-se a força de segmentos que se evidenciam em grupos na grande massa, como fascistas e boa parte da direita que buscam apoio de camadas nacionais pela abordagem (sutil ou explícita) xenófoba e racista da migração, ou como movimentos normalmente de esquerda que defendem maior humanização das políticas migratórias. Daí o significado para os imigrantes da possibilidade de exercer os direitos políticos, como o de votar e ser votado.

Se os imigrantes compõem a manutenção da economia pela força do trabalho, por vezes em labores mais intensos do que os nacionais, se acrescentam valores, cultura, arte e genética ao países receptores, e se estão em minorias marginalizadas demandantes do cumprimento de garantias estatais aos seres humanos, são, portanto, credores de participação democrática nos rumos e ações governamentais.

Tão importante quanto a ausência do direito de residir é o fato de os estrangeiros não participarem nas decisões a respeito de sua própria situação, não terem direitos políticos. De um modo geral, independentemente de quais sejam os direitos acordados aos cidadãos, todas as democracias modernas definem a exclusão sobretudo em relação aos direitos políticos... A participação política é fundamental na definição da nacionalidade/cidadania e vice-versa, e é por isso que, ao longo da história, sempre houve tanta disputa para decidir quem fazia parte da pólis. Definir quem pode ser um cidadão é uma das questões mais importantes para a vida política de um país. Em se tratando de países que se pretendem democráticos, a decisão é ainda mais importante, porque define quem vai participar do processo político. Sendo também uma questão de distribuição de direitos, a definição de cidadania envolve uma luta política em torno de objetivos bastante concretos. (REIS, 2004, p. 159)

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o imigrante já existe, como as convenções que tratam dos direitos dos trabalhadores migrantes, e não ao direito de migrar. Exceção são os casos tidos como ocasionados por “temor justificável”, quais sejam os de refúgio e asilo, e mesmo neles quem têm definido a situação são os Estados, valendo constar a ausência de organismo coercivo internacional no monitoramento da aplicação dos respectivos tratados e leis. (REIS, 2004)

3.2 Internacionalização dos direitos humanos

A internacionalização dos direitos humanos iniciou-se com o Direito Humanitário, a Liga das Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho. Partindo de propostas que objetivavam o estabelecimento de respeito mínimo às pessoas nas condições de guerra, a busca da manutenção da paz, a fixação de padrões mínimos de proteção ao trabalhador, entre outros, tais entidades marcaram o início da proteção sistemática dos direitos humanos em esfera internacional, bem como o começo da ruptura da exclusividade dos Estados governamentais como sujeitos de direitos.

Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, concebida como interpretação autorizada dos art. 1º e 55 da Carta da ONU, traz à tona direitos civis e políticos e direitos econômicos e sociais, colocando-os como indissociáveis e inerentes a condição de ser humano. Toda via, por ser uma declaração, não um

tratado, não tem força de aplicação, o que ensejou a “judicialização” da Declaração,

com a elaboração de dois pactos em 1966, quais sejam o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que somados a Declaração de 1948 constituíram a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

Ratificada pela Declaração de Viena de 1993, a ideia de universalização dos direitos humanos cria consistência no direito internacional, como também resistência dos que defendem o relativismo dos direitos fundamentais, que estariam em função da cultura e das características econômicas e sócio políticas em determinada

sociedade, contestando o “mínimo ético irredutível” e os padrões mínimos de

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Aos que defendem a universalização dos direitos básicos dos seres humanos, o citado contraponto político pode servir de argumento para a manutenção das violações e a conservação irredutível da soberania face a proteção da vida humana.

A concepção universal dos direitos humanos demarcada pela Declaração sofreu e sofre, entretanto, fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural. Para os relativistas, a noção de direitos está estritamente relacionada aos sistemas político, econômico, cultural, social e moral vigentes em determinada sociedade. Por esse prisma, cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Em face dessa polêmica, compartilha-se da corrente universalista, acolhida pela Declaração de Viena de 1993, quando consagra que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Compartilha-se, todavia, da defesa de um “universalismo de confluência”, ou seja, um universalismo de ponto de chegada e não de ponto de partida. Acredita-se que a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos humanos, inspirada pela observância do “mínimo ético irredutível”, alcançado por um universalismo de confluência. Este universalismo de confluência, fomentado pelo ativo protagonismo da sociedade civil internacional, a partir de suas demandas e reivindicações morais, é que assegurará a legitimidade do processo de construção de parâmetros internacionais mínimos voltados à proteção dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2013, p. 481).

Há que ressaltar a permanente resistência de assumir com igualdade e indissociabilidade as proteções consagradas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, direitos de 1ª geração, e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, direitos de 2ª geração.

Ao primeiro Pacto prevê-se a aplicabilidade imediata, e com o respectivo Protocolo Facultativo é possível a petição individual a ser examinada pelo Comitê de Direitos Humanos. Quanto ao segundo Pacto, a previsão de que sua aplicação é

“progressiva” e a demora para a adoção respectivo Protocolo Facultativo

demonstram a diferença de patamares em que os dois pactos ainda estão.

Ao se abordar os direitos dos migrantes, percebe-se mais ainda a importância de se equiparar os dois perfis de direitos, haja vista os direitos sociais, uma vez que devem alcançar a todos indistintamente, como do trabalho, da moradia, da saúde e da educação, repercutirem em significativa proteção normativa internacional aos indivíduos e grupos migrantes.

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direitos do discurso social, como se as demandas por liberdade e por igualdade fossem independentes, quando se sabe serem indivisíveis e interdependentes.

Os direitos enunciados no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos apresentam aplicabilidade imediata, devendo ser assegurados de plano pelo Estado-parte. Já os direitos enunciados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na linguagem do Pacto, têm aplicação “progressiva”, tendo em vista que estão condicionados à atuação do Estado, que deve adotar medidas, até o máximo de seus recursos disponíveis, com vistas a alcançar progressivamente a completa realização desses direitos. No entanto, esforços têm sido empenhados no sentido de fortalecer a aplicabilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais, realçando seu caráter jurídico e acionabilidade. Para este estudo, tais direitos são direitos legais e acionáveis, já que a ideia da não acionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não científica. É uma preconcepção que reflete a equivocada noção de que uma classe de direitos (os direitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (os sociais, econômicos e culturais), ao contrário, não merece reconhecimento. Sustenta-se que os direitos fundamentais — sejam civis e políticos, sejam sociais, econômicos e culturais — são acionáveis e demandam séria e responsável observância. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos apresenta um peculiar mecanismo de implementação e monitoramento, que envolve a sistemática dos relatórios encaminhados pelos Estados-partes e a sistemática, opcional, das comunicações interestatais. O Protocolo Facultativo relativo a esse Pacto vem adicionar a essas sistemáticas um importante mecanismo, que traz significativos avanços no plano internacional, especialmente quanto à international accountability — o mecanismo das petições individuais a serem examinadas pelo Comitê de Direitos Humanos. Essas petições são encaminhadas por indivíduos que denunciam serem vítimas de violação de direitos enunciados pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos. A petição deve respeitar determinados requisitos de admissibilidade, como o esgotamento prévio dos recursos internos e a comprovação de que a mesma questão não está sendo examinada por outra instância internacional. Já o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais apresenta tão somente a sistemática de relatórios a serem encaminhados pelos Estados-partes, evidenciando as medidas adotadas em cumprimento ao Pacto. Em dezembro de 2008, finalmente, foi adotado o Protocolo Facultativo a esse Pacto, estabelecendo o mecanismo da petição individual, das comunicações interestatais e da investigação in loco, na hipótese de grave ou sistemática violação por um Estado-parte de direito econômico, social e cultural enunciado no Pacto. (PIOVESAN, 2013, p. 482).

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