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Racha: Dolo Eventual ou Culpa Consciente?

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Racha: Dolo Eventual ou Culpa Consciente?

Autora: Gabriela Lucena Andreazza.

Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da UNIPLAC. Bolsista de Iniciação Científica

Orientador: Professor Mestre Mauricio Neves de Jesus

Resumo:

Quando da superveniência de resultado concreto (morte ou lesão corporal) no delito de participação em competição automotiva não autorizada (racha) faz-se necessária uma análise do elemento subjetivo incidente. Inúmeras conseqüências jurídicas derivam da interpretação adotada, seja ela pró-dolo eventual ou pró-culpa consciente, com reflexos na competência, tipo penal, pena cominada, entre outros. Com foco no tênue limite existente entre o dolo eventual e a culpa consciente, o presente artigo parte de uma caracterização do delito do art. 308 do CTB para analisar o posicionamento doutrinário e jurisprudencial na hipótese de ocorrência de acidente com morte ou lesão corporal e suas implicações jurídicas.

Palavras-Chave:

Elemento subjetivo – Dolo eventual – Culpa consciente – Racha – Homicídio

Abstract:

When it occurs a concrete result (death or body injury) stemmed from a

criminal participation in an illicit automobile competition, it is necessary an analysis of the

related subjective element. Several legal consequences derive from the adopted interpretation,

whether it admits dolus eventualis or conscious negligence, reflecting in the jurisdictional

competence, classification of the crime, punishment, and others issues. Focused on the subtle

limit between dolus eventualis and conscious negligence, the present article starts from a cha-

racterization of the illicit definition of the article 308 of the Brazilian Traffic Code to analyze

the jurisprudential and doctrinal position with regard to the hypothesis of occurring an acci-

dent which results in death or body injury and its legal consequences.

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Keywords:

Subjective element – dolus eventualis – conscious negligence – “racha” – homicide

1.Introdução; 2.Tipo Objetivo e Elemento Subjetivo; 2.1.Dolo Eventual; 2.2.Culpa Consciente; 2.3.Diferença entre culpa consciente e dolo eventual; 3.Caracterização do Delito do art. 308 do CTB e o Elemento Subjetivo do Tipo; 4.Superveniência de resultado concreto em crime de “racha”; 4.1.Homicídio e Lesão Corporal Culposos no Trânsito; 5.Posicionamento Doutrinário Pró-Dolo Eventual;

6.Posicionamento Doutrinário Pró-Culpa Consciente;

7.Posicionamento Jurisprudencial 8.Considerações Finais;

9.Referências Bibliográficas.

1. Introdução

O mundo inteiro se preocupa com as conseqüências danosas dos delitos de trânsito. Até mesmo a Organização Mundial da Saúde dá ao tema o status de epidemia. Uma prova de que este não é um problema recente é que já no final do século XIX, em 1900, Viveiros de Castro dizia que os acidentes automobilísticos eram uma verdadeira epidemia,

“tão mortífera quanto a febre amarela”

1

.

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) veio como resposta do legislador aos anseios de uma sociedade que sente, no trânsito, uma situação de medo constante.

Uma das condutas inconseqüentes que geram este estado de medo é a prática do delito de participação em competição não autorizada, popularmente conhecido como

“racha” ou “pega”, em geral por jovens buscando auto-afirmação e popularidade.

1 CASTRO, Viveiros de. apud JESUS, Damásio de. Crimes de Trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito (Lei n. 9.53, de 23 de setembro de 1997). 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 183.

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O racha é reprimido pelo Código de Trânsito Brasileiro em seu art. 308 que o tipifica como crime punível com “detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” a conduta de “participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada”.

2

Tal conduta é, sem dúvida, extremamente reprovável, pois expõe a perigo concreto a incolumidade pública e, por extensão, a privada. Resta saber, e é isto que esta pesquisa procurou descobrir, o que pensam os participantes do “racha”.

Entretanto é preciso destacar que não se pretende, com este trabalho, alcançar o impossível, mas sim estudar as diversas nuances da Teoria da Vontade para inferir conclusões sobre o elemento subjetivo existente nos delitos desta natureza. Dolo e Culpa são categorias do elemento subjetivo que têm entre si um limite muito pouco definido. E foi este limite que se buscou explorar.

Afinal, para imputar uma punição proporcional à gravidade do ato delituoso, é importante saber classificar o ato típico em doloso ou culposo. Só assim será alcançada o objetivo do Poder Judiciário e, por extensão, também da sociedade como um todo, quando visam uma punição ao delito de racha.

2 Tipo Objetivo e Elemento Subjetivo

“Tipo objetivo”, “delito”, “fato típico” e “tipo penal”, todos estes termos são sinônimos de crime. Para que uma ação ou omissão do agente gere efeitos no mundo exterior, e, por conseguinte, conseqüências jurídicas, é necessário que, anteriormente, o agente tenha pensado nisso.

Os aspectos subjetivos e psicológicos representam aquilo que se passa dentro da cabeça do agente quando ele dirige a sua conduta de modo a enquadrá-la em um dos tipos penais previstos no ordenamento jurídico. O tipo objetivo nada mais é do que a exteriorização da vontade que concretiza o tipo subjetivo.

O elemento psicológico normativo da tipicidade diz respeito ao agente e sua ação (ou omissão), que se enquadra na prescrição legal proibitiva e se manifesta na forma de dolo ou culpa. O que vai determinar a caracterização de um ou de outro é a maior ou menor atuação da consciência e da vontade.

2 BRASIL. LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro.

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Para entender as conseqüências práticas desta diferenciação, e para exemplificar

3

que o dolo é a mais grave forma de culpabilidade, vale expor o seguinte:

a) Um homicídio cometido com dolo tem numa pena que varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, podendo ser de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, na hipótese de homicídio qualificado.

b) Por sua vez, um homicídio culposo na direção de veículo automotor tem suas penas previstas no Art. 302 do CTB: “Penas – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”

4

.

É possível observar que, apesar do tênue limite subjetivo que separa as duas espécies, há uma enorme disparidade de penas. Esta linha de separação torna-se ainda mais frágil em se tratando das modalidades de dolo eventual e culpa consciente, conforme veremos.

Outra conseqüência prática da determinação do tipo de culpa (lato sensu) é a determinação da competência e do rito processual a ser seguido. O Tribunal do Júri tem constitucionalmente prevista a sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.

5

Se o crime contra a vida (homicídio, por exemplo) der-se na modalidade culposa, a competência para conhecer da ação será do juiz singular.

2.1. Dolo Eventual

O dolo eventual, espécie do gênero dolo indireto, caracteriza-se quando o agente prevê como possível o resultado e, estando consciente da iminência de causá-lo, assume o risco e segue na execução do iter criminis.

Assim, o dolo eventual ocorre quando o agente assume o risco de produzir um resultado que por ele foi previsto.

6

Houve, portanto, a visualização da possibilidade da ocorrência do ato ilícito e, mesmo assim, o agente não interrompeu sua ação, “admitindo, anuindo, aceitando, concordando com o resultado”.

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3 Este exemplo foi retirado de STETTINFER FILHO, Ralph Tórtima. Dolo Eventual e a Culpa Consciente nos Delitos de Trânsito. Campinas – SP Centro de estudos Daniel Santini. Fev. 2003. Disponível em:

www.danielsantini.com. Acesso em 11 de out de 2005.

4 BRASIL. LEI Nº 9.503. Op. cit.

5CF, “art. 5º (...) XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegura- dos: (...) d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”;

6 CARDOSO, Vicente. Op. cit. P. 8.

7 STETTINGER FILHO, Ralph. Op. cit.

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2.2. Culpa Consciente

Pode-se dizer que a culpa (em sentido estrito) é a forma mais branda de culpabilidade, sendo menos grave do que o dolo. “Na culpa o resultado ilícito de dano ou perigo não é previsto, mas previsível, e se for previsto de algum modo, não é aceito pelo agente que acredita que tal não ocorra.”

8

Dentro das modalidades culposas tem-se, como subdivisão doutrinária, a culpa consciente, ou com previsão. Trata-se do mais elevado grau de culpa, por aproximar-se do conceito de dolo eventual. Ela estará caracterizada quando o agente previr um resultado que não deseja e agir apesar desta previsão. O agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo; não quer, sinceramente, que o resultado venha a ocorrer.

2.3. Diferença entre culpa consciente e dolo eventual

Alguns autores posicionam-se sobre a diferenciação entre os dois tipos de elementos subjetivos que são objeto desta pesquisa – dolo eventual e culpa consciente –, a saber:

- Cezar Roberto Bitencourt: “Os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço em comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá.”

9

- Fernando Capez: “A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (‘se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir’). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (‘se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas

8 CARDOSO, Vicente. Op. cit. P. 8.

9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, volume 2. 3.ed. rev e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 85.

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estou certo de que isso, embora possível não ocorrerá’). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: ‘não importa’, enquanto na culpa consciente supõe: ‘é possível, mas não vai acontecer de forma alguma’ ”.

10

- Júlio Fabbrini Mirabete: “A culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, mas com ela não se confunde. Naquela (na culpa consciente), o agente, embora prevendo o resultado, não o aceita como possível. Nesse (no dolo eventual), o agente prevê o resultado, não se importando que venha ele a ocorrer”.

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3. Caracterização do Delito do art. 308 do CTB e o Elemento Subjetivo do Tipo

O “racha”

12

é uma espécie de disputa, corrida, competição, de “veículo em desabalada carreira com intenção de exibição ou demonstração de sua potência”

13

.

Antes de o Novo Código de Trânsito entrar em vigor

14

, o racha ou pega caracterizava a contravenção penal de direção perigosa de veículo na via pública.

Não há dúvidas de que o elemento subjetivo da participação em competição não autorizada, previsto no ordenamento jurídico seja o dolo. Essa certeza decorre do simples fato de inexistir previsão legal de modalidade culposa.

A discussão quanto à incidência de dolo eventual ou de culpa consciente só surge quando a partir da prática do racha sobrevém um resultado danoso tal como o homicídio.

4. Superveniência de resultado concreto em crime de racha

Se o comportamento imprudente ocasiona acidente que tem tem como conseqüência morte ou lesão corporal de terceiro, o entendimento do Des. Maurílio Moreira

10 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal apud STETTINGER FILHO, Ralph. Op. cit.

11 MIRABETE, Júlio Fabbrini; Manual de Direito Penal apud STETTINGER FILHO, Ralph. Op. cit.

12 Sempre que se falar em “racha” ou “pega”, leia-se “participação em competição não autorizada”, ou seja, o delito do art. 308 do Código de Trânsito Brasileiro.

13 JESUS, Damásio de. Crimes de Trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito (Lei n. 9.53, de 23 de setembro de 1997). 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 185

14 O Novo Código de Trânsito passou a vigorar 120 dias depois de sua publicação (24-9-1997), ou seja, no primeiro instante do dia 22 de janeiro de 1998.

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Leite, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é de que o delito de homicídio ou lesão absorve o crime de participação em competição não autorizada, que prevê tão-só a conduta potencialmente danosa.

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Surge, então, a dúvida: O crime de homicídio ou o de lesão corporal, decorrente da prática do racha, pertence à modalidade dolosa ou culposa? É inquestionável que o praticante de racha prevê o resultado antijurídico (lesão ou morte de terceiro) como possível. A dúvida reside em determinar se o agente presta anuência para que este resultado sobrevenha (dolo eventual) ou se repele a idéia de advento do resultado e acredita veementemente que, em função de sua habilidade, tal resultado não virá a ocorrer (culpa consciente).

Em se tratando de superveniência do resultado morte, o art. 308 do CTB ficará absorvido ou pelo art. 302 do CTB, ou pelo art. 121 do CP? É crucial a compreensão de que o que irá determinar se a absorção dar-se-á pelo art. 302 do CTB ou pelo art. 121 do CP será o entendimento de que o resultado morte deriva de culpa consciente do autor, no primeiro caso, ou de dolo eventual, no segundo.

A interpretação pró-culpa consciente é, sem dúvida, o entendimento mais benéfico para o agente que ficará sujeito a uma sanção menor: a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor tem uma pena cominada pelo CTB de detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir.

Por outro lado, o entendimento mais gravoso para o autor é o de que este agiu com dolo eventual, assumindo o risco e anuindo previamente na superveniência do resultado morte. Tratar-se-ia de absorção pelo art. 121

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do Código Penal Brasileiro que comina pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos para o homicídio simples e de 12 (doze) a 30 (trinta) na hipótese de homicídio qualificado.

15 Este entendimento foi retirado do recurso criminal n. 2005.003096-7, de Tubarão, cujo relator é o Des.

Maurílio Moreira Leite.

16 BRASIL. DECRETO-LEI N. 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal: Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena: reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena. § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Ho- micídio qualificado. § 2º Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por ou- tro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissi- mulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena: reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

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4.1. Homicídio e Lesão Corporal Culposos no Trânsito

No Código Penal, o homicídio culposo tem uma pena cominada de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

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Em 1997, com o advento do Código de Trânsito, passou a existir uma previsão específica no art. 302 da pratica de homicídio culposo na direção de veículo automotor, com uma pena cominada superior à anterior do Código Penal, qual seja detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, podendo ser aumentada de um terço à metade nas hipóteses previstas no parágrafo único.

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Alguns doutrinadores, como Rui Stoco, defendem a inconstitucionalidade do art. 302 do CTB por ofensa ao princípio constitucional da isonomia e ao direito subjetivo do réu a um tratamento igualitário

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. Este entendimento de Rui Stoco segue a linha da dogmática clássica, para a qual a antijuridicidade está limitada à desvaloração do resultado.

Por este entendimento, sendo o resultado o mesmo (homicídio culposo), não haveria razão para a cominação de penas diametralmente desproporcionais para alguém que, desavisadamente, joga um vaso de flor de cima de um prédio e acaba matando um infeliz transeunte (detenção de 1 a 3 anos) e outrem que, praticando corrida não autorizada em via pública, atropela e mata um pedestre (detenção, de 2 a 4 anos, podendo ser aumentada de um terço à metade, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor).

5. Posicionamento Doutrinário Pró-Dolo Eventual

17 BRASIL. DECRETO-LEI N. 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal: Art. 121. (...) Homicídio culposo. § 3º Se o homicídio é culposo: Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

18 BRASIL. LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro: Art.

302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à víti- ma do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de pas- sageiros.

19 STOCO, Rui. Apud BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, volume 2.

3.ed. rev e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 91.

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- Júlio Fabbrini Mirabete: “Querer o perigo ou aceitar o risco de sua ocorrência equivale a consentir no risco do resultado (morte ou lesão corporal).”

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- José Marcos Marrone: “Se da corrida, disputa ou competição não autorizada resultar evento mais grave (lesão ou morte), configura-se o dolo eventual (art. 18, I, 2ª parte, do Código Penal), respondendo o condutor pelo delito de homicídio doloso ou lesão corporal dolosa. Fica absorvido o crime do art. 308 do CTB. ” Reforçando o mesmo entendimento o autor continua: “Efetivamente, aquele que participa de ‘racha’, em via pública, tem consciência dos riscos envolvidos, aceitando-os, motivo pelo qual mereve ser responsabilizado por crime doloso.”

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6. Posicionamento Doutrinário Pró-Culpa Consciente

- Cezar Roberto Bitencourt: “Por fim, a distinção entre dolo eventual e culpa consciente resume-se à aceitação ou rejeição da possibilidade de produção do resultado.

Persistindo a dúvida entre um e outra, dever-se-á concluir pela solução menos grave: pela culpa consciente”.

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- Edmundo José de Bastos Jr.: “Quando a atitude psíquica do agente não se revelar inequívoca, ou se há inafastável dúvida se houve, ou não, aceitação do risco do resultado, a solução deve ser baseada no princípio in dubio pro reo, vale dizer, pelo reconhecimento da culpa consciente. (...) Nos delitos de trânsito, há um decisivo elemento de referência para o deslinde da dúvida entre dolo eventual e culpa consciente: o risco para o próprio agente. Com efeito, é difícil aceitar que um condutor de veículo, na plenitude de sua sanidade mental, seja indiferente à perda de sua própria vida – e, eventualmente, de pessoas que lhe são caras - em desastre que prevê como possível conseqüência de manobra arriscada que leva a efeito (...).”

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20 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Apud STETTINGER FILHO, Ralph. Op. cit.

21 MARRONE, José Marcos. Op. cit. P. 76-77.

22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito Penal. apud STETTINGER FILHO, Ralph. Op. cit.

23 BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em Exemplos Práticos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. P. 58.

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7. Posicionamento Jurisprudencial

Na década de 1990, como parte de uma “política criminal do terror”, observou-se o nascimento – no Rio Grande do Sul – e fortalecimento – em todo o território nacional – de uma corrente jurisprudencial que passou a reconhecer, indiscriminadamente a existência de dolo eventual nos acidentes automobilísticos, decorrentes ou não de racha, com repercussão social

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. Entretanto, decisões isoladas para um ou outro lado continuam a ser prolatadas pelos Tribunais Brasil a fora.

8. Considerações finais

A idéia inicial motivadora desta pesquisa foi procurar investigar a incidência de dolo eventual ou de culpa consciente nos delitos de lesão corporal e homicídio decorrentes da prática do racha.

A partir de uma conceituação dos tipos de elemento subjetivos, com ênfase na diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, passou-se a uma caracterização do delito do art. 308 do CTB, para só então analisar a incidência do elemento subjetivo quando da superveniência de resultado concreto no crime de racha.

A doutrina brasileira divide-se quanto ao reconhecimento de dolo ou culpa.

Juridicamente, a interpretação dos dispositivos legais em vigor aponta que a intenção do legislador de levar o intérprete para a culpa consciente. Isto porque o Código de Trânsito Brasileiro, que é o instituto legal destinado a regular os crimes cometidos no trânsito, só prevê a modalidade culposa de lesão corporal e homicídio quando sobrevierem como resultado concreto em crime de racha.

O aprofundamento da análise da superveniência de resultado concreto em crime de “racha” instiga à investigação, pois é justamente quando ocorre a absorção do delito de participação em competição não autorizada pelo homicídio ou lesão corporal que surge a discussão sobre a incidência de dolo eventual ou culpa consciente.

Em se tratando de delimitação de conceitos, o mais interessante foi observar que, apesar do tênue limite subjetivo que separa as duas espécies de culpabilidade de que tratou esta pesquisa (dolo eventual e culpa consciente), há uma enorme disparidade de penas entre uma e outra: no caso de um homicídio ocorrido durante a prática de racha, se a opção for

24 BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, volume 2. 3.ed. rev e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 95.

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pelo dolo, aplica-se o Código Penal (art. 121), e a pena pode variar de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, podendo ser de até 12 (doze) a 30 (trinta) anos, na hipótese de homicídio qualificado;

entretanto, se a opção for pela culpa consciente, a pena a ser aplicada é a cominada para o homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), qual seja detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Em análise da interpretação jurisprudencial da matéria, observou-se que, quando não há provas concretas, definitivas de que o acusado tenha agido com a intenção de causar o resultado, não poderá existir outra decisão senão no sentido de se reconhecer uma conduta culposa.

A opção pela culpa consciente é, ainda, a interpretação técnica mais adequada de acordo com a legislação específica que regula a matéria, qual seja, o Código de Trânsito Brasileiro.

Entretanto, torna-se claro que, por decisão de política criminal, o Poder Judiciário resolveu dar à sociedade a resposta por ela esperada, punindo tais delitos de grande repercussão social com seriedade, o que só pode ser feito no âmbito do dolo. Isto tem sido demonstrado como clara tendência extraída das decisões mais recentes dos principais tribunais do país, no sentido de afirmar a impossibilidade de afastamento genérico do dolo eventual, ainda que em detrimento da técnica e do primor interpretativo da lei.

Todavia o objetivo maior deste rigor na aplicação das penas não tem sido alcançado. Apesar de se buscar coibir a prática de imprudências, o aumento da severidade na punição tem sido acompanhado por um crescente número de acidentes fatais.

Finalmente pode-se entender que o fator determinante para a diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente é certamente a vontade do agente. Somente nos casos em que restar claramente evidenciado esse querer, poder-se-á falar em dolo eventual, que, nos delitos de trânsito, embora possível, é de difícil comprovação. Diante da dificuldade de descobrir o que pensava o agente no momento da conduta delituosa, na prática, o elemento subjetivo, não é extraído da mente do autor, mas sim das circunstâncias do caso concreto.

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Referências

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