• Nenhum resultado encontrado

F rente a P articulares

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "F rente a P articulares"

Copied!
20
0
0

Texto

(1)

F rente a P articulares

A N A CLAUDIA P J ^ m R I Ü Ê I R A D E LIMA*

R e s u m o : O s Direitos H u m a n o s d e v e m ser observados n ã o s o m e n t e nas relações públi­

cas, o u seja, e m q u e o Estado seja parte (segundo a concepção antiga d o direito d e resistência d o indivíduo frente ao Estado), sendo imprescindível o respeito aos direitos h u m a n o s e m toda e qualquer relação, pública o u privada.

Daí, se falarem horizontalizaçãodos direitos h u m a n o s , o u seja, a observância destes nas relações entre particulares.

A s ações afirmativas, q u e tratam d e políticas públicas e privadas visando a coibição d a discriminação e a p r o m o ç ã o d a igualdade, s u r g e m c o m o instru­

mento de inclusão social, buscando remediar u m passado discriminatório,

objetivando acelerar o processo de igualdade, c o m o alcance d a igualdade

material por parte de grupos vulneráveis, c o m o as minorias étnicas e raciais,

as mulheres, os deficientes físicos, dentre outros.

S e m a pretensão de esgotar o tema, este artigo visa estudar algumas teorias de aplicação dos direitos fundamentais frente a particulares e questionar se as ações afirmativas podem, além de serem direcionadas aos entes públicos, serem opostas nas relações privadas, analisando-se a questão no Direito positivo brasileiro.

Sumá r i o : 1 Introdução; 2 Povo e Democracia; 3 Evolução Histórica dos Direitos Funda­

mentais; 4 D a implementação do Direito à Igualdade; 4.1 Combate àDiscrimi- nação; 4.2 Promoção da Igualdade; 5 Ações Afirmativas; 6 Direitos Fundar

mentais frente a particulares e a autonomia da vontade; 6.1 Teoriâs d a eficácia

dos direitos fundamentais na esfera privada; 6.1.1 A t e s e d a n a o vinculação dos

particulares aos direitos fundamentais e a doutrina d a "State A c t i o n 6.1.2

Teoria da eficácia indireta e mediate dos direitos fundamentais nas relações

privadas; 6.1.3 Teoria d a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas; 6.2 Tendências atuais; 7 A ç õ e s Afirmativas frente a particulares; 8 Conclusão.

Palavras-chave: Povo; Princípio d a Igualdade; Inclusão Social; A ç õ e s Afirmativas; Direi­

tos Fundamentais frente a particulares.

•Juíza do Trabalho Titular da 2* Vara dó Trabalho de Jaú. Obteve título de mestre perante o Centro de Pós- Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Bauru - SP (área de concentrado: Sistema Constitucional de Garantia de Direitos).

R evista do T ribunal R egiopai . do T rabalho da 15“R ecuo 107

(2)

“O s grandes inovadores éticos n ã o f o r a m h o ­ m e n s e mulheres que soubessem mais que os ou­

tros; f o r a m h o m e n s e mulheres cujos desejos eram mais impessoais e de maior âmbito que os homens e mulheres comuns. A maioria dos h o ­ m e n s e mulheres deseja sua própria felicidade;

considerável percentagem deseja a felicidade de seus filhos; poucos desejam a felicidade da nação, e apenas alguns desejam a felicidade de toda a humanidade”.

1 I N T R O D U Ç Ã O

A sociedade contem p o r â n e a é u m a sociedade plural, e m todos os aspectos: so­

cial, econômico, de origem, cultural, político e jurídico. A conce p ç ã o d e direito e d e m o ­ cracia v e m sofrendo umaevoluçãoconstan- te, principalmente nos últimos 5 0 anos, a partir d o pós-guerra.

Detentora d e u m do s m o d e l o s mais apreciados de democracia, Atenas n ã o co n ­ siderava e m seu regime político a vontade dos escravos, dos metecos* 2 * * e das m u l h e ­ res, qu e e r a m excluídos d o rol dos cidadãos.

O s escravos só passaram a ser considera­

dos c o m o integrantes d o p o v o nos Estados Uni d o s da A m é r i c a por interesse dos Esta­

dos sulistas, q u a n d o o critério adotado para fixação d o n ú m e r o d e representantes, de.

cada Estado na C â m a r a Federal foi o da população de cad a Estado. Des s a forma, a democracia originária, concebida c o m o g o ­ verno d o p o v o e distribuição equitativa do poder, paradoxalmente, excluía determina­

dos grupos sociais.

Interessante notar qu e os estrangei­

ros residentes n o Brasil, e m b o r a detentores dos direitos fundamentais, n ão t ê m qualquer tepresentatividade (art. 14, §2° d a CB ) , n e m sequer a nível local (municipal) se n ão

Bertrand Russel1

f o r e m naturalizados. O art. 12, II, d a C B exige, para a naturalização, a residência no país h á mais d e quinze ano s ininterruptos e s e m conde n a ç ã o penal, à exceção do s ori­

ginários d e países d e língua portuguesa, dos quais exige-se a residência p o r u m a n o ininterrupto e idoneidade moral. Consideran­

d o c o m o p o v o a totalidade do s atingidos pe ­ las n o r m a s d e u m a determinada localidade, a C o m u n i d a d e Européia assegura aos es­

trangeiros o direito d e votarem nas eleições d o município e m q u é residem.

A análise d q conceito d e p o v o nos leva ao conceito de. minorias, b e m c o m o ao d e exclusão social. B u s c a n d o soluções para o problema d a exclusão, social abordaremos o te m a da implementação, d o princípio da igualdade, nas. suas formas de c o m b a t e à discriminação e d a p r o m o ç ã o d a igualdade jurídica material. C o m o instrumento de pro­

m o ç ã o d a igualdade, adentraremos n o te m a das ações afirmativas,. dando-se ênfase à implantação de políticas afirmativas e m face d e particulares, b e m c o m o o confronto des­

tas c o m o princípio da autonomia d a vonta­

de.

A s ações afirmativas c u m p r e m a fi­

nalidade pública de. assegurar a diversidade e a pluralidade na sociedade, contemporâ­

nea.

' RUSSEL, Bertrand, tipud PiOVESAN, Flávia. Temos de direitos humanos. São Paulo: Max Llmonacl. 2003, p.!7-

18. ....

2 Segundo o Dlclondrio Aurélio'. Metcco - “Designaçüo que se dava ao csirangeiro domiciliado em Alenas, “O censo de Demdtfio dc Falcra dá a Atenas 20.000 cidadflos, 10.000 mctecos c 400.000 escravos" (Oliveira Martins, Quadro das Instituições Primitivas, p. 309).”

R evista do T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião

108

(3)

2 POVO E DEMOCRACIA

P O V O . D o latim populus (grande n ú m e r o d e homens), é indicativo d e u m a porção d e h o m e n s o u u m grande n ú m e r o de pessoas, s e m referência a o aspecto político o u jurídico, e m q u e se apresentem:

Juridicamente, p o v o designa a totalidade d e pessoas, q u e habita u m território dado, já se apresentando c o m o elemento form a d o r d e u m a na­

cionalidade. É assim a população de u m território o u a m a s s a d e indivídu­

os q u e c o m p õ e m u m Estado. (...).

E m b o r a povo, c o m o vocábulo jurídi­

co, n ã o se confunde c o m a palavra nação, q u e significa este m e s m o p o v o vinculado po r u m interesse c o m u m e subjugado p o r u m a firme consciência d e su a nacionalidade, representa o elemento fundamental d o Estado, qu e nele se apóia, pois q u e todo poder político, q u e exerce, e m princípio, p r o m a n a dele e e m n o m e dele é exer­

cido.3

N a história d a humanidade, a pala­

vra povo, e m b o r a juridicamente devesse corresponder à totalidade d e pessoas habi­

tantes de u m determinado território, s o m e n ­ te parte dessas pessoas e r a m representa­

das politicamente.

O h o m e m s e m p r e organizou-se e m sociedade e esta s e m p r e foi subdividida e m classes o u estamentos, criando-se distinções entre os h o m e n s por motivo de origem, etnia, e c o n o m i a e f o r m a de atividade laborai (físi­

ca ou mental), sendo qu e antigamente o la­

bor n e m era digno de valor, sendo relegado aos escravos, tratados c o m o “coisas” - o b ­ jeto de. propriedade.

A n ã o consideração do s escravos c o m o integrantes d o p o v o é b e m d e m o n s ­ trada po r F a b i o K o n d e r C o m p a r a t o ao mencionar o discurso de Charles Pinckeney, S

representante d a Carolina d o Sul, por oca­

sião d a discussão d a criação d o S e n a d o nos Estados U n i d o s daAmérica, segundooqual, o p o v o norte-americano dividia-se e m três classes: “os profissionais liberais ('que, d e ­ vido às suas atividades, d e v e m s e m p r e ter u m grande peso n o Governo, enquanto este permanecer popular’), os comerciantes e os proprietários rurais. ‘Estas três classes’, concluiu, ‘e m b o r a distintas quanto às suas atividades, são individualmente iguais na es­

cala política, p o d e n d o ser facilmente prova­

d o q u e elas t ê m u m só interesse’.”4 O m e s m o autor relata q u e nos Esta­

dos Uni d o s d a América, os escravos somente passaram a ser considerados m e m b r o s do

“p o v o ” por interesse do s sulistas, q u a n d o o critério adotado para fixação d o n ú m e r o de representantes d e cad a Estado n a C â m a r a Federal foi o d a população d e cada Estado.

A i n d a assim, a representatividade dos es­

cravos era apenas formal.

N a sociedade francesa d o final d o século X V m o ter m o p o v o tinha conotação diversa, c o m p r e e n d e n d o apenas os operári­

os e os lavradores, o u seja, o “estamento geral da nação”, oposto ao estamento dos grandes personagens e d os nobres. Para fugir da ambiguidade d o termo povo, d o art.

3° da Declaração dos Direitos d o H o m e m e d o Cidadão constou: “O princípio d e toda soberania reside essencialmente n a Nação.

N e n h u m corpo, n e n h u m indivíduo pod e exer­

cer autoridade q u e dela n ã o e m a n e expres­

samente” . A p ó s a q u e d a d a monarquia, a n o v a Declaração do s Direitos d o H o m e m e d o Cidadão apresentou-se c o m o sendo feita diretamente e m n o m e d o “p o v o francês”, e nã o de seus representantes.

Friedrich Müller salienta apluralidade d o conceito d e povo. U m a coisa é a totali­

dade d o povo, c o m o centro de imputação das decisões coletivas. Outra coisa é a fra­

ç ã o d o m i n a n t e d o p o v o , cuja v o n t a d e

SSILVA, De

Plácido

e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro:

Poren#«.

1996. vol líJ. p.407-408.

‘C O M P A R A T O .

Fábio Konder in prefácio à 3* ed. “Quem i o

Povo?”,

MÜLLER, Friedrich, Säo

Paulo:Edilora M a x Limon a d ,

2003. Trad. Peter Naumann, p.16-17.

R evista do T mbunal R egionaldo T rabalho da 15“R egi A o 109

(4)

e f e t i v a m e n t e p r e d o m i n a n as eleições, referendos e plebiscitos. E s s a fração d o m i ­ nante d o p o v o é forraalmente majoritária.

Indaga-se q u e m é, concretamente, a m a i o ­ ria votante q u e se pronuncia e m n o m e d o povo.s

Muller ressalta q u e só se po d e falar e m “p o v o ativo” (totalidade dos atingidos pelas n o r m a s de u m Estado) q u a n d o são respeitados os direitos fundamentais indivi­

duais e políticos^ Aponta, ainda, as causas q u e legitimam a- democracia e m conformi­

dad e c o m o Estado d o Direito: procurando dotar a possível minoria dos cidadãos ativos d e c o m p e t ê n c i a s d e deci s ã o e de sancionamento claramente definidas; e m segundo lugar, a legitimidade ocorre pelo m o d o , mediante o qual todos, o “p o v o intei­

ro” , a população, a totalidade dos atingidos são tratados p or tais decisões e seu m o d o de implementação.6

Aristóteles distingue ós regimes polí­

ticos, e m função da titularidade d o poder su­

p r e m o em : monarquia, aristocracia tpolitéia - q u a n d o o poder político é exercido e m benefício d a c o m u n i d a d e c o m o u m todo; ti­

rania, oligarquia e democracia - q u a n d o a finalidade perseguida pelos govemantes.é a sua v a n t a g e m particular. Assim, n a sua vi­

são, oligarquia é o gov e r n o dos ricos e de ­ mocracia o gov e r n o do s pobres.

Para o aperfeiçoamento democráti­

c o n ã o basta a atribuição d e maiorés p o d e ­ res decisórios ao povo, através d a amplia­

çã o d o uso obrigatório d e referendos e co n ­ sultas populares. Épreçiso quebrar o m o n o ­ pólio dos mei o s d e c o m u n i c a ç ã o de m a s s a e m m ã o s d a minoria dominante, b e m c o m o instmir o p o v o para q u e tenha consciência e discernimento n o exercício d e seus direitos políticos, n ã o se deixando manipular pelos detentores d o poder (soberanos d o mercado).

Rouss e a u distinguia a vontade geral - q u e só diz respeito a o interesse c o m u m ,

da vontade d e todòs - q u e se refere ao in­

teresse privado, s e n d o apenas a s o m a de vontades particuláres.

N ã o se p o d e permitir q u e a maioria d o p o v o “e s m a g u e democraticamente’’ a m i ­ noria, e m n o m e d o interesse nacional, n e m q ue a minoria, se detentora d o pod e r d e c o n ­ trole social, se utilize periodicamente d o voto majoritário popular para legitimar todas as exclusões sociais, e m n o m e d a democracia.

N ã o existe soberania inocente:

Voltamos, assim, à velha dis­

tinção aristotélica entre a d e m o c r a ­ cia pura e simples - e m q u e a m a i o ­ ria d o p o v o exerce o poder s u p r e m o n o seu próprio interesse - e o regime político moderado, a democracia jus­

ta, e m qu e o b e m c o m u m predomina sobre todos os interesses particulares.

Ora, o b e m c o m u m , hoje, t e m u m n o m e : são os direitos huma n o s , cujo funda m e n t o é, justamente, a igualda­

de absoluta d e todos os h o m e n s , e m sua c o m u m condição d e pessoas.

(...)

... n e m po r isso $e p o d e dar por resolvido o dilema d e $e reconhecer a efetiva vigência do s direitos h u m a ­ nos, fora d o positivismo estatal e d o jusnaturalismo abstrato.7

Agostinho R a m a l h o M a r q u e s Neto*, e m sua palestra n o 12* Congr e s s o Nacional do s Magistrados d a Justiça d o Trabalho, fez u m a crítica ao neo-liberalismo - processo d e ruptura d o liberalismo clássico, q u e ca­

m i n h a para a perda de direitos sociais, u m a ve z q u e o neo-liberalismo, na sua visão ca­

pitalista, ataca o m o d e l o d o bem-estar soci­

al, taxando-o d e oneroso, afastando-se da lógica d o social.

O liberalismo clássico afirma a igual­

dade, ainda q u e formal, estando comprometi­

d o c o m aspectos d a afirmação d a democracia

‘IbW.. p.20-21.

‘MÜLLER, Friedrich. Quem 4 o povo ? São Pauto: Editora Max Linonad, 2003. Trad. Pcicf Naumann, p-77.

’Ibid.

‘Psicanalista; Professor nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política c Vice-Diretor Geral da Faculdade S2o Luls - Maranhão.

110 R evista do T ribunal R egionaldo T rabalho da 15° R egião

(5)

e cidadania. 0 neo-liberaiismo prega a desi­

gualdade, dizendo q u e a competição é sau­

dável, e m busca da eficiência, implicando no desm o n t e d o Estado, n a desestatizaçâo, pre­

valecendo a lei d o mais forte, h a v e n d o ne­

cessidade de adaptação à realidade.

N a visão d e M a r q u e s Neto, o neo- liberalismo traz c o m o conseqüências, n u m a visão macropolítica, a migração d a sobera­

nia d o Estado para a soberania d o M e r c a ­ do. N u m a visão micropolítica, o enal- tecimento d o consumidor, ao invés d o cida­

dão, por si só.

A s garantias d o m e r c a d o estão subs­

tituindo as garantias jurídicas, razão pela qual é preciso m u d a r o m o d e l o d o m e r c a d o para q u e nã o seja tão perverso, o q u e é possível c o m a aplicação d o princípio ético d a digni­

d a d e d a pessoa h u m a n a , n o c o m b a t e à dis­

criminação e para a p r o m o ç ã o d a inclusão social.

3 E V O L U Ç Ã O H I S T Ó R I C A D O S Dl- R E I T O S F U N D A M E N T A I S

O s Direitos Fundamentais, expressão utilizada pelos doutrinadores alemães, Direi­

tos d o H o m e m o u Direitos H u m a n o s , assim d e n o m i n a d o s pelos autores anglo-america­

nos e latinos9, t ê m po r finalidade, segu n d o H e s s e 10 * , criar e man t e r os pressupostos ele­

mentares d e u m a vida n a liberdade e n a dig­

nidade h u m a n a .

O s direitos h u m a n o s tiveram sua ori­

g e m n o Cristianismo, n o Iluminismo - qu e influenciou a Revolução Francesa - e n a d o u ­ trina social, e m oposição a o Estado liberal.

Foi n o Iluminism o q u e teve ori g e m a construção d o conceito m o d e r n o d e direitos d o h o m e m . A teoria d o contrato social, de ­ fendida e m várias versões por Locke, Kan t e Rousseau, tinha p or finalidade conter o poder absoluto das monarquias, delineando-se

outra for m a de legitimação d o pod e r esta­

tal.

A teoria d e Jean Jacques Rouss e a u exaltava a s a b e d o r i a d a s maiorias, enfatizando ã importância d a democracia e d a soberania popular. Para ele, entendimen­

to compartilhado p or H o b b e s , através do contrato social, os indivíduos alienavam toda sua liberdade para u m corpo social ao qual todos pertenciam, prevalecendo a vontade das maiorias. Locke, po r sua vez, preocu­

pava-se c o m a proteção dos direitos indivi­

duais e m face d o Estado:

N o m o d e l o d e contrato social q u e formulou, os indivíduos nã o alie­

n a v a m todos os seus direitos, c o m o e m H o b b e s e Rousseau. Eles reti- , n h a m direitos naturais, inatos e inalienáveis, q u e os governantes ti­

n h a m de respeitar, e cuja infringência justificava até m e s m o o exercício do direito de resistência. Dentre tais di­

reitos, o m a i s essencial, s e g u n d o Locke, era a propriedade, cuja prote­

çã o representava a m a i s importante função estatal.11

O s ideais iluministas e m b a s a r a m a Revo l u ç ã o Francesa - cora seu l e m a “liber­

dade, igualdade e fraternidade”- e o m o v i ­ m e n t o d e independência das 1 3 Colônias norte-americanas. Nes t e período vigorou o positivismojurídico:

A fórmula utilizada para a ra­

cionalização e legitimação d o poder pelo Iluminismo era a Constituição, lei escrita e superior às dem a i s normas, q u e deveria estabelecer a separação d o s p o d e r e s p a r a contê-los - le pouvoir arrete le pouvoir, c o m o afirmou M o n t e s q u i e u - e garantir os direitos d o cidadão, oponíveis e m face d o Estado. O papel q u e então se atri- buíaàConstituição estava b e m delineado

’BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13* ed. S3o Paulo: Malheiros Editores. 2003. p.560.

'“HESSE, Konrad, "Cnmdrechte", in Stoatslexikan, v.2., apud Paulo Booavides. ob. cit.. p. 560.

"Ibid., p. 22.

R evista do T ribuna R l egion a do l T rabalho da 15aR egião 111

(6)

n o art. 16 d a Declaração dos Direi­

tos d o H o m e m e d o Cidadão de 1789, segu n d o a qual “toda a sociedade, na qual a garantia d os direitos nã o é as­

segurada, n e m a separação d e p o d e ­ res determinada, n ã o t e m constitui- ção.12

Entretanto, o positivismo jurídico, que previa a igualdade formal, nã o foi suficiente para torná-la eficaz, pois, amparados n u m ordenamento jurídico positivado, os deten­

tores d o poder discriminavam, escravizavam e m a t a v a m inocentes nos c a m p o s de co n ­ centração... O s h o n o r e s da escravidão e das guerras f o r a m tantos, q u e a h u m a n i d a d e despertou para a necessidade de se voltar * 1 * 3 4

para sua essência, c l a m a n d o pela proteção da dignidade d a pessoa h u m a n a , 13

É a v e r d a d e i r a " r e v o l u ç ã o copernicana” n o m u n d o jurídico, assim de ­ n o m i n a d a pelo Constitucionalistaportuguês Jorge Miranda, no sentido d e que:

“c o m a positivaçlo recente dos direitos fundamentais, e as teori­

z a ç õ e s sob r e eles realizadas n o constitucionalismo contemporâneo, sobretudo d e influência alemã, ocen- tro d o universo jurídico deixa d e ser a lei (entendida, principalmente, c o m o a p r o d u ç ã o n o r m a t i v a infracons- titucional), posição q u e passa a ser o c u p a d a pel o s próprios direitos

«lWd.. p.24.

I3A

concepção dos direitos humanos foi se transformando

conforme a evolução histórica da humanidade, sendo 05

mesmos classificados, sob o ponto de vista

cronológico, em:

1. Direitos fundamentais da primeira geração: são os direitos individuais, que têm por maior expressão os direitos da liberdade - direitos civis c políticos - concebidos como direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

Z.Direitos fundamentais da segunda geração: são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo, das distintas formas de Éslado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara v estimula. ’

Exigem do Estado uma ação positiva para dar concretude ao princípio da igualdade, uma vez que só a igualdade forma! (perante a lei) não basta para suprimir o constante desequilíbrio entre as partes de uma relação jurídica.

Inicialmente, tiveram eficácia duvidosa, em face de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determi­

nadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos. Foram remetidos á chamada esfera programática, em virtude de não comerem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade.

Atualmente, os direitos fundamentais de segunda geração tendem a tomar-se ião justiciáveis quanto os da primeira.

Com efeilo. até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador.

3. Direitos fundamentais da terceira geração: são os direitos relativos à fraternidade, assim identificados por Vasaf:

direito ao desenvolvimento, dircilo à paz. direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existeocialtdade concreta.

Etiene-R. Mbaya. fonnulador do chamado "direito ao desenvolvimento" utiliza a expressão "solidariedade" para caracterizar os direitos da terceira geração. "O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, segundo assevera o próprio Mbaya, o qual acrescenta que rclativamente a individoos cie se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e á alimentação adequada.

4. Pauto Bonavides classifica como Direitos fundamentais da quarta geração:

O direito à democracia, o direito à informação e o direito a o pluralismo. Deles d e p e n d e a concretização d a sociedade aberta d o futuro, e m

sua

dimensão de m á x i m a universalidade, p a r a a qual parece o m u n d o inclinar-se n o plano d e todas as relações de convivência.*

Interessante notar que o lema da Revolução Francesa do século XVIII profetizou a evolução histórica dos direitos fundamentais: liberdade (I* geração), igualdade (2a geração) e fraternidade (3* geração). Paulo Bonavides1 atenta para o equívoco da expressão "geraçóes”. sendo mais apropriado subsütuf-la por "dimensões" dos direitos funda­

mentais. uma vez que a supcrveniência de uma "geração" depois da outra não substitui os direitos da “geração”

anterior, pelo contrário, os mesmos se acumulam.

112 R evista do T ribunal R egiomldo T rabaluoda 15"R egiâo

(7)

fundamentais. C o m isso, coloca-se c o m o centro e f u n d a m e n t o d o ordenamento jurídico, enquanto direi­

to positivo, a dignidade da pessoa h u ­ m a n a , matriz de todos os direitos fun­

damentais.” 14

A N o v a Hermenêutica Jurídica m a r ­ ca a ruptura d o ape g o a o positivismo jurídi­

co, eis q u e t e m c o m o base os valores e prin­

cípios centrados n a dignidade d a pessoa h u ­ man a .

O direito d o estado d e direito d o século X I X e d a primeira met a d e d o século X X é o direito das regras do s códigos; o direito

d o estado constituci­

onal-democrático e de direito leva a sério os princípios, é u m direi­

to d e princípios. [...]

o t o m a r a sério os princípios implica u m a m u d a n ç a profunda na m e t ó d i c a d e c o n ­ cretização d o direito e, p o r conseguinte, n a actívidade juris- diciona! dos juízes.15 Paulo Bonavides res­

salta, por é m , q u e d e na d a a d i a n t a m as teorias sobre direitos fundamentais se os

Estados n ã o se aparelharem de mei o s e ór­

gãos para a proteção dos m e s m o s e sobre­

tudo produzir u m a consciência, nacional de q u e tais direitos são invioláveis.

O Estado Liberal, ao conceber os di­

reitos fundamentais c o m o direito de defesa d o indivíduo frente ao Estado, para que este observasse os direitos e garantias individu­

ais, n ã o intervindo n a vida privada do indiví­

duo, traçou u m m a r c o divisório entre o p ú ­ blico e o privado.

Atualmente, os direitos fundamentais são opostos n ã o somente e m face d o Esta­

do, m a s t a m b é m frente a particulares, u m a ve z q u e t a m b é m estes d e v e m respeitar os direitos fundamentais, m o r m e n t e a dignida­

de da pessoa h u m a n a . Assim, toda relação h u m a n a , quer seja entre particular e ente público o u entre particulares, deve se p a u ­ tar e m valores éticos, respeitando os direi­

tos inerentes a o h o m e m , tais c o m o a vida, a liberdade, a igualdade, a dignidade etc.

4 D A I M P L E M E N T A Ç Ã O D O D I R E I ­ T O À I G U A L D A D E

C o n f o r m e exposto, os direitos h u m a ­ n o s t i v e r a m s u a o r i g e m c o m o direito d e resistência d o indivíduo frente a o Esta­

do, impon d o - s e a este u m n ã o fazer, o u seja, M o inter­

ferir nas relações privadas, s e n d o estas regidas pelo principio d a igualdade for­

mal. Entretanto, a igualda­

d e perante a lei M o assegu­

rava igualdade fãtica entre s os detentores d e poder eco­

n ô m i c o e a pessoa c o m u m , s e m acesso à Justiça, s e m conhecimento sobre seus di­

reitos, c o m poucas alterna­

tivas de escolha e m vários aspectos de sua vida, hav e n ­ d o a necessidade de se exi­

gir d o Estado t a m b é m u m a ação positiva para a consecução da Justiça Social.

O conceito de inconstitucionalidade material está relacionado aos princípios su­

periores de justiça, igualdade e dignidade da pessoa h u m a n a . A pior das inconstitucio- nalidades n ã o é a formal, m a s s im a materi­

al. “N ã o há constitucionalismo s e m direi­

tos fundamentais. Tampo u c o há direitos fundamentais s e m a constitucionalidade yf .;l?Àutdlmentet<xdireitcs

fimdantentaissSoopostosnão somenteemfacedoEstado, nus

também frente a pxráculara, umavezquetambém estes devem nspeit&mdneitDS ::;:

. fundamentas, mormentea humana .“

"GUERRA, Marcelo Lima.

Direitos fundamentais e a proteção d o eredor n a execução eivil.

$So Paulo: Edilora Revista dos Tribunais, 2003, p.82.

"CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

A "printípiaiização" d a jurisprudência através d a Constituição,

in Revista de processo, Sâo Paulo, 2000, v. 98, p. 84, apud MEDINA, José Miguel Garcia,

E x e c u ç ã o civil: princípios fundamentais.

São Paulo: Edilora Revista dos Tribunais, 2002, p.34.

R evistado T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião 113

(8)

d a o r d e m material cujo horte leva ao princípio d a igualdade, pedestal de to­

dos ds valores sociais de justiça. ”16 Tornou-se necessário repensar o va­

lor d a igualdade, a f i m d e q u e as especificidades e as diferenças sejam ob ­ servadas e respeitadas. Assim, a o lado d o sistema geral d e proteção, a e x e m p l o da Declaração do s Direitos d o H o m e m e d o C i d a d ã o n a França, d o Bill of Rights ( inte­

grada pela Declaração Universal d e 1948 e pelos Pactos d a O N U d e Direitos Civis e Politicos e d e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais d e 1966), e m q u e o endereçado é toda e qualquer pessoa, g e ­

nericamente concebida, or- ganiza-se o sistema especi­

al d e proteção, q u e adota c o m o sujeito d e direito o in­

divíduo historicamente situ­

ado, o u seja, o sujeito d e di­

reito “concreto”, na peculi­

aridade e particularidade de suas relações sociais. O s sistemas normativos interna­

cional e nacional p a s s a m a reconhecer direitos endere­

çados às crianças, aos ido­

sos, às mulheres, às pesso­

as vítimas de tortura, às pes­

soas vítimas d e discrimina­

ção racial, dentre outros.17

Dentre os instrumentos internacionais q u e b u s c a m responder a determinada viola­

ção d e direito, t e m o s a C o n v e n ç ã o Interna­

cional sobre a Eliminação d e todas as for­

m a s d e Discriminação Racial; a C o n v e n ç ã o Internacional sobre a Eliminação de todas as formas d e Discriminação contra a M u ­ lher, a C o n v e n ç ã o Internacional contra a Tortura, a C o n v e n ç ã o sobre os Direitos da Criança.

N o Brasil, o p r o c e s s o d e especificação d o sujeite d e direito ocorreu

d e f o r m a fundamental c o m a Constituição Brasileira d e 1988, c o m os capítulos especí­

ficos dedicados à criança, a o adolescente, a o idoso, aos índios, b e m c o m o dispositivos constitucionais específicos voltados às m u ­ lheres, à população negra, às pessoas por­

tadoras d e deficiência, etc.

Fiávia Piovesan ensina q u e n a ótica contemporânea, a concretização d o direito d a igualdade, c o m o consequente respeito à diferença e à diversidade, impl i c a n a implementação d e du a s metas: o c o m b a t e à discriminação e a p r o m o ç ã o d a igualdade.

O c o m b a t e à discriminação é u m a for m a de garantir a todos o pleno exercício dos direitos civis e políticos, c o m o t a m b é m dos direitos sociais, e c o n ô m i c o s e culturais.

A discriminação ocorre q u a n d o s o m o s tratados d e f o r m a igual q u a n d o s o m o s

No Brasil, o processo de especificação do sujeito de direito

ocorreu de forma fundamental com a Constituição Brasileira de

1988, com os capítulos específicos dedicados à criança, ao

adolescente, ao idoso, aos índios,

^njduemnáise^iec^^í^^os ãs mulheres, àpopulação negra,

; ãspessoaspttrtadoras de defidênãa,eU.

4.1 Combate à Discrimi­

nação

A o se referir às C o n ­ v e n ç õ e s d a O N U sobre a Eliminação d e todas as for­

m a s d e Discriminação R a ­ cial e sobre á Eliminação de todas as formas d e Discri­

m i n a ç ã o contra a Mulher, Fiávia Piovesan conceitua a discriminação com o :

... toda distinção, e x ­ clusão, restrição o u prefe­

rência q u e tenha p o r objeto o u resultado prejudicar o u anular o reconhecimento, g o z o o u exercício, e m igual­

d a d e d e condições, do s di­

reitos h u m a n o s e liberdades fundamentais, n ós c a m p o s político, econômico, social, cultural e civil o u e m qualquer outro c a m p o . L o g o a dis­

criminação significa semp r e desigual­

dade. ■*

“BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. IT ed. S3o Paulo: Matheiros Editores, 2003. p.601.

■’PIOVESAN. Fiávia. Óp. cit., p. 194-195.

'•Ibid., p. 197.

114 R evista do T ribvnal R egionaldo T rabalhoda 15“R egiâo

(9)

diferentes e de f o r m a diferente q u a n d o so­

m o s iguais.

4.2 P r o m o ç ã o d a Igualda- d e

Para garantir e assegurar a igualda­

de nã o basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. S ã o essen­

ciais as estratégias promocionais capazes de estimular a inserção e inclusão desses gru­

pos socialmente vulneráveis n os espaços sociais.

A discriminação e a intolerância àdi- ferença e diversidade gera exclusão social.

Simplesmente combater a discriminação não contribui para a p r o m o ç ã o d a igualdade, q ue l

é u m a for m a de inclusão social de grupos qu e sofreram e sofrem discriminação.

A s ações afirmativas s u r g e m c o m o instrumento de inclusão social, buscando re­

m e d i a r u m p a s s a d o discriminatório, objetivando acelerar o processo de igualda­

de, c o m o alcance d a igualdade material por parte d e grupos vulneráveis, c o m o as m i n o ­ rias étnicas e raciais, as mulheres, os defici­

entes físicos, dentre outros.19

A s ações afirmativas c u m p r e m a fi­

nalidade pública d e assegurar a diversidade e a pluralidade social.

A C o n v e n ç ã o sobre a Elimi n a ç ã o d e todas as f o r m a s d e Discriminação Racial prevê “discriminação positiva’' através d a adoção de medidas especiais d e pro­

teção o u incentivo a grupos ou.indivíduos, para p r o m o ­ ver sua ascensão na socie­

dade, até u m nível de equi­

paração c o m os demais. D a m e s m a forma, a C o n v e n ç ã o sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a M u l h e r t a m b é m permite a “ discriminação positiva” , visando aceleraro processo d e equiparação de status entre h o m e n s e m u ­ lheres. Tratam-se, portanto, de medidas c o m ­ pensatórias para remediar as desvantagens históricas, aliviando o passado discriminatório sofrido por esse grupo social.

A busca d a igualdade material é ex ­ pressada na Constituição Brasileira, e m seu art. T, X X , referente à proteção d o m e r c a ­ d o d e trabalho d a m u l h e r mediante incenti­

vos específicos, e ait 37, VII, q u e determi­

n a a reserva, por lei, d e percentual d e car­

gos e e m p r e g o s públicos para a$ pessoas portadoras d e deficiência.

O c o m b a t e à discriminação encontra- se positivado n o ordenamento jurídico brasi­

leiro através d o art. 5 o, inc. X L I e X L I I da Constituição Brasileira a o prever q ue “lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” , e qu e

“ a prática d o r a c i s m o constitui cri m e inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos d a lei” . A Lei 7.716, de 05.01.89 definiu os crimes resultantes de preconceito d e raça o u cor, sendo a m e s m a alterada peia lei 9.459/97 para ampliar seu objeto, incluindo n o tipo p e ­

nal a discriminação o u pre­

conceito d e etnia, religião ou procedência nacional.

N o c o m b a t e à discri­

m i n a ç ã o das mulheres tem- se a Lei 9.029, d e 13.04.95, q u e proíbe a exigência d e atestados de gravidez e es­

terilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais o u d e p e r m a ­ nência d a relação jurídica de trabalho, b e m c o m o a Lei 10.224, de 15 d e m a i o de 2001, qu e dispõe sobre o cri­

m e d e assédio sexual.

Asações afirmativas cumprem a finalidade pública de assegurar o

diversidade e a pluralidade social "

'54 busca da igua/dadewateriaJ é expressada na Cònstituifão Brasileira, em sen àrt. 7, XX, referente àproteção do mercado de

trabalho da mulher mediante incentivos específicos, e art. 57, VII, que detemina a reserva, por

léi, de percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas

portadoras de deficiência.

l*Ibid., p.199.

R evista do T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião 115

(10)

A nível infraconstitucional, p o d e m o s citar c o m o leis brasileiras q u e b u s c a m a pro­

m o ç ã o da igualdade jurídica material: a “Lei das cotas” (Lei n. 9.100, d e 1995), q u e de ­ termina a reserva d e 2 0 % do s cargos para as candidaturas das eleições municipais às mulheres; a Lei 9.504, de 30.09.1997, qu e estabelece q u e ca d a partido o u coligação deverá reservar d m í n i m o de trinta por cen­

to e o m á x i m o de setenta por cento para candidaturas d e cad a sexo, e a Lei 9.799, de 26.05.99, qu e insere na C L T regras so­

bre o acesso da mulher ao m e r c a d o de tra­

balho.

5 A Ç Õ E S A F I R M A T I V A S

Para J o a q u i m B. B a r b o s a G o m e s , a introdução das políticas de ação afirmativa representou a m u d a n ç a d e postura d o Esta­

do, outrora neutro, q ue aplicava suas políti­

cas governamentais indistintamente, ignoran­

d o a importância de fatores c o m o sexo, raça e cor. N e s s a n o v a postura, o Estado enco­

raja entes públicos e privados a levar e m contas tais di versidades, c o m a finalidade de concretizar, na m e d i d a d o possível, a repre­

sentação d e cada grupo n a sociedade o u n o respectivo m e r c a d o de trabalho tanto nas escolas quanto nas empresas.20 O m e s m o autor define as ações afirmativas, atualmen­

te, com o :

... u m conjunto de políticas p ú ­ blicas e privadas de caráter c o m p u l ­ sório, facultativo o u voluntário, co n ­ cebidas com.vistas ao c o m b a t e à dis­

criminação racial, de gênero e de ori­

g e m nacional, b e m c o m o para corri­

gir, os efeitos presentes da discrimi­

nação praticada n o passado, tendo por objetivo a concretização d o ideal de efetiva igualdade d e acesso a bens

fundamentais c o m o a educação e o empr e g o . 21

Ç a r m e m Lúcia Antu n e s R o c h a des­

taca q u e a igualdade jurídica n ã o p o d e ser pensada apenas e m relação a o m o m e n t o e m qu e se t o m a m as pessoas postas e m dada situação submetida ao Direito, devendo-se considerar tpda a dinâmica histórica d a so­

ciedade. “H á q u e s e a m p l i a r o foco d a vida política e m sua dinâmica, cobrindo espaço histórico qu e se reflita ainda n o presente, provocando agora desigualdades nascentes d e preconceitos passados, e n ã o d e todo extintos, Adiscriminação de o n t e m p o d e ain­

d a tingir a pele qu e se vê de cor diversa da qu e predo m i n a entre os.que d e t ê m direitos e poderes hoje.”22

S e g u n d o Rena t a M a l t a Vilas-Bôas:

A ç õ e s afirmativas são m e d i ­ das temporárias e especiais, tomadas o u determinadas pelo Estado, de for­

m a compulsória o u espontânea, c o m o propósito específico d e eliminar as desigualdades q u è f o r a m acumuladas n o decorrer d a história d a sociedade.

Estas med i d a s t ê m c o m o principais

‘beneficiários os m e m b r o s do s gru­

po s q u e enfrentaram preconceitos’.23 Barbosa G o m e s aponta c o m o objeti­

vos d a ação afirmativa: coibir a discrimina­

ção d o presente; eliminar os efeitos persis­

tentes d a discriminação d o passado, qu e ten­

d e m a se perpetuar, implantar de u m a certa

“diversidade” e de u m a mai o r “represen- tatividade dos grupos minoritários nos mais diversos domínios d e atividade públicas pri­

vada, e m harm o n i a c o m o caráter plúrimo d a sociedade; eliminaras “barreiras artifici­

ais e invisíveis” qu e e m p e r r a m o avanço de negros e mulheres, independentemente da

“GOMES, Joaquim B. Barbosa, Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar.

2001, p,38-39.

3lIbid-, p, 40. ;

^ANTUNES ROCHA, Carmcm Lúcia. "Ação Afirmativa - o Conteúdo Democrático do Princípio da igualdade Jurídica", in Revista Trimestral da Direito Público n. 15/85, apud GOMES, Joaquim B. Barbosa. Op. cit. p. 42-44.

“VILAS-BÔAS. Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 29.

R evista do T ribunal R egionaldo T rabalho da 15“R egião

116

(11)

existência o u nã o d e política oficial tendente a subaltemizá-los, e, por fim, as ações afir­

mativas cumpriríam o objetivo d e criar as c h a m a d a s personalidades emblemáticas, ou seja, e x e m p l o s vivos de mobilidade social ascendente: m e c a n i s m o s de incentivo à ed u ­ cação e ao aprimoramento d e jovens inte­

grantes d e grupos minoritários.24

N e s s e contexto, a açt o afirmativa seria instrumento d e aplicação d e u m d os três princípios éticos (individualidade, res­

ponsabilidade e solidariedade), qual seja, a solidariedade vertical, e m relação aos ante­

passados e e m relação a o futuro.

S o b o ponto d e vista ético, solidariedade é toda experiência consciente e o c o m p o r t a m e n t o decorrente desta gera u m a unidade e m u m a diversidade. S ó se t e m solidariedade a partir d e u m a base c o m u m q u a n d o t a m ­ b é m está presente a diversi­

dade. S e nã o houver diver­

sidade, h á “e g o í s m o de u m grupo” (ex. união para d e ­ termi n a d o objetivo). T e m q u e ser u m a experiência consciente, criando-se u m a mentalidade. N ã o se t e m so­

lidariedade se n ã o houver m u d a n ç a d e mentalidade. A solidariedade reconhece o

outro n a sua individualidade. A simples co ­ m o ç ã o nã o gera solidariedade. S ó há solida­

riedade q u a n d o h o u v e r atos concretos (ação).

N ã o é preciso simpatizar-se c o m a l g u é m para ser solidário ao m e s m o . A c a ­ bada a necessidade e findo o gesto concre­

to d e solidariedade, termina a solidariedade.

O amor, pelo contrário, é u m a luta de per­

manência. N o relacionamento afetivo não há solidariedade, pois n ã o há diversidade. A solidariedade exige reciprocidade, o a m o r

imo; a solidariedade bus c a a unidade n u m a diversidade; a solidariedade n ã o é p e r m a ­ nente, m a s s i m temporária.

A solidariedade vertical é tratada por parte d a doutrina c o m o questão d e recipro­

cidade. Esta d e v e ser c o m p r e e n d i d a n u m sentido amplo, tal c o m o a consciência de que o q u e se usufrui hoje d a sociedade é algo construído pelos antepassados. H á solidari­

eda d e e m relação aos antepassados q u a n d o se preserva m o n u m e n t o s históricos, q u a n d o se preserva a história. H á solidariedade q u a n d o se reconhece as vítimas d a história.

N e m s e m p r e os vencedores d a história pos­

s u e m dignidade.

A s s i m , p o d e m o s classificar a ação afirmati­

v a c o m o u m ato de solidari­

eda d e vertical, ao se reco­

nhecer os grupos excluídos n o passado (a e x e m p l o dos negros e das mulheres ) e os c o m p e n s a r n o presente (através d e políticas d e in­

serção a o mercado de tra­

balho, de acesso à educação etc), busc a n d o a igualdade social (unidade) -respeitan- do-se as diversidades, pro­

porcionando aos integrantes de tais grupos sua inclusão social.

6 D I R E I T O S F U N D A M E N T A I S F R E N ­ T E A P A R T I C U L A R E S E A A U T O N O ­ M I A D A V O N T A D E

N a s judiciosas lições d e Dan i e l Sarmento, “o princípio da dignidade d a pes- soa h u m a n a exprime, e m termos jurídicos, a m á x i m a kantiana, s e g u n d a (sic) a qual o H o m e m d e v e s e m p r e ser tratado c o m o u m fi m e m si m e s m o e n u n c a c o m o u m melo. O ser h u m a n o precede o Direito e o Estado, q u e apenas se justificam e m razão dele.” (g.n.)a

‘\..podentosclasäficaTa<tßo

Vk

soiidmedadepertical,aose reconhecer osgruposexcluidosno

^■ypaisado (aexemplodosnegose pmentefafravêsdepoBtuastk'.:

:. :

inserção no mercado de trabalho, d e ^

wibid„ p. 49.

“SARMENTO, Daniel, A pçnderação de interesses na Constituição federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p.59.

R evista do T ribvnal R egionaldo T rabalho da 15aR egião 117

(12)

A Constituição, portanto, t e m a fi­

nalidade d e tutelar a pessoa h u m a n a , deven­

do o princípio da dignidade d a pessoa h u m a ­ n a ser aplicado e m sua plenitude, inclusive nas. relações privadas, u m a v ez q u e “o

opressão e a violência contra a pessoa provêm não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa, a incidência dos direitos fundamentais na esfera das relações entre particulares se torna imperativo incontornável.26 *

6.1 Teorias d a eficácia d os direitos f u n ­ d a m e n t a i s n a esfera privada

O Estado Liberal, ao conceber os di­

reitos fundamentais c o m o direito de defesa d o indivíduo frente ao Estado, para qu e este observasse os direitos e garantias individu­

ais, n ão intervindo na vida privada d o indiví­

duo, traçou u m m a r c o divisório entre o p ú ­ blico e o privado.

Atualmente, os direitos fundamentais são opostos n ã o some n t e e m face d o Esta­

do, m a s t a m b é m frente a particulares, u m a vez q u e t a m b é m estes d e v e m respeitar os direitos fundamentais, m o r m e n t e a dignida­

de da pessoa h u m a n a . Assim, toda relação h u m a n a , quer seja entre particular e ente públicq ou entre particulares, deve se pa u ­ tar err; valores éticos, respeitando os direi­

tos inerentes ào h o m e m , tais c o m o a vida, a liberdade, a igualdade, a dignidade etc.

D e f e n d e n d o a tese de q u e o h o m e m dev e ser livre nã o som e n t e perante o Poder Público, m a s t a m b é m perante toda a socie­

dade, Norberto B o b b i o assim dispôs:

N o iniporta tanto q u e el indivíduo se a livre ‘respecto dei E s ­ tado’ si después n o es livre ‘en la sociedad’. N o importa qu e e! Estado sea liberal si después la sociedad

subyaciente es despótica. N o impor- . ta q u e el i n d i v i d u o se a livre politicamente se n o lo es socialmente (...). Y, entonces, pa r a llegar al corazon dei prob l e m a de la libertad, es necesario dar u n pa s o atrás: dei Estado a la sociedad civil.17

A t u a l m e n t e , nesta s o c i e d a d e tão complexa, nã o basta a observância do s D i ­ reitos H u m a n o s tão s o m e n t e na s relações públicas, o u seja, e m q u e o Estado seja par­

te (segundo a conce p ç ã o antiga d o direito de resistência d o indivíduo frente a o Esta­

do), sendo imprescindível o respeito aos di­

reitos h u m a n o s e m toda e qualquer relação, púb l i c a o u privada. Daí , se falar e m horizontalizaçã o do s direitos h u m a n o s , ou seja, a observância destes nas relações e n ­ tre particulares:

Fala-se e m eficácia horizontal dos direitos fundamentais, para subli­

nhar o fato d e q u e tais direitos n ão regulam apenas as relações verticais d e poder q u e se estabelecem entre Estado e cidadão, m a s incidem t a m ­ b é m sobre relações mantidas entre pessoas e entidades n ã o estatais, qu e se encontram e m posição d e igualda­

d e formal.28

Dentre as teorias a respeito da efi­

cácia dos direitos fundamentais nas relações privadas v a m o s examinar: 1) a d a negação d a aplicação dos direitos fundamentais na esfera privada, relativizada c o m a teoria

"State Action" e a "public function theory"-, 2) a teoria d a eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais na esfe­

ra privada, e 3) a teoria d a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais n a esfe­

ra privada.

“SARMENTO, Daniel. “A vinculado <los particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil”.

A nova inierpretíiçelo constitucional.' ponderafBo, direitos fundamentais c relações privadas. Rio de Janeiro:

Renovar. 2003, p, 193-194.

s’BOBBIO. Norberto. Igualdad y libertad. Trad. Pedro Aragdn Rincón, Barcelona: Bdiciones Paldós, 1993, p. 143.

“SARMENTO, Daniel, "A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado o no Brasil".

A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, op. cit, p. 5,

118 R evista do T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião

(13)

6.1.1 A tese da não vircuJação dos par­

ticulares aos direitos fundamentais e a doutrina da “State Action”

S e g u n d o a doutrina liberal clássica, os direitos fundamentais some n t e e r a m aplica­

dos e m face d o poder público, sob a co n ­ cepção d e limite ao exercício d o poder esta­

tal, n ã o se destinando a reger relações entre particulares.

At é hoje, a teoria da "State Action

” ,

o u seja, de q u e os direitos fundamentais so­

men t e p o d e m ser opostos e m face d o poder público, é aplicada pela doutrina e jurispru­

dência norte-americana, canadense e suíça, sob o funda m e n t o de qu e o Direito Consti­

tucional (que alberga os direitos f u n d a m e n ­ tais) nã o p o d e destituir a identidade d o direi­

to privado, este, sim, regulador das relações privadas, o n d e prevalece o princípio da au­

tonomia individual.

Curiosamente, as ações afirmativas tiveram origem n u m Estado qu e neg a a o p o ­ sição dos direitos fundamentais a particula­

res. A negação d a horizontalização dos di­

reitos fundamentais se dá sob o fundamento de q u e os direitos fundamentais, previstos na Constituição norte-americana, i m p õ e m li­

mitações apenas para os Poderes Públicos e nã o atribuem aos particulares direitos fren­

te a outros particulares c o m exceção ape­

nas d a 13a E m e n d a , q u e proibiu a escravi­

dão.

T a m b é m são invocados outros argu­

ment o s teóricos para a doutrina d a n ão o p o ­ sição dos direitos fundamentais aos particu­

lares, tais c o m o a autonomia privada e o pacto federativo. E m relação a este, ressalta-se q u e nos Estados U n i d o s c o m p e t e aos Esta­

dos, e n ã o à União, legislar sobre Direito Privado, a n ã o ser q u a n d o a matéria normatizada envolva o comércio interesta­

dual o u internacional. Afirma-se, pois, qu e a

State action preserva o espaço de autonomia

dos Estados, i m p e d i n d o q u e as cortes fede­

rais, a pretexto de aplicarem a Constituição, intervenham n a disciplina das relações pri­

vadas.29

A doutrina d a State action, o u seja, da oposição dos direitos fundamentais so­

m e n t e perante o P o d e r Público, sofreu al­

g u m a s atenuações a partir d a década d e 40, passando a S u p r e m a Corte a adotar a cha­

m a d a public function theory, “seg u n d o a qual q u a n d o particulares agirem n o exercí­

cio d e atividades de natureza tipicamente estatal, estarão t a m b é m sujeitos às limita­

ções constitucionais” .30 Esta teoria permitiu a oposição de direitos fundamentais e m face de empresas privadas concessionárias de serviços públicos, tendo a S u p r e m a Corte americana t a m b é m a aplicado para vincular partidos políticos a o princípio d a igualdade, diante da recusa d e alguns comitês dos es­

tados d o sul d os E U A e m admitir a filiação o u a participação d e pessoas negras e m suas eleições primárias, b e m c o m o para reconhe­

cer a ilicitude d a negativa d e acesso aos negros a u m parque privado, m a s aberto ao público; tendo reconhecido t a m b é m a ilicitude d a proibição de pregação po r parte d e tes­

temunhas de Jeová nas terras de u m a e m ­ presa, constituída por ruas, residências, es­

tabelecimentos comerciais, enfim, u m a ver­

dadeira “cidade privada”, equiparando-se, portanto, ao Estado.31

A doutrina d a State action v e m so­

frendo várias críticas. Apropósito, o c o m e n ­ tário de d. Kairys: “na esfera pública (...) conceitos básicos de liberdade, democra­

cia e igualdade são aplicáveis. No en­

tanto, na esfera privada, que inclui qua­

se toda a atividade econômica, nós não permitimos nenhuma democracia ou igualdade, apenas a liberdade para com­

prar e vender. ”n Prevalece a regra da soberania d o Mercado.

»Ibid., p.228.

»Ibid,, p. 201.

,lIbid., p.201-202.

,!KA1RYS, D. The politics of taw. New York: Panlhcon Books, 1982, p, 151. apud SARMENTO, Daniel, op. cit. p. 206.

R evista do T ribunal R egionaldo T rabalho da 15aR egião 119

(14)

E r w i n C h e m e r i n s k y propõe q u e a te­

oria d a stateaction devería ser substituída p or u m m o d e l o d e ponderação, n o qual os tribunais avaliariam, diante d e cada caso, o q u e seria m a i s importante proteger: a liber­

d a d e individual d ó ator privado o u os direi­

tos d a suposta vítima d o seu c o m p o r t a m e n ­ to. N o m e s m o sentido, Joh n E. N o w a l c e R o n a l d D . Rotunda, segu n d o os quais a in­

cidência do s direitos fundamentais nas rela­

ções privadas deveria n ã o ser equacionada pela busca de u m coeficiente m í n i m o d e ação estatal envolvido n o caso e m discussão, m a s s i m p o r m e i o d e u m a ponderação d e inte­

resses — balancing test, ponderando-se, de u m lado, a liberdade daquele particular pára agir d a f o r m a contestada, e, d o outro, o di­

reito d o terceiro supostamente lesado.33 * A jurisprudência americana “a d m i ­ te atualmente a competência d a U n i ã o para legislar sobre direitos h u m a n o s m e s m o quan­

d o n e n h u m ator estatal esteja envolvido, o q u e ocorreu c o m a promulgação d e diver­

sos diplomas na década de 60, n a fase á u ­ rea d o m o v i m e n t o e m prol dos direitos civis no s E U A , dentre os quais destaca-se o Ci­

vil Rights Act de 1964

Entretanto, a jurisprudência ameri­

ca n a oscila n a aplicação dz public function theory, a e x e m p l o d o c a s o Columbia Broadcasting System

v.

Democratic Na­

cional Committee, n o qual “o fato de as re­

des d e rádio e televisão no s E U A sujeita- rem-se ao licenciamento e à regulamenta­

ção d o gove r n o federal n ã o bastava para vinculá-las aos direitos constitucionais, e, baseada neste entendimento, rechaçou a ale­

gação de qu e a C B S estaria violando liber­

dades constitucionais, ao.se recusar a a d m i ­ tir.propaganda p a g a de grupos pacifistas

contra a Guerra d o Vietnam.”35 Outro caso

e m q u e h o u v e retrocesso n o sentido d e dar caráter privado a certas atividades outrora consideradas públicas é o Rendell-Baker v.

K o h n (457 U $ 8 3 0 -198 2 ) , “e m q u ê a C o r ­ te julgou n ã o sèr dever d o Estado coibir dis- - c n m i n a ç ã o e m u m a escola privada, m e s m o q u a n d o essa escola opera s ob contrato g o ­ vernamental para cumprir certas obrigações n o q u e concerne à e d u c a ç ã o especial de parcela d e seus estudantes.”36

Joaq u i m B. Barb o s a G o m e s conclui q u e a doutrina d a “ação governamental” - c o m o d e n o m i n a a “StateAction ", t e m hoje a sua síntese explicativa n a seguinte parte d o julgamento proferido pela S u p r e m a C o r ­ te n o caso L u g a r v. E d m o n d s o n Oil C o (457 U S 9 2 2 - 1982):

N o s s o s precedentes t ê m insistido e m q u e a conduta supostamente causadora da privação de u m direito constitucional (fede­

ral) seja razoavelmente atribuível a o Esta­

do. Esses precedentes t r a d u z e m u m a abor­

d a g e m bipolar d o prob l e m a da ‘atribuição razoável’. E m primeiro lugar, a privação t e m q u e decorrer d o exercício d e a l g u m direito o u prerrogativa criada pelo Estado o u por u m a pessoa pela qual o Estado seja respon­

sável. (...) E m segundo lugar, a pessoa acu­

sada d e causar a privação h á d e ser a l g u é m de q u e m razoavelmente se possa dizer qu e se trata de u m ‘ator estatal’. Isto po r ser ele urriá autoridade d o Estado, p or ter atuado juntamente c o m u m a autoridade estatal o u por ter obtido significativa ajuda d e agentes estatais, o u porque a sua conduta é dealgu- m a for m a atribuível a o Estado.”

"SARMENTO, Daniel, op. cft. p. 208-209.

“Ibid., p.229.

35 Ibid., p.233.

“GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afirmativa e Principio Constitucional da Igualdade. Rio dc Janeiro: Renovar, 2001. p.S8.

"Ibid., p.88-89.

120 R evista do T ribvnal R egional do T rabalho da 15?R egião

(15)

Barbosa G o m e s ensina qu e para c o m ­ plementar a doutrina d a “ação g o v e r n a m e n ­ tal” é preciso conjugá-la c o m os dispositi­

vos d o Estatuto dos Direitos Civis de 1964, sendo qu e o empecilho dessa doutrina (da

“A ç ã o Governamental”) à oposição dos di­

reitos fundamentais frente a particulares te m sido contornado graças a soluções e m a n a ­ das do Judiciário e d o Congresso, qu e v ê m outorgando aos órgãos competentes os p o ­ deres necessários ao c o m b a t e à discrimina­

ção praticada n a esfera privada. “Dentre os diversos instrumentos d e atuação nessa área destaca-se a utilização pelo Congresso da c h a m a d a Cláusula d e Comércio, d o seu p o ­ der d e regulamentar e implementar os dis­

positivos d a Constituição ('Enforcemente P o w e r ’ ) e d o pod e r d e tributar e de dispor sobre o dispêndio d e recursos públicos ('Taxing a n d Spending P o w e r ).”iS 6.1.2 T e o r i a d a eficácia indireta e m e d i a t a d o s direitos f u n d a m e n t a i s nas relações priva d a s

Essa teoria, desenvolvida n a doutrina ale m ã p or Günter Dürig e m 1956, consiste e m dar aos direitos fundamentais u m a di­

m e n s ã o objetiva, o u seja, os direitos funda­

mentais e x p r i m e m u m a o r d e m de valores q u e se irradia p or todos os c a m p o s do ordenamento, inclusive sobre o Direito Pri­

vado, cujas n o r m a s t ê m de ser interpreta­

das ao seu lume.

Juan M a r i a Bilbao Ubillos critica c o m propriedade, a teoria da aplicação mediata e indireta dos direitos fundamentais - qu e condiciona a. aplicação dos direitos fundamentais à intermediação pelo legisla­

dor ordinário:

A nuestro juicio, u m derecho c u y o reconocimiento depende dei le­

gislador, n o es u m derecho fund a m e n ­ tal. E s u m derecho de rango legal,

simplemente. El derecho f u n d a m e n ­ tal se define j u s t a m e n t e p o r Ia indisponibilidad de su contenido porei legislador. N o parece compatible co n esta caracterización la afirmación de qu e los derechós fundamentales sólo operan (entre particulares) c u a n d o el legislador así lo decide.3’

6.1.3 Teoria d a eficácia direta c imedi­

ata do s direitos f u n d a m e n t a i s n as rela­

ções privadas

Discorrendo sobre a teoria d a eficá­

cia direta do s direitos fundamentais n a es­

fera privada, Daniel Sarmento40 ensina q u e a m e s m a foi primeiramente defendida por Elans Carl Nipperdey, a partir d o início da década de 50, n a A l e m a n h a . S u a teoria co n ­ sistia e m q u e alguns direitos fundamentais, pela sua natureza, pode r i a m ser invocados diretamente nas ralações privadas, indepen­

dentemente d e qualquer m e d i a ç ã o po r par­

te d o legislador, so b o funda m e n t o q u e as a m e a ç a s aos direitos fundamentais n o m u n ­ d o contemporâneo n ã o p r o v ê m apenas d o Estado, m a s t a m b é m dos poderes sociais e d e terceiros e m geral. Seguindo a doutrina de Nipperdey, Walter Leisner defendeu a idéia de que, pela unidade da o r d e m jurídica, n ã o seria admissível conceber o Direito Pri­

va d o c o m o u m gueto, à m a r g e m da Consti­

tuição e dos direitos fundamentais.

6.2 T e n d ê n c i a s atuais

José Joaquim G o m e s Canotilho aponta a superação da dicotomia eficácia mediata/

eficácia imediata a favor de soluções dife­

renciadas:

Reconhece-se, desde logo, qu e a problemática da c h a m a d a « e f i c á ­ cia horizontal» se insere n o âmbito da função de protecção dos direi­

tos fundamentais, o u seja, as n o r m a s

!sJbid., p. 89-90.

JSB1LBA0 UBILLOS. Juan Maria. La cficacia tfe los derechós fundamentales frente a particulares. Madrid: Centro dc Estúdios Constitucionalcs, 1997, p.443.

"SARMENTO, Daniel. “A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado c no Brasil”.

A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 0[>. Cit., p. 220.

R evista do T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião 121

Referências

Documentos relacionados

Regulamento, incluindo a hipótese de deliberação de alienação dos ativos do FUNDO que tenham por finalidade a liquidação do FUNDO; (v) apreciação de laudos de avaliação de

Os direitos de liberdade negativa, civis e políticos; direitos econômicos, sociais e culturais; e direitos de fraternidade ou de solidariedade indicam corretamente

A MMa DRa SALETE YOSHIE HONMA BARREIRA , JUIZA TITULAR DA VARA DO TRABALHO DE SALTO, no uso de suas atribuições legais FAZ SABER a todos quanto

4 “Em termos apertados, os direitos de primeira geração relacionam-se com o liberalismo e correspon- dem aos direitos de liberdade, aos direitos individuais, aos direitos

Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande

Psicologia Social Moderna: Perspectivas para uma Ecologia. Psicologia Social Moderna: Perspectivas para

Gráfico I.1 Volume global do Sistema de Liquidação Interbancária (SPGT e SICOI) 16 Gráfico I.2 Valor global do Sistema de Liquidação Interbancária (SPGT e SICOI) 16 Gráfico

Os clientes que efetuarem compras a cada R$ 400,00 (quatrocentos reais) e seus múltiplos nas lojas participantes da promoção do Shopping Uberaba, das 10h00 de