F rente a P articulares
A N A CLAUDIA P J ^ m R I Ü Ê I R A D E LIMA*
R e s u m o : O s Direitos H u m a n o s d e v e m ser observados n ã o s o m e n t e nas relações públi
cas, o u seja, e m q u e o Estado seja parte (segundo a concepção antiga d o direito d e resistência d o indivíduo frente ao Estado), sendo imprescindível o respeito aos direitos h u m a n o s e m toda e qualquer relação, pública o u privada.
Daí, se falarem horizontalizaçãodos direitos h u m a n o s , o u seja, a observância destes nas relações entre particulares.
A s ações afirmativas, q u e tratam d e políticas públicas e privadas visando a coibição d a discriminação e a p r o m o ç ã o d a igualdade, s u r g e m c o m o instru
mento de inclusão social, buscando remediar u m passado discriminatório,
objetivando acelerar o processo de igualdade, c o m o alcance d a igualdade
material por parte de grupos vulneráveis, c o m o as minorias étnicas e raciais,
as mulheres, os deficientes físicos, dentre outros.
S e m a pretensão de esgotar o tema, este artigo visa estudar algumas teorias de aplicação dos direitos fundamentais frente a particulares e questionar se as ações afirmativas podem, além de serem direcionadas aos entes públicos, serem opostas nas relações privadas, analisando-se a questão no Direito positivo brasileiro.
Sumá r i o : 1 Introdução; 2 Povo e Democracia; 3 Evolução Histórica dos Direitos Funda
mentais; 4 D a implementação do Direito à Igualdade; 4.1 Combate àDiscrimi- nação; 4.2 Promoção da Igualdade; 5 Ações Afirmativas; 6 Direitos Fundar
mentais frente a particulares e a autonomia da vontade; 6.1 Teoriâs d a eficácia
dos direitos fundamentais na esfera privada; 6.1.1 A t e s e d a n a o vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais e a doutrina d a "State A c t i o n 6.1.2
Teoria da eficácia indireta e mediate dos direitos fundamentais nas relações
privadas; 6.1.3 Teoria d a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas; 6.2 Tendências atuais; 7 A ç õ e s Afirmativas frente a particulares; 8 Conclusão.
Palavras-chave: Povo; Princípio d a Igualdade; Inclusão Social; A ç õ e s Afirmativas; Direi
tos Fundamentais frente a particulares.
•Juíza do Trabalho Titular da 2* Vara dó Trabalho de Jaú. Obteve título de mestre perante o Centro de Pós- Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Bauru - SP (área de concentrado: Sistema Constitucional de Garantia de Direitos).
R evista do T ribunal R egiopai . do T rabalho da 15“R ecuo 107
“O s grandes inovadores éticos n ã o f o r a m h o m e n s e mulheres que soubessem mais que os ou
tros; f o r a m h o m e n s e mulheres cujos desejos eram mais impessoais e de maior âmbito que os homens e mulheres comuns. A maioria dos h o m e n s e mulheres deseja sua própria felicidade;
considerável percentagem deseja a felicidade de seus filhos; poucos desejam a felicidade da nação, e apenas alguns desejam a felicidade de toda a humanidade”.
1 I N T R O D U Ç Ã O
A sociedade contem p o r â n e a é u m a sociedade plural, e m todos os aspectos: so
cial, econômico, de origem, cultural, político e jurídico. A conce p ç ã o d e direito e d e m o cracia v e m sofrendo umaevoluçãoconstan- te, principalmente nos últimos 5 0 anos, a partir d o pós-guerra.
Detentora d e u m do s m o d e l o s mais apreciados de democracia, Atenas n ã o co n siderava e m seu regime político a vontade dos escravos, dos metecos* 2 * * e das m u l h e res, qu e e r a m excluídos d o rol dos cidadãos.
O s escravos só passaram a ser considera
dos c o m o integrantes d o p o v o nos Estados Uni d o s da A m é r i c a por interesse dos Esta
dos sulistas, q u a n d o o critério adotado para fixação d o n ú m e r o d e representantes, de.
cada Estado na C â m a r a Federal foi o da população de cad a Estado. Des s a forma, a democracia originária, concebida c o m o g o verno d o p o v o e distribuição equitativa do poder, paradoxalmente, excluía determina
dos grupos sociais.
Interessante notar qu e os estrangei
ros residentes n o Brasil, e m b o r a detentores dos direitos fundamentais, n ão t ê m qualquer tepresentatividade (art. 14, §2° d a CB ) , n e m sequer a nível local (municipal) se n ão
Bertrand Russel1
f o r e m naturalizados. O art. 12, II, d a C B exige, para a naturalização, a residência no país h á mais d e quinze ano s ininterruptos e s e m conde n a ç ã o penal, à exceção do s ori
ginários d e países d e língua portuguesa, dos quais exige-se a residência p o r u m a n o ininterrupto e idoneidade moral. Consideran
d o c o m o p o v o a totalidade do s atingidos pe las n o r m a s d e u m a determinada localidade, a C o m u n i d a d e Européia assegura aos es
trangeiros o direito d e votarem nas eleições d o município e m q u é residem.
A análise d q conceito d e p o v o nos leva ao conceito de. minorias, b e m c o m o ao d e exclusão social. B u s c a n d o soluções para o problema d a exclusão, social abordaremos o te m a da implementação, d o princípio da igualdade, nas. suas formas de c o m b a t e à discriminação e d a p r o m o ç ã o d a igualdade jurídica material. C o m o instrumento de pro
m o ç ã o d a igualdade, adentraremos n o te m a das ações afirmativas,. dando-se ênfase à implantação de políticas afirmativas e m face d e particulares, b e m c o m o o confronto des
tas c o m o princípio da autonomia d a vonta
de.
A s ações afirmativas c u m p r e m a fi
nalidade pública de. assegurar a diversidade e a pluralidade na sociedade, contemporâ
nea.
' RUSSEL, Bertrand, tipud PiOVESAN, Flávia. Temos de direitos humanos. São Paulo: Max Llmonacl. 2003, p.!7-
18. ....
2 Segundo o Dlclondrio Aurélio'. Metcco - “Designaçüo que se dava ao csirangeiro domiciliado em Alenas, “O censo de Demdtfio dc Falcra dá a Atenas 20.000 cidadflos, 10.000 mctecos c 400.000 escravos" (Oliveira Martins, Quadro das Instituições Primitivas, p. 309).”
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2 POVO E DEMOCRACIA
P O V O . D o latim populus (grande n ú m e r o d e homens), é indicativo d e u m a porção d e h o m e n s o u u m grande n ú m e r o de pessoas, s e m referência a o aspecto político o u jurídico, e m q u e se apresentem:
Juridicamente, p o v o designa a totalidade d e pessoas, q u e habita u m território dado, já se apresentando c o m o elemento form a d o r d e u m a na
cionalidade. É assim a população de u m território o u a m a s s a d e indivídu
os q u e c o m p õ e m u m Estado. (...).
E m b o r a povo, c o m o vocábulo jurídi
co, n ã o se confunde c o m a palavra nação, q u e significa este m e s m o p o v o vinculado po r u m interesse c o m u m e subjugado p o r u m a firme consciência d e su a nacionalidade, representa o elemento fundamental d o Estado, qu e nele se apóia, pois q u e todo poder político, q u e exerce, e m princípio, p r o m a n a dele e e m n o m e dele é exer
cido.3
N a história d a humanidade, a pala
vra povo, e m b o r a juridicamente devesse corresponder à totalidade d e pessoas habi
tantes de u m determinado território, s o m e n te parte dessas pessoas e r a m representa
das politicamente.
O h o m e m s e m p r e organizou-se e m sociedade e esta s e m p r e foi subdividida e m classes o u estamentos, criando-se distinções entre os h o m e n s por motivo de origem, etnia, e c o n o m i a e f o r m a de atividade laborai (físi
ca ou mental), sendo qu e antigamente o la
bor n e m era digno de valor, sendo relegado aos escravos, tratados c o m o “coisas” - o b jeto de. propriedade.
A n ã o consideração do s escravos c o m o integrantes d o p o v o é b e m d e m o n s trada po r F a b i o K o n d e r C o m p a r a t o ao mencionar o discurso de Charles Pinckeney, S
representante d a Carolina d o Sul, por oca
sião d a discussão d a criação d o S e n a d o nos Estados U n i d o s daAmérica, segundooqual, o p o v o norte-americano dividia-se e m três classes: “os profissionais liberais ('que, d e vido às suas atividades, d e v e m s e m p r e ter u m grande peso n o Governo, enquanto este permanecer popular’), os comerciantes e os proprietários rurais. ‘Estas três classes’, concluiu, ‘e m b o r a distintas quanto às suas atividades, são individualmente iguais na es
cala política, p o d e n d o ser facilmente prova
d o q u e elas t ê m u m só interesse’.”4 O m e s m o autor relata q u e nos Esta
dos Uni d o s d a América, os escravos somente passaram a ser considerados m e m b r o s do
“p o v o ” por interesse do s sulistas, q u a n d o o critério adotado para fixação d o n ú m e r o de representantes d e cad a Estado n a C â m a r a Federal foi o d a população d e cada Estado.
A i n d a assim, a representatividade dos es
cravos era apenas formal.
N a sociedade francesa d o final d o século X V m o ter m o p o v o tinha conotação diversa, c o m p r e e n d e n d o apenas os operári
os e os lavradores, o u seja, o “estamento geral da nação”, oposto ao estamento dos grandes personagens e d os nobres. Para fugir da ambiguidade d o termo povo, d o art.
3° da Declaração dos Direitos d o H o m e m e d o Cidadão constou: “O princípio d e toda soberania reside essencialmente n a Nação.
N e n h u m corpo, n e n h u m indivíduo pod e exer
cer autoridade q u e dela n ã o e m a n e expres
samente” . A p ó s a q u e d a d a monarquia, a n o v a Declaração do s Direitos d o H o m e m e d o Cidadão apresentou-se c o m o sendo feita diretamente e m n o m e d o “p o v o francês”, e nã o de seus representantes.
Friedrich Müller salienta apluralidade d o conceito d e povo. U m a coisa é a totali
dade d o povo, c o m o centro de imputação das decisões coletivas. Outra coisa é a fra
ç ã o d o m i n a n t e d o p o v o , cuja v o n t a d e
SSILVA, De
Plácidoe. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro:
Poren#«.1996. vol líJ. p.407-408.
‘C O M P A R A T O .
Fábio Konder in prefácio à 3* ed. “Quem i o
Povo?”,MÜLLER, Friedrich, Säo
Paulo:Edilora M a x Limon a d ,2003. Trad. Peter Naumann, p.16-17.
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e f e t i v a m e n t e p r e d o m i n a n as eleições, referendos e plebiscitos. E s s a fração d o m i nante d o p o v o é forraalmente majoritária.
Indaga-se q u e m é, concretamente, a m a i o ria votante q u e se pronuncia e m n o m e d o povo.s
Muller ressalta q u e só se po d e falar e m “p o v o ativo” (totalidade dos atingidos pelas n o r m a s de u m Estado) q u a n d o são respeitados os direitos fundamentais indivi
duais e políticos^ Aponta, ainda, as causas q u e legitimam a- democracia e m conformi
dad e c o m o Estado d o Direito: procurando dotar a possível minoria dos cidadãos ativos d e c o m p e t ê n c i a s d e deci s ã o e de sancionamento claramente definidas; e m segundo lugar, a legitimidade ocorre pelo m o d o , mediante o qual todos, o “p o v o intei
ro” , a população, a totalidade dos atingidos são tratados p or tais decisões e seu m o d o de implementação.6
Aristóteles distingue ós regimes polí
ticos, e m função da titularidade d o poder su
p r e m o em : monarquia, aristocracia tpolitéia - q u a n d o o poder político é exercido e m benefício d a c o m u n i d a d e c o m o u m todo; ti
rania, oligarquia e democracia - q u a n d o a finalidade perseguida pelos govemantes.é a sua v a n t a g e m particular. Assim, n a sua vi
são, oligarquia é o gov e r n o dos ricos e de mocracia o gov e r n o do s pobres.
Para o aperfeiçoamento democráti
c o n ã o basta a atribuição d e maiorés p o d e res decisórios ao povo, através d a amplia
çã o d o uso obrigatório d e referendos e co n sultas populares. Épreçiso quebrar o m o n o pólio dos mei o s d e c o m u n i c a ç ã o de m a s s a e m m ã o s d a minoria dominante, b e m c o m o instmir o p o v o para q u e tenha consciência e discernimento n o exercício d e seus direitos políticos, n ã o se deixando manipular pelos detentores d o poder (soberanos d o mercado).
Rouss e a u distinguia a vontade geral - q u e só diz respeito a o interesse c o m u m ,
da vontade d e todòs - q u e se refere ao in
teresse privado, s e n d o apenas a s o m a de vontades particuláres.
N ã o se p o d e permitir q u e a maioria d o p o v o “e s m a g u e democraticamente’’ a m i noria, e m n o m e d o interesse nacional, n e m q ue a minoria, se detentora d o pod e r d e c o n trole social, se utilize periodicamente d o voto majoritário popular para legitimar todas as exclusões sociais, e m n o m e d a democracia.
N ã o existe soberania inocente:
Voltamos, assim, à velha dis
tinção aristotélica entre a d e m o c r a cia pura e simples - e m q u e a m a i o ria d o p o v o exerce o poder s u p r e m o n o seu próprio interesse - e o regime político moderado, a democracia jus
ta, e m qu e o b e m c o m u m predomina sobre todos os interesses particulares.
Ora, o b e m c o m u m , hoje, t e m u m n o m e : são os direitos huma n o s , cujo funda m e n t o é, justamente, a igualda
de absoluta d e todos os h o m e n s , e m sua c o m u m condição d e pessoas.
(...)
... n e m po r isso $e p o d e dar por resolvido o dilema d e $e reconhecer a efetiva vigência do s direitos h u m a nos, fora d o positivismo estatal e d o jusnaturalismo abstrato.7
Agostinho R a m a l h o M a r q u e s Neto*, e m sua palestra n o 12* Congr e s s o Nacional do s Magistrados d a Justiça d o Trabalho, fez u m a crítica ao neo-liberalismo - processo d e ruptura d o liberalismo clássico, q u e ca
m i n h a para a perda de direitos sociais, u m a ve z q u e o neo-liberalismo, na sua visão ca
pitalista, ataca o m o d e l o d o bem-estar soci
al, taxando-o d e oneroso, afastando-se da lógica d o social.
O liberalismo clássico afirma a igual
dade, ainda q u e formal, estando comprometi
d o c o m aspectos d a afirmação d a democracia
‘IbW.. p.20-21.
‘MÜLLER, Friedrich. Quem 4 o povo ? São Pauto: Editora Max Linonad, 2003. Trad. Pcicf Naumann, p-77.
’Ibid.
‘Psicanalista; Professor nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política c Vice-Diretor Geral da Faculdade S2o Luls - Maranhão.
110 R evista do T ribunal R egionaldo T rabalho da 15° R egião
e cidadania. 0 neo-liberaiismo prega a desi
gualdade, dizendo q u e a competição é sau
dável, e m busca da eficiência, implicando no desm o n t e d o Estado, n a desestatizaçâo, pre
valecendo a lei d o mais forte, h a v e n d o ne
cessidade de adaptação à realidade.
N a visão d e M a r q u e s Neto, o neo- liberalismo traz c o m o conseqüências, n u m a visão macropolítica, a migração d a sobera
nia d o Estado para a soberania d o M e r c a do. N u m a visão micropolítica, o enal- tecimento d o consumidor, ao invés d o cida
dão, por si só.
A s garantias d o m e r c a d o estão subs
tituindo as garantias jurídicas, razão pela qual é preciso m u d a r o m o d e l o d o m e r c a d o para q u e nã o seja tão perverso, o q u e é possível c o m a aplicação d o princípio ético d a digni
d a d e d a pessoa h u m a n a , n o c o m b a t e à dis
criminação e para a p r o m o ç ã o d a inclusão social.
3 E V O L U Ç Ã O H I S T Ó R I C A D O S Dl- R E I T O S F U N D A M E N T A I S
O s Direitos Fundamentais, expressão utilizada pelos doutrinadores alemães, Direi
tos d o H o m e m o u Direitos H u m a n o s , assim d e n o m i n a d o s pelos autores anglo-america
nos e latinos9, t ê m po r finalidade, segu n d o H e s s e 10 * , criar e man t e r os pressupostos ele
mentares d e u m a vida n a liberdade e n a dig
nidade h u m a n a .
O s direitos h u m a n o s tiveram sua ori
g e m n o Cristianismo, n o Iluminismo - qu e influenciou a Revolução Francesa - e n a d o u trina social, e m oposição a o Estado liberal.
Foi n o Iluminism o q u e teve ori g e m a construção d o conceito m o d e r n o d e direitos d o h o m e m . A teoria d o contrato social, de fendida e m várias versões por Locke, Kan t e Rousseau, tinha p or finalidade conter o poder absoluto das monarquias, delineando-se
outra for m a de legitimação d o pod e r esta
tal.
A teoria d e Jean Jacques Rouss e a u exaltava a s a b e d o r i a d a s maiorias, enfatizando ã importância d a democracia e d a soberania popular. Para ele, entendimen
to compartilhado p or H o b b e s , através do contrato social, os indivíduos alienavam toda sua liberdade para u m corpo social ao qual todos pertenciam, prevalecendo a vontade das maiorias. Locke, po r sua vez, preocu
pava-se c o m a proteção dos direitos indivi
duais e m face d o Estado:
N o m o d e l o d e contrato social q u e formulou, os indivíduos nã o alie
n a v a m todos os seus direitos, c o m o e m H o b b e s e Rousseau. Eles reti- , n h a m direitos naturais, inatos e inalienáveis, q u e os governantes ti
n h a m de respeitar, e cuja infringência justificava até m e s m o o exercício do direito de resistência. Dentre tais di
reitos, o m a i s essencial, s e g u n d o Locke, era a propriedade, cuja prote
çã o representava a m a i s importante função estatal.11
O s ideais iluministas e m b a s a r a m a Revo l u ç ã o Francesa - cora seu l e m a “liber
dade, igualdade e fraternidade”- e o m o v i m e n t o d e independência das 1 3 Colônias norte-americanas. Nes t e período vigorou o positivismojurídico:
A fórmula utilizada para a ra
cionalização e legitimação d o poder pelo Iluminismo era a Constituição, lei escrita e superior às dem a i s normas, q u e deveria estabelecer a separação d o s p o d e r e s p a r a contê-los - le pouvoir arrete le pouvoir, c o m o afirmou M o n t e s q u i e u - e garantir os direitos d o cidadão, oponíveis e m face d o Estado. O papel q u e então se atri- buíaàConstituição estava b e m delineado
’BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13* ed. S3o Paulo: Malheiros Editores. 2003. p.560.
'“HESSE, Konrad, "Cnmdrechte", in Stoatslexikan, v.2., apud Paulo Booavides. ob. cit.. p. 560.
"Ibid., p. 22.
R evista do T ribuna R l egion a do l T rabalho da 15aR egião 111
n o art. 16 d a Declaração dos Direi
tos d o H o m e m e d o Cidadão de 1789, segu n d o a qual “toda a sociedade, na qual a garantia d os direitos nã o é as
segurada, n e m a separação d e p o d e res determinada, n ã o t e m constitui- ção.12
Entretanto, o positivismo jurídico, que previa a igualdade formal, nã o foi suficiente para torná-la eficaz, pois, amparados n u m ordenamento jurídico positivado, os deten
tores d o poder discriminavam, escravizavam e m a t a v a m inocentes nos c a m p o s de co n centração... O s h o n o r e s da escravidão e das guerras f o r a m tantos, q u e a h u m a n i d a d e despertou para a necessidade de se voltar * 1 * 3 4
para sua essência, c l a m a n d o pela proteção da dignidade d a pessoa h u m a n a , 13
É a v e r d a d e i r a " r e v o l u ç ã o copernicana” n o m u n d o jurídico, assim de n o m i n a d a pelo Constitucionalistaportuguês Jorge Miranda, no sentido d e que:
“c o m a positivaçlo recente dos direitos fundamentais, e as teori
z a ç õ e s sob r e eles realizadas n o constitucionalismo contemporâneo, sobretudo d e influência alemã, ocen- tro d o universo jurídico deixa d e ser a lei (entendida, principalmente, c o m o a p r o d u ç ã o n o r m a t i v a infracons- titucional), posição q u e passa a ser o c u p a d a pel o s próprios direitos
«lWd.. p.24.
I3A
concepção dos direitos humanos foi se transformando
conforme a evolução histórica da humanidade, sendo 05mesmos classificados, sob o ponto de vista
cronológico, em:1. Direitos fundamentais da primeira geração: são os direitos individuais, que têm por maior expressão os direitos da liberdade - direitos civis c políticos - concebidos como direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
Z.Direitos fundamentais da segunda geração: são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo, das distintas formas de Éslado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara v estimula. ’
Exigem do Estado uma ação positiva para dar concretude ao princípio da igualdade, uma vez que só a igualdade forma! (perante a lei) não basta para suprimir o constante desequilíbrio entre as partes de uma relação jurídica.
Inicialmente, tiveram eficácia duvidosa, em face de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determi
nadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos. Foram remetidos á chamada esfera programática, em virtude de não comerem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade.
Atualmente, os direitos fundamentais de segunda geração tendem a tomar-se ião justiciáveis quanto os da primeira.
Com efeilo. até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador.
3. Direitos fundamentais da terceira geração: são os direitos relativos à fraternidade, assim identificados por Vasaf:
direito ao desenvolvimento, dircilo à paz. direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existeocialtdade concreta.
Etiene-R. Mbaya. fonnulador do chamado "direito ao desenvolvimento" utiliza a expressão "solidariedade" para caracterizar os direitos da terceira geração. "O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, segundo assevera o próprio Mbaya, o qual acrescenta que rclativamente a individoos cie se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e á alimentação adequada.
4. Pauto Bonavides classifica como Direitos fundamentais da quarta geração:
O direito à democracia, o direito à informação e o direito a o pluralismo. Deles d e p e n d e a concretização d a sociedade aberta d o futuro, e msua
dimensão de m á x i m a universalidade, p a r a a qual parece o m u n d o inclinar-se n o plano d e todas as relações de convivência.*
Interessante notar que o lema da Revolução Francesa do século XVIII profetizou a evolução histórica dos direitos fundamentais: liberdade (I* geração), igualdade (2a geração) e fraternidade (3* geração). Paulo Bonavides1 atenta para o equívoco da expressão "geraçóes”. sendo mais apropriado subsütuf-la por "dimensões" dos direitos funda
mentais. uma vez que a supcrveniência de uma "geração" depois da outra não substitui os direitos da “geração”
anterior, pelo contrário, os mesmos se acumulam.
112 R evista do T ribunal R egiomldo T rabaluoda 15"R egiâo
fundamentais. C o m isso, coloca-se c o m o centro e f u n d a m e n t o d o ordenamento jurídico, enquanto direi
to positivo, a dignidade da pessoa h u m a n a , matriz de todos os direitos fun
damentais.” 14
A N o v a Hermenêutica Jurídica m a r ca a ruptura d o ape g o a o positivismo jurídi
co, eis q u e t e m c o m o base os valores e prin
cípios centrados n a dignidade d a pessoa h u man a .
O direito d o estado d e direito d o século X I X e d a primeira met a d e d o século X X é o direito das regras do s códigos; o direito
d o estado constituci
onal-democrático e de direito leva a sério os princípios, é u m direi
to d e princípios. [...]
o t o m a r a sério os princípios implica u m a m u d a n ç a profunda na m e t ó d i c a d e c o n cretização d o direito e, p o r conseguinte, n a actívidade juris- diciona! dos juízes.15 Paulo Bonavides res
salta, por é m , q u e d e na d a a d i a n t a m as teorias sobre direitos fundamentais se os
Estados n ã o se aparelharem de mei o s e ór
gãos para a proteção dos m e s m o s e sobre
tudo produzir u m a consciência, nacional de q u e tais direitos são invioláveis.
O Estado Liberal, ao conceber os di
reitos fundamentais c o m o direito de defesa d o indivíduo frente ao Estado, para que este observasse os direitos e garantias individu
ais, n ã o intervindo n a vida privada do indiví
duo, traçou u m m a r c o divisório entre o p ú blico e o privado.
Atualmente, os direitos fundamentais são opostos n ã o somente e m face d o Esta
do, m a s t a m b é m frente a particulares, u m a ve z q u e t a m b é m estes d e v e m respeitar os direitos fundamentais, m o r m e n t e a dignida
de da pessoa h u m a n a . Assim, toda relação h u m a n a , quer seja entre particular e ente público o u entre particulares, deve se p a u tar e m valores éticos, respeitando os direi
tos inerentes a o h o m e m , tais c o m o a vida, a liberdade, a igualdade, a dignidade etc.
4 D A I M P L E M E N T A Ç Ã O D O D I R E I T O À I G U A L D A D E
C o n f o r m e exposto, os direitos h u m a n o s t i v e r a m s u a o r i g e m c o m o direito d e resistência d o indivíduo frente a o Esta
do, impon d o - s e a este u m n ã o fazer, o u seja, M o inter
ferir nas relações privadas, s e n d o estas regidas pelo principio d a igualdade for
mal. Entretanto, a igualda
d e perante a lei M o assegu
rava igualdade fãtica entre s os detentores d e poder eco
n ô m i c o e a pessoa c o m u m , s e m acesso à Justiça, s e m conhecimento sobre seus di
reitos, c o m poucas alterna
tivas de escolha e m vários aspectos de sua vida, hav e n d o a necessidade de se exi
gir d o Estado t a m b é m u m a ação positiva para a consecução da Justiça Social.
O conceito de inconstitucionalidade material está relacionado aos princípios su
periores de justiça, igualdade e dignidade da pessoa h u m a n a . A pior das inconstitucio- nalidades n ã o é a formal, m a s s im a materi
al. “N ã o há constitucionalismo s e m direi
tos fundamentais. Tampo u c o há direitos fundamentais s e m a constitucionalidade yf .;l?Àutdlmentet<xdireitcs
fimdantentaissSoopostosnão somenteemfacedoEstado, nus
também frente a pxráculara, umavezquetambém estes devem nspeit&mdneitDS ::;:
. fundamentas, mormentea humana .“
"GUERRA, Marcelo Lima.
Direitos fundamentais e a proteção d o eredor n a execução eivil.$So Paulo: Edilora Revista dos Tribunais, 2003, p.82.
"CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
A "printípiaiização" d a jurisprudência através d a Constituição,in Revista de processo, Sâo Paulo, 2000, v. 98, p. 84, apud MEDINA, José Miguel Garcia,
E x e c u ç ã o civil: princípios fundamentais.São Paulo: Edilora Revista dos Tribunais, 2002, p.34.
R evistado T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião 113
d a o r d e m material cujo horte leva ao princípio d a igualdade, pedestal de to
dos ds valores sociais de justiça. ”16 Tornou-se necessário repensar o va
lor d a igualdade, a f i m d e q u e as especificidades e as diferenças sejam ob servadas e respeitadas. Assim, a o lado d o sistema geral d e proteção, a e x e m p l o da Declaração do s Direitos d o H o m e m e d o C i d a d ã o n a França, d o Bill of Rights ( inte
grada pela Declaração Universal d e 1948 e pelos Pactos d a O N U d e Direitos Civis e Politicos e d e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais d e 1966), e m q u e o endereçado é toda e qualquer pessoa, g e
nericamente concebida, or- ganiza-se o sistema especi
al d e proteção, q u e adota c o m o sujeito d e direito o in
divíduo historicamente situ
ado, o u seja, o sujeito d e di
reito “concreto”, na peculi
aridade e particularidade de suas relações sociais. O s sistemas normativos interna
cional e nacional p a s s a m a reconhecer direitos endere
çados às crianças, aos ido
sos, às mulheres, às pesso
as vítimas de tortura, às pes
soas vítimas d e discrimina
ção racial, dentre outros.17
Dentre os instrumentos internacionais q u e b u s c a m responder a determinada viola
ção d e direito, t e m o s a C o n v e n ç ã o Interna
cional sobre a Eliminação d e todas as for
m a s d e Discriminação Racial; a C o n v e n ç ã o Internacional sobre a Eliminação de todas as formas d e Discriminação contra a M u lher, a C o n v e n ç ã o Internacional contra a Tortura, a C o n v e n ç ã o sobre os Direitos da Criança.
N o Brasil, o p r o c e s s o d e especificação d o sujeite d e direito ocorreu
d e f o r m a fundamental c o m a Constituição Brasileira d e 1988, c o m os capítulos especí
ficos dedicados à criança, a o adolescente, a o idoso, aos índios, b e m c o m o dispositivos constitucionais específicos voltados às m u lheres, à população negra, às pessoas por
tadoras d e deficiência, etc.
Fiávia Piovesan ensina q u e n a ótica contemporânea, a concretização d o direito d a igualdade, c o m o consequente respeito à diferença e à diversidade, impl i c a n a implementação d e du a s metas: o c o m b a t e à discriminação e a p r o m o ç ã o d a igualdade.
O c o m b a t e à discriminação é u m a for m a de garantir a todos o pleno exercício dos direitos civis e políticos, c o m o t a m b é m dos direitos sociais, e c o n ô m i c o s e culturais.
A discriminação ocorre q u a n d o s o m o s tratados d e f o r m a igual q u a n d o s o m o s
“ No Brasil, o processo de especificação do sujeito de direito
ocorreu de forma fundamental com a Constituição Brasileira de
1988, com os capítulos específicos dedicados à criança, ao
adolescente, ao idoso, aos índios,
^njduemnáise^iec^^í^^os ãs mulheres, àpopulação negra,
; ãspessoaspttrtadoras de defidênãa,eU.
4.1 Combate à Discrimi
nação
A o se referir às C o n v e n ç õ e s d a O N U sobre a Eliminação d e todas as for
m a s d e Discriminação R a cial e sobre á Eliminação de todas as formas d e Discri
m i n a ç ã o contra a Mulher, Fiávia Piovesan conceitua a discriminação com o :
... toda distinção, e x clusão, restrição o u prefe
rência q u e tenha p o r objeto o u resultado prejudicar o u anular o reconhecimento, g o z o o u exercício, e m igual
d a d e d e condições, do s di
reitos h u m a n o s e liberdades fundamentais, n ós c a m p o s político, econômico, social, cultural e civil o u e m qualquer outro c a m p o . L o g o a dis
criminação significa semp r e desigual
dade. ■*
“BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. IT ed. S3o Paulo: Matheiros Editores, 2003. p.601.
■’PIOVESAN. Fiávia. Óp. cit., p. 194-195.
'•Ibid., p. 197.
114 R evista do T ribvnal R egionaldo T rabalhoda 15“R egiâo
diferentes e de f o r m a diferente q u a n d o so
m o s iguais.
4.2 P r o m o ç ã o d a Igualda- d e
Para garantir e assegurar a igualda
de nã o basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. S ã o essen
ciais as estratégias promocionais capazes de estimular a inserção e inclusão desses gru
pos socialmente vulneráveis n os espaços sociais.
A discriminação e a intolerância àdi- ferença e diversidade gera exclusão social.
Simplesmente combater a discriminação não contribui para a p r o m o ç ã o d a igualdade, q ue l
é u m a for m a de inclusão social de grupos qu e sofreram e sofrem discriminação.
A s ações afirmativas s u r g e m c o m o instrumento de inclusão social, buscando re
m e d i a r u m p a s s a d o discriminatório, objetivando acelerar o processo de igualda
de, c o m o alcance d a igualdade material por parte d e grupos vulneráveis, c o m o as m i n o rias étnicas e raciais, as mulheres, os defici
entes físicos, dentre outros.19
A s ações afirmativas c u m p r e m a fi
nalidade pública d e assegurar a diversidade e a pluralidade social.
A C o n v e n ç ã o sobre a Elimi n a ç ã o d e todas as f o r m a s d e Discriminação Racial prevê “discriminação positiva’' através d a adoção de medidas especiais d e pro
teção o u incentivo a grupos ou.indivíduos, para p r o m o ver sua ascensão na socie
dade, até u m nível de equi
paração c o m os demais. D a m e s m a forma, a C o n v e n ç ã o sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a M u l h e r t a m b é m permite a “ discriminação positiva” , visando aceleraro processo d e equiparação de status entre h o m e n s e m u lheres. Tratam-se, portanto, de medidas c o m pensatórias para remediar as desvantagens históricas, aliviando o passado discriminatório sofrido por esse grupo social.
A busca d a igualdade material é ex pressada na Constituição Brasileira, e m seu art. T, X X , referente à proteção d o m e r c a d o d e trabalho d a m u l h e r mediante incenti
vos específicos, e ait 37, VII, q u e determi
n a a reserva, por lei, d e percentual d e car
gos e e m p r e g o s públicos para a$ pessoas portadoras d e deficiência.
O c o m b a t e à discriminação encontra- se positivado n o ordenamento jurídico brasi
leiro através d o art. 5 o, inc. X L I e X L I I da Constituição Brasileira a o prever q ue “lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” , e qu e
“ a prática d o r a c i s m o constitui cri m e inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos d a lei” . A Lei 7.716, de 05.01.89 definiu os crimes resultantes de preconceito d e raça o u cor, sendo a m e s m a alterada peia lei 9.459/97 para ampliar seu objeto, incluindo n o tipo p e
nal a discriminação o u pre
conceito d e etnia, religião ou procedência nacional.
N o c o m b a t e à discri
m i n a ç ã o das mulheres tem- se a Lei 9.029, d e 13.04.95, q u e proíbe a exigência d e atestados de gravidez e es
terilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais o u d e p e r m a nência d a relação jurídica de trabalho, b e m c o m o a Lei 10.224, de 15 d e m a i o de 2001, qu e dispõe sobre o cri
m e d e assédio sexual.
“ Asações afirmativas cumprem a finalidade pública de assegurar o
diversidade e a pluralidade social "
'54 busca da igua/dadewateriaJ é expressada na Cònstituifão Brasileira, em sen àrt. 7, XX, referente àproteção do mercado de
■ trabalho da mulher mediante incentivos específicos, e art. 57, VII, que detemina a reserva, por
léi, de percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência. ”
l*Ibid., p.199.
R evista do T ribunal R egional do T rabalho da 15aR egião 115
A nível infraconstitucional, p o d e m o s citar c o m o leis brasileiras q u e b u s c a m a pro
m o ç ã o da igualdade jurídica material: a “Lei das cotas” (Lei n. 9.100, d e 1995), q u e de termina a reserva d e 2 0 % do s cargos para as candidaturas das eleições municipais às mulheres; a Lei 9.504, de 30.09.1997, qu e estabelece q u e ca d a partido o u coligação deverá reservar d m í n i m o de trinta por cen
to e o m á x i m o de setenta por cento para candidaturas d e cad a sexo, e a Lei 9.799, de 26.05.99, qu e insere na C L T regras so
bre o acesso da mulher ao m e r c a d o de tra
balho.
5 A Ç Õ E S A F I R M A T I V A S
Para J o a q u i m B. B a r b o s a G o m e s , a introdução das políticas de ação afirmativa representou a m u d a n ç a d e postura d o Esta
do, outrora neutro, q ue aplicava suas políti
cas governamentais indistintamente, ignoran
d o a importância de fatores c o m o sexo, raça e cor. N e s s a n o v a postura, o Estado enco
raja entes públicos e privados a levar e m contas tais di versidades, c o m a finalidade de concretizar, na m e d i d a d o possível, a repre
sentação d e cada grupo n a sociedade o u n o respectivo m e r c a d o de trabalho tanto nas escolas quanto nas empresas.20 O m e s m o autor define as ações afirmativas, atualmen
te, com o :
... u m conjunto de políticas p ú blicas e privadas de caráter c o m p u l sório, facultativo o u voluntário, co n cebidas com.vistas ao c o m b a t e à dis
criminação racial, de gênero e de ori
g e m nacional, b e m c o m o para corri
gir, os efeitos presentes da discrimi
nação praticada n o passado, tendo por objetivo a concretização d o ideal de efetiva igualdade d e acesso a bens
fundamentais c o m o a educação e o empr e g o . 21
Ç a r m e m Lúcia Antu n e s R o c h a des
taca q u e a igualdade jurídica n ã o p o d e ser pensada apenas e m relação a o m o m e n t o e m qu e se t o m a m as pessoas postas e m dada situação submetida ao Direito, devendo-se considerar tpda a dinâmica histórica d a so
ciedade. “H á q u e s e a m p l i a r o foco d a vida política e m sua dinâmica, cobrindo espaço histórico qu e se reflita ainda n o presente, provocando agora desigualdades nascentes d e preconceitos passados, e n ã o d e todo extintos, Adiscriminação de o n t e m p o d e ain
d a tingir a pele qu e se vê de cor diversa da qu e predo m i n a entre os.que d e t ê m direitos e poderes hoje.”22
S e g u n d o Rena t a M a l t a Vilas-Bôas:
A ç õ e s afirmativas são m e d i das temporárias e especiais, tomadas o u determinadas pelo Estado, de for
m a compulsória o u espontânea, c o m o propósito específico d e eliminar as desigualdades q u è f o r a m acumuladas n o decorrer d a história d a sociedade.
Estas med i d a s t ê m c o m o principais
‘beneficiários os m e m b r o s do s gru
po s q u e enfrentaram preconceitos’.23 Barbosa G o m e s aponta c o m o objeti
vos d a ação afirmativa: coibir a discrimina
ção d o presente; eliminar os efeitos persis
tentes d a discriminação d o passado, qu e ten
d e m a se perpetuar, implantar de u m a certa
“diversidade” e de u m a mai o r “represen- tatividade dos grupos minoritários nos mais diversos domínios d e atividade públicas pri
vada, e m harm o n i a c o m o caráter plúrimo d a sociedade; eliminaras “barreiras artifici
ais e invisíveis” qu e e m p e r r a m o avanço de negros e mulheres, independentemente da
“GOMES, Joaquim B. Barbosa, Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar.
2001, p,38-39.
3lIbid-, p, 40. ;
^ANTUNES ROCHA, Carmcm Lúcia. "Ação Afirmativa - o Conteúdo Democrático do Princípio da igualdade Jurídica", in Revista Trimestral da Direito Público n. 15/85, apud GOMES, Joaquim B. Barbosa. Op. cit. p. 42-44.
“VILAS-BÔAS. Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 29.
R evista do T ribunal R egionaldo T rabalho da 15“R egião
116
existência o u nã o d e política oficial tendente a subaltemizá-los, e, por fim, as ações afir
mativas cumpriríam o objetivo d e criar as c h a m a d a s personalidades emblemáticas, ou seja, e x e m p l o s vivos de mobilidade social ascendente: m e c a n i s m o s de incentivo à ed u cação e ao aprimoramento d e jovens inte
grantes d e grupos minoritários.24
N e s s e contexto, a açt o afirmativa seria instrumento d e aplicação d e u m d os três princípios éticos (individualidade, res
ponsabilidade e solidariedade), qual seja, a solidariedade vertical, e m relação aos ante
passados e e m relação a o futuro.
S o b o ponto d e vista ético, solidariedade é toda experiência consciente e o c o m p o r t a m e n t o decorrente desta gera u m a unidade e m u m a diversidade. S ó se t e m solidariedade a partir d e u m a base c o m u m q u a n d o t a m b é m está presente a diversi
dade. S e nã o houver diver
sidade, h á “e g o í s m o de u m grupo” (ex. união para d e termi n a d o objetivo). T e m q u e ser u m a experiência consciente, criando-se u m a mentalidade. N ã o se t e m so
lidariedade se n ã o houver m u d a n ç a d e mentalidade. A solidariedade reconhece o
outro n a sua individualidade. A simples co m o ç ã o nã o gera solidariedade. S ó há solida
riedade q u a n d o h o u v e r atos concretos (ação).
N ã o é preciso simpatizar-se c o m a l g u é m para ser solidário ao m e s m o . A c a bada a necessidade e findo o gesto concre
to d e solidariedade, termina a solidariedade.
O amor, pelo contrário, é u m a luta de per
manência. N o relacionamento afetivo não há solidariedade, pois n ã o há diversidade. A solidariedade exige reciprocidade, o a m o r
imo; a solidariedade bus c a a unidade n u m a diversidade; a solidariedade n ã o é p e r m a nente, m a s s i m temporária.
A solidariedade vertical é tratada por parte d a doutrina c o m o questão d e recipro
cidade. Esta d e v e ser c o m p r e e n d i d a n u m sentido amplo, tal c o m o a consciência de que o q u e se usufrui hoje d a sociedade é algo construído pelos antepassados. H á solidari
eda d e e m relação aos antepassados q u a n d o se preserva m o n u m e n t o s históricos, q u a n d o se preserva a história. H á solidariedade q u a n d o se reconhece as vítimas d a história.
N e m s e m p r e os vencedores d a história pos
s u e m dignidade.
A s s i m , p o d e m o s classificar a ação afirmati
v a c o m o u m ato de solidari
eda d e vertical, ao se reco
nhecer os grupos excluídos n o passado (a e x e m p l o dos negros e das mulheres ) e os c o m p e n s a r n o presente (através d e políticas d e in
serção a o mercado de tra
balho, de acesso à educação etc), busc a n d o a igualdade social (unidade) -respeitan- do-se as diversidades, pro
porcionando aos integrantes de tais grupos sua inclusão social.
6 D I R E I T O S F U N D A M E N T A I S F R E N T E A P A R T I C U L A R E S E A A U T O N O M I A D A V O N T A D E
N a s judiciosas lições d e Dan i e l Sarmento, “o princípio da dignidade d a pes- soa h u m a n a exprime, e m termos jurídicos, a m á x i m a kantiana, s e g u n d a (sic) a qual o H o m e m d e v e s e m p r e ser tratado c o m o u m fi m e m si m e s m o e n u n c a c o m o u m melo. O ser h u m a n o precede o Direito e o Estado, q u e apenas se justificam e m razão dele.” (g.n.)a
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