• Nenhum resultado encontrado

OS HODÔNIMOS DE UMA PRAÇA: SUAS INTERFACES, SEUS SIGNIFICADOS. Vitalina Maria Frosi UCS 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "OS HODÔNIMOS DE UMA PRAÇA: SUAS INTERFACES, SEUS SIGNIFICADOS. Vitalina Maria Frosi UCS 1"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

OS HODÔNIMOS DE UMA PRAÇA: SUAS INTERFACES, SEUS SIGNIFICADOS.

Vitalina Maria Frosi – UCS1

0 Introdução

O recorte efetuado para estudo e elaboração deste texto situa-se na Lexicologia, no campo da Hodonímia, especificamente, foi selecionada a principal praça da cidade de Caxias do Sul. Essa praça, desde seu início em 1875, abrigou o primeiro núcleo populacional formado em torno dela, o mesmo que haveria de construir e dar sentido a essa cidade.

Presumimos que todo o caxiense conhece a praça central de sua cidade e que também saiba como se chama, todavia, valemo-nos do pressuposto de que poucos possuem informações seguras sobre a rica e complexa trama que envolve a trajetória dos cento e trinta e três anos de existência desse logradouro. O estudo da Praça Dante Alighieri justifica-se assim, porque é importante conhecer os processos que envolveram a existência dela, de seus nomes, sejam eles oficiais ou populares bem como é relevante saber avaliar o sentido que adquirem e guardam através do tempo. A investigação se justifica ainda porque, no que nos é dado saber, não há estudo feito nesta perspectiva sociolingüística sobre o tema em questão. Tivemos como objetivo principal a produção de conhecimento, finalizado à formação da cidadania, em sentido amplo, quer no âmbito social, quer na educação de modo geral. Consideramos importante sistematizá-lo para sua preservação, dando-lhe uma forma impressa e tornando-o, assim, acessível às gerações de indivíduos mais jovens.

O foco central é constituído pelo estudo dos nomes oficiais da praça, derivados de nomes próprios de pessoas, correlacionando o fenômeno da denominação lingüística com os elementos étnicos, históricos, políticos e culturais aí implicados. Este trabalho é parcial, não abrange ainda o estudo dos nomes não oficiais atribuídos à praça, todavia igualmente usados e, não poucas vezes, privilegiados pelo povo.

A análise contempla interfaces de várias disciplinas, movendo-nos na busca de

subsídios teóricos da sociolingüística, em linhas amplas, e da onomástica em geral

(DAUZAT, 1926; DICK, 1996; ISQUERDO; ALVES (orgs.), 2007; DICK, 2001; MORI, 2008;

GUÉRIOS, 1973; MIORANZA, 1997; BUENO; BARATA, 2001) bem como no âmbito da etimologia (CAFFARELLI,2008;QUEIRAZZA et al., 1997), particularmente, através da explicitação da origem e do sentido, em grande parte, velado pela passagem do tempo.

Na execução do trabalho, percorremos fundamentalmente dois caminhos, isto é, (1) as fontes escritas, compreendendo-se nelas (a) a leitura das atas das assembléias dos vereadores sobre a denominação ou alteração de nomes de ruas e praças; (b) a leitura e análise dos processos sobre esse mesmo assunto; (c) leitura e interpretação de textos constantes em atos e leis específicos da nomeação e/ou da alteração do nome da praça em questão; (d) leitura, interpretação e elaboração de textos informativos de jornais, boletins e revistas atinentes aos vários períodos da história da cidade; (e) leitura de obras sobre a história de Caxias do Sul; (2) a realização de entrevistas gravadas, de tipo semiestruturadas com sujeitos que conhecem e vivenciaram as várias etapas constitutivas da história da praça Dante Alighieri.

1 Topônimos e hodônimos: sua relação com o contexto

A toponímia estuda a origem e a evolução dos nomes de lugares. A hodonímia estuda os nomes dos logradouros de uma cidade. Os topônimos e hodônimos estão intimamente relacionados com a trajetória de vida dos homens que fundam e habitam os lugares, com a história e a política, com o desenvolvimento socioeconômico e cultural desses lugares, com a origem etnolingüística dos

1

Professora doutora do Departamento de Letras e do Mestrado em Letras e Cultura Regional da Universidade de Caxias do Sul. E-mail: frosi@terra.com.br

(2)

indivíduos e com a cultura originária transplantada no país acolhedor. Os hodônimos de Caxias do Sul têm um significado peculiar, em muito diferenciados daqueles do país em que essa cidade está inserida.

As estradas e praças nascem com os povoados, como elementos integrantes do contexto social, facilitadores da vida do grupo humano. No espaço público que ocupam, os homens abrem caminhos, trocam saberes, constroem sua história. Um signo toponímico não é um mero sinal gasto pela passagem do tempo ou pela sucessão de múltiplas gerações: ele é uma síntese poderosa, um elo importante na corrente do tempo pondo em correlação fatos, acontecimentos e ações dos homens.

Os nomes dão existência aos lugares, às coisas, aos indivíduos, ao mundo. Alguns hodônimos sustentam no território acolhedor uma dimensão histórica típica, uma combinação dinâmica e perfeita entre o sentido do velho e do novo mundo. A presença desses hodônimos é resultante de escolhas, às vezes, ditadas por autoridades civis ou religiosas, outras vezes, pelos próprios moradores do lugar.

Os diferentes hodônimos que, em períodos sucessivos e alternadamente, homenagearam quer uma ilustre figura literária italiana, Dante Alighieri, quer um notável jornalista brasileiro, Rui Barbosa, encontram explicação no peculiar processo histórico do lugar (ANTUNES, 1950), de modo especial, nos fatos e acontecimentos que marcaram a história étnica e política da Região de Colonização Italiana, daqui por diante RCI (PAGANI, 2005). Acontecimentos de ordem política, histórica e ideológica interferem na vida dos homens, nas denominações de suas cidades, nas de suas ruas e praças. A política brasileira, a contar da década de trinta, determinou mudanças na toponomástica local. Os hodônimos correlacionam-se ainda com a identidade e cultura dos dois grupos étnicos em contato: o brasileiro e o italiano (FAGGION, 2006). Entendemos que analisar os seus vários aspectos é garantir a preservação do verdadeiro e correto sentido que esses hodônimos, oficiais ou populares, possuem. A alternância de um hodônimo por outro na denominação oficial desta praça representa algo mais do que uma simples troca de nome: o que está em jogo aí são as diferenças e identificações étnicas e culturais, a força política e, sobretudo, as ideologias que orientaram a vida desses grupos humanos. Podemos afirmar que a maioria dos ítalo-descendentes eram católicos. Alguns deles, porém, eram maçons (RELA, 2004, p. 35-40). Além disso, os líderes eram politicamente partidários e a maioria dos que desempenhavam funções administrativas eram de origem lusa. O controle político brasileiro foi mantido, primeiramente através do diretores das Colônias e dos funcionários da Comissão de Terras, depois pelos intendentes, “todos nomeados ou indicados pelo governo do Estado, todos de origem lusa e pertencentes à maçonaria” (MACHADO, 2004, p. 47). Na história da RCI, especificamente nas primeiras décadas, as relações entre igreja católica e maçonaria não eram tranqüilas. Compreende-se, assim porque todas as ruas centrais da cidade tiveram nomes brasileiros. A praça Dante Alighieri foi um caso à parte e, mesmo assim, houve um período em que ela se chamou oficialmente Rui Barbosa.

Os hodônimos de caráter não oficial, espontaneamente instituídos e legitimados pela voz do povo na sua linguagem oral, têm outras conotações: os contrastes étnicos são aí neutralizados, evidenciando-se a conexão dos signos hodonímicos com aspectos materiais e simbólicos configurados, por exemplo, no traçado da praça, na presença de estátuas e luminárias, no chafariz, nos pinheiros e nas tantas rosas que a ornamentaram no tempo passado; acrescentem-se, na atualidade, a presença de coqueiros e placas que mostram dizeres, constituintes de referentes simbólicos do tempo presente.

2 Os nomes da praça central de Caxias do Sul: Dante Alighieri e Rui Barbosa Aspectos lingüísticos e culturais

Os nomes oficiais da praça central de Caxias do Sul homenageiam figuras ilustres que dedicaram suas vidas a causas importantes, foram proeminentes dentre tantos, por seus atos ou por seus intelectos, por sua genialidade, ou porque rememoram aos habitantes do lugar suas próprias raízes guardadas em outras terras, longínquas, distantes no tempo e no espaço geográfico.

Em seu estudo dos sobrenomes italianos, Emidio De Felice (1987, p. 117) diz que Dante é um hipocorístico de Durante, abreviado por síncope, ambos documentados já no século X nas formas Durantus e Durante, Dantes e Dante. Estabelece para Durante a ligação com o sentido augural cristão

(3)

da Idade Média, como idéia de perseverar, ser firme, subentendendo-se, perseverante na fé, no bem. De modo semelhante, ao abordar a questão do sobrenome Durante, Michele Francipane (2007, p. 419) explica que esse sobrenome tem sua origem nos nomes próprios de pessoa medievais, isto é, deriva de Durante-Durando. Do latim, Durantus: Durante, deriva Dantes-Dante, entendidos como diminutivos sincopados. Acrescenta que Dante, por antonomásia notável em todo o mundo, é o divino poeta Alighieri.

De acordo com Mioranza (1997, p. 115) o “nome italiano Dante é uma redução popular e coloquial de Durante. Guérios (1973, p. 90) atribui-lhe uma origem germânica. Temos, assim, rand, rant derivados do deus Tor (Thur) e, por etimologia popular, ligado ao latim Durare, “durar”, com o sentido do que dura, do que é persistente.

Conforme descrito e registrado por Mioranza em seu Dicionário dos sobrenomes italianos (1997, p. 22) Alighieri deriva do “nome germ. Alagair, Alagier [formado de ala, tudo, de todo, e gaira, lança com um sentido impreciso, mas que se relaciona com a bravura e a destreza no uso da lança]; latinizado sob variadas formas, como Alagherius, Alacherius, Alaghierus, o sobr. se define com fq. Alaghieri [f. do sr. Alaghierus] che evolui para Alighieri; é o sobr. do maior poeta medieval italiano, autor da Divina Commedia, Dante Alighieri [1265 – 1321].”

Também Guérios (1973, p. 51) informa que Alighieri, sobrenome italiano, tem sua origem no alemão. Partindo de Aldiger, propõe para ger o significado de lança e para aldi o equivalente ‘velha’. Acrescenta ainda a forma alemã Altger, e outra forma italiana Aldighieri que, no singular, se realizam como Alighiero e Aldighiero. Ilustra também que Zambaldi2 dá a tradução “lança estrangeira”, mas para a forma Aldighiero registra “de idade, velho”.

Dante Alighieri nasceu em Firenze, no ano de 1265 e faleceu em Ravenna em 1321. Foi poeta, escritor e também homem político engajado com os ‘guelfi’, facção que apoiava e defendia o papa. Participou na batalha de Campaldino (1289), com vitória para os ‘guelfi’ florentinos. Participou ativamente no governo da cidade de Firenze e, após freqüentes revoltas políticas que perturbavam Firenze, Dante foi condenado ao exílio. (BUZZI; BUZZI, 2005, p. 127).

Em seu Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes, Guérios (1973, p. 191), propõe para o nome Rui, no português arcaico, as formas Ruy, Roy e diz que é um hipocorístico de Rodrigo. Considera que, segundo alguns, é forma apocopada já na época germânica, segundo outros, vem do romanço: Rodrigo, *Rorio, *Roio, *Roi, *Rui, e, depois, Rui (o asterisco, conforme esse autor, indica palavra hipotética, não documentada na escrita).

Ana Belo (1995) confirma que o nome Rui é uma forma contracta de Rodrigo e diz que os elementos formativos são originários do germânico hrod, (glória), e ric-, (poderoso). Esclarece que a sua forma antiga era "Roi" ou "Roy".

A obra de Barata e Bueno (2001, p. 1971) diz-nos que Rui é “nome de homem, raras vezes usado na forma de nome de família.” Constitui-se numa “abreviação de Rodrigo (Ro [dr] i [go]), passando pelas formas: Roi, Rui. Antes de Roi, Leite de Vasconcelos supõe Rodigo, por dissimilação, Roigo ou Rodio, Roio, e para a deslocação do acento manda confrontar moinho e múinho, na linguagem minhota, e Tui a par de Túi. Roy, aparece no livro de Linhagens. Em espanhol, Ruy, como se escrevia no português até bem pouco. Roy aparece em galego e em espanhol [Antenor Nascentes, II, 267]”.

Apoiando-nos mais uma vez no estudo de Guérios (1973, p. 64), entendemos que Barbosa é um sobrenome português de procedência geográfica. Em sua origem, significava “lugar onde há muitas barbas de bode ou barbas de velho (plantas)”. –– “Os Barbosas procedem de D. Sancho Nunes de Barbosa, que era descendente do Conde D. Nuno de Cela Nova, e sobrinho de S. Rosendo. É seu solar a Quinta de Barbosa, no termo do Porto, donde tomaram o apelido”. Atribuindo ao sobrenome Barbosa essa mesma origem e significado inicial, Barata e Bueno (2001, p. 369) apresentam uma longa e detalhada exposição, com grande riqueza de elementos genealógicos que tem como ponto de partida o século XI, em solo português. No Brasil, foram muitas as famílias de

(4)

sobrenome Barbosa que chegaram em diferentes períodos e se estabeleceram em diversas regiões e Estados brasileiros.

Rui Barbosa foi jurisconsulto, orador, escritor, jornalista e político brasileiro. Nasceu em Salvador, Bahia, em 1849 e faleceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1923 (Grande Enciclopédia Delta Larousse, 1972, p. 750).

3 Aspectos políticos e históricos

A praça Dante Alighieri constituiu-se como um espaço reservado, pré-destinado ao encontro das pessoas, desde a divisão do território para o assentamento dos imigrantes italianos. “Os núcleos urbanos eram erguidos no centro da colônia, se possível em terreno plano e elevado” (IOTTI, 2001, p. 79). Batizada pelo povo como Praça Dante já na primeira década da colonização, teve seu nome oficializado em 15 de novembro de 1914. Além disso, foi nela colocada a estátua do insigne poeta. Duminiense P. Antunes (1950, p. 87) escreveu:

Os moradores de Caxias, secundando o ato da municipalidade, resolveram por iniciativa do Dr. Vicente Bornancini, médico então residente na localidade, erigir um monumento com a efígie austera do autor da Divina Comédia, plasmada em bronze, como uma consagração à terra da qual eram originários.

Situada no coração da cidade, tinha seu nome escrito no coração do povo. Todavia, não só as localidades da Região tiveram seus nomes substituídos por outros (FROSI, V. M.; FAGGION e DAL CORNO, 2008, p. 405-421), a contar da década de trinta, com a ditadura Vargas e, depois, com a Segunda Guerra Mundial, também muitas ruas e praças tiveram seus nomes alterados. É o caso, aqui, da Praça Dante Alighieri. (CHIES, 1999, p. 52-53).

Os nomes dos logradouros refletem as vicissitudes da história do país e da Região de que fazem parte. Em conformidade com a historiadora Maria Abel Machado (2001, p. 83), todas as ruas do núcleo urbano de Caxias do Sul, isto é, do centro da cidade, tiveram nomes de personagens lusos. “O cargo de intendente era exercido por homens estranhos à comunidade caxiense, de origem luso-brasileira, nomeados e/ou indicados pelo governador do Estado e pertencentes ao partido político no poder.”(MACHADO, 2001, p. 28). Celeste Gobato foi o primeiro intendente de origem italiana eleito, tendo assumido o poder em 1924 (PESAVENTO, 1980, p. 180). As ruas do centro dessa cidade até hoje conservam os nomes de personagens da política e da história brasileira. A exceção foi feita no caso da praça Dante Alighieri. Mesmo assim, também neste caso, não foram poucos os movimentos e fatos ocorridos para a substituição do nome italiano de pessoa por outro brasileiro.

Uma primeira tentativa de mudança do nome Praça Dante Alighieri pelo de Praça Duque de Caxias, é formalmente manifestada em quatro de abril de 19383. O Jornal O Momento deu, naquela data, esta informação, intitulando-a com a pergunta Praça Dante ou Duque de Caxias?

Nós outros que através deste modesto semanário temos, com sinceridade e patriotismo, auxiliado a gigantesca obra de nacionalização, fazemos daqui fervoroso apelo a quem de direito no sentido de homenagearmos o Brasil Novo, dando ao principal logradouro público desta cidade que é praça Dante, o nome do indomável Duque de Caxias, aliás patrono da cidade e um dos grandes vultos da nossa história pátria.

3

(5)

A proposta de substituição do nome Praça Dante Alighieri pelo de Duque de Caxias não se concretizou. A homenagem almejada foi cumprida colocando-se, no lado sul da mesma praça, o busto do herói nacional brasileiro.

A idéia da mudança do nome Dante Alighieri para Rui Barbosa começou a circular, antes de 1942, data em que, publicamente, foi anunciada. No dia dois de fevereiro desse mesmo ano, o Diário de Notícias da sucursal de Caxias do Sul noticiava a realização, naquela mesma data, da Assembléia extraordinária da Liga de Defesa Nacional. Dentre os presentes à reunião estiveram (para não dizer todas) as principais autoridades locais. Dos vários assuntos tratados resultou a aprovação de uma série de moções das quais destacamos aqui apenas o conteúdo de uma delas na qual a Liga de Defesa Nacional solicitava ao Governo Municipal a substituição “do nome da Praça Dante Alighieri para o de Praça “Rui Barbosa”; pedia também que fossem substituídos “os dísticos em italiano existentes na Estátua do poeta florentino por outros em língua nacional”4 (ADAMI, 1966, p. 253).

Iniciava- se, então, formalmente, uma longa polêmica pública5 em torno da questão do nome da praça central da cidade. No dia cinco de fevereiro, três dias após a realização da Assembléia da Liga de Defesa Nacional, o mesmo jornal6 publicava um texto, assinado por Augusto de Carvalho, em defesa do nome Dante Alighieri. Com a tendência política reinante no país e no estado gaúcho, combinada com o fato histórico da Guerra Mundial, passou-se a defender publicamente a brasilidade em detrimento da vontade do povo da comunidade de Caxias do Sul que era constituída, em sua grande maioria, por italianos e seus descendentes, ainda não de todo aculturados à nova pátria.

A trajetória de vida desta praça encerra denominações reveladoras da presença de forças várias com interesses de grupos diferenciados e definidos seja por sentimentos patrióticos peculiares, seja motivados por ideologias e princípios que se alternam entre si, ou ainda, por forças políticas atuantes pelo próprio Estado.

Relembramos Dick (1996, p. 12) com sua pontual afirmação: “a toponímia caminha ao

lado da história”. Confirma essa idéia a substituição do nome Dante Alighieri pelo de Rui Barbosa

num período em que o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, opondo-se aos países do eixo e, assim sendo, à Itália. Mas a força identitária do povo e sua vontade soberana recobram, às vezes, a velha denominação que lhes fora subtraída e a restauram juntamente com os diversos aspectos e interconexões que sempre a acompanharam.

Passaram-se vários anos de ininterruptas contendas sobre a questão dos hodônimos da praça central de Caxias do Sul. Por um lado, indivíduos, em sua maioria brasileiros7 descendentes de portugueses, importantes por sua força política e detentores de poder, orientados e apoiados pelo Governo do Estado gaúcho, lutavam pela oficialização do hodônimo Rui Barbosa. De outra parte, alguns líderes italianos, defendendo a massa da população, em sua maioria constituída de ítalo-brasileiros católicos, empenhavam-se fortemente para que o hodônimo Dante Alighieri fosse oficialmente preservado. Não só eram freqüentes as exposições de motivos e defesas de ambas as

4 Duas outras moções determinavam, respectivamente: “que do mesmo modo se procedesse em relação à Avenida Itália, passando a chamar-se Avenida Brasil; que a Liga apelasse aos brasileiros portadores de títulos honoríficos havidos de nações totalitárias, para que devolvessem tais títulos aos governos originários.” (ADAMI, 1966, p. 253).

5 As idéias a favor ou contra a mudança do nome da praça circulavam nos jornais e nos Boletins Eberle. Os jornais em funcionamento no período que aqui interessa eram: A ÉPOCA, de outubro de 1938 a setembro de 1942; de abril de 1943 a agosto de 1958. Correio Riograndense, de 1942 a 1953 e de maio de 1953 a 1954 aos dias atuais. Despertar, de outubro de1947 a novembro de1954. Diário do Nordeste, de junho de 1951 a novembro de 1954. O Assombro, de outubro de 1937 a março de 1938. O Momento, de janeiro de 1933 a junho de 1951. Pioneiro, de novembro de 1948 a outubro de 1954 e de novembro de 1973 aos dias atuais. Stafetta Riograndense, de 1918 a 1941. Voz do Povo, de novembro de 1945 a março de 1953. Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

6 Jornal O Momento de 04/04/1938. Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

7 Dentre os nomes de grande influência naquele período estavam os de Eduardo Caravante, juiz de direito, Constantino Rodrigues de Freitas, juiz municipal, Balduino D'Arrigo, promotor público, Francisco da Cunha Rangel, diretor da Estação Experimental, Olmiro de Azevedo, presidente da Liga de Defesa Nacional, Percy Vargas de Abreu Lima, notável advogado, João Brusa Neto e Dátero Alves de Oliveira.

(6)

partes, publicadas nos jornais da época – dos que defendiam a permanência do hodônimo Dante Alighieri e dos que disputavam a mudança a favor de Rui Barbosa – como também a emissora de rádio da cidade transmitia longas mensagens sobre o assunto.

Muitas reportagens de Augusto de Carvalho levavam o título “Dante poeta planetário”. Referindo-se à Divina Comédia e ao seu autor, esse jornalista não poupou atributos e salientou a figura de Dante como patrimônio universal. Numa de suas reportagens, perguntava-se perplexo como era possível “proscrever o nome de Dante em uma praça da Pérola das Colônias se o Altíssimo Poeta era o maior florão de glória da poesia universal de todos os tempos?” Prosseguindo em seu texto, reafirmara também que Dante produzira o Poema do Cristianismo, e que seu “gênio incomparável o projetara para além das fronteiras geográficas de sua nação”.(Diário de Noticias de 5-2-1942, apud ADAMI, p. 253).

Este e outros órgãos da imprensa local, dia após dia, ano após ano, publicaram inúmeros textos, em favor da preservação do hodônimo Dante Alighieri, dentre tantos, muitos produzidos e assinados por Augusto de Carvalho. Na defesa do hodônimo Rui Barbosa, também não foram poucos, dentre eles, sobressaíram-se os escritos do ilustre advogado e escritor Olmiro de Azevedo.

Em 1948, o novo hodônimo Praça Rui Barbosa foi oficializado.

“A Câmara Municipal em si, significava votação unânime de seus membros, vem de aprovar o projeto de lei, de autoria de seu presidente, Sr. Rubens Bento Alves, que oficializa o nome de Rui Barbosa, dado pelo povo ao nosso principal logradouro, em substituição ao de Dante Alighieri.”8

Este fato, contudo, não foi suficiente para pôr um fim em torno da polêmica reinante. Nos anos que se sucederam à mudança desses hodônimos, a questão foi retomada com muita freqüência, principalmente nas assembléias dos vereadores, quando o assunto em pauta era a análise de processos sobre substituições de nomes italianos de ruas e praças por outros brasileiros.9

Passou-se, então, um longo período até que fosse recuperado o nome preferido pelos fundadores da cidade. A lei 3.494 de 1990 devolveu aos caxienses sua Praça Dante Alighieri. Este hodônimo Dante Alighieri soma hoje noventa e dois anos de vida; o hodônimo Rui Barbosa conta com quarenta e dois anos de existência.

Assim, o quarto período da história sociolingüística da RCI, por nós caracterizado como um movimento de retorno às raízes étnicas italianas, verificado a partir de 1975, ano das celebrações do Centenário da Imigração Italiana na Região (FROSI, 1998, p. 165-166) teve efeitos positivos para o grupo minoritário. Acreditamos que o movimento de retorno às origens étnicas italianas tenha contribuído para despertar o sentimento de identidade lingüística e cultural. Houve um incentivo por parte de educadores e de pessoas atuantes na sociedade caxiense. Não foram poucas as manifestações culturais como o teatro, a literatura, o estudo da língua italiana. Verificou-se uma valorização da própria linguagem, uma superação do estigma de ter sido colono e falante de dialeto italiano, como bem o demonstraram os resultados de uma pesquisa intitulada ESTIGMA, recentemente desenvolvida na Universidade de Caxias do Sul (FROSI; FAGGION; DAL CORNO, 2007).

Os nomes usados nas designações das ruas e praças de Caxias do Sul vem recuperando nomes italianos, mesmo sob a forte pressão do desenvolvimento econômico e dos efeitos da tecnologia que nivela tudo e todos, neutralizando impiedosamente as diferenças lingüísticas e culturais. Malgrado isso, nossas ruas e nossas praças ainda têm e ainda recebem nomes italianos.

Concluindo esta análise, reafirmamos que a escolha dos nomes oficiais da praça central de Caxias do Sul foi fortemente influenciada por forças políticas, fatos históricos, ideologias e identificações étnicas e culturais. Acreditamos que essas determinantes podem ser constatadas em

8

Jornal “O Momento, Ano XVI – Rio Grande do Sul – Caxias do Sul – 20 de março de 1948)8.

9 Dentre outras, exemplificam esta contenda os conteúdos das atas de duas assembléias: Ata da 148ª Sessão Ordinária da Câmara de vereadores, Caxias do Sul, 28-04-1958. Ata da 149ª Sessão Ordinária da. Câmara de Vereadores, Caxias do Sul, 02-05-1958

(7)

outros casos, como por exemplo, na seleção dos nomes das principais ruas desse mesmo centro urbano.

Referências

ADAMI, João Spadari. História de Caxias do Sul. 4° Tomo, Caxias do Sul: EDUCS,1966.

ANTUNES, Duminiense Paranhos. Documentário Histórico do município de Caxias do Sul. 1875-1950. São Leopoldo: Artegráfica Comércio e Indústria; 1875-1950.

BARATA, Carlos Eduardo de Almeida; BUENO, Antônio Henrique da Cunha. Dicionário das Famílias Brasileiras. Volume I. São Paulo: Árvore da Terra, 2001.

BELO, Ana. Novas opções de nomes próprios. Lisboa: Pergaminho, 1995. Coleção Arteplural, Lisboa. In: http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=11349. Acesso em: 25 de janeiro de 2009. BUZZI, Vittore; BUZZI, Cláudio. Le vie di Milano. Dizionario di toponomástica milanese. Milano: ULRICO HOEPLI, 2005.

CAFFARELLI, Enzo; MARCATO, Carla. Tutta l'Italia per Nome e Cognome. Presentazione

di Giuliano Gasca Queirazza. Torino: UTET, 2008.

CHIES, Guiomar. Os poderes fazem história. Caxias do Sul: Evangraf, 1999. DAUZAT, Albert. Les noms de lieux. Paris : Delagrave, 1926.

DE FELICE, Emídio. Dizionario dei cognomi italiani. Milano: Mondadori, 1987.

DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A dinâmica dos nomes da cidade de São Paulo 1554

-1897. São Paulo: Annablume, 1996.

DICK, Maria Vicentina de Paula Do Amaral. O sistema onomástico: bases lexicais e terminológicas, produção e freqüência. In: OLIVEIRA, Ana M. P. P.; ISQUERDO, Aparecida Negri (orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. 2. ed. Campo Grande: UFMS, 2001. FAGGION, Carmen Maria. Bilingüismo e cultura. Conjectura, vol. 11, n. 1, p. 123-139, jan.jun. 2006. Caxias do Sul, RS: Educs, 2006.

FROSI, V. M.; FAGGION, C. M. ; DAL CORNO, G. O.M. Prestígio e estigmatização: dialeto italiano e língua potuguesa na Região de Colonização Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul. Revista da ABRALIN, V. 6, 2007. ISSN 16781805.

FROSI, Vitalina M., FAGGION, Carmen M. e DAL CORNO, Giselle O. Mantovani. Toponimi italiani in terra brasiliana. In: CAFFARELLI, Enzo. (Dir.) Rivista Italiana di Onomástica – RION, XIV (2008), 2, Roma: Pomezia. p. 405-421.

FROSI, Vitalina Maria. A linguagem oral da região de colonização italiana no sul do Brasil. In: MAESTRI, Mário (coord.) Nós, os ítalo-gaúcho. Caxias do Sul: EDUCS, 1998.

FROSI, Vitalina Maria. Bilingüismo, identidade étnica e atitudes lingüísticas. CD Congresso Internacional Linguagem e Interação. São Leopoldo, RS: UNISINOS; CNPq; FAPERGS; CAPES, 2005.

Grande Enciclopédia Delta Larousse. Vol. 2, Rio de Janeiro: DELTA, 1972.

GUÉRIOS, Prof. Rosário Farâni Mansur. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. São Paulo: Ave Maria, 1973, p. 191IOTTI, Luiza Horn. O olhar do poder. Caxias do Sul: EDUCS, 2001.

ISQUERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria (orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. Vol. 3. Campo Grande, MS: Editora da UFMS/Humanitas, 2007.

PAGANI, Marcos F. O nacionalismo na região colonial italiana. Caxias do Sul, RS: Maneco, 2005. PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imigrante na política riograndense. In: LANDO et al. RS: Imigração & Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980, p. 156-194.

QUEIRAZZA, Giuliano Gasca et al. Dizionario di toponomastica; storia e significato dei nomi geografici italiani. Torino: UTET, 2006.

RELA, Eliana. Nossa fé nossa vitória; igreja católica, maçonaria e poder político na formação de Caxias do Sul. Caxias do Sul: EDUCS, 2004.

Fontes primárias manuscritas

Arquivo Histórico João Spadari Adami de Caxias do Sul.

Referências

Documentos relacionados

Apesar dos esforços para reduzir os níveis de emissão de poluentes ao longo das últimas décadas na região da cidade de Cubatão, as concentrações dos poluentes

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

Neste momento a vacina com a melhor perspetiva de disseminação pelos cuidados de saúde é a M.vaccae, pela sua ação como vacina terapêutica, aguardando-se a sua

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

A Ética Resolvendo Conflito Entre Direito e Moral Nesse outro estágio percebe-se que a eticidade contempla um Estado em que suas leis não são sentidas como mera coerção ao

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação

Segundo Cheng (2007) a casa da qualidade (planejamento do produto) é utilizada para traduzir a qualidade demandada pelos clientes em requisitos técnicos do produto

Diante dos discursos levantados por tais instituições, sejam elas, os Museus, os Institutos, ou as Faculdades, a obra de Schwarz 1993, fornece amplo conhecimento sobre a formação