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TRAIÇÃO CONJUGAL, RELACIONAMENTO VIRTUAL E TERAPIA PSICANALÍTICA DE CASAL Isabel Cristina Gomes 1 Lidia Levy 2

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Academic year: 2021

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TRAIÇÃO CONJUGAL, RELACIONAMENTO VIRTUAL E TERAPIA PSICANALÍTICA DE CASAL

Isabel Cristina Gomes1 Lidia Levy2

Relato A.:

Amanda e Antonio são casados há 08 anos. Possuem um casal de filhos; uma menina de 04 e um menino de 02 anos. Amanda busca a terapia de casal como último recurso para evitar a separação, pois relata que seu casamento está passando por uma grave crise. Segundo ela, a primeira traição ocorre quando Antonio, que tanto empenho fez para ela engravidar, das duas vezes, torna-se completamente distante da vida dela e dos filhos. A segunda traição é sentida diante da mentira, quando ela acredita que ele está trabalhando no computador e na verdade ele está se divertindo (jogando “paciência”). Finalmente, a traição vivida como a mais grave, pois detona uma crise com possibilidade de separação conjugal, foi quando o presenciou de madrugada acessando sites pornográficos (contendo exibições de mulheres nuas) e se masturbando.

Relato B.:

Bruna conhece Breno quando ele ainda era casado. Vivem uma relação “as escondidas” por um tempo até que Breno se separa e ambos vão morar juntos. Bruna tinha uma filha do primeiro casamento que se junta ao casal. Após 03 anos de vida em comum a família é acrescida pelo nascimento de um filho, que segundo Breno, é o reconhecimento de que formam uma verdadeira família: o casal, a filha de Bruna e o filho de ambos. Breno também tem outros 02 filhos do primeiro casamento, jovens adultos, que moram com a mãe. O casal vive bem por 15 anos, parecem eternos namorados até que Bruna descobre que o marido a trai com uma moça bem mais jovem, que ele conheceu num “chat” de bate – papo na internet. Aqui é Breno quem procura terapia de casal apavorado com o fato da esposa pedir a separação.

1 Universidade de São Paulo / Brasil . AIPCF. isagomes@ajato.com.br

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Na primeira entrevista com o casal, Breno mostra-se muito arrependido e culpado pelo que havia feito. Relata que não mediu as conseqüências da “brincadeira” em que se meteu. Somente com a descoberta em flagrante da esposa, foi que Breno caiu em si e percebeu que estava sonhando acordado. Diante dessa constatação, alcançada nessa sessão, percebeu que havia algo na relação conjugal que talvez não o estivesse satisfazendo como antes, o que a esposa prontamente concordou. Contudo, é colocado nele todo o peso pelo possível desmoronamento do casamento, por ele ter traído virtualmente sua esposa.

Apresentamos os dois relatos clínicos acima com a finalidade de discutir a questão da traição conjugal vista sob o prisma do “virtual”, destacando sua especificidade e o debate sobre a possibilidade de ser considerada traição ou não pelos cônjuges, na medida em que não envolve um terceiro real. Contudo, a entrada de um terceiro, seja real ou ficcional pode romper a simbiose do casal e suas idealizações, gerando uma crise, um mal entendido. Enfocaremos a traição virtual como um sintoma que aponta para um desinvestimento no conjugal e a demanda pela terapia psicanalítica de casal centrada nesse tipo de queixa.

A construção de um laço conjugal, em alguns casos, corresponde ao preenchimento de lacunas afetivas primitivas de cada um dos parceiros. A simbiose se mantém sob forma de amor até que um terceiro surge para romper o equilíbrio estabelecido, advindo uma crise. Esse terceiro nos romances, nos filmes, nas histórias clássicas de traições conjugais era sempre encarnado por um personagem real, concreto, geralmente mais novo e bonito, fonte de ciúme e inveja para aquele que se sentia traído. E ainda o é em varias situações vividas sejam elas da literatura, do dia a dia ou da clinica de casais. Contudo, nesse texto enfatizaremos outros tipos de traições não tão óbvias e com terceiros não reais, apenas virtuais.

RELACIONAMENTOS VIRTUAIS

Após duas décadas de existência da internet, os relacionamentos virtuais deixaram de ser vistos por um ângulo patológico e de receber as críticas nocivas que carregavam no início. Com o passar do tempo e a divulgação do uso da internet para múltiplos fins, observou-se uma ampliação nos seus recursos relacionais, e o surgimento de estudos e pesquisas nessa

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área aponta que as relações virtuais, cada vez mais, apresentam as mesmas características dos relacionamentos reais, podendo também ser solidárias, profundas e intensas. (Nicolaci-da-Costa, 2005)

Em se tratando de relacionamentos amorosos e internet, pesquisas brasileiras com sujeitos que freqüentavam salas de bate-papo mostraram que 37% buscavam relacionamentos afetivo-sexuais; desses, 10,7% eram casados ou viviam maritalmente. (Civiletti e Pereira, 2002). Estudos mais recentes como Donnamaria e Terzis (2009) e Dela Coleta et all (2008), demonstram que a internet hoje é mais usada como uma forma de iniciar contato interpessoal e enfatizam a necessidade do contato real para a solidificação de um relacionamento, demonstrando que fantasias podem até ser fomentadas no começo sendo dissipadas justamente pelos dados de conhecimento real do outro.

Tisseron (2008) parte de uma compreensão psicanalítica do mundo das relações virtuais, destacando as regras e estratégias próprias a essa maneira particular de dinamismo interpessoal e social, cuja ênfase recai no visual e no imaginário. Embora afirme que a internet incita à manipulação e à mentira, definindo-a como um vasto mercado de identidades em busca de validação (pg.3), acaba também ponderando os aspectos positivos dela, quando é possível estabelecer afinidades para o surgimento de um grupo, propiciando assim a reprodução de uma sociabilidade interpessoal, nos moldes semelhantes aos do mundo real, livre dos empecilhos de distância e tempo. Ainda aponta que a relação do sujeito com o computador pode ser tanto de puro utilitarismo quanto uma fonte de prazer, um lugar onde busca se aliviar dos desprazeres, como uma via de escape ou negação da realidade para não sofrer (pg.142).

O que podemos concluir do exposto sobre relacionamentos virtuais e traição conjugal é que há um amplo espectro que vai desde a busca por um parceiro real até chegarmos a uma forma totalmente projetiva, defensiva e imaginária de se relacionar com um outro que não pode ser definido como OUTRO. Neste último caso, o indivíduo define a relação virtual como “uma brincadeira”, “um escape”.

A traição se associa ao fato da mentira e isso leva a uma avaliação de caráter moral e ético. A traição sem mentira é traição? Há traição mesmo se o

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outro parceiro nunca descobre? Existe traição quando não houver um outro real e concreto? Alguns desses elementos compõem os argumentos de cônjuges que ficam na defensiva frente seu acusador (outro do par), por exemplo, nas sessões de terapia de casal onde se colocam como vitima e algoz, que serão discutidos ao longo do trabalho.

Nos dois relatos clínicos essas questões estão postas, já que adentramos ao campo das traições virtuais, não consideradas pelos cônjuges envolvidos como “verdadeiras traições”, mas que abalaram o casamento. Essa situação gera uma crise que desencadeia uma demanda por terapia de casal. E é nesse espaço terapêutico que o casal no encontro com outro terceiro - o terapeuta – buscará o entendimento necessário para o ocorrido.

O ESPAÇO TERAPÊUTICO DO CASAL

No caso A. são necessárias algumas sessões para que ambos possam começar a refletir e se implicar na crise conjugal, ou seja, as atitudes de Antonio são analisadas dentro da dinâmica do casal e não intrapsiquicamente, já que estamos num espaço compartilhado. O casal passa então numa visão retrospectiva a buscar onde houve a “quebra”, a des (ilusão) da vida que tinham imaginado, já que reconheciam que haviam se casado por amor, que haviam decidido ter filhos. Porque não eram felizes com o que haviam escolhido? Questões intrapsíquicas e influências geracionais (modelos oriundos das famílias de origem de cada um) geravam fortes interferências a partir do momento que o casal se tornou uma família. É importante aqui lembrar que a entrada do terceiro/filho exige uma nova organização do par conjugal e da rotina familiar. Compartilhar conjugalidade e parentalidade tem se mostrado, na sociedade atual, uma tarefa complexa (Levy e Gomes, 2009) exigindo um mínimo de maturidade dos parceiros no sentido de se desprenderem do vinculo fusional estabelecido, das heranças transgeracionais, do lugar de filhos para ascenderem ao de genitores superando os restos edípicos, o que permitirá elaborar o sentimento de exclusão e, concomitantemente, a construção de uma identidade mais segura. Voltando ao caso A., após o nascimento dos filhos, a vida conjugal é deixada em segundo plano. Dentro do processo psicoterápico, ambos se implicam, reconhecem o distanciamento sexual e conjugal e percebem que, se Antonio buscou refúgio no computador, Amanda estava por demais apegada aos filhos, tendo

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substituído o parental pelo conjugal. A partir daí, o trabalho da terapia pôde ir além de focar a traição e movimentou-se no sentido de permitir uma compreensão mais profunda dos investimentos feitos e da recuperação do conjugal.

Em relação ao caso B., há uma pequena diferença, pois quem procura atendimento é justamente quem provoca a crise conjugal, ou seja, o próprio “traidor”. Breno, após a sessão inicial, traz a sua grande preocupação: tem medo de repetir o que vivenciou no casamento anterior. Frente à crise e ao desgaste no relacionamento passado, procurou alento num novo relacionamento, quando se apaixonou por Bruna rompendo com um casamento de 17 anos, quase o mesmo tempo de vida em comum com a esposa atual. Ambos assumem que durante anos alimentaram-se reciprocamente da fantasia de “amantes”, utilizando-se de vários jogos sensuais e sexuais, mesmo após o nascimento do filho. Entretanto, a chegada do filho caçula à adolescência coincidente com a menopausa da esposa e aposentadoria do marido, bem como o tornar-se avô, foram sentidos como empecilhos para a continuidade desse tipo de vínculo conjugal, gerando a crise. O casal se depara com fortes angústias depressivas, projetadas na idealização de um vínculo conjugal que os manteria para sempre na qualidade de “amantes sexuais perfeitos”. Ao longo da terapia reconhecem que a grande traição vivida foi a própria idealização da relação vivenciada por eles, que os fechou para um viver mais amplo e criativo, indicativo de crescimento e amadurecimento pessoal, do próprio casamento e social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos fragmentos apresentados, observamos um desinvestimento gradativo da conjugalidade. Em ambos os casos, os homens não pretendiam transformar a relação virtual em uma relação real. Esse é mais um aspecto que comprova a natureza diferenciada do que se entende por traição virtual. Ao mesmo tempo em que o relacionamento virtual funcionava como uma recarga de auto-estima para Antonio e Breno, dava-lhes a sensação ilusória de que não estariam colocando seu casamento em risco. O espaço clínico contribuiu para que cada um procurasse renovar com o parceiro as reservas narcísicas necessárias para a preservação da conjugalidade como fonte de prazer.

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Resumo:

A simbiose característica do vínculo conjugal, quando esta corresponde ao preenchimento de lacunas afetivas primitivas de cada um dos parceiros, se mantém sob forma de amor até que um terceiro surge para romper o equilíbrio estabelecido, advindo uma crise. Esse terceiro nas histórias clássicas de traições conjugais era sempre encarnado por um personagem real, fonte de ciúme e inveja para aquele que se sentia traído. E ainda o é em varias situações vividas do dia a dia ou da clinica de casais. Entretanto, um fator novo surge com a inclusão dos relacionamentos virtuais cada vez mais presentes no mundo atual. Enfocaremos, por meio de dois relatos clínicos, a questão da traição conjugal vista sob o prisma do “virtual”, destacando sua especificidade e o debate sobre a possibilidade de ser considerada traição ou não pelos cônjuges. A traição virtual, enquanto um sintoma que aponta para um desinvestimento no conjugal, tem provocado uma crescente demanda pela terapia psicanalítica de casal. Nos fragmentos analisados, a sensação de desamor e solidão que antes era compensada na fantasia por muitos indivíduos, encontrou no relacionamento virtual, um interlocutor. O espaço clínico permitiu aos parceiros uma compreensão aprofundada do significado desse tipo de “traição”.

Referências

Civiletti, M.V.P.; Pereira, R. Pulsações Contemporâneas do desejo: paixão e libido nas salas de bate-papo virtual. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v. 22 (1), mar., 2002.

Dela Coleta et all. O Amor pode ser virtual? O relacionamento amoroso pela internet. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 277- 285, 2008.

Donnamaria, C.P; Terzis, A. Sobre a evolução de vínculos conjugais originados na internet. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v.61, n.3, p. 75- 86, 2009.

Freud, S.. Um Tipo de Escolha de Objeto feita pelos Homens. (Contribuições à Psicologia do Amor I). In: Cinco Lições de Psicanálise, Leonardo da Vinci e

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Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980 (Trabalho original publicado em 1910), p.147-157. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, XI).

Levy, L., Gomes, I. C. O mal-estar e a complexidade da parentalidade contemporânea. Cadernos de Psicanálise, Rio de Janeiro, v.25, p. 217 – 238, 2009.

Nicolaci-da-Costa, A.M. Sociabilidade virtual: separando o Joio do Trigo. Psicologia e Sociedade, v. 17 (2), p. 50-57, mai/ago, 2005.

Tisseron, S. Virtuel, mon amour: penser, aimer, souffrir á l’ère des nouvelles technologies. Paris: Albin Michel, 2008.

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