E ntrevista com o fotógrafo José A lbano,
dia 31/05/94. P rodução: E thel de P aula e
Liana Farias A bertura: E thel de P aula R edação, edição e texto final: E thel de P aula e
Liana Farias P articipação: C láudia M onteiro,
E thel de P aula, Francineide M artins, Liana Farias e M arflia A guiar. Foto: A rquivo Tribuna do
C eará
da luz e discípulo do Deus Sol
ç
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le tem um terceiro olho que enxerga qua-drado e dom de congelar o tempo com um simples toque do dedo indicador. José Cordeiro Albano segue o rebanho dos que têm a rara mansidão capaz de flagrar imagens em seus mo-mentos mais íntimos e decisivos. Fotógrafo-mago, traz pendurado ao pescoço um amuleto que não lhe tem faltado com a sorte. A máquina-fotográfica
obedece como
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c o r d e ir in h a aos comandos de um José que ora reza pela máxima limpidez do instante,ora seleciona fragmentos do cotidiano, escondendo parte da verdade.
Viver isolado numa "pequena estação ecoló-gica", a 18 Km do Centro de Fortaleza é herança de quem desembarcou em solo norte-americano na rebelde década de 70, sob o pretexto de pós-gradu-ar-se em Fotografia. José Albano credencia: "A experiência nos Estados Unidos me marcou profun-damente. Revolucionou totalmente a minha visão de mundo e as minhas pretensões profissionais".
Éverdade. O jovem que chegou ao país da Coca-Cola querendo se afiar para a r r o ta r superioridade no lugar de origem, acabou embalado por sonhos de paz e amor, vivências ecológicas, comunidades rurais alternativas e alimentação natural.
De volta, os resquícios de contracultura de-ram as mãos
à
condição já firmada de Mestre em Fotopublicidade. Na casa-estúdio em taipa, próxi-ma à praia de Sabiaguaba, José Albano vive até hoje a contradição de fazer o próprio pão e fotografar pães comerciais para anúncios publicitários. Ele tenta justificar: "Eu não posso negar que tenho prazer de fotografar uma coisa que eu posso con-trolar completamente. Dentro do estúdio, a gente é o rei, a gente faz a fotografia". José Albano está coroado. Lidando com a alquimia de harmonizar luzes, sombras, espelhos e rebatedores, ensina que a magia se dá quando o objeto em foco ganha brilho singular, seduzindo pela aparência.Dessa caça sobre-humana ao perfeccionismo e beleza é que o fotógrafo retira o s u m o para financiar suas curtições. E elas são muitas. José Albano adora fotografar o "em torno" de Sabiaguaba, as comunidades alternativas espalha-das pelo Brasil, as paisagens cearenses e, especial-mente, a única cria: Enúlia. São mais de duas mil fotografias da filha, desde o nascimento até hoje, aos 17 anos. Os u p e r - p a i não cansa de celebrar o que ele mesmo define como' 'a maior oportunidade que nos é dada para mudar e melhorar o mundo". Paternalíssimo, arremata: "É uma corrente de melhoria da raça humana".
O estudo detalhista do processo de gestação explicou ao pai-coruja José Albano suas descompensações de filho e bicho-homem.
Deixan-D u r a n te a e n tr e v is ta Z é A lb a n o o r a d a v a b o a s g a r g a lh a d a s , o r a fic a v a c ir c u n s p e c to : o b a te - p a p o
FEDCBA
f lu ia d e fo r m a tr a n q ü ila .do-se fotografar na intimidade, atribui ao fato de não ter sido amamentado uma declarada' 'pobreza sensual". "A relação de namoro, de aconchego fisico, tudo isso pra mim foi uma dificuldade imen-sa. Dificuldade na adolescência e dificuldade que perdurou, que perdura. A gente fica descompensado por falta desse aprendizado do contato, do corpo". Em contrapartida, calor e alento negados
à
matéria transbordam na alma de um ex-ateu, José Albano já tem a quem adorar: "Eu decidi que Deus pra mim é o Sol. Porque é uma forma esférica, a esfera é uma forma perfeita, é um ser de luz, é o pai de todos nós, dele vem toda a energia".O futuro, ele mesmo traça: quer se ruralizar.
"É quase um projeto de morte", diz como quem não abre mão de terminar os dias experimentando apenas o que lhe dá prazer. Ele embarcou na
C a r a v a n a s , de Geraldo Azevedo, e declarou: "A
e v is ta - - B o m , Z é , n ó s r e s o lv e -s d iv id ir o te m p o d a E n tr e v is ta
d o is m o m e n to s . C o m b a s e n o m a te r ia l d e p e s q u is a s o b r e tu a v id a , n ó s v a m o s p r iv ile g ia r d u a s a b o r d a -g e n s , d o is g r a n d e s c a m p o s in d is s o lú v e is , m a s c h e io s d e p a r ti-c u la r id a d e s c a d a u m . N u m p r im e ir o m o m e n to , n ó s v a m o s u s a r u m a te le -o b je tiv a e r e g is tr a r a s tu a s p e r c e p ç õ e s e n q u a n to fo tó g r a fo , s a -b e r c o m o tu a v id a s e e x p r e s s a n e s s a a r te e d e s c o b r i r m a is d e s s e la d o q u e é a p a r e n te . N o s e g u n d o m o m e n to , a a b o r d a g e m v a i fic a r p o r c o n ta d a tu a c o n c e p ç ã o d e v id a , d a o p ç ã o d e
v iv e r e m S a b ia g u a b a
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(praia do lito-ral cearense), d a tu a lig a ç ã o c o m a sc o m u n id a d e s a lte r n a tiv a s e tu d o m a is q u e p o s s a r e v e la r tu a s c r e n ç a s e te u s id e a is n a v id a . E n tã o , p r a c o m e ç a r , a g e n te q u e r s a b e r c o m o é q u e s e d e u o in íc io , o te u d e s p e r ta r p r a fo to g r a fia .
José Albano -- O meu pai era
fotó-grafo amador. Eu sempre vivi com
muito álbum de fotografia, meu pai
fotografando os filhos, fotografando os sobrinhos, netos. Existia isso, mas ele morreu quando eu tinha II anos só. Então eu não posso dizer que tenha sido uma influência direta, ele
influenciou mais um dos meus
ir-mãos mais velhos, que logo quis
continuar fotografando.
E n tr e v is ta - - Q u e m ?
José Albano - O Joaquim Albano.
Então, eu nem tinha nada a ver com
fotografia, eu queria ser professor de
Línguas, porque meu pai também
era professor de Línguas. Então tem
essa outra influência. Eu estudei
In-glês e Francês, me apaixonei por
Inglês e virei professor de Inglês
muito jovem ainda, com 16 anos, 17, eu já dava aulas lá no IBEU ( I n s titu -to B r a s il E s ta d o s U n id o s ; e em outros cursos de Inglês. E aí, pra oficializar minha carreira, eu fui fazer Letras. Dentro desse curso de Letras - acho
que foi no segundo ano, se eu não tô enganado --, eu ganhei uma bolsa de viagem aos Estados Unidos, aquelas coisas doS ta te D e p a r tm e n t, que era
um pouco de fazer a cabeça dos
estudantes universitários brasileiros.
Era o tempo das esquerdas
fervi-lhando, a revolução ali e tudo, em
66 ... Era uma bolsa de 45 dias, e esse
irmão mais velho disse: "Ah, você
tem que tirar fotografias da viagem
pra mostrar pra gente." E eu falei:
"Mas como? Não vou, não sei nada
disso, vou gastar filme à toa, não vou
tirar retrato não." Ele levou pro
aeroporto a máquina dele - uma
camerazinha pra turista mesmo,
fá-cil de ... "junta o ponteirinho assim"
-, botou o filme pra eu ver como era,
me deu o filme e disse: "Olhe, tá
aqui. " Eram slides, no caso. O filme
não era pra papel, era pra projeção --ele tinha o projetor e tal. Pendurou a
máquina no meu pescoço e eu peguei
o avião e fui m'embora. Aí, quando
sobe aquele avião, aí tem aquela asa lá, e o céu azul, as nuvens e o sol
brilhando na asa... Eu levanto a
câmera, olho assim, e bati a minha
primeira foto. Daí a 45 dias eu voltei
com 600 slides! ( r is o s ) Eu pirei
com-pletamente, eu grudei na câmera e ...
E n tr e v is ta - -
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Oq u e é q u e v o c ê s e n tiu , Z é , n a q u e la p r im e ir a v is u a liz a ç ã on a m á q u in a fo to g r á fic a ?
José Albano - Eu senti ... Eu fiquei
incrédulo se eu tinha realmente a
capacidade - ou aquele aparelho
ti-nha a capacidade - de fixar aquele
momento perfeito que eu tava
viven-do: o avião com todas aquelas nuvens e aquele brilho e aquele céu e ... "Será
que eu posso pegar isso e levar pra casa? Será que eu posso mostrar isso pros outros? Será que eu posso rever
isso quando eu quiser?" Eu pude.
, 'Eu nem tinha nada a
ver com fotografia, eu
queria ser professor de
Línguas, porque meu
pai também era
professor de Línguas. ' ,
Ainda tenho essa foto, ( r i) tá meio
desbotada, mas ela ainda existe.
E n tr e v is ta - - E a tu a c o n c e p ç ã o d e fo to g r a fia v a i m u ito p o r a í, d e q u e r e r r e g is tr a r o m o m e n to c la r o , d e s e r u m a c o is a q u e v o c ê p o s s a c u r tir e a s o u tr a s p e s s o a s ta m b é m .
José Albano -- É, isso é a coisa
clássica do fotógrafo. Éa
possibilida-de possibilida-de você congelar, possibilida-de você retirar uma fatia do pão da vida, vamos dizer
assim. Então, você tira uma fatia,
você, naquela seqüência de aconteci-mentos, você fixa aquilo ali. Agora, é
difícil porque, primeiro, você tem
que escolher o momento correto, o
melhor momento duma ação, o
mo-mento que é a síntese da ação, o
momento decisivo - como dizia o
Cartier-Bresson ( fo tó g r a fo fr a n c ê s )
--, e é preciso que aquela ação não seja atrapalhada por outras coisas que
podem prejudicar a fotografia, que
enfeiam a fotografia, atrapalham. São ruídos, né? Como um poste que tá mal colocado, como uma mancha, como
Z é A lb a n o
outras coisas que no movimento da
vida você não vê, mas na hora que
congelou aquele flagrante você vai
ver coisas que na hora você não viu, como uma árvore nascendo logo atrás
da cabeça de uma pessoa. Então, eu quero fixar esse momento. Pra mim
é uma magia você poder pinçar da
vida pedaços ou momentos
perfei-tos, ou que eu tento que sejam os melhores momentos.
E n tr e v is ta - - Z é , e n o c a s o , q u a n d o v o c ê v o lto u , v o c ê s a b ia ... E n tr e v is ta - - D e ix a e le c o n ta r p r i-m e ir o c o i-m o fo i e s s a e x p e r iê n c ia lá . A í v o c ê v o lto u c o m 6 0 0 s lid e s . Oq u e e r a m e s s e s ...
José Albano -- A viagem. Nova
Iorque, Washington, São Francisco
- que é uma cidade linda -, Los
Angeles, o curso que eu fiz lá ...
E n tr e v is ta M a s s e m m a io r e s p r e -te n s õ e s o u já q u e r e n d o in g r e s s a r n a q u ilo ?
José Albano -- Não, era mais
mos-traro que que eu vivenciei. Subimos
nas montanhas, vimos uma estação
de esqui, fomos em museus ... Eu ia
fotografando tudo. Só tudo. Tudo,
tudo, tudo. E a câmera do meu irmão
era muito boazinha!
(risos)Nãohou-ve erro, praticamente não perdi
nenhuma foto. Então.. aí mostrei
essas fotos no IBEU -- onde eu era professor --, mostrei na universida-de, pros colegas, a família gostou. Todo mundo achou ótimo, me deu
corda. Aí pronto! Aí eu só queria ter a minha câmera e começar a
fotogra-far mesmo. Fotografar tudo,
fotografar muito. Então, foi muito a
custo (enfatizando) que eu consegui
concluir o curso de Letras, porque eu
não queria mais. Eu começei logo -dentro de seis meses já tinha a minha
câmera, tava ganhando dinheiro com fotografia. Continuei fazendo Letras
porque eu ainda tava ensinando e
minha mãe me forçou a barra: ' , Você
vai (enfatizande) terminar Letras.
Pelo amor de Deus, não faça essa loucura de largar a faculdade!"
E n tr e v is ta - - V o c ê p a r tiu p r a q u e tip o d e fo to g r a fia ? C o m o q u e v o c ê p a s s o u a tr a b a lh a r m e s m o c o m a F o to g r a fia ?
José Albano -- Bom, isso tudo ... Na época eu tinha uma bicicleta, eu saía
com essa bicicleta, eu ia, passeava,
fotografava tudo o que eu via ... Mas,
pra ganhar dinheiro, eu fazia
retra-tos. O primeiro trabalho meu foi
retratos. Principalmente retratos de
criança -- que todo mundo quer foto-grafaros filhos -, das moças também,
15 anos, não sei quê ... Naquele
tem-po tinha uns posters grandes na
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JoséA Jbano m ora háFEDCBA
1 9anos no bairro Lagoa R edonda. rua M ar d e I
P /ata. aI8 K m do C entro
de Fortaleza e 3K m d a s
dunas da P raia de S abiaguabà.
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P or duas vezes a equipeentrevistadora teve que recorrer aos m oradores da reqião a fim de localizar com exatídâo a casa-estúdio de J o s é
A Jbano.
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A entrada da casa-estúdio deJ o s é A Jbanofica no la d o contrário
a
rua. D etalhe idealizado por quem m o abre m ão de total privacidade e
• s o s s e g o .
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31A o chegar
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à casa do fotógrafo. a equipe oencontrou deitado em um a rede de tucum no alpendre. lendo o núm ero anterior da revista E ntrevista.
José A lbano elogiou a entrevista realizada na revista anterior com o artista-plástico José T arcísio. O s
FEDCBA
d o is sãoam igos de longa data.
A ntes de iniciar a entrevista. José A lbano questionou o por quê de entrevistá-lo e quem seriam os dem ais en-trevistados deste nú-m ero.
32
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parede, né, colava num tampo demadeira e dava aquele... como se
fosse um cartaz de cinema. Então, os primeiros dinheiros vieram daí, des-ses posters.
E n tr e v is ta - - M a s s e m p o d e r e x e r c i-ta r c o m o v o c ê q u e r ia .
José Albano --É .Bom, eu tava
espe-rando uma chance. Enquanto isso, eu
ia conversando, travando
conheci-m e n to c o conheci-m o s fo tó g r a fo s d a M a n c h e te ,
fazendo amigos, visitando
departa-mentos, estúdio, a redação ... Eu tava
me envolvendo devagarzinho,
procu-rando uma chance.
E n tr e v is ta - - N o c a s o , v o c ê q u e r ia s e r r e p ó r te r fo to g r á fic o ?
José Albano -- Era. Repórter
foto-gráfico. Que é um pouco diferente numa revista e num jornal. O jorna-lismo fotográfico do dia-a-dia eu acho meio paul eira, não acho que eu tinha talento pra fazer não. Mas uma revis-ta é semanal, é um pouco diferente. Você sai pra fazer matérias mais bem cuidadas.
E n tr e v is ta - D á te m p o d e tr a b a lh a r , n é ?
José Albano -- Dá tempo de
traba-lhar. Você trabalha com cores, bem
"O jornalismo
fotográfico do
dia-a-dia eu acho meio
paul eira, não acho que
eu tinha talento pra
fazer não. ))
mais do que preto-e-branco ... Já era uma coisa que eu me direcionava
mais pra o jornalismo de revista do
que o jornalismo de imprensa diária,
sabe?
E n tr e v is ta - - E n tã o , n ã o c h e g o u a a b a la r tu a a u to c o n fia n ç a ?
José Albano - Oque abalou minha
autoconfiança é que o chefe que eu
tinha era péssimo! Era um cara
chatérrimo, mesquinho, implicava ...
E eu fui ficando chateado porque eu
tava prisioneiro daquela coisa lá na
praia do Russel ( R io d e J a n e ir o )
-aquela caixa de vidro - e uma
sauda-de louca do Ceará também. E eu
queria Sol, queria movimento, e tava lá sentado num trabalho burocrático. E aí eu fui ficando chateado, fui fican-do mal ... Aí bateu na cabeça que eu queria, então, sair dali. E resolvi
pe-dir uma bolsa de estudos pra
Embaíxada Americana - existia a
C o m is s ã o F u llb r ig h t, que na época
dava bolsas pra pós-graduação -- e
um dia eu empiriquitei: "Eu vou
hoje, eu vou sair hoje desse trabalho
mais cedo, que eu vou lá na
embai-xada tomar informações." E fui.
Quando cheguei lá, aquela história,
a senhora lá do departamento:
"Ra-paz, você é o último, você chegou na
última oportunidade. Daqui a I O
minutos eu fecho meu birô e
acaba-ram as bolsas pro próximo ano. É
última chance, é agora. Escreva seu
nome aqui e esteja amanhã
( e n fa tiz a n d o ) no endereço tal por-que vai ser a prova de seleção!"
Pode imaginar? Não parece uma
coisa empurrada assim pelo Céu,
né? Não sei, uma coisa! Pronto! Fui no dia seguinte pra prova -- e eram
200 e tantos candidatos --, prova de
Inglês eliminatória. De 200 e muitos
reduziu pra 30 e poucos, 35, eu acho. E era uma redução drástica porque
os bolsistas são lançados dentro da
universidade americana, num curso
de Mestrado, e o professor não quer
saber se ali dentro tem um brasileiro
que não entendeu a frase "x " ou
"y ". Você tem que redigir, você tem que escrever tese, você tem que saber Inglês muito bem, entende? Se não for, não ganha bolsa. E eu era
professor de Inglês! ( r i) Que mais,
né? Fui dentro. Ganhei a bolsa.
E n tr e v is ta - - E n tã o , v o c ê v ia jo u e fo i p r o s E s ta d o s U n id o s d e n o v o ?
José Albano -- Fui de novo. Tinha
ido em 66,numa viagem rápida, e,
em 70, fui pra fazer o curso de
Mestrado.
E n tr e v is ta - - E oq u e fo i q u e m u d o u n a s u a c a b e ç a e m te r m o s d e fo to g r a -fia , e m te r m o s d e v iv ê n c ia ? V o c ê
a te r r is s a r n o s E s ta d o s U n id o s e m p le n a é p o c a d e c o n tr a c u ltu r a e tu d o m a is ?
José Albano -- ( r i) Mudou tudo.
Mudou tudo. Eu fui pros Estados
Unidos pensando que, na volta, eu ia
me radicar em São Paulo, ser uma estrela da fotografia nacional com ... Nem sabia o que eu ia fazer direito, ou viajar o mundo inteiro ... Eu não sei o que eu queria, mas eu queria
ser um h o t- s h o t, como eles
chama-vam lá, um "cobrão", né? Mas era
a época da contestação, era a
contracultura, eram os hippies, era a
Guerra do Vietnã, eram as drogas,
era ... Tudo tava acontecendo, a
pílu-la, a liberação feminina, a coisa
assim ... Eu cheguei -- é o comecinho
dos anos 70 -, eu fiquei realmente
muito impressionado com o que eu
vi no ambiente universitário, os
amigos que eu fiz, a contracultura
mesmo em termos de alimentação,
em termos de procurar saúde... O
país da Coca-Cola ... então, de re-pente, o pessoal tava curtindo chá de
ervas, tava fazendo seu próprio pão.
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E n tr e v is ta - - E a c o n tin u id a d e q u a l fo i?José Albano - Bom, a continuidade
foi que, quando eu terminei Letras, eu recebi o diploma e fechei todos os
meus compromissos de professor
-eu ensinava Português pra
america-nos e Inglês em cursinhos, e também
no IBEU e n'outros lugares. No mês
que eu terminei Letras foi também o
mês que eu encerrei minha carreira
de professor. Aí, euqueria ser
fotó-grafo tempo integral, mas eu queria,
eu almejava uma coisa mais alta.
Então eu queria ir pro Rio (de
Janei-ro) pra ser fotógrafo na revista
Manchete (semanário publicado pela editora Bloch), que era a revista de
evidência no Brasil todo, na época.
Acontece que tinha uma amiga da
minha família, que trabalhava lá, ela
disse: "Não, você vem que eu vou
apresentar seu dossiê e tal. Você traz
as suas fotos ... " E, realmente, eu fui
apresentado ao pessoal da
Manche-te. E é aquela história, né: "Ah, tá
muito bom e tal, mas não temos vaga
agora. Você aguarde. Qualquer coisa a gente lhe chama. " E foi passando um mês, dois meses, três meses e eu aflito lá no Rio. E finalmente eles me
chamaram, não pro departamento
fotográfico, porque não tinha vaga.
Eles me chamaram prum
departa-mento que era uma agência que vendia
fotos pra outras publicações, vendia
fotos pra enciclopédias, pra revistas
e jornais de outros países e tudo. E
eles me chamaram porque eu falava
Inglês. Não só eu curtia Fotografia como entendia um pouco de F
otogra-fia, mas eu falava Inglês. Então,
recebia aquelas cartas dum jornal de
Londres, duma revista em Nova
Iorque e tal, pedindo fotos, vamos
dizer: do Pelé -- em hipótese, né?
Então, eu descia no arquivo, ia pro-curar essas fotografias, escolher umas três, quatro fotos boas e enviar,
man-dar pra eles. Então, eu tive um
trabalho burocrático dentro da
edito-ra Bloch, mas trabalhando com
fotografias, com venda de
fotografi-as.
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E n tr e v is ta - E is s o n ã o in te r fe r iu n a tu a a u to c o n fia n ç a , s e , lo g o n oiní-c io , v o iní-c ê te r p a s s a d o to d o e s s e te m p o a li, b e m p e r to d a p a ix ã o , e s e m p o d e r e x e r c ita r ?
José Albano - Eu exercitava. Eu
exercitava nos fins de semana,
foto-grafando ...
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Z é A lb a n o
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
_ fiquei totalmente espantado com
, eu não sabia que existia isso.
2ltão, eu fui por aí e a experiência
Estados Unidos me marcou
pro-- darnente, virou, revolucionou
totalmente a minha visão do mundo
e as minha pretensões profissionais
também.
E n tr e v is ta - -
lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O q u e fo i q u e v o c ê p a s s o u a q u e r e r tr a b a lh a r ? M u d o ud o r e tr a to p a r a u m a c o is a m a is a m -p la ?
José Albano - É. Eu passei do
retra-to pra tentativa de Fotojornalismo.
E n tr e v is ta - - L á m e s m o ?
José Albano - Não, não. Na M a n
-c h e te . No tempo que eu procurei a
M a n c h e te . E, nos Estados Unidos, eu
caí numa Escola de Comunicação.
Inclusive houve uma coisa engraça-da, porque eles questionaram: "Como
é que você tá pedindo uma bolsa pra
Mestrado em Fotografia se você não
tem um bacharelato - bacheralato,
é? - em Fotografia?"
E n tr e v is ta - -
FEDCBA
É .José Albano - Digo: "Não tenho,
porque não existe no Brasil." Onde
você vai estudar Fotografia em nível
universitário? Você vai ter urna ou
duas cadeiras na Arquitetura, ou uma
ou duas cadeiras no Jornalismo, e é
só. Aí eles questionaram: "E você
não podia ter feito Jornalismo?" Eu
digo: "Não. Porque eu precisava
fa-zer Letras pra poder aprender Inglês, pra poder pedir a bolsa ( r is o s ) , pra poder ir estudar Fotografia."
E n tr e v is ta - - C o m o s e já tiv e s s e tu d o n a c a b e ç a , b e m a r r u m a d in h o !
José Albano - Pois é. Aí eles
disse-ram: "Pois é, mas infelizmente,
então, você não vai poder fazer o
Mestrado em um ano, como todo
mundo faz. Você vai precisar dois
anos! Um ano de pré-requisitos na
Escola de Comunicação e no outro
ano dos pré-requisitos cumpridos é
que você vai fazer o Mestrado. " E
eu: "Jóia! Não pode ser três anos
não?" (risos) Se pudesse ser três aí é que eu acharia bom mesmo!
E n tr e v is ta - - Z é , e c o m o fo r a m o s p r im e ir o s p a s s o s d e e s tu d o s m a is a p r o fu n d a d o s n a F o to g r a fia ? V o c ê , u m b r a s ile ir o , a u to d id a ta , q u e já tin h a p a s s a d o p e lo F o to jo m a lis m o e , n u m p r im e ir o m o m e n to , a c h o u q u e e r a m u ito p a u le ir a e q u e n ã o te r ia ta le n to p r a is s o . E c o m o fo i c h e g a r n o s E s ta d o s U n id o s , n u m a e s c o la tr a d ic io n a l a m e r ic a n a e lid a r c o m tu d o is s o a í, c o m s u a b r a s ilid o d e , s u a la tin id a d e , c o m s u a v e ia a u to d i-d a ta ? C o m o fo i o c o n ta to lá n o
â m b ito u n iv e r s itá r io m e s m o , n o c u r -s o e m -s i?
José Albano - O contato foi facilita-do pelo fato de que eu falava Inglês
muito bem, realmente muito bem.
Ainda falo, diga-se de passagem (pas-sa um avião sobre a ca(pas-sa de José
Albano, dificultando a conversa)
.. .fora isso, eu caí numa universida-de com um leque universida-de opções ... Eu tive
que estudar tudo. Tinha curso de
Fotografia Jornalística mesmo, de
Jornal, tinha curso de Fotografia de
Arquitetura, tinha estúdio
fotográfi-co - de fotografar objetos -, tinha
retrato, tinha Fotografia Científica,
tinha laboratório a cores e
preto-e-branco. Então, eu fiz uma seleção do
que eu queria e eu comecei a me
afinar muito com fotografia que eu pudesse controlar as coisas,
fotogra-fia de estúdio. Então eu fui me
encaminhando, aí, pra uma tese em
Fotografia Publicitária. Isso parece
uma contradição total. Eu tava
inte-ressado em fazer pão na minha casa
e eu tava, então, fotografando pães
, 'T
ôtrabalhando com
brilho, tô trabalhando
com luz, com sombra,
com apresentação de
um produto ... com uma
coisa que é a
mensagem mais limpa
possível. "
comerciais pra vender. É uma
con-tradição, até hoje eu vivo essa
contradição. Tem dia que eu fotografo cachaça, remédio, lata de doce -que eu nem curto comer açúcar e tal.
Eu tenho alguns parâmetros, alguns
critérios aí: o que eu aceito fazer, o que eu não aceito. Até porque a
Foto-grafia Publicitária não é assinada.
Eu entro como técnico. Quem tem a
idéia, geralmente, é o diretor de arte. A agência propõe a idéia, eu executo essa idéia com a técnica que eu
te-nho. Eu ainda acho que tenho
liberdades aí. Eu tenho liberdade de
não aceitar fazer, por exemplo ... E já tem casos de eu ter rejeitado.
E n tr e v is ta M a s é u m m a l n e c e s s á -r io fa z e -r e s s e tip o d e tr a b a lh o o u v o c ê v ê u m a A r te a í? V o c ê a c h a in te r e s s a n te ? T e m p r a z e r d e fo to -g r a fa r p r a p u b lic id a d e ?
José Albano -- Eu tenho prazer. Eu
tenho prazer. Eu não posso negar que
tenho prazer de fotografar uma coisa
que eu posso controlar
completamen-te. Aí já é o... São fotografias
diferentes: o instantâneo e a
fotogra-fia que você cria dentro do estúdio.
Tô trabalhando com brilho, tô
traba-lhando com luz, com sombra, com
apresentação de um produto ... com
uma coisa que é a mensagem mais
limpa possível. Que nada atrapalhe, que aquilo na página da revista possa ser bem claro o que eu tô mostrando,
entende? Isso é um desafio técnico
pra mim e também artístico que me
agrada. Eu acho interessante fazer. E
eu tento pensar maior do que o
co-mércio só. Eu tento pensar nas
pessoas a quem aquela indústria dá
empregos. Por exemplo" eu tô foto-grafando roupa, feita aqui no Ceará,
então eu imagino a costureira, sabe,
a pessoa que vai ... inúmeras pessoas
que vivem daquilo, que precisam
daquele trabalho, daquela indústria.
E o meu elemento, o meu elo é levar esse produto pras massas através da
fotografia impressa, dos anúncios.
Então não me faz mal fazer isso.
E n tr e v is ta - - E o q u e te fa z m a l?
José Albano -- Faz mal, por
exem-plo, eu sou motociclista hiper
(enfatizando) responsável. Adoro, sou pirado por motocicleta, motociclismo.
Aí vem uma agência pra anunciar
uma cachaça -- que eu também acho
cachaça legal, não sou nada contra, bebo de vez em quando uma cachaça
também -, então eles vêm com a
proposta do seguinte anúncio: uma
garrafinha dessas de bolso, no bolso
de trás da calça, a calça jeans do
motociclista (enfatizando), montado
numa moto, sendo fotografado por
trás, com o guidom, a moto, nesse
bolso (indica no próprio bolso da
calça) com a cachaça. Eu digo: "Não
junte cachaça com motociclismo. Tá
errado isso!" - "Não, mas isso é
urna concepção e tal. " Eu digo: "Mas
eu não faço. Pode chamar outro
fotó-grafo. Eu não vou fazer." Então esse
tipo de coisa. Quando a coisa bate na minha ética, no que eu acho ...
mes-mo sem assinar a foto, mesmes-mo sendo bem pago, eu não faço.
E n tr e v is ta - - V o lta n d o a o s E s ta d o s U n id o s , lá n o c u r s o v o c ê a p r e n d e u e n tã o a a p r im o r a r a té c n ic a , d ig a -m o s a s s i-m , n ã o é is s o ?
José Albano - Sim.
E n tr e v is ta - - E d e v e te r a p r o fu n d a d o a p a r te te ó r ic a ta m b é m .
José Albano - Sim. Isso.
E n tr e v is ta - - E n tã o , e u q u e r ia q u e v o c ê fa la s s e u m p o u c o d is s o ...
José Albano - E Arte também!
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J o s é A lbano tem 50 anos.Éfilho de Joaquim C ordeiro A lbano. co-nhecido professor de francés - m em bro F undador da A liança F rancesa - e Joarita C ordeiro A lbano.•
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José A lbanoirm ãos do prim eirotem s e is casam ento do pai e cinco do segundo ca-sam ento. U m deles. M aurício A Ibano. tam -bém é fotógrafo pro-fissional.•
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José A lbano fez cursode pós-qraduação em F otografia na F aculdade deC om uncaçaoda U ni-versidade de S yracuse. em N o v a lorque.•
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J o s é
lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Albano ressalta a im portância do bomvizinho. E ntre os m o-radores da redondeza há um a política de auto-ajuda e solidariedade m uito forte.
O s vizinhos m ais pró-xim os de J o s é A lbano
silo a ex-sogra R egina l'y1oreira Lim a e o
m arido.
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
àdireita. e. logo em frente. oartista-plástico H élio R ola com a esposa.
N a m ensagem da se-cretária eletrônica. Zé adm ite: "É horrJveI falar com um a m áquina". m as pede que deixem recado sem pressa.
34
1
hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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E n tr e v is ta - - ... d a té c n ic a a p r im o -r a d a lá n e s s e c u -r s o . E c o m o é q u e fo i p r a v o c ê , u m b r a s ile ir o , é u m a u to -d i-d a ta , n u n c a tin h a tid o c o n ta to m a io r c o m e s s a té c n ic a r e b u s c a d a e d e ta lh is ta , q u e é d a fo to g r a fia ? C o m o é q u e fo i is s o p r a v o c ê e o q u e v o c ê tr o u x e d e m a is v a lio s o d e s s e c u r s o ?
José A1bano - O fato de ser autodi-data ... eu não deixei de ser autodiautodi-data nos Estados Unidos. Existe o curso,
existem os professores, mas muito
do que você aprende, você que tem
que ir fuçar, Você tem que ir pra
biblioteca, você tem que mexer nas
coleções encadernadas de revistas,
de números anteriores, de revistas de
fotografias ... Você .tem que mexer
nos livros, nas enciclopédias de
foto-grafias, nos inúmeros livros de arte
fotográfica que tem. Então, o
autodi-data encontra nos Estados Unidos
urna profusão de meios, de
bibliote-cas ...Éo que eu mais sinto falta, de
volta ao Brasil, é isso, é acesso à
informação. Então, os professores
dão 10 por cento da informação, 90
por cento você vai atrás. E lá tinha todos os meios pra ir atrás dessas
informações. Eu aprendi muito, mas
muito nas tardes e noites que eu
passava dentro da biblioteca, por
exemplo. Mexendo só nas revistas
velhas por exemplo. Coleção de
Po-pular Photography (revista
norte-americana), todas
encader-nadinhas ali: pá, pá, pá. Você pega
urna daquelas ali ... Só folhear
aqui-lo, de repente você tem acesso a
artigos que tem tudo na sua mão. Aí você anda três passos, tem urna má-quina de xerox que você mesmo opera
com urna moedinha. Pah! Você joga
o xerox e você sai com o artigo debai-xo do braço. O que eu fiz de pasta de xerox de artigo ... Pra mim foi mais
aprendizado aí do que mesmo nas
aulas, entende? As aulas eram troca
.' de idéias, de contatos ...
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E n tr e v is ta - - E p o r q u e a o p ç ã oa g o r a p e lo c o n tr o le d o a m b ie n te , p e la p u b lic id a d e ?
José A1bano - Eu nem vou saber lhe
responder por que. (pausa) Eu acho
que dentro do estúdio a gente é o rei,
a gente faz a fotografia. Se você cai em campo, você apanha a foto que
acontece na sua frente. Se você entra
no estúdio com o objeto pra fotogra-far você vai criar a fotografia.
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E n tr e v is ta - - M a s n ã o é m a is fá c il n o e s tú d io d o q u e lá fo r a ?José A1bano-Lá fora você pode não
ter a sorte de passar em frente a
nenhuma fotografia interessante pra
você captar. E no estúdio é urn desa-fio sempre. Você tem o objeto, você
tem as luzes, os espelhos, os
reba-•
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tedores e tal... Ou você faz, ou você
não tem competência pra fazer.
En-tão, se urna pessoa vai ao campo e
não acha nada pra fotografar, paciên-cia. Não aconteceu nada. Mas se eu
saio do estúdio dizendo: "Não pude
fotografar esse objeto." Então a
cul-pa é minha. Não é da circunstância.
E n tr e v is ta - - M a s n ã o é m u ito fr io a fo to e m e s tú d io o u v o c ê n ã o v ê is s o
a s s im ?
José A1bano - Não. Não vejo não.
Eu vejo a possibilidade de dar
bri-lhos, de revelar as coisas. E vejo a
possibilidade de fazer com que essas
coisas sejam vendáveis. Eu sou con-trao consumismo. Veja bem, eu moro nurna casa de taipa! Eu moro no meio
do mato, eu não tenho nada de luxo,
aqui tudo é muito simples. Mas é
como eu lhe digo: eu tô envolvido nurn processo, esse processo eu con-trolo na medida em que eu aceito ou
não aceito o que eu quero fotografar.
, 'Eu tô trabalhando
com luz (...), eu
tô
virando a noite atrás de
brilho, de sombra ... de
cores. Eu tô
trabalhando com
beleza!"
E outra coisa que é importante na
publicidade é que ninguém assina as
fotografias. A fotografia sai, fui eu
que fiz, mas ninguém sabe. Eu não tô
assinando! É urna criação da
agên-cia.
E n tr e v is ta - - E n tã o , n a r e a lid a d e , v o c ê a c a b o u c a in d o n a q u ilo q u e v o c ê c r itic o u a n te s , u m tr a b a lh o q u e ta m -b é m é -b u r o c r á tic o ?
José Albano - Não. Eu não tô nurn
birô! (ri) Nem tô mexendo com
pa-péis! Eu tô trabalhando com luz, eu
tô trabalhando com stand, eu tô
vi-rando a noite atrás de brilho, de
sombra, de preencher ... De cores. Eu
tô trabalhando com beleza!
E n tr e v is ta - - T átr a b a lh a n d o c o m a A r te , n é ?
José Albano - É .Com arte.
Aplica-da. Veja bem, arte aplicaAplica-da. Mas é
Arte. Você tá certa.
E n tr e v is ta - - E u q u e r ia q u e v o c ê d e s s e u m a d e fin iç ã o d e s s a a r te a p li-c a d a b a s e a d a ta m b é m n a s n o ç õ e s d e A r te q u e v o c ê te v e n o e s tu d o n o s
E s ta d o s U n id o s . E n tã o , a fo to g r a fia é u m a A r te o u n ã o ? P o r q u ê ? E n tr e v is ta - E e m q u e m o m e n to ? S e e la e n tr a m e s m o e m c h o q u e c o m a té c n ic a o u n ã o ? A té o n d e v o c ê c o n -s e g u e s e p a r a r té c n ic a d e A r te n a fo to g r a fia ?
José Albano - A Fotografia casa
essas duas coisas. Até mesmo a foto-grafia feita na rua, o Fotojornalismo. A gente passa por urn aparelho que é
complicado, complexo, tem leis que
regem o desenho e a perfonnance
desse aparelho, os filmes são
com-plexos, a química toda é complexa. Então é urna técnica, não pode fugir disso. Mas essa técnica deve estar a
serviço da Arte, que é o aspecto fmal
do que você tá mostrando. Então,
isso pra mim fica mais crucial ainda na fotografia parada, na fotografia de objeto no estúdio, do que, como eu digo, na fotografia que você apanha
na rua, de coisas que 'tão acontecen-do na sua frente.
E n tr e v is ta - - P o r q u e a d e e s tú d io v o c ê te m p o d e r d e in te r fe r ê n c ia m a
i-")
o r , n e .
José Albano - Total.
E n tr e v is ta - - E n tã o v o c ê , a lé m d e a p r e e n d e r a im a g e m , v o c ê é a r tis ta e n q u a n to v o c ê fa b r ic a a q u e la im a -g e m . É p o r a í?
José Albano - É . Você é artista
enquanto você fabrica isso. E as
li-ções de arte que a gente usa pra fazer fotografia vêm de tudo que você vê.
Vem do desenho, vem da pintura,
vem da vivênciacom as outras Artes.
Com a escultura ... Acho que até a música pode ser usada como
influên-cia pra gente fotografar melhor.
E n tr e v is ta - - Q u a n d o 'c ê tr a b a lh a -v a o u p r e te n d ia tr a b a lh a r c o m o r e p ó r te r fo to g r á fic o , o q u e tin h a n a s u a m e n te ? E r a r e tr a ta r u m a r e a li-d a li-d e - - q u e n a v e r li-d a li-d e a g e n te s a b e q u e n ã o e x is te p o r q u e n u n c a u m a fo to g r a fia v a i p o d e r tr a z e r a r e a li-d a li-d e d e u m a m a n e ir a ta l c o m o e la fo i, n é ? E n tã o , o q u e v o c ê im a g in a v a
s e r q u a n d o tr a b a lh o u o u p r e te n d ia tr a b a lh a r c o m o r e p ó r te r fo to g r á fi-c o ?
E n tr e v is ta - E u q u e r ia a p r o v e ita r a p e r g u n ta d e la e d iz e r q u e v o c ê já
d e c la r o u q u e o fo tó g r a fo , c o m fr e -q ü ê n c ia , m e n te c o m a s u a c â m e r a . A í v o c ê fá s e r e fe r in d o à q u e s tã o d o F o to jo m a lis m o o u é a lg u m m e c a -n is m o d a A r te F o to g r á fic a ?
José A1bano - Eu acho que o
fotó-grafo mente na medida em que ele
isola urn pequeno fragmento, urn
pequeno retângulo dentro do
panora-ma panora-maior que é a realidade. Então,
e v is ta Z é A /b a n o
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
:: te tem a possibilidade de mentir
gente ... ou então vamos refrasear . Vamos dizer que a gente pode esconder parte da verdade.
E n tr e v is ta - - É ,p o r q u e e s s a c o is a d a e n tir a d e n tr o d o F o to jo m a lis m o , e la p o d e a té o c o r r e r c o m m a is fr e -q ü ê n c ia . C o m o é q u e v o c ê v ê e s s a " m e n tir a " e a p r á tic a d o F o to jo m a lis m o ? V o c ê c o n s e g u e ...
José Albano - O Fotojomalismo é
muito amplo. Eu acho que o
Fotojornalismo foi dividido em
Fotojornalismo que cobre notícias,
ocorrências que tão acontecendo
-como uma passeata, uma greve, um
quebra-quebra, alguma coisa assim
- e tem o Fotojornalismo editorial,
que você sai pra Taíba (praia do
litoral cearense), pra tentar fazer uma
reportagem sobre o que é passar um
fim-de-semana lá e tal. A coisa varia
conforme o tipo de coisa que você tá
fazendo. Eu acho que, se tem um
quebra-quebra na sua frente, o quê
que você vai mentir? Você vai
foto-grafar, você vai tentar mostrar, numa
foto, ou duas ou três, conforme o
espaço que tem pra você editar no
jornal, você vai tentar mostrar
mo-mentos decisivos daquela ação,
momentos que representem tudo o
que aconteceu. Então, se você não
consegue isso -- e é dificil conseguir isso -, você não tem boas fotos que
mostrem o que realmente aconteceu.
Geralmente é muito maior do que
você conseguiu fotografar. No entan-to, se você tem a sorte e a competência,
é possível que você consiga, numa
fotografia, contar toda a história que
aquela fotografia simboliza e tudo
que rolou. Não é fácil. Não é sempre que a gente consegue.
E n tr e v is ta - -Z é , te m u m a c o r r e n te d e fo tó g r a fo s a q u i q u e s ã o o s D e p e n -d e n te s d a L u z , n é ?
José Albano - Eu sou um deles.
(José Albano interrompe aE n tr e v is
-ta para pôr o pão no fomo.)
E n tr e v is ta - -Z é , e n tã o te m e s s a c o r -r e n te d e fo tô g -r a fo s , o s D e p e n d e n te s d a L u z , q u e tr a b a lh a n u m a p e r s p e c -tiv a a r tís tic a d a fo to g r a fia , s e e u n ã o m e e n g a n o . E v o c ê d is s e q u e é u m d e le s . E op e s s o a l d o F o to jo m a lis m o c o s tu m a b r in c a r d iz e n d o q u e , in d e -p e n d e n te d a lu z , e le s fa z e m q u a lq u e r
fo to ! ( r is o s )
lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O q u e v o c ê a c h a d is s o a i? E x is te e s s a r ic h a o u é s ó b r in c a-d e ir a ? E o q u e v o c ê a c h a d e s s a s d u a s , d ig a m o s a s s im , v e r s õ e s d a c o is a ? A fo to a r tís tic a , e la é m u ito b o n ita , m u ito d e n s a , m u ito c h e ia d e s ig n ific a ç ã o , m a s o F o to jo r n a lis m o , p o r o u tr o la d o , te m e s s e c a r á te r im e -d ia to e q u e r e q u e r m u ito m a is
in te g r a ç ã o ... (Ote le fo n e to c a e J o s é A lb a n o a te n d e . Q u a n d o r e to m a , r e s -p o n d e lo g o à p e r g u n ta .)
José Albano - Émuito dificil fazer
uma fotografia independente da luz.
(ri) A gente depende da luz mesmo! Eu não vejo essa briga não, entre
Fotojornalismo e a foto artística. Eu
acho que é possível fazer
Fotojor-nalismo com Arte. Como o
Cartier-Bresson fez, como o
Sebasti-ão Salgado (fotógrafo carioca
radicado na Europa) faz. E é possível
fazer fotos ditas artísticas que
tam-bém sejam feitas a partir de material
de Fotojornalismo. Eu acho que a
gente tem é que se juntar e melhorar
o nível da Fotografia em todos os
setores, temos essa pretensão, entre
os Dependentes da Luz, através da
troca de informações e através da
divulgação da nossa fotografia por
outros meios, como essa coleção de
cartões postais que a saiu aí, saiu
linda ... E exposições que a gente tá
"Eu acho que é
possível fazer
Fotojomalismo com
Arte. Como o
Cartier-Bresson fez, como o
Sebastião Salgado
faz. "
fazendo onde é possível, ai pelo Bra-sil afora e até em outros países. A
turma dos fotojornalistas tá
convida-da pra participar convida-das nossas sessões
e se engajar também, porque é um
clube aberto os Dependentes da Luz.
Não tem que ter carteirinha.
E n tr e v is ta - -E n ã o h á e s s e c o n ta to , e s s a tr o c a c o m o s fo to jo m a lis ta s ? E v o c ê s r e s s e n te m is s o o u n ã o ?
José Albano - Não,
ocasionalmen-te ... Ocasionalmenocasionalmen-te eu acho que já
houve gente do Fotojornalismo que
freqüentou as nossas reuniões. Mas
acho que a gente precisa comunicar mais, puxar, trazer mais.
E n tr e v is ta - - V o c ê s p r o c u r a m is s o o u n ã o ?
José Albano - Eu não tenho como
lhe responder isso bem. É mais o
Tiago Santana (fotógrafo) e o Celso (Oliveira, fotógrafo) que comandam, que animam o grupo dos
Dependen-tes da Luz e eu, pessoalmente, nunca
me lembro de ter convidado especifi-camente a turma do Fotojomalismo.
Até me penitencio por isso. (risos)
E n tr e v is ta - - E n tã o , Z é , q u a is o s tr a b a lh o s a s s im m a is r e p r e s e n ta ti-v o s n e s s a tu a v id a d e fo tó g r a fo , q u e v o c ê te r ia m e s m o q u e a c r e s c e n ta r ?
José Albano -- Bom, eu faço uma
separação entre as fotos que eu
assi-no e as fotos que eu não assiassi-no. As fotos que eu não assino são o
materi-al publicitário destinado a comprar o
"arroz com feijão". Pra sobreviver, pra comprar filme e tal, até mesmo
para viabilizar o trabalho que eu
assino. Fotografia é muito caro, eu
não posso, eu mesmo, consumir
foto-grafia. Muitas vezes coisas que eu
gostaria de fazer, por exemplo: eu
tenho mais de duas mil fotos da
minha filha. Muitas' tão em negati vo porque eu não tive como bancar pas-sar pro papel, ainda. Um belo dia vou
passar e tal. É tudo muito caro em
fotografia. Você faz um filme colori-do, por exemplo, num fim-de-semana
- um filme de 36 poses --, você vai
pagar, a revelação disso é 50 mil
cruzeiros! (valor anterior à
conver-são da moeda para Real) Quase 60,
se você for botar o filme. É muito
caro. Então, pra que eu tenha o
di-nheiro suficiente pra fazer as
fotografias que eu gosto de fazer e
que eu posso assinar, eu preciso ga-nhar dinheiro em alguma coisa. Não
é trabalhando no birô de um banco
que eu quero esse dinheiro, eu
prefi-ro trabalhar com Fotografia, mesmo
que careta, mesmo que arte aplicada
e sem assinar como é o caso da
Fotografia Publicitária. Então, sobre
a fotografia de publicidade, eu faço
coisas ligadas a turismo, àhotelaria ...
Faço coisas ligadas a veículos, como carros, bugres, essas coisas todas eu tenho fotografado. Faço coisas
liga-das a pequenos objetos, como por
exemplo: a coleção de remédios de
veterinária, que eu fiz outro dia uma
coleção aí pra uma indústria que tem aqui pra isso. Aí fotografo bebidas,
fotografo garrafa de suco, lata de
doce, sapato, roupa ...É um campo
aberto, realmente, interior de
fábri-ca, essas coisas todas.
E n tr e v is ta - -E q u a l é a s u a c u r tiç ã o ?
José Albano -- (ri)A minha curtição são várias. lh, são muitas! Eu adoro fotografar, por exemplo, a natureza,
eu adoro fotografar o "em tomo",
aqui. O que acontece nesse terreno, dentro dessa casa, dentro desse
ter-reno, nessas dunas maravilhosas, na
praia de Sabiaguaba ...
E n tr e v is ta - - .'E m to m o ' , éoq u e tá e m to m o d e v o c ê ?
José Albano - Em tomo de mim. Eu gosto de fotografar os lances do dia-a-dia da vida, cenas comuns da vida diária ... Por exemplo tem minha
fi-•
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A secretária eletrônica deFEDCBA
J o s é A lbano é co-letiva. N a m ensagem . o fotógrafo cita cada um dos vizinhos. aos quais podem s e r deixadosrecados.
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Toda a qravação da en-trevista deJ o s éA lbano traz ao fundo o can-tarolar de pássaros e latidos de cachorros distantes.•
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Foi casado por I O anoscom R egina. com quem teve sua única filha E m ília. hoje com I 7 anos em o r a n d o com amãe, emSãoP aulo.
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JoséA lbanoé integrante da A ssociação B rasileira de C om unicfades A lter-nativas (A B R A S C A J.que se reúne pelo m enos um a vez por ano.
S em pre nas prim eiras noites de lua cheia José A lbano prom ove festas em sua casa. A s pessoas trocam idéias e receitas de com ida alternativa.
N o dia da entrevista. ainda restava um m ural da últim a luarada. sobre o tem a pais e filhos. Fotos da fam llia ilustravam
boa parte do m ural.
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
36hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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lha, que foi assunto dessas fotosdu-rante anos! Coitada, vivia com uma
câmera enfiada na frente! (risos)
Pah!!! A menina já nasceu com uma
câmera apontada. Mas eu acho
riquíssimo o dia-a-dia, eu acho o
cotidiano uma coisa absolutamente
rica e variada.
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E n tr e v is ta C o m c o r e s , v o c ê p r e fe -r e t-r a b a lh a -r ?José Albano -- Ah, cores e
preto-e-branco. Eu não tenho esse cisma:
"Ah, a fotografia colorida: turista.
A fotografia artística tem que ser
preto-e-branco." A vida é colorida!
O
que eu tenho visto de fantásticasfotografias coloridas! Eu não tenho
comigo esse problema. Eu faço muito
preto-e-branco porque o
preto-e-branco é mais barato e o
preto-e-branco eu posso fazer aqui
no meu laboratório. Então eu faço
preto-e-branco. E também tem uma
outra coisa, o preto-e-branco, ele é
um processo que vai durar 100 anos, 150 anos! Minha mãe morreu quase com 80 anos e eu tenho as fotos dela de um ano de idade! As fotos
colori-das, elas vão ficando amareladas,
vão ficando azuladas, daí a 15 anos
vai ficando meio desbotado e, daí a
30 anos, acabou! E se você deixar ao contato com ar, aí dentro do
primei-ro inverno mofa e a imagem dança. Então, por isso, a fotografia
preto-e-branco tem uma permanência que
faz com que os fotógrafos que
que-rem que o seu trabalho permaneça,
seja reconhecido, vá para o museu e
tal, eles insistem em continuar com
o preto-e-branco.
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E n tr e v is ta - -É is s o q u e v o c ê p r e -te n d e , q u e a s u a fo to v á p r a m u s e u ?José Albano -- Terminou indo. Esse
ano o MASP (Museu de Arte de São
Paulo) comprou três fotos minhas.
Eu fiquei muito satisfeito!
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E n tr e v is ta - - E x a ta m e n te . A c o le-ç ã o d e fo to s d o s ín d io s T a p e b a s ... ( ín d io s n a tiv o s d o C e a r á q u e r e s i-d e m n a s p r o x im ii-d a i-d e s d o m u n ic íp io d e C a u c a ia , a 1 0 K m d e F o r ta le z a )
José Albano - As fotos dos Tapebas.
É, a TVE (TVC) não entendeu
mui-to bem a história (referindo-se a
uma matéria veiculada no TVC
Notícias com informação
incorre-ta). São três fotos só, não era a
coleção. Eles falaram como se a
coleção toda tivesse ido pro museu.
Todo ano o MASP compra de 15
fotógrafos três fotos. São 45 fotos
que entram, todo ano, na coleção
MASP-Pirelli do Fotografia
Brasi-leira Contemporânea. E esse ano
entrei eu. Preto-e-branco. Sépia,
ainda mais.
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E n tr e v is ta - - C o m o é q u e s u r g iu e s s e in te r e s s e e m fo to g r a fa r o s T a p e b a s , Z é ? E m e fa la d e s s e s te u s tr a b a lh o s m a is r e c e n te s , d e s s e s tr a b a lh o s p a r -tic u la r e s m a is r e c e n te s .
José Albano - É, esses trabalhos
particulares eu tava falando no
acom-panhamento da vida, da coisa do
filho - no caso, a filha --, da vida
doméstica, dos amigos que
apare-cem, dos almoços que a gente faz aí em baixo das árvores, das coisas que
a gente faz, das viagens ... E, espora-dicamente, eu fotografo viajando pelo Ceará - eu tento fazer pelo menos
uma viagem por ano de motocicleta
-, fotografando a paisagem cearense.
E isso inclui tudo: as serras, a
agri-cultura, as pessoas, as crianças, as
feiras, tudo isso. Eu tô com um
arqui-vo crescendo nesse ramo aí e essas fotografias, elas têm uma vendagem também. Elas terminam indo pra
fo-lhetos da Emcetur '-- é Coditur
(Companhia de
DesenvolvimentoIn-dustrial e Turístico) agora, né?
, 'T ô fazendo esse
trabalho de
acompanhamento do
movimento alternativo
do Brasil, que é um
movimento com o qual
eu me identifico."
E n tr e v is ta - - C o d itu r .
José Albano - E são usados em
anúncio de revistas relativo ao Cea-rá, ou então aos certos municípios, calendário e não sei que. E tô fazendo
esse trabalho de acompanhamento
do movimento alternativo do Brasil,
que é um movimento com o qual eu
me identifico. Todo ano eles fazem
uma convenção nacional e tem qua-tro anos que eu vou a essas convenções e fotografo. Tenho outros planos
tam-bém, de conhecer as diferentes
comunidades rurais e fotografar
ne-las o dia-a-dia. E de vez em quando aparece um trabalho, que é um
traba-lho pago, mas que permite que eu
assine o trabalho, como é o caso dos
Tapebas. Eu fui convidado pela
Arquidiocese e pelo Hoje Assessoria
em Educação, que é uma entidade de
assistência a projetos. E esse pessoal me convidou, me contratou - foi um trabalho pago - pra ir fotografar os Tapebas. Eles me disseram que
que-riam fotos só das crianças porque
tinham interesse em mostrar pros
cearenses: primeiro que existe esse
povo e segundo que esse povo não lá definhando e morrendo não, eles 'tão tendo filhos. Eles 'tão crescendo e aí 'tão as crianças pra provar isso.
En-tão a idéia foi isso. Mas não me
disseram como devia fotografar. Me
jogaram lá na comunidade e o que eu
vi foi uma coisa deplorável: lixo
acumulado, mosca, os casebres cain-do, as crianças com as barrigas cheias de verme, os joelhos inchados ... tudo
sujo, despenteado, com catarro
es-correndo e moscas voando em torno, uma coisa assim ... Eu fiquei doente
de ver aquilo ali e eu tinha que
fotografar essas crianças. Aí passou
uma criança com urna lata d' água na
cabeça, eu fiz uma foto, depois na
beira do rio tinha outro que tava
pescando, eu fiz a foto. Mas não era
isso que era pra fazer, eu não queria
isso. Aí me lembrei duma
campa-nha, que eu vi nos Estados Unidos,
urna campanha de valorização da
raça negra -lembra que quando eu
tive lá tinha 'tado o Martin Luther
King (líder político negro
norte-ame-ricano) naquela campanha dos
Direitos Civis e tal. Então, houve
urna campanha que eu nunca
esque-ci. Eram cartazes assim, com o rosto, só, de pessoas negras asrnais bonitas (enfatizando ) que você pudesse ima-ginar! Então, se fosse um homem,
era assim, no mínimo, um Milton
Nascimento (cantor e compositor
mineiro e negro). Se fosse uma
mu-lher era ... nem sei que mumu-lher negra
eu poderia citar .como modelo de
beleza. E crianças lindas. E era só o
rosto e tinha a seguinte frase: "Black
is beautiful' , . Aí eu me lembrei
dis-so, eu me lembrei que, se de repente eu fosse mais no rosto dessas
crian-ças, eu 'taria escondendo o joelho
inchado, a barriga cheia de verme,
eu 'taria escondendo as
queimadu-ras, cicatrizes, pano branco, sei lá o
que ...
E n tr e v is ta - - E x a ta m e n te , tá s e le c i-o n a n d i-o a s u a v e r d a d e ...
José Albano - Selecionando. E
fo-calizando o rosto. E as casas e os
casebres caindo aos pedaços? Eu não
queria nada disso. Então, eu resolvi sentar a criança na frente da janela
ou da porta da casa e fotografar só o
rosto. Como a casa é muito escura
por dentro, o filme não capta isso.
Então, o fundo ficou preto porque o filme não captava a imagem do inte-rior da casa. Então, a luz que batia no
rosto das crianças era a luz da rua.
Não era Sol direto, era a luz do céu, da rua. Do chão, que levava Sol e que
refletia no rosto. Aí as pessoas
piraram porque primeiro: as
crian-ças são lindas, lindas,