Grupo Fundamental
Adriano Delno
∗e Willian Valverde
†Universidade Federal do Paraná, Brasil
Junho 27, 2015
Resumo
Neste artigo, apresentaremos o estudo introdutório ao grupo fundamental π1(X, x), que
pode ser uma ferramenta importante para responder uma das principais perguntas da to-pologia: se dois espaços (ou superfícies) não são homeomorfos. Inicialmente, abordaremos o assunto homotopia entre funções e, mais precisamente, entre caminhos. Posteriormente, analisaremos que as classes de equivalência formadas por caminhos fechados homotópicos fornecem uma estrutura especíca de grupo para cada espaço, a qual é uma invariante topológica. Num segundo momento, calcularemos o grupo fundamental de alguns espa-ços particulares e, por meio de tais grupos, analisaremos se os espaespa-ços em questão são homeomorfos ou não. Também apresentaremos, utilizando as ferramentas citadas, uma demonstração para o Teorema Fundamental da Álgebra.
Palavras-chave: homotopia, Grupo Fundamental, homeomorsmo.
1 Introdução
Um dos grandes problemas da topologia é saber se dois espaços são homeomorfos, isto é, se podemos transformar um espaço em outro de maneira contínua, ou seja, sem precisar rasgar o espaço, ou se não são homeomorfos. Neste caso, para mostrar que X e Y são homeomorfos, é
preciso exibir uma função f : X → Y contínua cuja função inversa f−1 : Y
→ X também seja contínua. Não é uma tarefa fácil encontrar a função quando X e Y são homeomorfos.
Por outro lado, mostrar que dois espaços não são homeomorfos já é uma tarefa bem mais difícil, visto que é necessário mostrar que não existe nenhuma função que satisfaça essa propri-edade.
O grupo fundamental π1(X)vem no sentido de que é possível saber se dois espaços
topológi-cos não são homeomorfos, em outras palavras, se X e Y são homeomorfos então os respectivos grupos fundamentais são isomorfos. O grupo fundamental faz parte de uma área da topologia denominada topologia álgebrica que é o estudo das propriedades topológicas usando as fer-ramentas de álgebra. A topologia algébrica teve início por volta do ano 1894, por meio dos estudos do matemático frânces Henri Poicaré , que apresentou uma série de trabalhos reunindo os principais resultados da área, entre eles, os resultados a respeito do grupo fundamental.
Basicamente, o Grupo Fundamental consiste de classes de equivalência de caminhos con-tínuos fechados, centrado em algum ponto base com uma operação que será mostrada nesse artigo.
Inicialmente, abordaremos o assunto homotopia entre funções, mais precisamente, entre ca-minhos. Posteriormente, analisaremos que as classes de equivalência formadas por caminhos homotópicos forcecem uma estrutura de grupo especíca para cada espaço, a qual é uma in-variante topológica. Num segundo momento, calcularemos o Grupo Fundamental de alguns
∗Doutorando em Matemática Aplicada, †Mestrando em Matemática Pura
espaços particulares e, por meio de tal grupo, analisaremos se são homeomorfos ou não. Tam-bém apresentaremos, utilizando as ferramentas citadas, uma demonstração para o Teorema Fundamental da Álgebra.
2 Homotopia
Denição 2.1. (Homotopia) Sejam X e Y espaços topológicos. Uma homotopia entre duas funções f : X → Y e g : X → Y é uma função contínua H : X ×I → Y tais que H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x) para todo x ∈ X onde I = [0, 1].
Quando existe a função H dizemos que f e g são homotópicas e denotamos por f ' g. Denição 2.2. Dois espaços topológicos X e Y são homotópicos se existem funções contínuas
f : X → Y e g : Y → X tais que g ◦ f ' IX e f ◦ g ' IY, onde IX é a função identidade em
X e IY é a função identidade em Y . Quando X é homotópico a Y denotamos por X ' Y .
Observe que quando dois espaços X e Y são homeomorfos, existe uma função contínua
f : X → Y tais que f−1 ◦ f ' IX e f ◦ f−1 ' IY. Isso mostra que dois espaços serem
homotópicos é mais fraco que serem homeomorfos.
Um resultado que será utilizado sempre é sobre colagem de funções contínuas e é fornecido pelo resultado abaixo.
Lema 2.1. (Lema da Colagem) Seja X = A ∪ B onde A e B são fechados em X. Sejam
f : A → Y e g : B → Y contínuas. Se f(x) = g(x) para todo x ∈ A ∩ B, então a função
h : X → Y dada por h(x) = f(x) se x ∈ A e h(x) = g(x) se x ∈ B é contínua.
A demonstração desse resultado pode ser encontrado em [1].
Lema 2.2. Homotopia é uma relação de equivalência sobre o conjunto das funções contínuas de X em Y .
Demontração: Precisamos vericar as três partes da denição de relação de equivalência: reexiva, simétrica e transitiva.
• Homotopia é reexiva:
De fato, f ' f para qualquer f : X → Y contínua. Basta tomar H : X × I → Y dada por H(x, t) = f(x) para todo t ∈ I. Então H é contínua e H(x, 0) = H(x, 1) = f(x) para todo x ∈ X.
• Homotopia é simétrica:
De fato, se f ' g então existe uma aplicação contínua H : X × I → Y tais que H(x, 0) =
f (x) e H(x, 1) = g(x) para todo x ∈ X. Considere ¯H : X× I → Y dada por ¯H(x, t) =
H(x, 1− t). Então ¯H é contínua e
¯
H(x, 0) = H(x, 1) = g(x), ¯H(x, 1) = H(x, 0) = f (x), ∀x ∈ X.
Isso mostra que g ' f. • Homotopia é transitiva:
De fato, se f ' g e g ' h, existem H, K : X × I → Y aplicações contínuas tais que
H(x, 0) = f (x), H(x, 1) = g(x), K(x, 0) = g(x) e K(x, 1) = h(x) ∀x ∈ X.
Considere L : X × I → Y dada por L(x, t) =
(
H(x, 2t), 0≤ t ≤ 12
Note que (x,1
2)pertence ao domínio de H e de K e
L(x,12) = H(x, 1) = K(x, 0) = g(x).
Portanto L está bem denida e pelo Lema 2.1 é contínua. Além disso,
L(x, 0) = H(x, 0) = f (x) e L(x, 1) = K(x, 1) = h(x).
Portanto L é uma homotopia entre f e h. Em seguida segue um exemplo clássico de homotopia.
Exemplo 2.1. (Homotopia linear) Seja X um espaço vetorial e Y ⊂ E onde E é um espaço vetorial normado. Dadas aplicações contínuas f : X → Y e g : X → Y e suponha que para todo x ∈ X, o segmento de reta [f(x), g(x)] esteja em Y . Então H : X × I → Y dada por
H(x, t) = (1− t)f(x) + tg(x) dene uma homotopia entre f e g.
Em particular, toda função contínua é homotópica a função identicamente nula. De fato, considere H : X × I → Y dada por H(x, t) = (1 − t)f(x). Então H é contínua, H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = 0 para todo x ∈ X. Isso mostra que f ' 0.
As classes de equivalência, segundo a relação de homotopia, são chamadas classes de homo-topia. A classe de homotopia da função contínua f : X → Y será denotada por [f].
Proposição 2.1. Sejam f, g : X → Y e h, k : Y → Z aplicações contínuas. Se f ' g e h ' k então h ◦ f ' k ◦ g.
Demonstração: Por hipótese, existem aplicações contínuas H : X ×I → Y e ¯H : Y×I → Z
tais que H(x, 0) = f(x), H(x, 1) = g(x) para todo x ∈ X e ¯H(y, 0) = h(y), ¯H(y, 1) = k(y)para
todo y ∈ Y . Dena G : X × I → Z por G(x, t) = ¯H(H(x, t), t).
Então G é contínua pois é composta de duas funções contínuas. E
G(x, 0) = ¯H(H(x, 0), 0) = ¯H(f (x), 0) = h(f (x)) = (h◦ f)(x) ∀x ∈ X.
G(x, 1) = ¯H(H(x, 1), 1) = ¯H(g(x), 1) = k(g(x)) = (k◦ g)(x) ∀x ∈ X.
Isso mostra que h ◦ f ' k ◦ g.
Lema 2.3. A relação de homotopia entre espaços topológicos é uma relação de equivalência, isto é,
• X ' X.
• Se X ' Y então Y ' X.
• Se X ' Y e Y ' Z então X ' Z.
A demonstração desse Lema é análogo ao Lema anterior.
Denição 2.3. Seja X um espaço topológico e x ∈ X. Então X se diz contrátil se X ' {x}. Usando a denição 2.2, um espaço ser contrátil signica que existe uma função contínua
r : X → {x} contínua e i : {x} → X tal que i ◦ r ' IX e r ◦ i ' I{x}. Note que r é uma função
constante e i é a função inclusão. Em outras palavras para um espaço vericar que um espaço
é contrátil devemos ter IX ' k onde k é uma constante.
Exemplo 2.2. Rn é contrátil.
De fato, considere a aplicação H : Rn×I → Rn dada por H(x, t) = tx. Note que H(x, 0) = 0
, H(x, 1) = x = IRn(x)e H é contínua, portanto H é uma homotopia entre a função identidade
Denição 2.4. Considere X um espaço topológico e A ⊆ X, r : X → X com r(X) ⊂ A,
r' IX, r|A= IA. Então r é chamada de uma deformação retrátil. Nesse caso, denotamos por
X ' A.
Exemplo 2.3. Rn\ {~0} ' Sn−1.
De fato, para demostrar esse resultado basta encontrar uma função r que satisfaça a denição
2.4. Considere r : Rn\{~0} → Rn\{~0} dada por r(x) = x
||x||. Então r(X) = S n−1, r| Sn−1 = ISn−1. Também considere H(x, t) = (1 − t)x + t x ||x||. Então, H(x, 0) = x = IRn\{~0}(x), H(x, 1) = x ||x|| =
r(x) para todo x ∈ Rn\ {~0} e H é contínua. Portanto r ' I
Rn\{~0}.
3 Homotopia de Caminhos
Denição 3.1. (Caminho) Seja X um espaço topológico. Um caminho entre x0 e x1 em X é
uma função contínua γ : [0, 1] → X tal que γ(0) = x0 e γ(1) = x1.
Denição 3.2. Dois caminhos γ1, γ2 : I → X são caminhos homotópicos se possuem as mesmas
extremidades, isto é, γ1(0) = γ2(0) = x0, γ1(1) = γ2(1) = x1 e existe uma aplicação contínua
H : I× I → X tal que H(0, t) = γ1(t), H(1, t) = γ2(t), H(s, 0) = x0, H(s, 1) = x1 para todo
s, t ∈ I. Se γ1 e γ2 são caminhos homotópicos, denotamos por γ1 ∼= γ2 ou simplesmente por
γ1 ' γ2.
Uma representação gráca pode ser vista na gura abaixo.
H : I× I → X • x1 • x0 ⊂ X I× I H(s, 0) γ2 H(s, 1) γ1
Figura 1: Caminhos homotópicos
Denição 3.3. (Caminho fechado) Um caminho γ : [0, 1] → X é um caminho fechado em x0
se γ(0) = γ(1) = x0.
Dois caminhos fechados γ1 e γ2 são homotópicos se satisfazem a denição 3.2. Note que
Exemplo 3.1. Seja A um subconjunto convexo de um espaço vetorial normado. Se u, v : I → A
são caminhos com as mesmas extremidades, isto é, u(0) = v(0) = x0 e u(1) = v(1) = x1, então
u' v.
De fato, considere a aplicação H : I × I → X dada por H(s, t) = (1 − s)u(t) + sv(t). Então
H é contínua,
H(0, t) = u(t), H(1, t) = v(t), H(s, 0) = x0 e H(s, 1) = x1 ∀s, t ∈ I.
Portanto H é uma homotopia entre u e v.
Denição 3.4. Dado dois caminhos u, v : I → X com u(1) = v(0), o produto de u por v é denido por u · v(t) =
(
u(2t), 0≤ t ≤ 12
v(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1.
O produto de caminhos não é associativo. Considere u, v, w : I → X com u(1) = v(0) e
v(1) = w(0). Então (u· v) · w(t) = u(4t), 0≤ t ≤ 14 v(4t− 1), 14 ≤ t ≤ 12 w(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1 e u· (v · w)(t) = u(2t), 0≤ t ≤ 12 v(4t− 2), 12 ≤ t ≤ 34 w(4t− 3), 34 ≤ t ≤ 1 .
Claramente os caminhos são diferentes.
Embora os caminhos (u · v) · w e u · (v · w) não sejam associativos, eles são homotópicos. De fato, considere a aplicação contínua H : I × I → X dada por
H(s, t) = u( 4t 1+s), 0≤ t ≤ 1+s 4 v(4t− 1 − s), 1+s 4 ≤ t ≤ 2+s 4 w(4t−s−2 2−s ), 2+s 4 ≤ t ≤ 1 .
É fácil ver que
H(s, 0) = u(0), H(s, 1) = w(1), H(0, t) = (u· v) · w(t) e H(1, t) = u · (v · w)(t).
Denição 3.5. Sejam f, g : X → Y funções contínuas. A função f é homotópica a g re-lativamente a um subconjunto A ⊂ X, quando existe uma homotopia H entre f e g tal que
H(x, t) = f (x) = g(x) para todo x ∈ A. Nesse caso, denotamos por f ' g( rel A).
Exemplo 3.2. Considere dois caminhos fechados u e v centrados em x0. Então u ' v(rel{0, 1}).
Denição 3.6. (Caminhos constantes) Seja x ∈ X. Um caminho cx é constante se cx(t) = x
para todo t ∈ I.
Denição 3.7. Dado um caminho u de x0 a x1, o caminho inverso ¯u de x1 para x0 é dado por
¯
Proposição 3.1. Considere o caminho u de x para y, e os caminhos constantes cx e cy. Então
valem:
i) u ' u · cy;
ii) u · cx ' u;
iii) u · ¯u ' cx.
Demonstração: Para demontrar essas armações basta mostrar uma aplicação homotópica
H entre os caminhos.
Para o caso (i) considere H : I × I → X dada por H(s, t) = ( u(1+s2t ), 0≤ t ≤ 1+s2 y, 1+s2 ≤ t ≤ 1. Então H(0, t) = ( u(2t), 0≤ t ≤ 12 y, 12 ≤ t ≤ 1 = u· cy(t) e H(1, t) = u(t).
Tem se também que H(s, 0) = u(0) = x e H(s, 1) = y. Pelo Lema 2.1, H é contínua e portanto u ' u · cy.
Para o caso (ii) considere H : I × I → X dada por H(s, t) = ( u( 2t 1+s), 0≤ t ≤ 1+s 2 x, 1+s 2 ≤ t ≤ 1 . Então pelo Lema 2.1 H, é contínua e
H(0, t) = (
u(2t), 0≤ t ≤ 12
x, 12 ≤ t ≤ 1 = u· cx(t),
H(1, t) = u(t), H(s, 0) = H(s, 1) = x.
Para o caso (iii) considere H : I × I → X dada por
H(s, t) = x, 0≤ t ≤ s2 u(2t− s), s2 ≤ t ≤ 12 u(2− 2t − s), 12 ≤ t ≤ 1 − s2 x, 1− s2 ≤ t ≤ 1 . Tem se que H(0, t) = ( u(2t), 0≤ t ≤ 12
u(2− 2t) = ¯u(2t − 1), 12 ≤ t ≤ 1 = u· ¯u(t)
e H(1, t) = cx(t).
Além disso, H(s, 0) = H(s, 1) = x. Pelo Lema 2.1, H é contínua e portanto u · ¯u ' cx.
4 Grupo Fundamental
Considere um espaço topológico X e x ∈ X. O Grupo Fundamental π1(X, x) é um grupo
formado pelas classes de homotopia dos caminhos fechados em X baseado em x com a operação [u][v] = [u· v]
Lema 4.1. Suponha que u ' u0
( rel {0, 1}) e v ' v0( rel {0, 1}). Então u · v ' u0 · v0( rel
{0, 1}).
Demostração: Como u ' u0
( rel {0, 1}) existe uma aplicação contínua H : I × I → X com
H(s, 0) = H(s, 1) = x, H(0, t) = u(t) e H(1, t) = u0(t).
Analogamente existe uma aplicação contínua ¯H : I× I → X com
¯ H(s, 0) = ¯H(s, 1) = x, ¯H(0, t) = v(t) e ¯H(1, t) = v0(t) ∀t, s ∈ I. Dena G : I × I → X por G(s, t) = ( H(s, 2t), 0≤ t ≤ 12 ¯ H(s, 2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1. Então G(s,12) = H(s, 1) = ¯H(s, 0) = x e pelo Lema 2.1, G é contínua. Tem se que
G(s, 0) = H(s, 0) = x e G(s, 1) = ¯H(s, 1) = x. Também G(0, t) = ( H(0, 2t) = u(2t), 0≤ t ≤ 12 ¯ H(0, 2t− 1) = v(2t − 1), 12 ≤ t ≤ 1 = u· v(t), e G(1, t) = ( H(1, 2t) = u0(2t), 0≤ t ≤ 12 ¯ H(1, 2t− 1) = v0(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1 = u 0 · v0(t).
Portanto G é uma homotopia entre u · v e u0
· v0 relativo a {0, 1}. Pelo Lema 4.1 a operação [u][v] = [u · v] está bem denida.
Teorema 4.1. π1(X, x) é um grupo.
Demontração: Para vericar que π1(X, x)é de fato um grupo, é necessário vericar as três
propriedades:
i) Existência do elemento neutro e sua relação com os demais elementos. ii) Existência do elemento inverso.
iii) Propriedade associativa.
O elemento neutro é o caminho constante cx e a sua classe será denotada por e. Dada
uma classe arbitrária [u] com representante u a classe inversa é [¯u]. É necessário mostrar que
[u]e = e[u] = [u] para toda classe [u], [u][¯u] = [¯u][u] = e e por m, [u][v · w] = [u · v][w].
i)Dada [u] uma classe de caminhos fechados qualquer, temos que [u]e = [u·cx]. Basta então
mostrar que u · e é um elemento da classe [u], ou seja, que u · cx é homotópico a u relativo a
{0, 1}. Isso segue da Proposição 3.1.
Portanto [u]e = [u]. De maneira análoga mostra se que e[u] = [u].
ii) Dada [u] uma classe de caminhos fechados qualquer, temos que [u][¯u] = [u · ¯u]. Basta
então mostrar que u · ¯u é um elemento da classe e, ou seja, que u · ¯u é homotópico a cx relativo
a {0, 1}.
Novamente pela Proposição 3.1 isso é verdade.
iii) Dadas as classes [u], [v] e [w] vamos mostrar que [u][v · w] = [u · v][w]. Para isso é suciente mostrar que u · (v · w) é homotópico a (u · v) · w relativo a {0, 1}.
De fato, considere a aplicação H : I × I → X dada por H(s, t) = u(2−s4t ), 0≤ t ≤ 12 − s4 v(4t− 2 + s), 12 − s4 ≤ t ≤ 34 − s4 w(4t−3+s1+s ), 34 − s4 ≤ t ≤ 1 . Tem se que H(0, t) = u(2t), 0≤ t ≤ 12 v(2t− 2), 12 ≤ t ≤ 34 w(4t− 3), 34 ≤ t ≤ 1 = u· (v · w)(t) e H(1, t) = u(4t), 0≤ t ≤ 14 v(4t− 1), 14 ≤ t ≤ 12 w(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1 = (u· v) · w(t).
Além disso tem se H(s, 0) = u(0) = x e H(s, 1) = w(1) = x. Resta mostrar que H é contínua. Mas
H(s,12 −4s) = u(1) = v(0) = xe H(s,34 −s4) = v(1) = w(0) = x
e pelo Lema 2.1, H é contínua e, consequentemente, uma homotopia entre u · (v · w) e (u · v) · w relativo a {0, 1}.
Exemplo 4.1. Considere R2 e a origem. Então π
1(R2, ~0) é o grupo trivial.
Demonstração: De fato, considere a classe neutra e. Então se c0 ∈ e signica que c0(t) = 0
para todo t ∈ [0, 1]. Seja um caminho fechado α qualquer baseado na origem, isto é, α(0) = α(1) = ~0.
Considere a aplicação H : I × I → X dada por H(s, t) = (1 − s)α(t). Então H é contínua,
H(0, t) = α(t) e H(1, t) = 0 para todo t ∈ I. Também
H(s, 0) = (1− s)α(0) = (1 − s)~0 = ~0 e H(s, 1) = ~0.
Isso mostra que H é uma homotopia entre α e a função nula relativo a {0, 1}, ou seja, α ∈ e. Portanto π1(R2, ~0) ={e}.
Uma pergunta que aparece naturalmente é: se mudar o ponto base x para y o que acontece
com o Grupo Fundamental π1(X, y)? Sob certas hipóteses, os grupo são isomorfos.
Proposição 4.1. Se x e y pertencem a mesma parte conexa por caminhos de X então π1(X, x) ∼= π1(X, y).
Demonstração: Seja v um caminho entre x e y, isto é, v : I → X contínua com v(0) = x e
v(1) = y. Considere ¯v(t) = v(1−t) o caminho oposto. Dena a seguinte função v# : π1(X, x)→
π1(X, y) denida por v#([u]) = [¯v · u · v]. Pelo Lema 4.1, v# está bem denida, visto que se
u' w então ¯v · u · v ' ¯v · w · v. A função v# é um homomorsmo de grupos. De fato,
v#([u])v#([w]) = [¯v· u · v][¯v · w · v] = [¯v · u · v · ¯v · w · v] = [¯v · u · w · v] = v#([u· w]). Considere a função v−1 # : π(X, y)→ π(X, x) denida por v −1 # ([a]) = [v· a · ¯v]. Então v −1 # é a
função inversa de v#. De fato,
v#−1(v#([u])) = v#−1([¯v· u · v]) = [v · (¯v · u · v) · ¯v] = [cx· u · cx] = [u]
v#(v#−1([u])) = v#−1([v· u · ¯v]) = [¯v · (v · u · ¯v) · v] = [cy· u · cy] = [u]
Corolário 4.1. Se X é um espaço conexo por caminhos, o Grupo Fundamental não depende
do ponto base e é denotado por π1(X).
Dados dois espaços topológicos X e Y é interessante saber qual a relação, se existe, en-tre os grupos fundamentais relacionados. A próxima proposição responde parcialmente esse questionamento.
Proposição 4.2. (Homomorsmo induzido) Sejam X e Y espaços topológicos. Considere
x∈ X e y ∈ Y pontos bases. Então qualquer função contínua f : X → Y com f(x) = y induz
um homomorsmo f? : π1(X, x)→ π1(Y, y). Além disso valem:
i) I? = Iπ1(X,x);
ii) Se g : Y → Z contínua com g(y) = z então (gf)? = g?◦ f?;
iii) Se f ' f0
relativo a {x} então f? = f
0
?.
Demonstração: Dena a função f? por f?([α]) = [f ◦ α]. Vamos mostrar que essa função
está bem denida. Para isso considere α e β caminho fechados homotópicos relativos a {0, 1}. Isso signica que existe uma função H : I × I → X contínua com
H(0, t) = α(t), H(1, t) = β(t) e H(s, 0) = H(s, 1) = x. Dena G = f ◦ H. Então G(0, t) = (f ◦ H)(0, t) = f(H(0, t)) = f(α(t)) = (f ◦ α)(t) e G(1, t) = (f ◦ β)(t). Também, G(s, 0) = g(s, 1) = (f ◦ H)(s, 0) = (f ◦ H)(s, 1) = f(H(s, 0)) = f(H(s, 1)) = f(x) = y.
A função G é contínua pois é composta de duas funções contínuas, portanto G é uma homotopia
entre f ◦ α e f ◦ β relativo a {0, 1}. Isso mostra que a função f? está bem denida.
A função f? é um homomorsmo de grupos. De fato,
f?([α· β]) = [f ◦ (α · β)]
= [(f ◦ α) · (f ◦ β)] = [f ◦ α][f ◦ β] = f?([α])f?([β]).
A passagem
=apesar de não parecer tão imediata de fato ocorre. Note que o caminho α · β
é dado por
α· β(t) =
(
α(2t), 0≤ t ≤ 12
β(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1
Compondo com f obtemos
f ◦ (α · β)(t) = f(α · β(t)) = ( f (α(2t)), 0≤ t ≤ 12 f (β(2t− 1)), 12 ≤ t ≤ 1 = ( (f ◦ α)(2t), 0≤ t ≤ 12 (f ◦ β)(2t − 1), 12 ≤ t ≤ 1 = (f ◦ α) · (f ◦ β)(t).
Agora segue as demontrações das armações.
i) As funções identidades I? e Iπ(X,x) são as mesmas. De fato,
ii) Seja g : Y → Z contínua com g(y) = z e considere o homeomorsmo induzido g?. Então
(g◦ f)?([α]) = [(g◦ f) ◦ α] = [g ◦ (f ◦ α)] = g?([f ◦ α]) = g?(f?([α])) = (g?◦ f?)([α]).
iii) Do fato de f ' f0( rel {x} temos que f ◦ α é homotópico a f0 ◦ α relativo a {x}, ou
seja, estão na mesma classe. Então
f?([α]) = [f ◦ α] = [f
0
◦ α] = f?0([α]),
para todo α ∈ π1(X, x), ou seja, f? = f
0
?.
Agora, com esse resultado, podemos obter uma maneira de vericar se dois espaços topoló-gicos não são homeomorfos.
Corolário 4.2. Se f : X → Y é um homeomorsmo com f(x) = y então f? é um isomorsmo.
Demonstração: De fato, f−1 : Y → X é a função inversa de f.
Considere f−1
? : π1(Y, y)→ π1(X, x)denida por f?−1([β]) = [f −1
◦ β]. Então f?−1([f?([α])]) = [f−1◦ f?([α])] = [f−1◦ f ◦ α] = [α] = I?([α]).
Com esse resultado, podemos distiguir quando dois espaços são diferentes topologicamente, analisando os respectivos grupos fundamentais.
Um outro resultado interessante é saber o Grupo Fundamental de algum espaço topológico baseado em outros espaços topológicos. Isso é possível com o próximo teorema.
Teorema 4.2. Considere X e Y espaços topológicos. Então π1(X × Y, x0× y0) é isomorfo a
π1(X, x0)× π1(Y, y0).
Demonstração: Primeiro note que se temos dois grupos A e B com a operação ·, temos que o produto cartesiado A × B é um grupo com a operação
(a× b) · (a0 × b0) = (a· a0)× (b · b0).
Da mesma forma, se h : C → A e k : C → B são homomorsmos de grupos, então a função
Φ : C → A × B denida por Φ(c) = h(c) × k(c) é um homomorsmo de grupos. Considere
as projeções p : X × Y → X e q : X × Y → Y em X e Y respectivamentes. Então, pela
Proposição 4.2, p e q induzem os seguintes homomorsmos: p? : π1(X× Y, x0× y0)→ π1(X, x0)
e q? : π1(X × Y, x0× y0)→ π1(Y, y0).
Denamos a seguinte função:
Φ : π1(X × Y, x0× y0)→ π1(X, x0)× π(Y, y0)
dada por
Φ([f ]) = p?([f ])× q?([f ]) = [p◦ f] × [q ◦ f].
Para mostra que Φ é um isomorsmo de grupos, resta mostrar que Φ é bijetora. Seja
g : I → X um caminho fechado baseado em x0 e h : I → Y um caminho fechado baseado em
y0. Então [g] × [h] pertence a imagem de Φ. De fato, considere a função f : I → X × Y dada
por f(t) = g(t) × h(t). Então f é um caminho fechado em X × Y baseado em x0× y0 e
Φ1([f ]) = [p◦ f] × [q ◦ f] = [g] × [h].
Isso mostra que Φ é sobrejetora.
Agora, considere f : I → X × Y um caminho fechado em X × Y baseado em x0 × y0 com
Φ([f ]) = e× e. Pela denição de Φ , temos que p ◦ f ' cx0 relativo a {0, 1} e q ◦ f ' cy0
relativo a {0, 1}. Considere as respectivas homotopias G e H. Dena F : I × I → X × Y por
F (s, t) = G(s, t)× H(s, t). Então F é uma homotopia entre f e cx0×y0 relativo a {0, 1}. Isso
5 Espaços de Recobrimento
Nesta seção veremos uma maneira alternativa de vericar os grupos fundamentais.
Denição 5.1. Sejam B e X espaços topológicos. Uma função p : X → B é um recobrimento de B por X se satisfaz as seguintes propriedades:
i) Para todo b ∈ B, p−1(b) é um conjunto de pontos discretos em X.
ii) Dado uma vizinhança V de b em B, p−1(V ) é uma união discreta disjunta de vizinhanças
Vi de p−1(b) em X tal que p |Vi é homeomorfo a V .
Exemplo 5.1. A função p : R → S1 dada por p(x) = (cos(2πx), sin(2πx)) é um recobrimento
de S1.
Exemplo 5.2. A função p : R → S1 dada por p(x) = x mod 1 (função que associa a parte
decimal de x) é um recobrimento de S1.
Exemplo 5.3. A função p : S2 → RP2 dada por p(x) = {x, ¯x} onde x e ¯x são pontos antipodais
é um recobrimento de RP2.
Do ponto de vista local, X e B são topológicamente os mesmos, mas globalmente são diferentes.
Denição 5.2. Seja X um espaço topológico.Quando o Grupo Fundamental de X é o trivial, dizemos que X é simplesmente conexo. Neste caso, dado um recobrimento qualquer p : X → B, onde B é um espaço topológico qualquer, p é chamdado de recobrimento universal de B.
Uma pergunta natural que aparece é saber qual a relação, caso exista, entre os grupos fundamentais de X e de B.
Denição 5.3. (Levantamento) Seja p : X → B um recobrimento com b ∈ B e x ∈ X e
p(x) = b. Então dado um caminho α em B começando em b, um levantamento de α é um
caminho ˜α em X começando em x tal que p ◦ ˜α = α. X p I α // ˜ α ?? B
Lema 5.1. (Unicidade) Seja p : X → B um recobrimento com b ∈ B e x ∈ X e p(x) = b. Então dado um caminho α em B começando em b, existe um levantamento de α dado por ˜α em X começando em x tal que p ◦ ˜α = α. Além do mais ˜α é único.
Lema 5.2. (Levantamento homotópico) Seja p : X → B um recobrimento, α ' β em B de a
até b dada pela homotopia H. Então existe uma única homotopia ˜H que é um levantamento de
H sendo ˜α o levantamento de α e ˜β o levantamento de β em X começando em algum x com
p(x) = a. X p I× I H // e H << B
A demonstração desses dois lemas podem ser encontrados em [1].
Levando em conta esses dois lemas, é possível chegar a algumas conclusões de como se relacionam os grupos fundamentais dos espaços X e B.
Teorema 5.1. Seja p : X → B um recobrimento com p(x) = a e seja p? : π1(X, x)→ π1(B, a)
dada por p?([α]) = [p◦ α]. Então p? é injetora.
Demonstração: É suciente mostrar que ker p? = e. Para isso considere um caminho fechado
γ ∈ π1(X, x)tal que p?([γ]) = eem π1(B, a). Vamos mostrar que γ é homotópico a cx relativo a
{0, 1}. Se p?([γ]) = e, temos que p?([γ])é homotópico ao caminho fechado constante carelativo
a {0, 1} pela homotopia H. Pelo Lema 5.2 existe uma única homotopia ˜H entre γ e cx relativo
a {0, 1} em π1(X, x), ou seja, [γ] = e em π1(X, x).
Com esse resultado, vemos que recobrimento de B fornece subgrupos fundamentais de B
por grupos fundamentais de X, ou seja, π1(X, x)' p?(π1(X, x)).
6 Grupo Fundamental do Círculo
Até agora só vimos exemplos de grupos fundamentais triviais. Nessa seção e nas próximas, mostraremos algumas superfícies cujo Grupo Fundamental não é o trivial.
O Grupo Fundamental do círculo é isomorfo ao grupo dos inteiros com a operação soma e é muito útil para encontrar diversos grupos fundamentais de outros objetos, tais como o do cilindro e do toro.
Teorema 6.1. O Grupo Fundamental π1(S1) é isomorfo ao grupo Z.
Demonstração: Há várias maneiras de chegar nesse resultado. Aqui vamos construir um
isomorsmo entre o Grupo Fundamental e os inteiros. Para isso considere o ponto base b0 =
(1, 0) em S1. Seja α : I → S1 um caminho fechado começando em b
0 e terminando em b0
mas não necessariamente com uma volta. Note que α pode ir no sentido horário e também no
sentido anti horário e pode dar várias voltas, em outras palavras, α(0) = b0 e α(1) ∈ {b0}.
Considere o recobrimento de S1 por R dado por p(x) = (cos(2πx), sin(2πx)). Dado um
n ∈ Z temos p(n) = (cos(2πn), sin(2πn)) = (1, 0) = b0, isto é, p(Z) = b0. Observe que n é o
número de voltas que o caminho faz em S1. Como α é um caminho fechado em S1 começando
em b0, pelo Lema 5.1 existe um único caminho ˜α em R começando em p−1(b0)tal que p◦ ˜α = α,
ou seja, que o diagrama abaixo comuta.
R p I α // ˜ α ?? S1
Note que ˜α = (p−1◦ α)(t) para t ∈ [0, 1], ou seja a restrição de p sobre [0, 1] é um
homeo-morsmo e portanto ˜α(1) = p−1
(α(1)) = p−1(b0) = n para algum n ∈ Z.
Pelo Lema 5.2, se β é um outro caminho fechado em S1 homotópico a α relativo a {0, 1},
os respectivos levantamentos ˜α e ˜β que são únicos (quando se diz único quer dizer que se existe um outro caminho, digamos γ, com as tais propriedades, então γ é homotópico a este caminho) também são caminhos homotópicos relativos a {0, 1}, isto é, o inteiro n depende somente da classe de homotopia [α].
Considere a seguinte função φ : π1(S1, b0)→ Z dada por
φ([α]) = ˜α(1) = n.
Vamos mostrar que φ é bijetora. A imagem inversa de p em b0 é o conjunto Z, isto é,
p−1(b0) = n para algum n ∈ Z. Como R é conexo por caminhos, existe um caminho ˜α : I → R
começando em 0 e terminando em n, isto é, ˜α(0) = 0 e ˜α(1) = n.
Seja α : I → S1 um caminho em S1 denido por α(t) = (p ◦ ˜α)(t). Então
α(0) = (p◦ ˜α)(0) = p(˜α(0)) = p(0) = b0.
Da mesma maneira,
Isso mostra que α é um caminho fechado em S1. Pela construção, note que ˜α é um
levan-tamento de α e pelo Lema 5.1, ˜α é único.
Logo, dado um n ∈ Z qualquer existe um caminho fechado α em S1 tal que φ([α]) = ˜α(1) =
n. Isso mostra que a função φ é sobrejetora.
Agora suponha que dado n ∈ Z na imagem de φ, existam duas classes [α] e [β] tais que
φ([α]) = φ([β]) = n. Pela construção de φ, considere os caminhos ˜α : I → R e ˜β : I → R tais
que sejam os levantamentos de α e β respectivamente. Então temos que ˜α(0) = ˜β(0) = 0 e por hipótese temos ˜α(1) = ˜β(1) = n.
Pelo fato de R ser simplesmente conexo e ˜α, ˜β terem os mesmos pontos iniciais e nais, ˜α
e ˜β devem ser homotópicos, isto é, existe uma função contínua ˜H : I× I → R que satisfaz
˜
H(s, 0) = 0, ˜H(s, 1) = n, ˜H(0, t) = ˜α(t), ˜H(1, t) = ˜β(t) ∀s, t ∈ I.
Considere a função H : I ×I → S1 dada por H = p ◦ ˜H. Como ˜H é contínua e p é contínua,
a composta H é contínua e vale
H(s, 0) = (p◦ ˜H)(s, 0) = p( ˜H(s, 0)) = p(0) = (cos 0, sin 0) = (1, 0) = b0,
H(s, 1) = (p◦ ˜H)(s, 1) = p( ˜H(s, 1)) = p(n) = (cos 2πn, sin 2πn) = (1, 0) = b0,
H(0, t) = (p◦ ˜H)(0, t) = p( ˜H(0, t)) = p( ˜α(t)) = (p◦ ˜α)(t) = α(t), H(1, t) = (p◦ ˜H)(1, t) = p( ˜H(1, t)) = p( ˜β(t)) = (p◦ ˜β)(t) = β(t).
Essas contas mostram que H é uma homotopia entre α e β relativo a {0, 1}, ou seja, [α] = [β] e portanto φ é injetora.
Agora vamos mostrar que φ é de fato um homomorsmo entre os grupos π1(S1) com a
operação denida na Denição 3.4 e o grupo (Z, +).
Note que a função de recobrimento p é periódica de período 2π e portanto vale:
p(n + x) = (cos 2π(n + x), sin 2π(n + x)) = (cos 2πx, sin 2πx) = p(x), ∀x ∈ R.
Considere α : I → S1 e β : I → S1 dois caminhos fechados começando em b
0. Considere
seus levantamentos ˜α : I → R e ˜β : I → R que são únicos tais que ˜α(0) = ˜β(0) = 0. Pelo fato de R ser conexo por caminhos existem inteiros n e m tais que ˜α(1) = n e ˜β(1) = m. Seja ˜γ um caminho em R dado por
˜ γ(t) = ( ˜ α(2t), 0≤ t ≤ 12 n + ˜β(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1.
Note que ˜γ está bem denida, é contínua pelo Lema 2.1 , ˜γ(0) = ˜α(0) = 0 e ˜γ(1) =
n + ˜β(1) = n + m. Ou seja, ˜γ é um caminho em R entre a origem e n + m.
Agora considere γ : I → S1 dado por γ = p ◦ ˜γ. Então
γ(t) = (p◦ ˜γ)(t) = p(˜γ(t)) = ( p( ˜α(2t)), 0≤ t ≤ 12 p(n + ˜β(2t− 1)), 12 ≤ t ≤ 1 = ( p( ˜α(2t)), 0≤ t ≤ 12 p( ˜β(2t− 1)), 12 ≤ t ≤ 1 = ( α(2t), 0≤ t ≤ 12 β(2t− 1), 12 ≤ t ≤ 1,
ou seja, γ = α · β.
Isso mostra que ˜γ é o levantamento de γ. Com isso temos
φ([α· β]) = φ([γ]) = ˜γ(1)
= n + m = ˜α(1) + ˜β(1) = φ([α]) + φ([β]).
7 Algumas Consequências do Isomorsmo entre π
1(S
1)
e Z
Conhecendo o Grupo Fundamental de S1 podemos calcular o Grupo Fundamental de outros
espaços, cuja construção depende ou parte de S1, bem como podemos analisá-las do ponto de
vista de homeomorsmo, ou seja, espaços que possuem Grupo Fundamental diferentes não são homeomorfos.
Primeiramente, usando Grupo Fundamental, mostraremos que S1 não é homeomorfo à Sn
quando n ≥ 2, mas, para isto precisamos calcular o Grupo Fundamental de Sn. Para tal,
considere o seguinte lema.
Lema 7.1. Seja X um espaço topológico tal que X = U ∪V , onde U e V são subespaços abertos, simplesmente conexos e U ∩ V é conexo por caminhos. Então X é simplesmente conexo.
Demonstração: Considere uma classe de homotopias [α] ∈ π1(X, x0), onde α : I → X,
tal que x0 ∈ X ∩ V . Pela continuidade de α, temos que o conjunto {α−1(U ), α−1(V )} é uma
cobertura de I, que é compacto. Logo, podemos construir uma partição de I: 0 = t0 < t1 < ... < tn= 1
de tal maneira que α([ti−1, ti]) ∈ U ou α([ti−1, ti]) ∈ V para cada i = 1, ..., n. Quando
dois intervalos consecutivos [ti−1, ti]e [ti, ti+1]são tais que α([ti−1, ti])e α([ti, ti+1])pertencem à
mesma componente conexa U ou V , podemos eliminar o ponto comum juntando os intervalos em
um só de tal maneira que repartindo o intervalo I adequadamente tenhamos que α(ti)∈ U ∩ V .
Mas, como U ∩ V é conexo por caminhos, existe um caminho ηi que liga x0 a α(ti).
Para cada i, denamos:
αi(s) = α((ti− ti−1)s + ti−1), 0≤ s ≤ 1.
Logo, αi(0) = αi(ti−1) e αi(1) = α(ti). Assim, podemos escrever α da seguinte maneira:
α' α1· α2· ... · αn.
Então:
α' (α1· η1−1)· (η1· α2· η−12 )· (η2· α3· η−13 )· ... · (ηn· αn).
Note que, devido a forma como foi feita a partição de I, cada (ηi· αi+1· ηi+1−1) é um caminho
totalmente em U ou em V . Utilizando o fato de que U e V são simplesmente conexos, temos que, para cada i,
então α ' ex0 e , portanto, π1(X, x0) = {0}.
A consequência direta desse lema é que o Grupo Fundamental de Sn(n ≥ 2) é o grupo trivial.
Mostraremos isto como um corolário que segue e, nesse caso, consideraremos os subespaços U
como sendo Sn
+ que nada mais é do que a esfera Sn sem o polo norte pN e V como sendo S−n
que nada mais é do que a esfera Sn sem o polo sul p
S.
Corolário 7.1. π1(Sn, p) ={0} para todo n ≥ 2.
Demonstração: Observe que
Sn= S−n ∪ S+n,
em que ambos os conjuntos Sn
−e S+n são abertos e contráteis pois são homeomorfos a Rn(veja
exemplo 2.2); logo, além de abertos, são simplesmente conexos. Além do mais, é fácil notar
que Sn
−∩ S+n é conexo por caminhos. Assim, pelo lema anterior, temos que Sn é simplesmente
conexo, para todo n ≥ 2. Portanto, Snpossui somente uma classe de homotopia, de onde segue
o resultado.
Portanto a esfera Sn, n ≥ 2 não é homeomorfa a S1, caso contrário teríamos:
{0} = π1(Sn, p0) ∼= π1(S1, x0) ∼= Z,
o que é um absurdo.
Conhecendo o Grupo Fundamental de S1 também podemos calcular o Grupo Fundamental
do cilíndro C, basta observar que C = S1× R e considerar o Teorema 4.2, assim temos
π1(C, (x0, y0)) ∼= π1(S1, x0)× π1(R, z0) ∼= Z× {0} ∼= Z.
Analogamente, podemos calcular o Grupo Fundamental do toro T2. Como T2 = S1 × S1,
então
π1(T2, (z0, z0)) ∼= π1(S1, z0)× π1(S1, z0) ∼= Z× Z.
Da onde segue que o toro T não é homeomorfo à Sn, (n ≥ 1).
Outra consequência é o Teorema Fundamental da Álgebra:
Teorema 7.1. (Teorema Fundamental da Álgebra) Todo polinômio, não constante, com coe-cientes em C, possui pelo menos uma raíz complexa.
Demonstração: Podemos supor que o polinômio tem a forma:
p(z) = zn+ a1zn−1+ ... + an (1)
Caso contrário, poderiamo dividir o polinômio pelo coeciente não nulo que multiplica a maior potência de z e, mesmo assim, não alteraríamos as raízes do polinômio.
Agora, suponha por absurdo que p(z) não possui raízes e, para cada número complexo r ≥ 0, dena
fr(s) =
p(r· exp(2πis))/p(r)
Observe que fr(s)dene um caminho fechado em S1, uma vez que fr(0) = fr(1)e |fr(s)| = 1
para todo s ∈ I = [0, 1], fr(s) é contínua, pois estamos supondo que p(z) não possui raízes.
Seja, H(s, t) = ( ft/1−t(s), 0≤ s ≤ 1, 0 ≤ t < 1 exp(2πi(ns)), 0≤ s ≤ 1, t = 1 . Note que: lim t→1H(s, t) = limt→1ft/1−t(s) =|r|→+∞lim fr(s) ∗ = (exp(2πis))n= exp(2πi(ns)).
Onde a igualdade ∗ é obtida substituindo p(r·exp(2πis)) na equação (1). Logo H é contínua.
Por outro lado, H(s, 0) = f0(s)que é o caminho constante e H(s, 1) = exp(2πi(ns)), isto é, H
é uma homotopia entre f0 e f1 então:
0 = φ([f0]) = φ([f1]) = n
onde φ é a função denida na demonstração do Teorema 6.1, o que é uma contradição. Logo
p(z) possui pelo menos uma raíz.
8 O Grupo Fundamental do Espaço Projetivo Real
Considere RPn o espaço projetivo real de dimensão n. Não é difícil provar que a projeção
Π : Sn→ RPn
é aberta e, ∀U ⊂ Sn aberto , temos que
Π−1(Π(U )) = U∪ (−U),
onde −U representa o conjunto dos pontos antipodais de U. Em linguagem conjuntista:
−U := {x ∈ Sn;
−x ∈ U}
Note também que Π : Sn → RPné um homeomorsmo local. Com efeito, considere p ∈ RPn,
então p = {x, −x}. Seja eU ⊂ Sn uma vizinhança de x que não contém nenhum ponto
antípo-dal de seus pontos, ou seja Ue ∩ (− eU ) = ∅. Então, Π( eU ) = U é uma vizinhança de p, tal que
Π−1(U ) = eU ∪ (− eU ), da onde segue que, Π|
e
U é um homeomorsmo sobre U e , portanto, Π é
um homeomorsmo local.
Neste caso, a vizinhança U é chamada vizinhança distinguida do ponto p ∈ RPn.
Vejamos agora que, assim como no caso de S1, também há levantamento dos caminhos em
Teorema 8.1. Sejam α : I = [t0, t1] → RPn e x0 ∈ Sn tal que Π(x0) = α(t0). Então existe
um único caminho α : Ie → S
n tal que
e
α(t0) = x0 e α = Π ◦αe, isto é, o diagrama abaixo é
comutativo: Sn Π I α // e α == RPn
Demonstração:Vejamos que, se α(I) ⊂ U e U ⊂ RPné uma vizinhança distinguida do ponto
p ={x0,−x0}, tal que
Π−1(U ) = eU ∪ (− eU ), então o teorema é válido.
Neste caso, para x0 ∈ eU, considerando π = Π|Ue, temos que π : Ue → U é um homeomorsmo.
Basta, então, considerar α = πe
−1
◦ α.
Observe que o teorema também é válido no seguinte caso: Quando
I =[Ii , (i = 1, 2),
onde Ii são intervalos fechados com um extremo t2 em comum, de tal maneira que o teorema
seja válido para α|I1 = α1 e α|I2 = α2. Pois, aplicando o teorema a cada intervalo, obtemos
e α1 : I1 → Sn tal que e α1(t0) = x0 , Π◦αe1 = α1 e,αe2 : I2 → S n tal que e α2(t2) = αe1(t2) , Π◦αe2 = α2.
Assim, podemos denir α : Ie → S
n por: e α(t) = ( e α1(t), t∈ I1 e α2(t), t∈ I2
No caso mais geral, basta notar que, como I é compacto, podemos decompô-lo da seguinte maneira:
I = I1∪ I2∪ ... ∪ Ik
de tal meneira que α(Ii) ∈ Ui, para cada i, onde Ui é uma vizinhança distinguida e cada
intervalo Ii possui extremidade em comum com o intervalo Ii+1 conforme o caso anterior.
Vejamos, agora, a unicidade de α: Suponhamos que existem α, ee β : I → S
n tais que
Π◦α = Πe ◦ eβ.
Então, para todo t ∈ I, devemos ter α(t) = ee β(t) ou α(t) =e −eβ(t). Do produto interno de
Rn+1, temos < α(t), ee β(t) >= ±1, para todo t ∈ I, uma vez que α(t), ee β(t) ∈ S
n. Por outro
lado, como I é conexo, o produto interno anterior deve ser constante, caso contrário não seria contínuo. Portanto, como α(te 0) = eβ(t0), temos que α(t) = ee β(t) para todo t ∈ I.
Observe que o levantamento de um caminho fechado em Sn nem sempre é um caminho fechado em RPn. De fato, se e α : I → Sn é tal que α = Π ◦ e α e se αe é fechado, o caminho α
possui levantamento fechado. Se os extremos do caminho αe são antipodais, α é um caminho
fechado em RPn mas seu levantamento
e
α não é fechado.
Desta forma, temos que cada caminho α : I → RPn possui dois levantamentos, o
levanta-mento que é fechado em S1 e o levantamento que não é. O resultado a seguir mostra que, para
n ≥ 2, os caminhos fechados de cada um destes tipos são homotópicos entre si.
Proposição 8.1. Seja n ≥ 2; xando x0 ∈ Sn e p0 = Π(x0) ∈ RPn e considerando α, β :
I → RPn caminhos fechados de base p0, denotemos por α, ee β : I → S
n os correspondentes
levantamentos com origem em x0. Com as notações anteriores, temos que α(1) = ee β(1) se, e
somente se, α ' β.
Demonstração: Se α, ee β : I → S
n são tais que
e
α(1) = eβ(1), ter que α ' β segue direto do
fato de Sn ser conexo.
Por outro lado, se α = Π ◦ αe ' Π ◦ eβ = β, como α(0) = ee β(0) = x0, α(1) =e ±x0 e
e
β(1) =±x0. Considerando as hipóteses, teremos que α(1) = ee β(1) somente se α(1)e e eβ(1) não
são antipodais, isto é, |eα(1)− eβ(1)| 6= 2, onde | · | é a norma induzida em RPn pela norma
de Rn+1. Em particular, se |α(t) − β(t)| 6= 2, para todo t ∈ I, isto é, α(t) e β(t) nunca são
antipodais, então |eα(t) − eβ(t)| 6= 2, para todo t ∈ I; como α(0) = ee β(0), não podemos ter
|eα(1)− eβ(1)| = 2.
No caso geral, considere a homotopia H : α ' β; pela continuidade uniforme de H, existem 0 < t0 < t1 < ... < tn = 1 tais que |H(s, ti−1)− H(s, ti)| < 2, para todo s ∈ I e i = 1, ..., n.
Denamos os caminhos fechados em p0 : αi(s) = H(s, ti); os pontos αi(s) e αi+1(s)não podem
ser antipodais, logo αei(1) =αei+1(1). Então, e
α0(1) =αe1(1) = ... =αen(1) = eβ(1)
Por meio dos resultados anteriores, já podemos dizer qual é o Grupo Fundamental de RPn.
Com exceção de RP1 que é homeomorfo a S1 (e, portanto, π
1(RP1, po) ∼= Z), existem apenas
duas classes de caminhos fechados em RPn, com ponto base p
0: a classe dos caminhos cujo
levantamento é fechado e os que possuem levantamento não fechado. Logo, π1(RPn, p0)' Z2.
Referências
[1] Munkres, J., Topology, a rst course, Prentice-Hall, Inc., Englewood Clis/New Jersey-U.S.A., 1st edition, 1975
[2] Hatcher, A., Algebraic Topology, Cambridge University Press/Cambridge-U.K., 2001 [3] Lima, E. L., Grupo Fundamental e Espaços de Recobrimento, IMPA, Projeto Euclides/Rio
de Janeiro, 1st edição, 1993
[4] Vilches, M. A., Introdução a topologia algébrica, URRJ/Rio de Janeiro