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A GESTÃO DAS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: uma análise crítica da sua dimensão político-ideológica

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PUC-SP

BRUNA CARNELOSSI

A GESTÃO DAS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:

uma análise crítica da sua dimensão político-ideológica

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PUC-SP

BRUNA CARNELOSSI

A GESTÃO DAS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:

uma análise crítica da sua dimensão político-ideológica

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PUC-SP

BRUNA CARNELOSSI

A GESTÃO DAS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:

Uma análise crítica da sua dimensão político-ideológica

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de MESTRE em Serviço Social, sob a orientação

da Professora Doutora Aldaíza Oliveira Sposati.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

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Título: A gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família no âmbito da Assistência Social: uma análise crítica da sua dimensão político-ideológica. Autor: Bruna Carnelossi.

Esta dissertação visa problematizar a questão da gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF), no âmbito da Política de Assistência Social, especialmente no que diz respeito à sua dimensão político-ideológica, impactante no processo histórico de consolidação da proteção social (segurança) de renda, afiançada pela Política. A trajetória investigativa está ancorada nos princípios metodológicos do Materialismo Histórico Dialético, que baliza a articulação entre a mediação teórica e conceitual, a interpretação dos dados levantados, e a observação dos aspectos técnico e operacional do trabalho realizado por assistentes sociais no atendimento às famílias beneficiárias do Programa. Busca-se apresentar a dimensão sociológica, jurídica e política em torno da problemática, a partir de três capítulos. No primeiro capítulo resgata-se a historicidade da capacidade protetiva do Estado e contextualiza-se a dinâmica contemporânea de sua dimensão não contributiva. No segundo, busca-se registrar as características históricas e os princípios da institucionalização da Política de Assistência Social, distinguindo as diversas orientações políticas e éticas que orbitam entraves e perspectivas quanto ao processo de reconhecimento e legitimidade da sua segurança de renda afiançada. No terceiro capítulo, aponta-se a dimensão política e ideológica dos pressupostos de gestão do formato condicionado do PBF, em seus rebatimentos no campo da institucionalidade da segurança de renda, ancorada nos princípios da Assistência Social. O estudo evidencia, particularmente, que a gestão da estrutura condicionada do PBF fundamenta-se em uma perspectiva punitiva, disciplinadora e moralizadora, desvirtuando os princípios dos benefícios sócio-assistenciais.

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Title: The management of conditionality of Bolsa Família in Social Work: a critical analysis of their political-ideological dimension.

Author: Bruna Carnelossi.

This paper intends to discuss the issue of management of conditionality of Bolsa Família (PBF), under the Social Assistance Policy, especially with regard to its political-ideological dimension, impacting the historical process of consolidation of social protection (safety) income, secured by the policy. The investigative path is anchored in methodological principles of historical materialism dialectic, that marks the relationship between the theoretical and conceptual mediation, interpretation of the data collected, and the observation of the technical and operational aspects of the work done by social workers in meeting the families receiving the program . Seeks to present the sociological dimension, legal and political issues around, from three chapters. In the first chapter rescues the historicity of the protective capacity of the state and contextualizes the contemporary dynamic of a size not contributory. In the second, it seeks to record the historic features and principles of the institutionalization of the Social Assistance Policy, distinguishing the various policy guidelines and ethical barriers that orbit and prospects for the process of recognition and legitimacy of your income security secured. In the third chapter, points up the political dimension and the ideological assumptions of management format conditioner GMP, their aftermaths in the field of institutional income security, anchored on the principles of Social Assistance. The study shows, particularly, that the management structure Guests GMP is based on a perspective punitive, disciplinary and moralizing, distorting the principles

of social assistance benefits.

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BPC Benefício de Prestação Continuada

CEBRAP Centro Brasileiro de análise e planejamento CF Constituição Federal

CIT Comissão Intergestores Tripartite

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CRESS-SP Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo GSF Gasto Social Federal

IGD Índice de Gestão Descentralizada INSS Instituto Nacional de Seguro Social IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LOAS Lei Orgânica de Assistência Social

MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MHD Materialismo Histórico Dialético

NEPSAS Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Seguridade e Assistência Social

NOB Norma Operacional Básica

NUMAS Núcleo Metropolitano de Assistência Social PAIF Programa e atendimento integral à família PBF Programa Bolsa Família

PIB Produto Interno Bruto

PNAS Política Nacional de Assistência Social PTR Programa de Transferência de Renda

PTRC Programa de Transferência de Renda Condicionado SAGI Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SENARC Secretaria Nacional de Renda e Cidadania SICON Sistema de Condicionalidades

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INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1: O ESTADO PROTETIVO E AS POLÍTICAS SOCIAIS... 18

1.1 Elementos fundantes da reconfiguração das políticas sociais... 22

1.2 O Estado e o capitalismo: mediações protetivas... 26

1.3 A redução da capacidade protetiva do Estado e a mercantilização das Políticas sociais ...37

1.3.1 O Workfare ...46

CAPÍTULO 2: A SEGURANÇA DE RENDA NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ELUCIDAÇÕES NO CAMPO DO PARADOXO SEMÂNTICO DA NOÇÃO DE ‘ASSISTENCIALIZAÇÃO’......50

2.1 O conceito de Assistência Social...53

2.2 A configuração da segurança de renda no âmbito da Política de Assistência Social...57

2.3 Os benefícios sócio-assistenciais...68

2.4 A Assistência Social e a lei que cria o Programa Bolsa Família...72

2.5 O paradoxo semântico da noção de ‘assistencialização’...79

CAPÍTULO 3: LIMITES DO PBF NO RECONHECIMENTO DA SEGURANÇA DE RENDA NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: A MEDIAÇÃO DAS CONDICIONALIDADES...94

3.1 As condicionalidades do programa Bolsa Família...101

3.2 A gestão das condicionalidades do PBF no âmbito da Assistência Social...108

3.3 Condicionalidades do Programa Bolsa Família: a cristalização do consenso meritocrático à revelia da consolidação dos direitos sociais universais e incondicionais...125

CONCLUSÕES...142

REFERÊNCIAS ...157

ANEXO A - Manifesto pelo fim das condicionalidades. CRESS-SP ...165

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado busca problematizar a gestão das condicionalidades no âmbito da Política de Assistência Social, especialmente a partir de sua dimensão político-ideológica. Pretende-se avaliar como a presença das condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF) impacta no processo histórico de consolidação da proteção social (segurança) de renda, afiançada pela Política de Assistência Social.

A trajetória investigativa adotada nesta dissertação está ancorada em um princípio metodológico que entende ser fundamental a articulação entre a esfera teórica e conceitual, que suscita as interpretações dos dados estudados, com o aspecto técnico e operacional do trabalho social realizado por assistentes sociais, trabalhadores do serviço sócio-assistencial, denominado CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), lócus onde se materializa a problemática da pesquisa ora apresentada.

Deste modo, as temáticas a serem abordadas nos três capítulos que seguem, buscam resgatar a historicidade da dimensão política e teórica da constituição da capacidade protetiva do Estado e das políticas sociais; destacam-se o seu campo não contributivo e seus rebatimentos nos aspectos técnicos e gerenciais da Política de Assistência Social, sobretudo no que diz respeito aos benefícios monetários concedidos via programas de transferência de renda (PTR), tal como o Programa Bolsa Família (PBF), cuja gestão do modelo condicionado acarreta em implicações no processo de reconhecimento e legitimidade desta política social.

Este percurso teórico adotado busca captar a dimensão sociológica, jurídica e política em torno do objeto de pesquisa, tendo por propósito propiciar a politização da questão, pautada na defesa das políticas sociais de caráter universalista e incondicional; especialmente, assinala-se a defesa intransigente da consolidação da segurança de renda no âmbito da política pública de Assistência Social, na perspectiva do direito à proteção social no âmbito da cidadania.

O primeiro capítulo, intitulado O Estato Protetivo e as Políticas Sociais, busca

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cujo método teórico de análise aqui empregado, denominado Materialismo Histórico Dialético, será utilizado no decorrer de todo o desenvolvimento deste estudo. Neste

primeiro capítulo, busca-se situar uma dada realidade social concreta, referenciada a uma formação social específica, pautada na sociedade de classes e nas relações sociais oriundas do modo de produção capitalista. Desse modo, a abordagem sociológica empregada, pautada nesta referida teoria social, faz com que as questões que orbitam a problemática entre as condicionalidades do PBF e a Política de Assistência Social sejam analisadas à luz do concreto.

Seguindo esta direção, pretende-se realizar uma interpretação teórica que analisa a relação existente entre a realidade macro-social (dinâmica capitalista) e sua incidência direta na configuração da realidade micro-social (dinâmica das políticas sociais). Neste momento, busca-se construir mediações teóricas capazes de articular a relação dos aspectos técnicos e operacionais do PBF, mais específicamente no que se referem à

gestão das condicionalidades do PBF – no âmbito da Política de Assistência Social –, com os aspectos teóricos e conceituais em torno das políticas sociais.

Os aspectos teóricos e conceituais das políticas sociais serão apresentados a partir dos estudos sociológicos sobre a configuração histórica da capacidade protetiva do Estado e de sua dinâmica contemporânea. A hipótese que ilumina essa abordagem indica apontar um cenário marcado por influências conservadoras, neoliberais e profundamente comprometidas com a progressão das relações mercadológicas.

Trata-se, então, neste primeiro momento, no âmbito dos conflitos e luta de classes, que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo – nos seus grandes ciclos de expansão e estagnação –, de analisar as políticas sociais como processo e resultado das relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado, Mercado e Sociedade Civil.

Nessa direção, busca-se resgatar a gênese da constituição do Estado Capitalista no que se refere à sua dimensão protetiva, e problematizar o surgimento e o desenvolvimento das políticas sociais, mais específicamente dos benefícios de renda, e

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Notar-se-á que, embora os benefícios sociais sejam de diversas naturezas e previstos em diversas políticas sociais, tais como os benefícios previdenciários, por exemplo, viabilizados através de incentivos fiscais e formas jurídicas, o presente estudo visa abordar os benefícios monetários no âmbito da segurança de renda, afiançada e prevista pela Política de Assistência Social.

No segundo capítulo desta dissertação visa-se localizar a Assistência Social enquanto política pública, social e setorial, no modelo de proteção social brasileira, destacando sua proteção afiançada através da segurança de renda. Para além dos benefícios monetários, e tendo em vista que a intervenção do Estado por meio de políticas sociais, específicamente da Política de Assistência Social, se materializa

objetivamente, ou seja, sua oferta pode ser acessada pelo conjunto de seus cidadãos mediante o acesso de serviços sócio-assistenciais e subsídios/benefícios, busca-se apreender e caracterizar a orientação politico-ideológica do formato e modelo da Política de Assistência Social, particularmente objetivada na segurança de renda que afiança.

Neste sentido, de se resgatar a historicidade do processo de constituição e reconhecimento da Política de Assistência Social, especialmente da segurança de renda que esta afiança, busca-se levantar os marcos de institucionalização e reconhecimento dos benefícios sócio-assistenciais, no âmbito da proteção social não contributiva no Brasil, cujo marco inicial é representado pela Constituição Federal de 1988.

A leitura e a abordagem que tratam o segundo capítulo, intitulado A Segurança de Renda no âmbito da Política de Assistência Social: elucidações no campo do

paradoxo semântico da noção de “assistencialização”, busca registrar, em face das

características históricas processantes da objetivação da Assistência Social, os marcos da sua trajetória política, a fim de se apreender suas especificidades e princípios genuínos; em nossa hipótese, a essência não contributiva intrínseca à Política de Assistência Social se mostra contrastante com o modelo condicionado do programa de transferência de renda brasileiro, o Bolsa Família (PBF).

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Através do paralelo estabelecido entre as regulações jurídicas e as relações de cunho político-ideologicas que objetivam a Política de Assistencia Social, entende-se possível desenvolver uma análise critica da relação posta entre esta política pública e o

Programa do Poder Executivo Federal, o PBF. Por este caminho, pretende-se avaliar os entraves e perspectivas, bem como os avanços e retrocessos da institucionalização da segurança de renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sobretudo a partir da sua vinculação com os programas de transferência de renda condicionados (PTRC). A análise empregada neste momento pauta-se por uma determinada compreensão histórica, que refuta as interpretações cientificas que legitimam a ideia de que existe uma distinção entre a esfera do ser e a do dever ser,

posicionando-se, por conseguinte, em contraposição à ideia que separa o entendimento jurídico da validade ideal em relação à análise da realidade empírica posta pelos sociólogos (BOBBIO, 1986).

Nessa ambiência, busca-se problematizar o predomínio dos benefícios sociais condicionados, expresso pelo PBF, em detrimento dos serviços e benefícios genuinamente sócio-assistenciais, expressões da objetivação das garantias e seguranças previstas na Política de Assistência Social. Este processo investigativo pretende estudar os rebatimentos do contexto monetarista e mercantilizador, que permeiam os atuais modelos condicionados de transferência de renda, no processo histórico de constituição, reconhecimento e legitimidade da segurança de renda, no âmbito das proteções sociais afiançadas pela Política Nacional de Assistência Social.

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Pesquisar a Política de Assistência Social inserida em um contexto mercantilizador e se posicionar em sua defesa, a partir do seu reconhecimento e legitimidade enquanto política social setorial específica, implica apreender suas distintas orientações políticas e éticas, e, a partir de então, se posicionar criticamente diante delas.

O segundo capítulo desta dissertação visa, portanto, tensionar a discussão sobre a proteção social de segurança de renda afiançada pela Política de Asssistencia Social, a buscar os entraves e desafios para a institucionalização da sua segurança de renda. Para tanto, considera-se a (des)vinculação político e ideológica entre os princípios dos benefícios sócio-assistenciais e os do PBF.

Neste capítulo, buscar-se-á o desenvolvimento de um estudo factível à realidade, na qual se evidencia uma confusão posta entre o processo de massificação da transferência de renda propiciada pelo PBF e os benefícios genuinamente sócio-assistenciais. Dessa relação, emerge o hegemônico emprego da noção

assistencialização, que desqualifica, preponderantemente, a Política de Assistência

Social, então reduzida às interpretações que a associam com a ação focalizada e emergencial de combate à pobreza, proposta pelo PBF.

A fim de se desmistificar a noção de “assistencialização” das políticas sociais, e

ancorados em uma perspectiva teórica comprometida com o conhecimento e o rigor teórico-metodológico, necessários a toda análise do concreto, recorremos aos índices de pesquisas quantitativas e posicionamentos teóricos que sustentam a defesa da Política de Assistência Social, refutando a noção de “assistencialização”; essas teses sustentam ser

o uso desta noção uma prática que impregna o campo das Ciências Sociais e o campo do Serviço Social, a dogmatizar/doutrinar a discussão em torno desta política social.

Com vista nas especificidades históricas que orbitam a configuração das políticas sociais e os seus rebatimentos no âmbito da Política de Assistência Social, bem como orientados à centralidade da problemática posta pela pesquisa, relacionada à dimensão político-ideológica no âmbito da gestão das condicionalidades, o terceiro e último capítulo desta dissertação, intitulado Limites do PBF no reconhecimento da segurança de renda no âmbito da Assistência Social: a mediação das

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PBF, no que diz respeito ao reconhecimento da institucionalidade da segurança de renda.

Neste momento, intentaremos compreender a dimensão política e ideológica que acompanha o formato condicionado do PBF e seus rebatimentos no âmbito da Política de Assistência Social, marcados por ações e compreensões que desvalorizam e não reconhecem as proteções que devem afiançar esta política social, sobretudo a segurança de renda.

Procuraremos demonstrar que o eixo condicionado dos PTR reforça a perspectiva que não compreende a legitimidade da proteção social garantida independentemente de prévia contribuição e vinculação com o mercado formal de emprego, a colaborar com a equivocada noção de “assistencialização” das políticas

sociais. Tal compreensão assenta-se na hipótese de que, não raro, os pressupostos de intervenção do modelo condicionado do PBF implicam em uma desvirtuação das formas e princípios que pressupõem as práticas no âmbito da Assistência Social, condizentes com os preceitos universais e incondicionais que regem esta política social.

Nesse sentido, o capítulo pretende guiar-se pelo resgate da cientificidade e do rigor metodológico capazes de apreender os aspectos valorativo e político-ideológico que caracterizam as posturas entre os agentes institucionais (assistentes sociais) e as famílias beneficiárias do PBF. Outra hipótese levantada neste momento do texto diz respeito ao predomínio de posturas disciplinadoras e aspectos negativos intrínsecos à gestão das condicionalidades do PBF, no âmbito da Assistência Social.

Em direção a respostas científicas, este capítulo final busca fazer uma leitura dos dados conclusivos de pesquisas empíricas que retratam as orientações político-ideológicas da sociedade brasileira, cujos reflexos incidem nas relações postas a partir da gestão das condicionalidades no âmbito da Assistência Social, entre o discurso oficial do Poder Executivo (responsável pelo PBF), os agentes institucionais (assistentes sociais), e os beneficiários do PBF.

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famílias beneficiárias, sobretudo no momento de aplicação dos efeitos punitivos no caso de descumprimento das condicionalidades do PBF.

Ademais, tendo em vista que “todo futuro contém uma utopia” (SPOSATI,

2010), pretende-se contribuir, a partir do desenvolvimento desta dissertação, no processo que aponta novas possibilidades para além desse modelo condicionado de programa de transferência de renda. Neste caso, o conteúdo ora apresentado visa subsidiar compreensões, decisões e ações concretas de intelectuais, profissionais e gestores engajados na Política de Assistência Social, em direção a um esforço

consciente para mudar a estrutura/“matriz genética” do PBF, especialmente o seu formato que vincula os benefícios monetários ao cumprimento de condicionalidades. Pretende-se, portanto, contribuir ao processo de afirmação e reconhecimento da segurança de renda no âmbito da Assistência Social, dado que ela está ancorada aos princípios constitucionais dessa Política, que preveem sua universalidade e a incondicionalidade. Notar-se-á que a estrutura textual desta dissertação e as inquietações teóricas responsáveis pelo desdobramento do estudo, decorrem de diversas motivações determinantes na escolha dessa temática.

Cabe, no entanto, apontar aqui, e agora em primeira pessoa, que as principais justificativas da materialização do desenvolvimento desta dissertação decorrem das inquietações suscitadas durante a minha trajetória profissional enquanto assistente social de um Centro de Referencia de Assistencia Social (CRAS) da cidade de São Paulo, cuja rotina é marcada por atendimentos diários às famílias beneficiárias dos PTRC e pelo acompanhamento social daquelas em situação de descumprimento das condicionalidades do PBF; destaco, ainda, a vivência e o acúmulo teórico decorrente das atividades intelectuais e produções acadêmicas materializadas na Pós Graduação (lato e stricto sensu) relacionadas às condicionalidades dos programas de transferência de renda, às políticas sociais e à Política de Assistência Social e, por fim, a minha militância política no campo da defesa da Política de Assistência Social, propiciada enquanto membro base do Núcleo Metropolitano de Assistência Social (NUMAS) do Conselho Regional de Serviço Social do estado de São Paulo (CRESS-SP).

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da Política de Assistência Social. Guiados por esses princípios, os procedimentos metodológicos adotados implicam em uma vigilância constante no ato reflexivo, para que as teorias não estejam à revelia com as exigências concretas do assistente social como agente de emancipação. Desse modo, entende- se que

A pesquisa assume, assim, um papel decisivo na conquista de um estatuto acadêmico que possibilita aliar a formação com capacitação, condições indispensáveis tanto a uma intervenção profissional qualificada, quanto à ampliação do patrimônio intelectual e bibliográfico da profissão [...] (SAVIANI, 2009, p. 702).

Os pressupostos teóricos e epistemológicos que orientam o encadeamento das ideias aqui apresentadas reconhecem a importância e validade da articulação entre teoria e prática, de modo que nós, aqui, pretendemos contribuir para a reconstrução crítica das intervenções profissionais dos assistentes sociais, sobretudo os trabalhadores do SUAS, a contribuir, assim, à consolidação de uma nova legitimidade no âmbito da Política pública de Assistência Social.

Parte-se do pressuposto que os direitos sociais somente se consolidarão quando a execução de suas atribuições, bem como a sua regulação, não forem descoladas da realidade social que incidem programas e ações. Por este prisma, a análise teórica aqui empreendida, comprometida com a compreensão da realidade e as avaliações no campo das políticas sociais, assume aspectos centrais na consolidação do acesso às políticas sociais de direito.

Por fim, espera-se com o presente estudo contribuir para as discussões acadêmicas no âmbito do Serviço Social, e engendrar intervenções profissionais e militantes comprometidas com a defesa de direitos sociais, mais específicamente com a

defesa da Segurança de Renda prevista pela Política de Assistência Social. Nesta direção, espera-se que esta dissertação reflita na capacidade de construção e assimilação progressiva de procedimentos técnicos e operacionais da oferta de benefícios sócio-assistenciais comprometidos com os princípios universais e incondicionais da Assistência Social, enquanto política pública, superando a visão que concebe a noção de

assistencialização” das políticas sociais, quando se analisa a oferta dos benefícios

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CAPÍTULO I - O ESTADO PROTETIVO E AS POLÍTICAS SOCIAIS

A estrutura deste primeiro capítulo privilegia a configuração contemporânea das políticas sociais, enfocando seu processo de monetarização via benefícios no formato de programas de transferência de renda condicionados (PTRC), tal como o Programa Bolsa Familia (PBF), cujo formato e natureza política decorrem da atual formação e papel do Estado perante a sociedade e as regulações do mercado.

Para se alcançar uma análise que resgate, em partes, a historicidade da configuração das políticas sociais até se chegar à sua objetivação através da disseminação dos PTRC e das ações focalizadas nos mais pobres, este capítulo busca resgatar a gênese da constituição do Estado Capitalista no que se refere à sua dimensão protetiva, sobretudo expressa via oferta de políticas sociais; destaca-se a sua configuração contemporânea relacionada ao atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e de acumulação do capital, marcadas por relações mercantilizadas em

todos os âmbitos da vida social, e “mecanismos pró-mercado” (LAVINAS, 2012) que,

por sua vez, rebatem diretamente nas propostas de políticas sociais em voga.

A estruturação do capítulo que segue, pretende, portanto, sustentar a superação da imediaticidade em direção à essência do problema apresentado; visa-se superar as

aparências dos debates que amiúde ocorrem sobre PTRC, e que, de modo equivocado, diga-se de passagem, são exaltados pelos governos como ferramenta eficiente no combate e enfrentamento à pobreza, por sua vez associada à Política de Assistência Social.

Imbuídos na ideia de que a interrogação sobre os limites remete sempre às origens, a nossa análise do Estado protetivo relacionada com as políticas sociais amplia o resgate político e econômico que privilegia o arcabouço teórico acerca da configuração contemporânea da formação do Estado capitalista, sobretudo no século XIX; embora muito se localize o Estado protetivo após a década de 40, com os determinantes políticos e econômicos constitutivos dos Estados Sociais chamados Estados de Bem Estar Social ou Estado-Providência, nós também buscamos resgatar a historicidade do seu fundamento, localizado no final do século XV na Europa.

Nota-se que o Estado protetivo aqui mencionado se refere a um lócus concreto,

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social se situa na Europa no final do século XV; que de lá para cá, ele se expandiu no espaço até cobrir todo o planeta no final do século XIX; e que ainda engloba a terra

inteira.” (WALLERSTEIN, 1995, p. 18). Nesse sentido, o Estato protetivo acompanha a evolução da estrutura social a partir da organização das relações entre os indivíduos e sua decomposição social.

Para essa viagem histórica no tempo é necessário reconhecer que a localizada gênese desse sistema social, segundo os autores Rossanvallon e Wallerstein, não havia se transformado em mercadoria, pois que, como dizem, eram aqueles tempos sem mercados, ainda que houvesse cadeias mercantis. Sobre isso, Wallerstein (1995, p. 33) afirma que: “a transnacionalidade das cadeias mercantis descreve tanto o mundo capitalista do século XVI quanto o do século XX”; nessa linha, o autor é emblemático ao apreender um rearranjo permanente da “reestruturação geográfica do sistema

mundo capitalista” (Idem, ibid.)1.

Tendo em vista a recorrente associação da gênese dos Estados Sociais com o século XIX, sobretudo a partir da década de 40, na Europa, entende-se necessário neste estudo tornar mais precisas as análises dos processos constitutivos dos Estados Sociais. Para tanto, busca-se situar fatos empíricos, que associados às indagações teóricas balizam a indicação do século XV como gênese e/ou fundamento do Estado Protetivo.

Dada a “fragilidade” desta proposição e em busca de sua sustentação teórica, Pierre Rosanvallon, em sua obra “A crise do Estado-Providência”, afirma que:

Não é o capitalismo, com suas contradições e sua ‘lógica’, com a luta de classes que o acompanha, que dá a chave da força do Estado-providência. A explicação está em outro fator: no próprio movimento do Estado-nação moderno. Vou esclarecer esta hipótese formulando duas proposições: 1º- O Estado-providência do século XX é um aprofundamento e uma extensão do Estado-protetor ‘clássico’.

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2º- O Estato-protetor define o Estado moderno como forma política específica (ROSANVALLON, 1997, p. 20).

Tal como esse autor, compactua-se com a ideia de que as análises das políticas sociais devem considerar as limitações científicas quando realizadas a partir de uma

interpretação e leitura histórica demasiada “curta”; assim ele afirma: “Por leitura curta,

entendo o fato de situar seu desenvolvimento em relação aos movimentos do capitalismo e do socialismo nos séculos XIX e XX” (ROSANVALLON, 1997, p. 18).

Desse modo, para compreender as problematizações que esta dissertação visa responder, faz-se necessário ponderar que os posicionamentos teóricos que seguem vão ao encontro do que se afirma na seguinte citação:

Ler o Estado-providencia como um sucedâneo de socialismo, um meio-caminho entre o capitalismo e o socialismo que definiria o lugar da tentativa social-democrata, ou como um movimento compensador destinado a corrigir os desequilíbrios econômicos e sociais do capitalismo, não é, afinal muito esclarecedor. Em ambos os casos, com efeito, o que se faz é apenas remeter a dinâmica do Estado-providência para a do capitalismo. [...] Não é o capitalismo, com suas contradições e sua lógica, com a luta de classes que o acompanha, que dá a chave da força do Estado-providência. A explicação está em outro fator: no próprio movimento do Estado-nação moderno. (ROSANVALLON, 1997, p. 18, grifo nosso).

Esta compreensão histórica é necessária, pois, embora as políticas sociais contemporâneas sejam decorrentes de um ciclo que se iniciou mais recentemente, após a crise de 1929, sobretudo com a configuração do que Rossanvallon (1997) denomina por Estado-Providência, seus primórdios e princípios (fundamentos) acompanham a formação deste sistema, cuja gênese, como vimos, está localizada no final do século XV. Frente a essa processualidade histórica do protetivo para o Estado-providência, o autor se questiona e mesmo responde:

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É este entendimento, que busca resgatar a historicidade da dimensão protetiva do Estado para além dos marcos do capitalismo do século XIX2, que embasa outro importante posicionamento que consideramos necessário demarcar nesta dissertação; este se refere à concepção da relação que se estabelece entre Estado, mercado e políticas sociais. Neste caso, tal como aponta Sposati, consideramos que:

É preciso tornar claro que não parto da concepção da política social como mera estratégia do capital sobre o trabalho e via de mão única. A complexidade histórica exige a incorporação das lutas travadas entre sujeitos sociais representantes de interesses de classes, mesmo que as forças contra hegemônicas possam oscilar, sob diferentes conjunturas, em seu protagonismo para configurar as políticas sociais públicas. Não enxergo ou conceituo uma política social sob a leitura de uma armadilha do capital sobre o trabalho. Ainda que, na sociedade de mercado, ocorra a hegemonia de interesses do capital, nela ocorre, também, a contra-hegemonia do trabalho e das forças sociais que lutam por novos ganhos na agenda do Estado, incluindo novas responsabilidades públicas em direção à consolidação de seus direitos. A política social é uma construção histórica e, como tal, não está fadada a ser capturada por um dos lados em que se posicionam os sujeitos sociais históricos, mas sim, e desde que colocada em contexto democrático, em ter disputados seus meios e fins entre os projetos sociais desses sujeitos conscientes e ativos (SPOSATI, 2011, p. 105).

Pode-se dizer que a expansão do sistema capitalista por todo o planeta, a partir do século XIX, teve sua constituição e transformação decorrente e influenciada pelo aprofundamento da concepção do Estado-protetor clássico, que surgiu concomitante com a formação do Estado Moderno, ainda no século XV.

A importância de tal compreensão se assenta no fato desta acarretar um desencontro com as análises teóricas das políticas sociais enquadradas numa visão

estritamente marxista, cujos rebatimentos na noção de “assistencialização” das políticas

sociais, expressos por autores no campo do Serviço Social, serão explorados no capítulo seguinte. Faz-se necessário apontar que a critica à leitura estritamente marxista das políticas sociais aqui realizada, sobretudo da Política de Assistência Social, não desconsidera o legado do Método Materialista Histórico Dialético, empregado no desenvolvimento desta dissertação. Ademais, a contribuição de tal método na leitura do

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impulso mercantilizador do sistema capitalista é possível de ser apreendida pelo desenvolvimento da teoria econômica marxista.

1.1Elementos fundantes da reconfiguração das políticas sociais

Considera-se relevante constatar, dada a temporalidade histórica, e com vistas num presente recente – marcado por fenômenos sociais e econômicos típicos de momentos de crise –, que o desenvolvimento das políticas sociais no interior da expansão do capitalismo acompanha os períodos de crises constantes e cíclicas, bem como tempos de guerra; são estas situações, portanto, inerentes ao processo de reprodução do sistema capitalista. Este entendimento permite reconhecer que as transmutações das políticas sociais têm sido impulsionadas em momentos de crises do sistema capitalista, sejam elas sociais, econômicas ou internacionais, bem como da presença de guerras. Sobre este contexto, Rosanvallon afirma que

A experiência da guerra é particularmente significativa. Tudo se passa durante e no fim desses períodos, como se tivesse havido um ato de refundação social e, portanto, de reafirmação, sempre mais acentuada, da natureza do Estado protetor/providência (ROSANVALLON, 1997, p. 24).

Nota-se que o contrato entre Estado e indivíduos é reafirmado em tempos de crises e/ou guerras; sobre isto, a afirmação de Netto (informação verbal)3 de que “a indústria bélica sempre foi central para o desenvolvimento do capitalismo” reitera o

reconhecimento da processualidade mutante das configurações das políticas sociais, historicamente demarcadas nesses períodos.

Os períodos históricos da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foram notadamente assinalados por um maior intervencionismo econômico e social do Estado perante a sociedade. Sustenta-se, então, que os períodos marcados pelo “Warfare State” acompanham o desenvolvimento do “Welfare State”, uma vez que nos períodos

conturbados, de multiplicação dos riscos existentes em todos os aspectos, os mecanismos de segurança se desenvolvem. Rosanvallon (1997, p. 25) ilustra este

cenário quando diz que “todo o problema da dívida contraída para com as vítimas de guerra, teve decisivo papel histórico na criação dos sistemas de proteção social”.

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As ditas “crises” são denominadas por Netto (1992) como “cíclicas” ou “sistêmicas”; o terreno das crises sistêmicas é peculiar ao desenvolvimento do

capitalismo, e a história da humanidade já se deparou pelo menos duas vezes com crises dessa ordem: em 1873 e em 1929. Segundo o autor, as crises sistêmicas se distinguem das crises cíclicas porque não se explicam apenas no nível da produção econômica, dos níveis das taxas de acumulação do capital, mas também através da sua expansão em direção ao campo subjetivo das relações humanas. Nesse sentido, de interferência nos vínculos de solidariedade entre os homens, é que a crise sistêmica se sustenta no campo econômico e cultural. No interior das crises sistêmicas, os homens, absorvidos pela ideologia autojustificada do progresso, não reconhecem os malogros históricos forjados pelo progresso capitalista (Wallerstein, 2001).

Cabe destacar que este processo cíclico de crises está diretamente relacionado com a capacidade de reprodução e reinvenção do sistema capitalista, tal igual a prática

de um “parasita”;

a capacidade surpreendente de ressurreição e regeneração é inerente ao capitalismo. Uma capacidade parecida com a dos parasitas – organismos que se alimentam de outros organismos, estando agregados a outras espécies. Depois de exaurir completa ou quase completamente um organismo hospedeiro, o parasita normalmente procura outro, que o nutra por mais

algum tempo (BAUMAN, 2012)4.

A ocorrência das crises no desenvolvimento do sistema capitalista acontece, segundo Wallerstein (2001), aproximadamente a cada cinquenta anos, quando as conexões nas cadeias mercantis se deparam com a superprodução. Frente a este cenário

de desproporções, “a única solução [...] têm sido crises no sistema produtivo, crises que resultam em uma distribuição mais equilibrada” (Ibid., p. 33).

A previsibilidade inevitável, a temporalidade e a estrutura diversificada de tais crises condicionam a variabilidade da extensão do Estado no campo das regulações sociais, via políticas sociais. Este ponto de vista é reconhecido no texto de Rosanvallon (1997):

Em um contexto de crise, o Estado-providência desempenhou contudo um papel positivo. Contribuiu para amortecer os efeitos da crise, de tal sorte que a economia mundial não entrou em uma espiral recessionista tão acentuada quanto a dos anos 30. A propósito, os economistas falam com acerto de

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função anticíclica dos sistemas de proteção social: o seguro-desemprego, praticamente inexistente em 1930, evita desde então que a demanda seja interrompida quando o emprego diminuiu; os rendimentos sociais injetam na economia uma massa de poder de compra relativamente independente dos acasos da conjuntura. (Ibid., p. 7, grifo nosso).

É necessário apontar que as crises carregam em comum o fato de acirrarem, a cada período, o processo de polarização de acumulação de capital, acarretando, consequentemente, na expansão de piores condições de vida à humanidade. A natureza de acumulação do sistema se assenta desta maneira:

Acumula-se capital para que se possa acumular mais capital. Os capitalistas são como ratos brancos em uma roda de gaiola, correndo cada vez mais rápido para poder correr cada vez mais rápido. Nesse processo, algumas

pessoas vivem bem, mas outras vivem miseravelmente [...]

(WALLERSTEIN, 2001, p. 38).

Este processo de expansão de um conjunto de regras de acumulação incessante do capital é acompanhado por manifestações na sociedade de uma série de expressões

da “questão social”5; isso ocorre justamente porque a dinâmica do funcionamento do sistema capitalista carrega consigo uma dimensão destrutiva, cujo impacto sobre o

conjunto da sociedade faz com que se crie “condições às quais os outros foram forçados

se adaptar ou cujas consequências passaram a sofrer” (Ibid., p. 18).

Diante desta processualidade, a última crise de 2008 acentua uma realidade social marcada pela não redução da polarização global do sistema; o que se evidencia, então, é que as desigualdades sociais têm aumentado ao longo da história. Como se vê:

Nas últimas duas décadas, os 20% mais ricos da população mundial receberam mais de 70% da renda global, enquanto os 20% mais pobres receberam apenas cerca de 2%”. Com o atual ritmo seriam necessários cerca de três séculos para que os bilhões de pobres atingissem 10% da renda mundial (ORTIZ E CUMMINS, 2011; apud OIT-A, 2011, p. 23).

Dados do relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que atualmente:

Cerca de 5,1 bilhões de pessoas, 75% da população mundial, não estão cobertos por um sistema adequado de Seguridade Social (OIT) e 1,4 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1.25 por dia (Banco Mundial).Trinta e oito por cento da população global (2,6 bilhões de pessoas) não têm acesso a saneamento básico e 884 milhões de pessoas não dispõem de fontes adequadas de água potável (UN-HABITAT); 925 milhões sofrem de fome

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crônica (FAO); cerca de 9 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morrem todos os anos como vítimas de doenças evitáveis (UNICEF e OMS); 150 milhões de pessoas sofrem anualmente catástrofes financeiras e 100 milhões de pessoas são empurradas para baixo da linha de pobreza quando obrigadas a pagar pelos cuidados de saúde (OMS). (OIT, 2011, p. 6).

Observa-se que as consequências e sequelas das crises e guerras inerentes ao processo de reprodução do capitalismo orbitam os fatos e acontecimentos históricos, sobretudo no âmbito da capacidade protetiva do Estado e das políticas sociais; aponta-se, deste modo, a relação factual entre tempos de crises do modo de produção, de regulação capitalista e de configuração das políticas sociais.

Os tempos, portanto, neste início de terceiro milênio, são de incerteza, em que se nota particularmente em uma das contradições do Estado capitalista: no fato de que este se dispõe a realizar transferência de renda para os mais pobres fora da relação de trabalho, ao mesmo tempo em que articula mecanismos massivos de concentração de renda e de contínua reprodução da pobreza e da desigualdade; é esta, pois, uma contradição com o próprio discurso das políticas sociais implantadas.

Neste marco, as políticas sociais universais simbolizam mais conceitos do que realidade, expressando o que Iamamoto (2003, p. 91) chama de contradição inevitável

da sociedade do capital marcada pelo “discurso da igualdade e a realização da desigualdade.”

Estes novos tempos reafirmam, pois, que a acumulação de capital não é parceira da equidade, não rima com igualdade. Verifica-se o agravamento das múltiplas expressões da Questão Social, base sócio-histórica da requisição social da profissão. A linguagem de exaltação do mercado e do consumo, que se presencia na mídia e no governo, corre paralela ao processo de crescente concentração de renda, de capital e de poder. Nos locais de trabalho, é possível atestar o crescimento de demanda por serviços sociais, o aumento da seletividade no âmbito das políticas sociais, a diminuição dos recursos, dos salários, a imposição de critérios cada vez mais restritivos nas possibilidades da população ter acesso aos direitos sociais, materializados em serviços sociais públicos (Ibid., p.18, grifo nosso)

Atualmente vivemos em um período de crise do capital, porém, sua proporção e extensão levam autores, como Netto (2012), a afirmarem que estamos na iminência de uma crise sistêmica sem precedentes na história da humanidade. Fato é que o impacto desta crise na configuração das políticas sociais contemporâneas se manifesta por sua faceta cada vez mais mercadorizada. Como mostra Lavinas:

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serviços universais, passou-se transferir recursos monetários para que os grupos extremamente pobres administrassem seus riscos. Após a crise financeira internacional de 2008 essa proposta recebeu upgrade e passou a ser denominada de Social Protection Floor – Piso de Proteção Social (LAVINAS, 2012, p.1).

A compreensão das políticas sociais contemporâneas – marcadas pela sua mercadorização e expressas pelo predomínio dos PTR –, deve ser enfocada à luz da realidade social; é esta, por sua vez, marcada pela polarização das desigualdades sociais, dado que problematiza o reconhecimento de que as políticas sociais não estão descoladas da historicidade da dinâmica da realidade social. A configuração e definição dessas políticas estão atreladas à formação econômica, social e política que cada sociedade alcança. Como coloca Faleiros (1980, p. 55): “Se há um campo onde se torna

necessário considerar o movimento real e concreto das forças sociais e da conjuntura é o da política social”.

No entanto, alertamos, esta leitura deve ser feita com as mediações cabíveis para que não nos equivoquemos ou nos seduzamos com a noção de “assistencialização” das

políticas sociais. Será isso tema do Capítulo do 2. A seguir, discutimos certas mediações protetivas no âmbito do Estado e do modo de produção capitalista.

1.2O Estado e o capitalismo: mediações protetivas

O entendimento histórico da realidade implica reconhecer que o predomínio dos programas de combate à pobreza no cenário global de políticas sociais – que abarcam os PTRC – está em consonância com o atual período de crise sistêmica. Lavinas, ao abordar a processualidade da configuração das atuais políticas sociais, afirma que

parece claro que a crise de 2008 deu fôlego novo e legitimidade a um projeto que carecia de justificativas consistentes para se tornar hegemônico e oportuno [...]. Multiplicam-se, assim, os mecanismos pró-mercado através da disseminação dos programas de garantia de renda mínima focalizados nos mais pobres (LAVINAS, 2012, p. 2-3).

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Tal como se viu acima, a previsibilidade inevitável, a temporalidade e a estrutura diversificada das crises condicionam a variabilidade da extensão do Estado no campo das regulações sociais, via políticas sociais. Isto implica reconhecer que, tal como as crises e as guerras acompanham o desenvolvimento do sistema capitalista, a instituição Estado também, pois que é elemento central deste processo de desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista. Alguns autores, como Habermas (1964), sustentam que a existência da instituição Estado tem uma finalidade própria de evitar ou amenizar os impactos das crises inerentes ao sistema.

Sobre essa discussão, torna-ne imprescindível apontar que este estudo, em seus referenciais teóricos, compactua com o entendimento que reconhece a presença das crises do sistema como indicativo de crise de um determinado tipo de Estado, mas não o seu fim. Deste modo:

por crise do Estado entende-se, da parte de escritores conservadores, crise do Estado democrático, que não consegue mais fazer frente às demandas provenientes da sociedade e por ele mesmo provocadas; da parte de escritores socialistas ou marxistas, crise do Estado capitalista, que não consegue mais dominar o poder dos grandes grupos de interesse em concorrência entre si. Crise do Estado quer, portanto dizer, de uma parte e de outra, crise de um determinado tipo de Estado, não o fim do Estado. Prova disso é que retornou à ordem do dia o tema de um novo “contrato social”, através do qual dever-se-ia precisamente dar vida a uma nova força de Estado, diverso tanto do Estado capitalista ou do Estado de injustiça, quanto do Estado socialista ou Estado de não-liberdade (BOBBIO, 1986, p. 126).

As duas abordagens, próprias à temática e, portanto, objeto de estudo desta dissertação, a sociológica e a jurídica, reconhecem, no âmbito teórico e conceitual, a presença do Estado. Ademais, as políticas sociais, historicamente, são geridas na relação com o aparato estatal, seu conteúdo representa movimentos pendulares entre ações restritivas ou universalizantes, no entanto, estão sempre vinculadas aos poderes estatais e com a movimentação da sociedade civil6.

Enfrenta-se aqui um dilema metodológico e teórico, pois, de um lado, entende-se que o Estado é a única instituição possível de reconhecer e assegurar o direito dos indivíduos à proteção, considerando sujeitos políticos os indivíduos portadores de direitos. De outro lado, esta concepção positiva do Estado requer reconhecer o entrave da adoção do Método Materialista Histórico e Dialético (MHD), teoria social que, pelo prisma marxista de análise, sustenta o advento de uma sociedade sem Estado:

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O Estado nasceu da divisão da sociedade em classes contrapostas por efeito da divisão do trabalho, com o objetivo de consentir o domínio da classe que está em cima sobre a classe que está embaixo; quando em seguida à conquista do poder por parte da classe universal (a ditadura do proletariado), desaparecerá a sociedade dividida em classes, desaparecerá também a necessidade do Estado. O Estado se extinguirá, morrerá de morte natural, pois não será mais necessário (BOBBIO, 1996, p. 132).

Entende-se que, se essa é a direção, o processo histórico que se põe na conjuntura do presente exige trabalhar com as forças em movimento. Nesse sentido, o reconhecimento dos direitos pelo Estado é condição para a identidade pela igualdade entre os cidadãos.

O funcionamento do Estado na oferta de políticas sociais, bem como suas alterações, são influenciados por períodos de crise e de guerra, de modo que sua retração ou expansão estarão sempre comprometidas com a manutenção do status quo;

isso porque, segundo a abordagem marxista de Estado, este é unicamente compreendido como aparelho de dominação a serviço da burguesia, em convergência com os princípios de acumulação progressiva do capital .

Para Marx, de fato, o aparecimento do comunismo está ligado ao desaparecimento do Estado, pois que em uma sociedade na qual as relações econômicas e sociais são igualitárias, não manifesta-se a necessidade de uma máquina para redistribuir renda. Neste caso, o social deixaria de ser exterior ao econômico e a solidariedade seria imediatamente expressa pela existência de relações sociais do tipo comunitário (ROSANVALLON, 1997).

Quanto à teoria marxista e sua relação com o Estado, Bobbio afirma que:

Esta teoria é talvez a mais engenhosa das que defendem o ideal da sociedade sem Estado, mas nem por isso é menos discutível: tanto a premissa maior do silogismo (o Estado é um instrumento de domínio de classe) quanto a premissa menor (a classe universal está destinada a destruir a sociedade de classes) não tem resistido à aquele formidável argumento fornecido, como diria Hegel, pelas “duras réplicas da história” (BOBBIO, 1986, p.132).

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gênese de sua existência não exatamente no período de expansão da civilização capitalista, mas no processo evolutivo dos homens na sociedade, regida por leis humanas em detrimento de suas paixões; porquanto é nessa história, anterior às regulações econômicas e sociais provenientes da formação capitalista, datadas no século XVIII, que reconhecemos relativa importância do Estado na configuração do social, até os nossos dias.

O Estado, entendido enquanto instituição provedora de proteção, vetor de cidadania, também ganha centralidade nesta reflexão, considerando-se o período posterior à Segunda Guerra Mundial; certos autores aqui referenciados, cuja reflexão parte desse período, assumem uma dada postura teórica que reconhece o efeito civilizatório (preferencialmente com traços universalistas e incondicionais) do capitalismo, capaz de prover certos bens e serviços através de políticas sociais comprometidas em proteger o cidadão. Nota-se que este posicionamento é contrário à interpretação marxista de Estado, visto que esta entende o Estado a partir de suas intervenções e propósitos, como instituição, cujos benefícios e serviços públicos são estritamente funcionais aos princípios da exploração e da servidão dos interesses de acumulação de capital.

A adoção do Estado numa acepção positiva se sustenta na ideia de que a regulação das relações entre os homens depende de uma instância superior, por eles representados como figura de governante, que rege os interesses coletivos. Neste caso, evidencia-se a figura do “Estado eudemonológico”, cuja finalidade é a felicidade de

seus próprios súditos.

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contraste entre as paixões dos homens e a frieza das leis conduzirá ao tópos não menos clássico da lei identificada com a voz da razão (BOBBIO, 1986, p. 96, grifo nosso).

Pode-se dizer que a concepção racional de Estado, aqui reconhecida, implica em considerá-lo numa esfera oposta às paixões humanas; essa concepção positiva do Estado está relacionada com a ideia de mau ou bom governo de Platão e com a dicotomia entre governo de homens e de leis, posta por Aristóteles. Nessa ambiência:

[...] o Estado é, se não o máximo bem, uma instituição favorável ao desenvolvimento das faculdades humanas, ao progresso civil, uma civil society no sentido setecentista do termo – será induzido a esperar não o fim do Estado, mas a gradual extensão das instituições estatais (in primis, do monopólio da força mesmo que controlado por organismos democráticos) até a formação do Estado universal. De fato, a utopia do Estado Universal teve seus defensores tanto quanto a do fim do Estado (BOBBIO, 1986, p. 127).

Este Estado, tal como na definição de Bauman (2013, p. 25), pode ser

classificado como “social” por promover “o princípio da comunalidade endossada, do

seguro coletivo contra o infortúnio individual e suas consequências”. Deste modo, Na direção desta renovação, o órgão máximo só pode ser a consciência coletiva: o Estado. O fenômeno econômico compete à autoridade central do Estado, como personificação integral da ética humana, das inoculações cada vez mais energéticas de fator moral, constrições e correções que purificam a atividade econômica e a riqueza, e as canalizam para objetivos mais elevados. Compete ao Estado intervir e corrigir, introduzindo um mínimo ético cada vez mais alto, no fenômeno econômico, dirigindo de dentro e de fora, o árduo equilíbrio das permutas para um regime de colaboração, que não é apenas compensação, mas compreensão de egoísmos; não apenas coordenação, mas fusão num organismo econômico universal (UBALDI, 2010, p. 434).

Neste sentido, o impulso mercantilizador do sistema capitalista e sua

“individualização por decreto” (BAUMAN, 2013) apenas serão amenizados quando houver uma intervenção institucional do Estado.

Este posicionamento, ancorado a uma acepção positiva do Estado, o reconhece enquanto instituição provedora de seguranças sociais, afiançadas a partir das demandas postas pela sociedade. Nesse sentido, considerar esse movimento histórico implica

reconhecer que “a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos

econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de

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ou podem ter adotado, regras que de algum modo influenciam as opções econômicas e

os cálculos sobre os lucros” (WALERSTEIN, 2001, p. 20), a “frear”, possivelmente, o impulso mercantilizador e individualizador das relações gestadas pela dinâmica da esfera econômica capitalista.

Esta interpretação elástica das funções do Estado, conforme seus objetivos intrínsecos de assegurar o bem estar coletivo, vão ao encontro da seguinte ideia:

[...] As políticas sociais são concessões/conquistas mais ou menos elásticas, a depender da correlação de forças na luta política entre os interesses de classes sociais e seus segmentos envolvidos na questão. No período de expansão, a margem de negociação se amplia; na recessão, ela se restringe. Portanto, os ciclos econômicos, que não se definem por qualquer movimento natural da economia, mas pela interação de um conjunto de decisões ético-políticas e econômicas de homens de carne e osso, balizam as possibilidades e limites da política social (BEHRING, 2009, p. 304, grifo nosso).

Tal interpretação das relações estabelecidas entre Estado, sociedade e mercado, segundo Bobbio (1996), se assenta na visão das teorias sistêmicas; o autor, assim, pontua que:

[...] Nas mais recentes teorias sistêmicas da sociedade global, a sociedade civil ocupa o espaço reservado à formação das demandas (input) que se dirigem ao sistema político e às quais o sistema político tem o dever de responder (output): o contraste entre sociedade civil e Estado põe-se então como contraste entre quantidade e qualidade das demandas e capacidade das instituições de dar respostas adequadas e tempestivas (Ibid, p. 36).

A formação de demandas postas pela sociedade é responsável, então, por movimentar o Estado em direção ao atendimento das necessidades humanas historicamente construídas; nesse sentido, numa primeira aproximação, pode-se dizer que a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver, seja através da mediação ou da repressão, conforme assinala o autor.

É no interior do campo de conflitos e disputas de interesses que emergem as atribuições das políticas sociais, representando o papel de mediador protetivo, diante à tarefa de solucionar e responder as demandas levantadas pela sociedade civil, “frente à

máquina desestabilizadora do capitalismo” (LAVINAS, 2012). Ancorados nesta

perspectiva de movimento histórico da realidade social, e sob este prisma, “os direitos

sociais são, por assim dizer, a manifestação tangível, ‘empiricamente dada’, daquela

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enraizando a imaginação no solo fértil da experiência da vida diária” (BAUMAN, 2013, p. 23).

Entender o Estado e sua relação com a sociedade civil por este prisma dialético e dialógico implica assumir um ponto de vista específico de representação do Estado, denominado sistêmico. Segundo Bobbio (1986), a representação sistêmica do Estado é combatível entre as duas principais teorias gerais da sociedade, denominadas funcionalismo e marxismo7, e assim se caracteriza:

A relação entre o conjunto das instituições políticas e o sistema social no seu todo é representada como uma relação demanda-resposta (input-output). A função das instituições políticas é a de dar respostas às demandas provenientes do ambiente social ou, segundo uma terminologia corrente, de converter demandas em respostas. As respostas das instituições políticas são dadas sob a forma de decisões coletivas vinculatórias para toda a sociedade. Por sua vez, estas respostas retroagem sobre a transformação do ambiente social, do qual, em sequência ao modo como são dadas as respostas, nascem novas demandas, num processo de mudança contínua que pode ser gradual quando existe correspondência entre demandas e respostas, ou brusco quando por uma sobrecarga das demandas sobre as respostas interrompe-se o fluxo de retroação e as instituições políticas vigentes, não conseguindo mais dar respostas satisfatórias, sofrem um processo de transformação que pode chegar à fase final de completa modificação. [...] a representação sistêmica do Estado deseja propor um esquema conceitual para analisar como as instituições políticas funcionam, como exercem a função que lhes é própria, seja qual for a interpretação que delas se faça (BOBBIO, 1986, p. 60, grifo nosso).

Considera-se aqui que é possível construir caminhos para a ampliação da cidadania nos marcos do sistema capitalista, específicamente quando se trata dos

modelos de proteção social não contributivos, tal como a política pública de Assistência Social, que será detalhada no próximo capítulo. Nota-se que o processo de legitimidade e reconhecimento da atribuição protetiva do Estado, independente de contribuição prévia na forma de seguro,

exprime germinações ideológicas favoráveis à classe trabalhadora. [...] esta ampliação da cidadania não encontra identificação com o que a tradição marxista chama de “Reino da Liberdade”, mas é considerada como uma mediação possível no percurso da transformação da sociedade (AMORIM, 2011, p. 62).

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Um exemplo objetivo da citação “mediação possível no percurso da

transformação da sociedade” se encontra na consolidação do Estado-providência, como afirma Lavinas (2012, p. 1):

Nas suas trocas epistolares, notadamente em 1942, Beveridge e Keynes (Harris, 1997)8 forjaram a “dobradinha” mais exitosa do século XX ao contribuirem reciprocamente para o desenho e justificativa do que viria a ser o modelo de regulação social por excelência do regime de acumulação fordista, vislumbrando não apenas sua complementaridade senão sua eficácia para contrarrestar a incerteza e a instabilidade econômica, ambas fonte de profunda insegurança socioeconômica para famílias e indivíduos e ameaça ao próprio sistema.

Esse período histórico ficou conhecido como anos gloriosos e dourados do capitalismo, visto que seu crescimento econômico (modelo fordista de produção) foi combinado com um notável desenvolvimento do Estado de bem estar (Keynes). O capitalismo nesta fase humanizadora adotou o amadurecimento através de políticas econômicas, visando pleno emprego e políticas sociais, tidas como instrumentos para lidar com as disfunções decorrentes da economia de mercado, servindo como base de apoio e complemento ao crescimento econômico. O avanço no campo protetivo do Estado se materializou através da legitimidade da concepção dos direitos sociais em uma perspectiva universal, ou seja, o princípio de Seguridade Social (independente de contribuição) prevaleceu diante o princípio de Seguro Social (mediante contribuição). Neste momento, o pacto de solidariedade compartilhada por toda a sociedade se amplia e a Seguridade Social ultrapassa o campo individual e passa ser interesse de

todos.

Apesar do crescimento econômico alcançado, os Estados constituíram seus modelos de Bem Estar Social de maneiras distintas, face às particularidades históricas, políticas, culturais e sociais presentes em cada sociedade. Não são poucos os autores que se dedicam a estudar as tipologias e especificidades de cada modelo de Welfare State; Titmuss (1976) reconhece a existência de três categorias: Welfare social, Welfare ocupacional e Welfare fiscal9; Esping-Andersen (1991) é outro autor que encara as diferenças entre as políticas sociais e distingue o Welfare State em três regimes,

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localizando a prestação de serviços e benefícios por parte do Estado Social em distintas vertentes, sendo elas: liberal, conservador/corporativista, e social-democrata10·.

Nota-se que os distintos regimes do Welfare State propostos, e acima apresentados, foram polemizados por vários autores, mas, de todo modo, ainda que refutáveis por alguns, são referências para entender que o Welfare State não é um modelo monolítico; em outras palavras, de acordo com as forças sociais, políticas e econômicas de cada país, ele ganha contornos particulares.

As estratégias keynesianas contextualizadas sob o pacto fordista, como exposto acima, se destacaram pela opção da recorrência da política social como base de apoio e complemento ao crescimento econômico, bem como instrumento destinado a recuperar as perdas do sistema capitalista. Lavinas classifica este período histórico como uma:

Inovação genial, cuja lógica assentou-se na dissociação entre bem-estar individual e rendimentos do trabalho ou de ativos, logo, na desvinculação entre renda individual e dinâmica econômica, de modo a manter a demanda agregada em nível satisfatório, notadamente em épocas de retração da atividade econômica. Um patamar mínimo de renda deveria, portanto, ser garantido a todos, independentemente do valor de seu trabalho ou propriedades, e caberia ao Estado assegurar tal patamar, além de garantir que todos os cidadãos, sem distinção de classe ou status, tivessem a possibilidade de ter acesso ao melhor padrão possível de um conjunto de serviços considerados indispensáveis (Briggs, 1969)11. Pela primeira vez, o direito a benefícios sociais e proteção estende-se, portanto, ao conjunto da população e não apenas aos contribuintes, peça-chave do modelo bismarkiano pregresso, nem àqueles cuja sobreviência mostra-se ameaçada (Lei dos Pobres). (LAVINAS, 2012, p.1, grifo nosso).

O padrão deste modelo de regulação social, viabilizado a partir da consolidação de novos direitos sociais, foi responsável por um dos cenários societários mais democráticos que a organização dos homens em sociedade conseguiu atingir.

Nota-se que a análise sobre uma democracia implica reconhecer que uma democracia considerada somente a partir do âmbito político se torna insuficiente, ou seja, a democratização implica na expansão dos direitos para além dos direitos políticos, sendo pertinente neste trabalho considerar a consolidação e expansão dos direitos sociais como um mecanismo a favor da democratização das sociedades. Porquanto uma coisa é a democratização da direção política, outra coisa é a democratização da sociedade. Deste modo:

10 No primeiro caso as políticas são dirigidas aos mais pobres, portanto mais focalizadas, e incentiva soluções via mercado; no segundo caso a eficiência do mercado é secundária e o Estado interfere quando a capacidade protetiva da família não se cumpre, por fim o regime social-democrata é fundado no universalismo e na desmercadorização das políticas sociais. Neste modelo se exclui o mercado.

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