no Brasil. Se por um lado pode-se afirmar que sobre tal fato incide o Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISS), por outro pode-se dizer que a incidência correta
é a do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Ou,
até mesmo, pode-se afirmar que não há a incidência de nenhum dos dois impostos,
sendo o download de software uma hipótese de não incidência de ISS ou ICMS.
A questão diz respeito ao enquadramento do download de software no conceito
de “serviços de qualquer natureza”, que daria ensejo à incidência do ISS com base no
item 1.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, que seria reproduzido em
uma lei ordinária municipal ou distrital; ou no conceito de “operação de circulação
de mercadoria”, que daria ensejo à incidência do ICMS com base no artigo 2º, I,
da Lei Complementar nº 87/96, reproduzido atualmente nas legislações estaduais e
distrital. Caso não seja possível enquadrar o download de software em nenhum dos
dois conceitos, a hipótese seria de não incidência.
A Lei nº 9.609/1998, popularmente conhecida como “Lei do Software”, define
o que vem a ser a definição de programa de computador (software) para o Direito
brasileiro.
“LEI Nº 9.609, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998. Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”
A mesma lei determina que o uso de programa de computador será feito através
da celebração de contrato de licença.
“LEI Nº 9.609 , DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998. Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.”
É com base no artigo 9º da referida lei que os consumidores usualmente utilizam
os programas de computador, ou seja, celebrando contratos de licenciamento de uso
de programa de computador (software).
É possível, da mesma maneira, celebrar contrato de cessão de direito de uso de
software, com fundamento no artigo 49 da Lei nº 9.610/1998.
“LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998. Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: (...)”
O posicionamento pela incidência do ISS sobre o download de softwares é defendido
por diversas municipalidades brasileiras, citando-se, a título de exemplo, os Municípios
do Rio de Janeiro e de São Paulo como capitais que defendem a incidência.
O entendimento do Município do Rio de Janeiro resta expresso no artigo 15 da
Instrução Normativa SMF Nº 16 de 02 de julho de 2012:
computador é fato gerador do ISS, nos termos do subitem 1.05 do art. 8º da Lei nº 691/1984, com alterações da Lei nº 3.691/2003 § 1º A circunstância de o software, padronizado ou personalizado, estar contido em CD-ROM ou qualquer outro meio físico ou, ainda, de ser transferido por meio de download eletrônico, não descaracteriza a prestação do serviço referido no caput.”
Já o posicionamento do Município de São Paulo foi manifestado pelos artigos 1º
e 2º do Parecer Normativo SF nº 01 de 18 de julho de 2017.
“PARECER NORMATIVO SF Nº 1 DE 18/07/2017. Art. 1º O Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, por meio de suporte físico ou por transferência eletrônica de dados ("download de software"), ou quando instalados em servidor externo ("Software as a Service - SaaS"), enquadra-se no subitem 1.05 da lista de serviços do "caput" do artigo 1º da Lei nº 13.701 , de 24 de dezembro de 2003. Parágrafo único. O enquadramento a que se refere o "caput", no tocante ao SaaS, não prejudica o enquadramento de parte da sua contratação nos subitens 1.03 e 1.07 da lista de serviços do "caput" do artigo 1º da Lei nº 13.701, de 2003. Art. 2º O enquadramento tratado no artigo 1º deste parecer normativo independe de o software ter sido programado ou adaptado para atender à necessidade específica do tomador ("software por encomenda") ou ser padronizado ("software de prateleira ou 'off the shelf'").”
É importante que se ressalte que ambos os Municípios, assim como todos os outros
que entendem pela incidência do ISS, apenas consideram que há ocorrência do fato
gerador caso haja prestação onerosa de serviço, ou seja, caso haja um preço pela
prestação do serviço. Serviços gratuitos não são tributáveis pelo ISS, desta maneira
não há que se falar em incidência deste imposto pelo licenciamento ou cessão gratuita
de direito de uso de programas de computação.
A doutrina é clara quanto à não incidência do ISS em caso de prestação de serviço
gratuito.
“São irrelevantes os serviços prestados gratuitamente, a título de colaboração, ou aqueles prestados por servidores públicos e, ainda, por aqueles que mantêm vínculo empregatício. Apenas o serviço oneroso, ou seja, aquele prestado mediante remuneração é relevante, normalmente, a cargo de uma empresa, ou de um profissional autônomo.”1
Desta forma, nem mesmo as municipalidades ousam cogitar a incidência do ISS
sobre o download de software quando feito de forma gratuita.
O que se põe em questão é analisar se é possível subsumir o download de software,
quando feito mediante pagamento de um preço, aos dispositivos da legislação do ISS.
Em se tratando o download de software de um licenciamento ou cessão de direito
de programa de computação, resta perfeitamente compatível tal fato jurídico com o
item 1.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
“LISTA DE SERVIÇOS ANEXA À LEI COMPLEMENTAR Nº 116, DE 31 DE JULHO DE 2003. 1 – Serviços de informática e congêneres.(....) 1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.”
Ou seja, quanto ao enquadramento do download de software à legislação do ISS,
sem sombra de dúvidas tal enquadramento é possível, sendo este o fundamento do
posicionamento pela incidência do ISS adotado pelas municipalidades.
Dúvida, porém, surge quanto à constitucionalidade do item 1.05 da lista anexa à
LC nº 116/03, posto que o contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso de
software não é um contrato cujo núcleo essencial contenha cláusulas que impliquem
em obrigações de fazer, mas sim de obrigações de dar.
O Supremo Tribunal Federal possuía o entendimento de que para que determinado
contrato seja considerado de prestação de serviço, tal contrato deve conter obrigações
de fazer, não podendo ser considerada prestação de serviço uma obrigação de dar.
Com estas alegações foi editada a Súmula Vinculante nº 31, segundo a qual seria
inconstitucional a incidência do ISS sobre a locação de bens móveis, por violar o
conceito constitucional de serviço.
“STF - SÚMULA VINCULANTE Nº 31. É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis.”
O Supremo Tribunal Federal emanou este entendimento, baseado principalmente
no julgamento do RE 116.121. Cuja ementa está a seguir transcrita:
“TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional.”2
Todavia, o entendimento, segundo sempre foi defendido pelos Municípios e
respectivas procuradorias, está equivocado, já que um contrato com cláusulas de
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 116.121-SP, Tribunal Pleno, Brasília, DF, 11.10.00.obrigação de dar pode perfeitamente ser considerado como uma prestação de serviço,
caso se adote o conceito econômico de serviço.
É justamente com base no conceito econômico de serviço que a União Europeia
considera que o download de software é uma prestação de serviço.
Frisa-se que, para fins do Imposto do Valor Agregado (IVA), a União Europeia
possui diretiva clara no sentido de que considera-se entrega de um bem a transferência
do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário, sendo considerada uma
prestação de serviço qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.
“DIRECTIVA 2006/112/CE DO CONSELHO DA UNIAO EUROPEIA Artigo 14.1. Entende-se por «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário. Artigo 24.Entende-se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.”3
Neste sentido,
levando-se em consideração a origem
histórica do ICMS e do ISS,
que são oriundos da Europa,
devem as autoridades brasileiras
adotar o conceito econômico
de serviço.
A questão não é nova,
tendo sido debatida no Brasil
desde antes da promulgação da
Constituição Federal de 1988.
Houve até mesmo proposição
de emenda ao projeto da
Constituição Federal de 1988
tendo-se adotar o conceito
técnico-jurídico ao invés do
conceito econômico de serviço,
mas a emenda não foi aprovada.
3 UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006. Relativa ao sistema comum
E tal rejeição da emenda que propunha a adoção do conceito técnico-jurídico
de prestação de serviços não foi destoante da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal à época, que considerava a locação de bens móveis uma prestação de serviço.
“TRIBUTÁRIO. ISS NA LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. O QUE SE DESTACA, 'UTILITATIS CAUSA, NA LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS, NÃO E APENAS O USO E GOZO DA COISA, MAS SUA UTILIZAÇÃO NA PRESTAÇÃO DE UM SERVIÇO. LEVA-SE EM CONTA A REALIDADE ECONÔMICA, QUE E A ATIVIDADE QUE SE PRESTA COM O BEM MOVEL, E NÃO A MERA OBRIGAÇÃO DE DAR, QUE CARACTERIZA O CONTRATO DE LOCAÇÃO, SEGUNDO O ARTIGO 1188 DO CÓDIGO CIVIL. NA LOCAÇÃO DE GUINDASTES, O QUE TEM RELEVO E A ATIVIDADE COM ELES DESENVOLVIDA, QUE ADQUIRE CONSISTENCIA ECONÔMICA, DE MODO A TORNAR-SE UM INDICE DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. RECURSO NÃO CONHECIDO.”4
Desta maneira, pode-se afirmar que a intenção do legislador constituinte originário
foi a de adotar o conceito econômico de serviço para fins de ISS. Sendo assim, o
posicionamento das municipalidades é legal e constitucional.
O próprio Supremo Tribunal Federal, após a edição da Súmula Vinculante nº 31,
já adotou posicionamento diverso quanto à incidência de ISS sobre contratos em
que não há obrigação de fazer, ao julgar a constitucionalidade da incidência deste
imposto sobre contratos de cessão de direito de uso de marca.
“Agravo regimental em reclamação. 2. Paradigma proferido pela 2ª Turma em processo subjetivo. 3. Inexistência de estrita adequação entre o acórdão-paradigma e o ato reclamado. Precedentes. 4. ISS. Incidência sobre contratos de cessão de direito de uso da marca. Possibilidade. Lei Complementar 116/2003. Item 3.02 do Anexo. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.”5
Este mesmo posicionamento foi adotado pelo plenário do STF no julgamento do
RE 651.703/PR em sede de repercussão geral:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO. ISSQN. ART. 156, III, CRFB/88. CONCEITO CONSTITUCIONAL DE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. ARTIGOS 109 E 110 DO CTN. AS OPERADORAS DE PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE (PLANO DE SAÚDE E
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 112.947. Segunda Turma, Brasília, DF, 19.06.87.
Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=203557>. Acesso em 23.09.17
5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 8.623 AgR, Segunda Turma, Brasília, DF, 22.02.11. Disponível em: <
ISSQN incidente tão somente sobre a comissão, vale dizer: a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para os terceiros prestadores dos serviços, conforme assentado em sede jurisprudencial. 27. Ex positis, em sede de Repercussão Geral a tese jurídica assentada é: “As operadoras de planos de saúde e de seguro-saúde realizam prestação de serviço sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, previsto no art. 156, III, da CRFB/88”. 28. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (RE 651703, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-086 DIVULG 25-04-2017 PUBLIC 26-04-2017)”
Não obstante Municípios brasileiros adotarem o entendimento de que o download de
software é fato gerador do ISS, alguns Estados adotam o entendimento de que tal fato
jurídico é, na verdade, uma operação de circulação de mercadoria, sendo, portanto, fato
gerador do ICMS, aplicando-se ao caso o artigo 2º, I, da Lei Complementar nº 87/96.
“LEI COMPLEMENTAR Nº 87, DE 13 DE SETEMBRO DE 1996. Art. 2° O imposto incide sobre:I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;”
É o caso do Estado de São Paulo, que na resposta à Consulta Tributária 15093/2017,
de 18 de Abril de 2017, manifestou o entendimento de que o download de software
é fato gerador do ICMS.
“RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 15093/2017, DE 18 DE ABRIL DE 2017. Ementa ICMS – Operações com software por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming) – Incidência – Redução de base de cálculo – Emissão de documento fiscal. I. A comercialização de software padronizado, ainda que seja ou possa ser adaptado, em regra, está sujeita à incidência do ICMS independentemente da forma como se dê, seja por mídia física ou por transferência eletrônica de dados (download ou streaming). II. Todavia, enquanto não houver definição do local de ocorrência do respectivo fato gerador as operações com softwares padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming) estão isentas do ICMS (artigo 37 das DDTT do RICMS/2000) e não será exigida pelo Estado de São Paulo a emissão de documentos fiscais relativos a tais operações.”6
6 Disponível em: <http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut.>
Já o Estado do Rio de Janeiro possui legislação onde manifesta o entendimento
de que o ICMS não incide sobre o download de software, trata-se do artigo 3º, I, do
Decreto nº 27.307/2000.
“DECRETO N.º27.307 DE 20 DE OUTUBRO DE 2000 Art. 3.º O ICMS não incide na operação realizada com programa de computador personalizado elaborado por encomenda do usuário, assim como sobre contratos de licença ou de cessão de direitos relativos a programa de computador personalizado ou não, nas formas de: I - Transferência Eletrônica: download - transferência de programas do computador licenciante, diretamente para o computador do usuário, via Internet,
intranet e processos similares;”
Apesar do referido decreto ser claro quanto ao posicionamento do fisco estadual
a respeito da questão, foi publicada no ano de 2016 obscura solução de consulta do
fisco fluminense na qual afirmou-se que o Decreto nº 27.307/2000 não seria válido,
pelo fato de não ter sido autorizado mediante convênio no âmbito do Confaz. Trata-se
da Consulta nº 039/2016, constante no processo administrativo nº E-04/058/106/2015.
“CONSULTA Nº 039 /2016 (...) D) SOFTWARES COMERCIALIZADOS POR TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA (DOWNLOAD): Nas operações assim realizadas está correto o entendimento de que não incidirá o diferencial de alíquotas previsto na Lei 7.071/2015 (EC 87/2015), considerando que o ICMS não incide nas operações internas por força do Decreto 27.307/2000, art. 3º, inciso I (e essa não incidência também alcança o diferencial de alíquotas – Convênio ICMS 153/2015)? (...) Em relação aos itens C e D não está correto o entendimento da consulente. Conforme determina o caput da cláusula primeira do Convênio ICMS nº 153/2015, somente devem ser considerados os benefícios fiscais de redução de base de cálculo ou de isenção do ICMS, autorizados por meio de convênios ICMS com base na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, e implantados no Estado do Rio de Janeiro, para efeito do cálculo do valor do ICMS devido, correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS. Não é o caso do Decreto 27.308/2000, ou seja, seu benefício de redução de base de cálculo para o dobro do valor do suporte do software se restringe as operações internas e não deve ser considerado para o cálculo do diferencial de alíquotas de que trata a Emenda Constitucional 87/2015. Assim como, não é o caso do Decreto nº 27.307/2000, que também não foi autorizado mediante Convênio no âmbito do CONFAZ, e consequentemente, seu benefício não pode ser considerado no cálculo do diferencial de alíquotas.7
7 Disponível em: <http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/path/Contribution%20Folders/site_fazenda/
A resposta da fiscalização à Consulta nº 039/2016, contudo, é absurda. O artigo
3º, I, do Decreto nº 27.307/2000 não trata a não cobrança do ICMS sobre download
de software como uma concessão de isenção, mas, sim, como um reconhecimento
de não incidência, ou seja, para o Estado do Rio de Janeiro o fato gerador do ICMS
não ocorre com o download de software.
Desta maneira, a Consulta nº 039/2016 deve ser desconsiderada, pois o Decreto
nº 27.307/2000 prevalece em relação a esta, pois foi editado por autoridade
hierarquicamente superior e presume-se válido.
O entendimento do Estado do Rio de Janeiro está correto, tendo em vista que o fato
gerador “operação de circulação de mercadoria” só ocorre quando há circulação de um
bem corpóreo. Bens incorpóreos não estão abrangidos pelo conceito de “mercadoria”
adotado pela legislação do ICMS, conforme leciona a doutrina.
“Mercadoria é bem corpóreo da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, e distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, considerando, ainda, o fornecimento de energia elétrica (coisa incorpórea), conforme previsto no art. 155, §3º da CF.”8
Além disso, a já citada Diretiva 2006/112/CE do Conselho da União Europeia indica
que o IVA europeu define em seu artigo 14 como “entrega de bens” a transferência
do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário, e daí vem a inspiração
da legislação tributária brasileira do ICMS.
O próprio legislador complementar brasileiro, nitidamente influenciado pela
legislação da Europa, adotou os conceitos europeus ao considerar o licenciamento e
a cessão de direito de uso de software como prestação de serviço.
Portanto, não se deve falar em incidência de ICMS no caso do download de
software, por não se tratar de circulação de bem corpóreo.
Como se isso não fosse suficiente, outra linha de argumentação adotada pelos que
defendem que o ICMS não deve incidir sobre o licenciamento de software é a de que
tal contrato não configura transferência de propriedade de um bem.
Conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça, para que se configure o fato gerador do ICMS é necessário que
haja a transferência de propriedade do bem objeto de circulação.
“STJ - SÚMULA 166 Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento
do mesmo contribuinte.”9 “EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTO. MESMA TITULARIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. 1. O Supremo Tribunal Federal entende que o simples deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência de propriedade, não caracteriza a hipótese de incidência do ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual de mercadoria. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.”10
Muitos defensores de contribuintes defendem a tese de que sobre o download
de software não deve incidir nem o ICMS e nem o ISS. Tais operadores do Direito
alegam que não deve haver a incidência de ICMS, posto que não se trata de circulação
de um bem corpóreo, não sendo possível considerar o licenciamento ou cessão de
direito de uso de software como uma mercadoria. Afasta-se, assim, a aplicação do
artigo 2º, I, da LC nº 87/96.
Na mesma linha, não seria possível considerar-se o licenciamento de software como
uma operação de circulação de mercadoria, pois não haveria, neste caso, transferência
de propriedade necessária para que haja a incidência do ICMS, o que seria mais um
motivo para afastar-se a aplicação do artigo 2º, I, da LC nº 87/96.
Já quanto à incidência do ISS, os advogados pró-contribuinte sustentam que o
item 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03 é inconstitucional, por violar o conceito de
serviço de qualquer natureza contido no artigo 156, III, da CRFB/1988, entendimento
este que inclusive seria uma aplicação por analogia dos precedentes que embasaram
a edição da Súmula Vinculante nº 31.
É inevitável concluir-se que o Congresso Nacional possui uma posição clara
quanto ao tema. O Poder Legislativo da União entende que o download de software
é tributável pelo ISS e não pelo ICMS, devendo ser considerado uma prestação de
serviço. Os congressistas foram muito claros ao inserirem o item 1.05 da lista anexa
à LC nº 116/03.
Não se pode olvidar que, segundo a Constituição Federal, cumpre à lei complementar
não apenas definir os fatos geradores dos impostos, mas, também, dispor sobre os
conflitos de competência em matéria tributária.
9 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula 166, aprovada pela 1ª Seção. DJU 1 de 27.8.96. p. 2.996.
10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 764196 AgR. Primeira Turma, Brasília, DF, 24.05.16. Disponível em: < http://
“CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;”