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ESTAR DIANTE DA IMAGEM É ESTAR DIANTE DO TEMPO

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Academic year: 2021

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ESTAR DIANTE DA IMAGEM É ESTAR DIANTE DO “TEMPO”

Flor Marlene Enríquez Lopes UniCeub

Faculdade de Artes Dulcina de Moraes

Resumo

Este trabalho busca refletir as bases epistemológicas da Historia da Arte como disciplina que em seu andamento histórico tem tocado de maneira rápida a relação do tempo contínuo com o descontínuo no espaço da imagem.

Para esse objetivo, toma como exemplo o período do renascimento pictórico de artistas e teóricos como Michel Bachandall que retoma estudiosos daquele período: Alberti e Landino para mostrar as gramáticas (artísticas) do mesmo.

Finalmente propõe o abandono de conceitos canônicos da História da Arte e a partilha da relação dialógica como forma do andamento conceitual da mesma.

Palavras-chave: Epistema, historia da arte, diálogo, “tempo”.

Summary

This work intends to reflect upon the epistemological bases of Art History as a discipline which, in its historical path, has dealt with the relation of time – in a continuous manner – and the discontinuity of images.

For that purpose, the work takes into account the Renascence pictorial period and artists such as Michel Bachandall, who recovered the line of work of scholars from that period, specially Alberti and Landino, in order to demonstrate the grammars of its time.

Finally, it proposes to relinquish the canonic concepts of Art History and the partition of the dialogical relation as a means of its own conceptual course.

Key words: Epistemology, Art History, dialogue and “time”.

INTRODUÇÃO

Situar, localizar, fixar uma imagem e detê-la, congelá-la, é estar diante do tempo. Ela se abre para nós como um livro que não se revela no primeiro instante, apenas nos convida a abri-lo, folheá-lo e a nos abstrair por um instante. Que esperamos encontrar nela: nossos desejos, nossas esperas, nossos enganos? Um tempo que não nos diz mais nada ou um tempo que está engavetado nessa

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imagem e que nos convida a “abri-lo”? e através de nossa percepção descobrir suas plasticidades, suas fraturas, seus ritmos. Um tempo que nos convida a perguntar-nos sobre seus choques, que se condensam e se entrecruzam na imagem.

Repousar nosso olhar por um instante numa tela do passado renascentista – de um Giotto, de um Fra Angélico ou outro qualquer – e procurar descobrir do que se trata é tentar apreender dados que nos parecem familiares, mas que, ao mesmo tempo, escapam a nossa interpretação.

Diante da imagem, tomados pela surpresa, podemos sentir nosso corpo como sendo levado violentamente rumo a uma experiência provocada pelo olhar. Estar diante de uma imagem clássica ou contemporânea é estar diante de uma série de re-configurações que não param de se mostrar, mesmo se tratando de olhares que não têm nenhum aprofundamento sobre ela, pois ela só pode ser pensada dentro da construção de uma memória, sem que isso caracterize uma obsessão. Finalmente, estar diante de uma imagem é assumir humildemente que estamos diante da compreensão de elementos frágeis, que nos escapam, que escorregam, de elementos de passagem e que são esses mesmos elementos que constroem o nosso futuro, pois são elementos da duração. Em suma é aceitar que a imagem tem uma memória e um devir que está para além de quem a olha.

Como apreender a grandeza de todos os tempos que estão nas imagens e que diante de nós se conjugam sobre todos os planos perceptíveis e imperceptíveis? E, de saída, como dar conta no presente dessa experiência, de sua memória que nos convoca, e desse futuro que nos desafia? Deter-nos diante da tela de Fra Angélico ou outro daquele período é submetermo-nos a seu mistério figural. Eis que isso já é parte do processo que nos faz partilhar, modesta e paradoxalmente, de um saber conhecido com o nome de História da Arte.

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Sabe-se que o Renascimento florentino era abordado pelas bordas (com o perdão do trocadilho), pelos adornos, pelas zonas marginais, pelos registros bem ou mal ditos “inferiores”: ciclos dos afrescos, dos registros da “decoração”, ou dos simples “falsos mármores”. Conseqüentemente, é de suma importância compreender a organização intrínseca, a necessidade figurativa, ou antes “figural”, de uma pintura apreensível sob a etiqueta de “arte abstrata”.

Trata-se antes de buscar e de compreender nesse movimento, nesse sobressalto, toda a atividade pictórica do passado renascentista, como a de um Fra Angélico, de um Giotto, de Simone Martini, Pietro Lorenzetti, Piero de la Francesca, Andréa del Castagno, Mantegna, etc., todos eles ligados a uma iconografia religiosa, e de entender por que esse número tão considerável de imagens perfeitamente visíveis não foram nem interpretadas, nem olhadas, nem mesmo reunidas na imensa literatura científica consagrada aos estudos do Renascimento.

Estamos diante de um problema epistemológico, de compreensão das singularidades pictóricas, de buscar sua “arqueologia do saber” ao modo foucaultiano, do saber sobre o uso da arte e das imagens.

Seguindo esse eixo de reflexão, cabe-nos perguntar em que condições um objeto ou um fato histórico novo pode ser levantado mesmo que tardiamente dentro de um contexto já conhecido ou catalogado quando se trata, por exemplo, de um objeto da Renascença florentina. Podemos questionar se a História da Arte, como disciplina, como discurso, teve uma atitude leviana, carente de vontade, por não querer ver e não querer saber ou não querer aprofundar os “motivos” de uma época e quais são as razões epistemológicas para uma tal negação. E também por não querer explorar melhor os atributos iconográficos e não querer buscar dentro deles seus atributos tensivos, afetivos, passionais, entre outros.

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Tentar mostrar a pertinência dessa reflexão, do ponto de vista teórico, é tentar situá-la dentro de uma História da Arte que ainda está em andamento. É pôr em perspectiva outros pontos de vista e outras coerências possíveis, de maneira a tentar desenhar um novo paradigma.

Cabe dizer então, que o estatuto “científico” da História da Arte e seu método preocupou-se apenas com os dados históricos e buscou de maneira ligeira as sutilezas intelectuais e estéticas dos objetos visuais considerados pouco importantes ou inexistentes ou desprovidos de sentido. Faz-se necessário tomar de empréstimo os trabalhos canônicos de Erwin Panofsky, reunidos sob o título de “iconologia”: é muito difícil interferir numa “significação convencional” a partir de um “assunto aparentemente “naturalizado”, difícil de encontrar um “motivo”, um “tema” diferente ou uma “alegoria” (no sentido corriqueiro do termo) que seja distinta, pois é difícil encontrar uma fonte escrita que possa servir de base de interpretação verificável. Não há nenhuma chave que esteja nos arquivos ou uma mágica iconográfica que sirva como único elemento simbólico da imagem figurativa para desentranhar o que há nela, pois suas sutilezas são muito mais complicadas do que parece.

É querer complexificar um pouco mais, para remover re-questionando esse “assunto”, “significação”, “alegoria” ou “fonte”, e essa empreitada pode exigir a busca de algo mais desse fundo para o historiador da arte. Teóricos como Cesare Ripa estudam a obra dentro de uma abordagem mais humanista, e dentro de uma abordagem iconológica temos a obra de Panofsky. Falta achar uma teoria não-iconológica e atual no sentido de sua cientificidade, uma semiologia que não seja nem positivista (que trata da representação como espelho das coisas), nem estruturalista (a representação como sistema de significação), tal como estudada até os anos 70. A História da Arte necessita caminhar dentro de uma estrutura interdisciplinar e dialógica; isolada, perde força e deixa que outros campos do conhecimento resolvam seus assuntos, como é o caso da literatura, da sociologia, da própria semiótica – com seus modelos recentes desenvolvidos por Jacques

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Fontanille e por Zilberberg sobre o “tempo” (andamento) discursivo e a tensividade como estrutura da significação.

Certamente que estamos diante de um debate de ordem epistemológica sobre os meios e os fins da História da Arte enquanto disciplina. Tentar buscar como muitos autores contemporâneos propõem (entre outros, Didi-Huberman), uma “arqueologia crítica da História da Arte” que dê conta de superar os postulados panofskianos – que enxergam a História da Arte apenas como disciplina humanista. Para esse fim, é necessário rever a série de certezas sobre o

objeto de arte próprio da disciplina, certezas essas que remontam a uma longa

tradição teórica que começa, entre outros, com Vasari, Kant e o próprio Panofsky.

Nossa proposta de trabalho consiste em abrir uma espécie de “arqueologia crítica” dos modelos do andamento, dos valores de uso do tempo-andamento dentro de uma disciplina marcada pela historicidade e que fez das imagens seu objeto de estudo. Questão importante e concreta desta redefinição: cada atitude, cada decisão por parte do historiador, desde a mais simples classificação da coleta de dados, até suas mais altas pretensões sintéticas ganham uma importância significativa mas, que ao mesmo tempo, esqueceu-se de mostrar com uma maior clareza o papel do “tempo”, esse ato de temporalização, pois o mesmo é de difícil apreensão, ele não é claro para o estudioso e muito menos para o leitor leigo.

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necessário saber o ponto de onde começou a época do pintor e que seja capaz de nos fornecer a ferramenta cognitiva, técnica, estética, religiosa, etc. que lhe possibilitaram fazer suas escolhas pictóricas. No entanto, a atitude canônica do historiador foi aquela de concordar com um tempo de busca eucrônico (de um tempo fortemente marcado pela linearidade).

Michel Bachandall diz que as colocações humanistas de Cristoforo Landino (filósofo platônico e estudioso do latim de fins do século XV) são fontes que nos mostram a atividade pictórica perto da realidade daquela época, pois seguiam as “categorias visuais” historicamente pertinentes. As colocações de Landino são

nominais e não generalizantes, e com isso chegamos a entender o passado em

função das categorias que eram seguidas em seu próprio tempo como as de Alberti “Da Pintura”, elementos históricos necessários no sentido que nos permite compreender sua significação pictural. Tal o ideal da História da Arte.

Esse ideal não seria um processo próprio de idealização da História da Arte, a prática da simplificação, da síntese abstrata, essas categorias do Renascimento não seria a negação do corpo das coisas, pois apenas nos mostram uma face do objeto catalogadas como o estado de alegria, de vontade, de devoção ingênua,etc., que não deixa ver outras complexidades até então ignoradas pelos estudiosos do presente.

Assim procedendo, o historiador da arte coloca-se diante de um objeto de pesquisa que não mostra sua estrutura. Landino escreveu muitos anos antes da morte de Fra Angélico e, ao que tudo indica, ao contrário de seus contemporâneos mais imediatos como o próprio Alberti, ele pensava de modo anacrônico. O anacronismo atravessa todas as contemporaneidades, todas as metamorfoses do andamento da sociedade. A concordância em um tempo único não existe. Para esclarecer melhor essa colocação, podemos dizer que dois contemporâneos como Alberti e Fra Angélico seguiram percursos completamente distintos, mesmo

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fazendo parte de um mesmo período. E certamente é preciso estudar o objeto em termos anacrônicos!

Certamente que ao nos libertarmos de um tempo pré-lógico (aquele construído sobre um tempo descontínuo relativos a capturar na imagem instantes separados e que não trazem nenhum ganho e sabemos que História da Arte se prestou durante muito tempo a elaborar grandes generalizações, isso foi possível dentro das considerações do passado, mais hoje, com a própria velocidade das informações tornou-se impossível.

O ato de criação congela o instante, mas pode contradizê-lo. Por isso, a História da Arte precisa olhar o tempo como algo que se renova a cada instante, tempo plural, com instantes de lentidão, retornos e precipitações.

Finalmente, deve-se buscar na obra de arte sua temporalidade, deixando de lado a busca, no interior dela, de esquematismos e sistemas abstratos meramente conceituais. As estruturas históricas que foram reduzidas a esboços lineares não devem ser abandonadas, pois muitos de seus significados foram construídos sobre estes, são resultados que estão prontos para ser refinados. As grandes linhas da história elaboradas a partir das sínteses dos exegetas modernos nem sempre foram entendidas pelos artistas desse tempo, pois às vezes seus dados cognitivos independem de nossa realidade.

Pensar na mudança epistemológica da disciplina História da Arte é reconhecer o abandono do epistema realista instaurado nos estudos espaciais da imagem como representação (recriando o que “todo mundo vê”), para reconhecer que há também uma outra estruturação a negação. E, certamente, que agora temos que dar conta da complexificação da representação da imagem.

Referências Bibliográficas

BACHANDALL, Michel. O olhar renascente. Rio de Janeiro, Ed.: Paz e Terra, 1991.

FONTANILLE,Jacques e Zilberberg, Claude. Tensão e Significação. São Paulo, Humanitas, FFlch-Usp, 2001.

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LOPES, Edward. A identidade e a adiferença. São Paulo, Edusp, 1997.

Flor Marlene E. Lopes é Doutora em Semiótica pela Universidade de São Paulo, Usp. É professora associada do Instituto de Artes Ida-Unb, Professora do Curso de Pós-Graduação em Artes Visuais da Faculdade Dulcina de Moraes e Professora do Departamento de Comunicação – Fasa, do Centro Universitário de Brasília UniCeub. Autora de publicações em Arte, Semiótica e Metodologia Científica.

Referências

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