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Sociologia e violência

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Academic year: 2018

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SOCIOLOGIA E VIOLÊNCIA

cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( S O C / O L O G Y A N D V / O L E N C E )

RESUMO

N o s t e m p o s m o d e r n o s , o f e n ô m e n o d a v i o l ê n

-c i a t e m g a n h a d o u m a r e l e v â n c i a t ã o i m p o r t a n t e q u a n t o

s u a p r á p r i a p r á t i c a . C o s t u m a - s e n o m e a r q u a l q u e r

c o i s a q u e [ u j a a o s p a r â m e t r o s e n o r m a s s o c i a i s p e l o

t e r m o v i o l ê n c i a e t o d o o c o n c e i t o n e l a s u b e n t e n d i d o .

s s i m s e n d o , q u a s e n ã o c o n s e g u i m o s d i s t i n g ü i r o f e

-n ô m e -n o d a v i o l ê n c i a d e a l g u m a s p r á t i c a s c o r r e l a t a s

e , t a m b é m , c o m e ç a m o s a p e r c e b ê - I a c o m o u m a p r á t i

-c a i n t r í n s e c a a t o d a s f o r m a s d e r e l a ç õ e s s o c i a i s . A

o c o r r ê n c i a d e s t e f a t o e s t á r e l a c i o n a d a a o d e s c o n h e

-c i m e n t o e a o s p a r c o s e s t u d o s e s p e c i f i c o s s o b r e a v i o

-l ê n c i a e , a i n d a , a u t i l i z a ç ã o d e c o n c e p ç õ e s f i l o s ó f i c a s

a b s t r a t a s , p o r v e z e s d i s t a n t e s d a r e a l i d a d e s o c i a l . P o r

-t a n -t o , é n o s s a p r e t e n s ã o , n o t e x t o q u e s e s e g u e , d a d o s

o s p r o b l e m a s r e l a t i v o s àa p r e e n s ã o d o f e n ô m e n o , a p r e -s e n t a r a l g u m a s i n t e r p r e t a ç õ e s s o b r e o c o n c e i t o d e v i

-o l ê n c i a e t e m a t i z á - l a c o m o u m o b j e t o s o c i o l ó g i c o

r e l e v a n t e p a r a c o m p r e e n d e r a i n t e r a ç ã o s o c i a l . C h a

-m a -m o s a a t e n ç ã o d o l e i t o r p a r a o f a t o d e q u e n ã o n o s

a r v o r a m o s d e h a v e r d e s c o b e r t o t e o r i a a l g u m a a c e r c a

d e s s e s a b e r , c o n f o r m e i n d i c a d o n a p r ó x i m a s e ç ã o d o

p r e s e n t e e s c r i t o .

Palavras-Chaves: V i o l ê n c i a ; r e l a ç õ e s s o c i a i s ;

n o r m a s "

ABSTRACT

N o w d a y s t h e p h e n o m e n o n o f v i o l e n c e i s b e i n g

m a r k e d b y a n i n c r e a s i n g l y i m p o r t a n c e w h i c h i s r i v a l i n g

i t s o w n p r a c t i c e . I t i s a c o m m o n p r a c t i c e t o n o m i n a t e

a n y t h i n g t h a t d o e s n o t f i t s o c i a l p a r a m e t e r s a n d n o r m s

a s v i o l e n c e i n c l u d i n g a l i c o n c e p t s r e l a t e d t o i t . T h e r e f o r e

w e n e a r l y c a n n o t d i s t i n g u i s l i t h e p h e n o m e n o n o f

v i o l e n c e f r o m s o m e c o r r e l a t e d p r a c t i c e s a n d w e s t a r t

t o p e r c e a v i n g i t a s a n i n t r i n s i c p r a c t i c e f o u n d ir i a l lEDCBA

IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAMestre em Sociologia pela UFC.

José ELCIO BATISTA1

s o c i a l r e l a t i o n s . T h e o c c u r e n c e o f t h i s f a c t i s r e l a t e d t o

t h e i g n o r a n c e a n d l i m i t e d s t u d i e s d e a l i n g s p e c i f i c a l l v

w i t h v i o l e n c e b e s i d e s t h e p r a c t i c e o f u s i n g a b s t r a c t

p h i l o s o p h i c a l c o n c e p t i o n s s o m e o f t h e m d i s t a n t f r o m

s o c i a l r e a l i t y . T h e r e f o r e i r i s o u r i n t e n i i n l h efollowinng

t e x t , c o n s i d e r i n g t h e p r o b l e m s r e l a t e d t o t h e

a p r e h e n s i o n o f t h e p h e n o m e n o n , t o p r e s e n t s o m e

i n t e r p r e t a t i o n s o f t h e c o n c e p t o f v i o l e n c e a n d d e t a c h i t

a s a s o c i o l o g i c a l o b j e c t i m p o r t a n t t o t h e u n d e r s t a n d i n g

o f s o c i a l i n t e r a c t i o n . W e c a l l t h e r e a d e r

s

a t t e n t i o n t o

t h e f a c t t h a t w e d o n o t c l a i m t o h a v i n g d i s c o v e r e d a n y

t h e o r y c o n c e r n i n g t h i s k n o w l e d g e a c c o r d i n g IS

i n d i c a t e d i n t h e n e x t s e c t i o n o f t h i s w o r k .

Key Word: V i o l e n c e ; s o c i a l r e l a t i o n s ; n o r m s .

INTRODUÇÃO

Crimes, torturas, genocídios, massacres, guer-ras, revoluções, violência no cotidiano, nada disso é estranho ao homem e à história. Acontecimentos re-correntes próprios das sociedades humanas, registrado variadamente nos diferentes tempo históricos pelas ciências do homem, mas também pela literatura, poe-sia e religião, têm sido marcados pela ambivalência, tanto no que respeita à definição conceptual, quanto em relação aos objetivos que realiza.

A pretensão desse trabalho não é produzir um saber totalmente novo sobre a iolência, mas refletir o modo como esta foi e tem ido compreendida teori-camente. Impossível é fazer- e uma apreciação esmiuçada da temática em todas as correntes de pen-samento, optamos, com efeito, por privilegiar alguns autores e certas conceituações. Nada mais estranho ao propósito deste ensaio do que esperar que alguém, ao lê-Io, possa perceber qualquer intenção de indicar haver encontrado alguma verdade teórica nova.

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Procuramos mostrar o elo que uniu a violência à revolução e, conseqüentemente, a emancipação da razão. Para tanto servimo-nos da teoria hegeliana e da sua proposta teórico-metodológica. Além disso adentramos a discussão da violência como criação ou condição de possibilidade da liberdade. Como a no-ção de liberdade remete ao problema do poder, incursionamos pelo tema, procurando encontrar as nuanças e limites do pensamento de Max Weber e de Hannah Arendt. Por fim, tecemos, talvez, prematura-mente, considerações a respeito de uma possível so-ciologia da violência, ressaltando sua importância para a compreensão do fenômeno.

VIOLÊNCIA E RAZÃO

A palavra violência remete-nos diretamente a uma concepção negativa da ação humana. Excluindo-se as reflexões que viram na violência, circunscrita a certas especificidades históricas, uma força criativa e criadora, todas as demais optaram por vê-Ia como um fenômeno marginal e instrumental, limitadora da interação ocia!. O discurso sobre a violência assu-miu de de então uma forma polarizada: bom/mau, ordem/desordem, razão/de razão, moral/amoral etc. Essa po tura valorativa, me mo relativizada a partir da idéia de que seria " ...um erro pensar que a violên-cia pode ser concebida e apreendida independente-mente de critérios e pontos de vista. Estes podem ser in titucionais, jurídicos, sociais, às vezes pessoais -egundo a vulnerabilidade física ou a fragilidade psi-cológica dos indivíduos" (Michaud, 1989: 12), tem de fato tornado nebulosa a apreensão do problema.

Não se trata de querer compreender a realidade social com os critérios da objetividade e neutralidade total (Weber, há um século mostrou-nos que isso é um equívoco), mas de analisá-Ia em seus múltiplos con-textos, que expressam uma rede de significados, nem sempre passíveis de generalização.

Contrariamente à manifestação da violência na vida cotidiana e em sua relação com o poder, revela-se um derevela-sejo coletivo de barevela-se humanista, religiosa e filosófica, de excluir com a violência do mundo

hu-mano. O humanismo elevou ocbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs t a t u s do homem à ca-tegoria de ser universal e criativo e reconheceu na vida

humana um valor único, não passível de sofrer coa-ção ou restricoa-ção ao seu livre desenvolvimento. Próxi-mo dessa idéia estão todas as concepções religiosas que, apesar de terem encontrado boas razões para empreender o uso da violência (lnquisição, Cruzadas), comportam-se discursivamente a favor dos valores de preservação e manutenção da vida. Para o filósofo, o que se coloca em contraposição à Filosofia, "o que

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recusa o contentamento na e pela razão", o que im-possibilita a efetivação da razão é "uma forma deter- . minada de negatividade, é o desejo do que não é legítimo, do que não é razoável, numa palavra: a vio-lência .... Destarte, graças aquilo que se opõe à filoso-fia, o filósofo descobre o segredo da filosofia: o filósofo quer que a violência desapareça do mundo" (Perine, 1987: 128).

A pretensão da Filosofia, de fazer desaparecer do mundo a violência, funda-se em uma concepção do homem feito razão absoluta, capaz de constituir uma sociabilidade mediada, exclusivamente, pelo dis-curso racional. Essa questão é o cerne da filosofia hegeliana, que acreditava no pleno domínio da razão como pressuposto da realização da liberdade humana. Todavia, o aparecimento da razão como possibilitadora da ação é fruto da revolução, ou seja, da violência. Marcuse, ao interpretar Hegel, em seu livro R a z ã o e

R e v o l u ç ã o , menciona que "o próprio Hegel relaciona

o seu conceito de razão à Revolução Francesa, e o faz com grande ênfase." A Revolução havia exigido "que nada fosse reconhecido como válido em uma consti-tuição que não estivesse de acordo com o direito da razão" (Marcuse, 1988 : 19). A Revolução havia, no seu entendimento, proclamado o poder da razão so-bre a realidade, admitindo, portanto, que o pensamento deve governar a realidade.

O pensamento dos homens indicaria os verda-deiros caminhos que deveriam ser trilhados, isto é, o bom( certo, verdadeiro) "deve realizar-se na organi-zação real da sua vida social e individual." O poder da razão triunfaria sobre o despotismo, destruindo os opressores da humanidade e pondo fim à irracio-nalidade social. Uma vez libertada pela violência das contradições de um mundo miserável e imprevisível, imersa em violências múltiplas, a razão, como força histórica objetiva, faria do mundo "um lugar de pro-gresso e felicidade" (Marcuse, 1988 :20). A idéia da violência revolucionária como instauradora do come-ço, da novidade e momento de constituição da liber-dade transformou-se, após Hegel, em credo das teorias e movimentos de esquerda.

A filosofia de Nietzsche, mas também a histó-ria, demonstraram - e continuam a fazê-Io - a frustra-ção e o fracasso das teorias que pretenderam ou pretendem negar e expulsar das relações sociais a ação diretiva da violência. Razão e violência são possibili-dades humanas radicais, ou seja, a opção por uma implica a recusa da outra de fato, todavia, não a refuta como possibilidade. Como vimos, a violência é reali-zada "por primeiro no terreno onde nasce também, mas depois, a razão." Ademais, o homem não é razão, mas razoável, ou seja, tem a razão como horizonte de

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possibilidade. E mais, "ele não é somente razão, mas .também, irredutivelmente, animalidade, paixão." De

fato, seguindo essecbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc o n t i n u u m reflexivo, a escolha da razão surge para abrigar o homem da violência, "mas nada, menos ainda a escolha da razão pode negar que a outra possibilidade é a violência, possibilidade sem-pre pronta a se tomar realidade pela escolha livre do homem e dos homens" (Perine, 1997: 174 ).

Se a Filosofia pensa no domínio da razão abso-luta e na moral absoabso-luta, só o faz como projeto utópi-co e especulativo e não na qualidade de ciência.EDCBAÉ

somente nesta condição que pode dispor e propor um discurso norrnativo da realidade. A Sociologia e to-das as ciências sociais, por terem a pretensão de ela-borar uma teoria que tenha validade científica, procuram, através do método e conceito, a compreen-são da realidade como esta se faz e não como deveria ou gostaríamos que fosse.

VIOLÊNCIA: AÇÃO CRIADORA

Em quase todas as mitologias, a ação violenta representa um momento fundador e original. A re-presentação do Gênesis, da criação do mundo e das criaturas, entre as quais o homem, parte de uma nar-rativa que descreve sucessivos crimes e revela a cons-tituição de um ser marcado e designado pela violência. A viagem que Dadoun (1998: 16) empre-ende à origem, ao crime primordial - Caim matou Abel - e inaugural, manifestação de uma violência bruta e pura, uma vez que lhe falta uma razão legíti-ma, sublinha o "fato de que a maldição que atinge, que violenta a humanidade na sua carne, na sua ati-vidade essencial, no âmago de seu ser, é o produto de uma dupla violência: transgressão do homem da proibição que selava a árvore do conhecimento, que por sua vez responde à violência causada no homem por essa mesma proibição." Fruto do arbítrio de Deus e recomendado a usar de sua arbitrariedade para do-minar e submeter a natureza à sua vontade, abre-se espaço para que se veja "nestas ordens insistentes, uma espécie de incitação à violência, uma violência pelo menos potencial" que o homem não se furtará a utilizá-Ia em ações práticas. A análise dele culmina

no h o m o v i o l e n s , definido intrinsecamente e

estruturado pela violência, caráter essencial de sua existência.

o

homem nascido doL e i t m o t i v da violência tor-na-se um portador difuso e incontrolável do seu poder. Dominado por ela e artífice de uma crueldade e mons-truosidade presentes no mito lendário de Ateu e Tieste/, inverte o homem a ordem do mundo e das coisas, o que resultará em seu abandono por Deus. Abandonado ao próprio curso, antevê-se a proliferação dos "males que a eles se incorporam, arriscando-se à sua própria des-truição e a de tudo o que ele encerra" (Platão, 1979: 219). Só o retomo aos desígnios da Providência pode organizar e restaurar a ordem perdida.

Conclui-se desses dois momentos que a violên-cia essenviolên-cial é transformadora, ou eja, suprime e cria contextos que organizam as relações entre os homens. Exemplos históricos não faltam para confirmar a cren-ça, na maioria das vezes inconsciente, neste princí-pio. A Revolução Francesa, protótipo de todas as outras revoluções modernas, deixou como legado uma con-cepção positiva da violência, porque instituiu uma re-pública de base jurídico-legal.

É nessa perspectiva que Walter Benjamin vê na violência uma força "fundadora" e "criadora" do Direito, sendo o conflito entre as forças sociais que provoca o aparecimento das normas e leis. A neces-sidade de conservação produz uma "violência-meio" (punitiva), cujo objetivo caminha no sentido do res-peito às regras.

Hegel, ao visualizar na Revolução (que não se faz sem violência) a força, que põe a razão como fun-damento absoluto de toda a ordem social, delineia, embora talvez sem o querer, um pensamento que crê na mudança da sociedade segundo os armistícios da violência. Ato insólito que instaura o incomurn e im-prime as transformações, a violência constituir-se-á numa força libertadora, capaz de trazer de volta os indivíduos à humanidade, portanto, libertando-os dos sistemas de dominação.

O principal herdeiro dessa noção é também o maior crítico de sua obra. Marx, ao empreender o seu estudo sobre o modo de produção capitalista e a soci-edade burguesa, constata uma contradição insolúvel em seu interior, que se reflete no antagonismo de clas-se. A propriedade privada, concentrada na classe bur-guesa, priva e limita a liberdade da classe operária. O sistema de dominação burguê era, ao mesmo tempo, opressor e alienante. Se o capitali mo traz em si o germe de sua própria destruição é porque a

conscien-1Reza a lenda que Ateu e Tieste eram irmãos. Ateu um dia convida Tieste para comer em sua casa. Tieste, acompanhado de seu filho,

vai ao encontro. Ao chegar à casa de Ateu, o filho de Tieste afasta-se para os jardins e Ateu o captura e mata. Servida a ceia, Tieste pergunta por seu filho. Ateu olha-o e anuncia que ele acabou de comê-Io. Único a presenciar o crime, o sol, envergonhado diante de tamanha crueldade, decide inverter o seu curso. Daquele momento em diante, nasceria onde antes era o poente e se poria onde antes era o nascente. A partir disso, o homem perde a proteção de Deus e toma-se o regente de sua própria história, nunca mais concretizada sem violência.

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tização do proletariado está objetivada como necessi-dade histórica, que conduz irremediavelmente à revo-lução. A transformação dos valores se dá pela violência, "parteira da história". Arendt, ao comentar Marx, situa a violência como algo que precede mas não causa o "surgimento de uma nova sociedade." E o poder da classe dominante "não consistia e nem se assentava" sobre seu domínio. Ora, esta contestação não contradiz a idéia da violência como criação. Quan-do muito nos chama atenção para o fato de que ela tem uma delimitação temporal. Note-se, que, em seu livro,cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAD a R e v o l u ç ã o , Arendt associa o fenômeno da revolução moderna à violência e à novidade.

Ao expandir-se, no e para o mundo, a teoria da revolução em Marx, realizada com violência, influen-ciará no plano do conhecimento diversas correntes de pensamento, assim como todos os movimentos revolu-cionários de esquerda.EDCBAÉ verdade que essa relação era conhecida antes de Marx e até mesmo de Hegel, toda-via, será com ele que se delineará um projeto claro de contradição das condições sócio-materiais.

R e f l e x õ e s s o b r e a v i o l ê n c i a , definido por

lacques lulliard como um livro de reputação bastante má e uma posteridade incendiária, faz uma apologia da violência, mas não de qualquer violência, senão da adjetivada de proletária. Sorel (1992:39) via na greve geral uma revolução popular e anti-autoritária, con-trária à razão de Estado e à força da autoridade. A violência proletária desorienta as instituições burgue-sas e seus representantes, pois "muda o aspecto de todos os conflitos no curso dos quais é observada, pois ela nega a força organizada pela burguesia e pretende suprimir o Estado que forma seu núcleo central." De-sejava ele fazer do socialismo "exposto em palavras" um movimento de "revolução absoluta" e "ação ime-diata", mítica, porque expressão de imagens "de bata-lhas que asseguram o triunfo de sua causa" (Sorel, 1992:41). Em único movimento, a violência destrói o poder burguês e permite que o proletariado se realize, se identifique e se afirme em sua especificidade. A violência proletária é pura e purificadora, pois não se confunde com a repressão e coação; "para o proletaria-do oprimiproletaria-do, é criaproletaria-dora de ação" (Michaud, 1989: 105). A violência é criativa porque é libertária. Aqui se dá o enlace do marxismo soreliano com o vitalismo bergsoniano, conquanto nos lembre Arendt (1994: 58) de que "a prática da violência, como toda ação muda o mundo, mas a mudança mais provável é para um mundo mais violento."

O prefácio de Sartre em O s C o n d e n a d o s d a

T e r r a , de Fanon, traduz uma crítica, violenta

lingüisticamente, ao imperialismo colonial, preten-samente humanizador e civilizador, portador de uma

"missão" universal que aniqüila os valores dos indi-víduos colonizados, gravando-Ihes na testa, "com fer-ro em brasa", os princípios da cultura helênica. Lançar "a burguesia ao mar", através da violência,

"incontrolável, fúria louca", implica suprimir, ao mes-mo tempo, um opressor e um oprimido: "resta um homem morto e um homem livre." Verdade é que, com a morte, todos perdem, não obstante, percam coisas diferentes, pois, enquanto o homem livre perde o pra-zer da vida, o colonizado perde a dor que representa a vida. Cabe à violência recriar o homem, ou seja, resgatá-Io à sua condição de liberdade. "O colono só tem um recurso: a força, quando esta ainda lhe sobra; o indígena só tem uma alternativa: a servidão ou a soberania" (Sartre, 1979:7). Equívoco ou não, é a dialética que rompe a hipocrisia da dominação liberal e abre às portas da emancipação. Essa é a proposta de Sartre: "levar a dialética até o fim."

A violência colonial destruidora, pois que brutaliza, subjuga e desumaniza o colonizado, rebai-xando-o "ao nível de macaco superior para justificar que o colono os trate como bestas de carga", provoca nos "malditos" uma violência "sanguinária", cólera não confessada, figura do "inconsciente coletivo dos colonizados." Impedidos de liberar as pulsões e dese-jos de "sangue" contra os homens civilizados, vol-tam-se os "selvagens", alimentados pela política colonial, para os seus semelhantes, numa tentativa

desesperada de acelerar a tarefa.

O comentário de Sartre a Fanon recupera, S e

-gundo ele, uma verdade há muito esquecida: "nenhu-ma suavidade apagará as "nenhu-marcas da violência; só a violência é que pode destruí-Ias" (Sartre, 1979: 14). A inventividade da violência repousa na libertação das "trevas coloniais"; recompor o homem consigo mes-mo - este é todo o seu empreendimento e toda a sua humanidade. O homem bestializado "filho da violên-cia" colonial, retira "dela a cada instante a sua huma-nidade", transforma aquele que o oprime, na medida em que e transforma a partir dela.

Sartre( 1979: 17) glorifica a violência a qual Fanon rende elogios, uma vez causa do homem liber-to, e chama-nos a compreender a necessidade da vio-lência: "se a violência tivesse começado esta noite, se nunca a exploração nem a opressão tivessem existido na face da terra, talvez a não-violência alardeada pu-desse apaziguar a contenda. Mas se o próprio regime e até vossos não violentos pensamentos estão condi-cionados por uma opressão milenar, vossa passivida-de só serve para vos colocar do lado dos opressores." Importa reter dessas apreciações teóricas, que vêem na violência um fenômeno pleno de sentido, já que outorga o aparecimento de um homem novo,

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drão para uma nova organização social, que a ação violenta só tem poder de criação quando projeta a li-berdade, seja a dos indivíduos, grupos ou nações in-teiras. Digno de nota é o fato de alguns autores, não poucos, relacionarem a violência, pensada dentro de contextos marcadamente delimitados (Hegel: a Ale-manha de indústria incipiente; Marx: o capitalismo industrial na Inglaterra; Sorel: o sindicalismo anár-quico de começo de século; Sartre e Fanon: os movi-mentos de descolonização na África) com a sua banalização no cotidiano dos centros urbanos. Que a violência grassa numa multiplicidade de situações e atende a lógicas particularizadas, disso não se pode escapar. Força onipresente está em todo lugar, seja em aspecto simbólico ou corpóreo.

Testemunha Girard a respeito das sociedades primitivas o duplo aspecto da violência no sagrado. O sagrado é violência, pois que é interdição, e de outro modo, sua realização expressa-se com e na violência. Tem ela uma função. Difusa e interminável no seu livre curso, ameaça constantemente à dissolução da comunidade, "tem aqui uma função real" - substituir a cólera disseminada nos membros da comunidade por um meio preventivo: o sacrifício. A violência que o sagrado institui e tem por objetivo a prevenção da "vingança", pois, quando desencadeada, produz um espetáculo "contagioso". Diferente e única, "trata-se sempre de conceber e executar uma violência que não represente, para as violências anteriores, senão o que, numa cadeia, um elo adicional representa para os elos que o precedem e o sucedem; sonha-se com uma vio-lência radicalmente outra, realmente decisiva e ter-minal, que liquide de uma vez por todas com a violência" (Girard, 1998:41).

Os métodos que permitem aos homens abran-dar a sua violência não são estranhos a ela. Se a vio-lência do sagrado identifica-se ao religioso, não é porque existe um fundamento teológico em seu inte-rior, mas sim pela "obscuridade" e "transcendência" que a reveste e envolve: "esta obscuridade não é se-não a transcendência efetiva da violência, santa, le-gal, ante à imanência da violência culpada e ilegal" (Girard, 1998:37).

A obra de Girard posiciona a violência na base sobre a qual se ergue o sistema social.EDCBAÉ ela princípio do rito constitutivo da cultura. Mas a violência não é requisitada apenas para fundar comunidade pois, tra-balha também para a manutenção e reprodução desta. Além desta idéia, da violência como fundação e cria-ção, ato inaugural do social e força de superação dele, devemos reter outra, amplamente relacionada às abor-dagens teóricas anteriores. A violência é instrumen-tal, ou seja, não é fim de si mesma, mas meio para

realização de algo. A violência contida no sagrado é o instrumento que combate a "violência essencial", na medida em que "qualquer situação crítica recebe uma resposta por meio do sacrifício" (Girard, 1998:31). Assim também é a violência que desacorrenta os ho-mens para instaurá-Ios em tradições novas.

PODER E VIOLÊNCIA: A FALIBILIDADE DO DISCURSO

Resta-nos agora ressaltar o problema do poder. A violência é o poder que cimenta e garante a comu-nidade primitiva e, por outro lado, aquilo mesmo que a ameaça. É ela que aprisiona e permite a dilaceração do homem e cultura, seja no sistema alienante das re-lações de trabalho ou nas pilhagens dos colonizado-res, mas é com ela que se dá a superação dos antagonismos e do próprio poder. É instrumento do poder e contra o poder. Figuras próximas, poder e vio-lência caminham sempre na mesma direção.

Toda vez que recorremos à História, ficamos aturdidos por uma multipl icidade de atos de violência, manifestação de um poder político, mas não somente deste, porque, pode ser de um outro tipo: social, religi-oso, econômico, cultural ou outro, que expressa uma proximidade e familiaridade, "laços tão estreitos, tão ligados à sua estrutura, que somos levados a pensar que o único problema do poder é a violência, e que a única verdadeira finalidade da violência é o poder seja de que forma for" (Dandoun, 1998:66).

Para analisar a relação entre poder e violência, seria preciso atravessar toda a história e todo o pensa-mento político ocidental, de Platão a Arendt, obra des-mesurada e que extrapolaria o nosso. objetivo imediato. Tomaremos o pensamento de Weber e Arendt como pólos opostos para o entendimento do problema, a fim de marcar algumas digressões exemplares ou originais.

Para Weber (1993:55), o Estado contemporâ-neo, representante de uma comunidade localizada no limites de um determinado território, reivindica o monopólio do uso legítimo da violência. Acredita que é "com efeito, próprio de nossa época o não reconhe-cer, em relação a qualquer outro grupo de indivíduo, o direito de fazer uso da violência, a não ser nos caso em que o Estado o tolere: o Estado se transforma., por-tanto, na única fonte do direito à violência.'

Sociologicamente, na concepção de Weber, o Estado se define pela peculiaridade do uso da coação física e por seu controle. Há em seu pensamento uma orquestração do poder político com os meios de vio-lência, que garantiria a existência das estruturas sociais, impedindo sua deterioração e o conseqüente surgimento da "anarquia".

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Para ele, os homens agem politicamente segun-do critérios racionais que definem quais meios devem ser utilizados para se atingir um fim a que se preten-de. Aron (1997), ao comentá-Io, indica que a ação baseada na razão se inspira em duas atitudes: a pri-meira é instrumental e busca produzir resultados ade-quados aos nossos objetivos. A segunda é moral e indica que os homens podem agir e falar sem considerar os outros e sem analisar as conseqüências dos atos.

Habermas (1993: I 00), ao analisar o conceito de poder em Weber, mostra que os indivíduos agem orientados para a realização de seus interesses, ou seja, o êxito da ação deve estar relacionado à satisfação do objetivo enunciado pela vontade. Denomina ele este modelo de ação como teleológico: "um sujeito indivi-dual (ou um grupo que pode ser considerado como indivíduos) se propõe um objetivo e escolhe os meios apropriados para realizá-Io. O sucesso da ação con-siste em provocar no mundo um estado de coisas que corresponda ao objetivo proposto. Na medida em que tal sucesso depende do comportamento de outro su-jeito, deve o ator ter à sua disposição meios que indu-zam no outro o comportamento desejado.EDCBAÉ essa capacidade de disposição sobre meios que permitem influenciar à vontade de outrem que Max Weber cha-ma de poder."

O poder consistiria, portanto, em uma ação ra-cional, cuja orientação seria de caráter pessoal, funci-onando como um potencial para atingir-se um fim. Weber acreditava que a violência era um instrumento por excelência do poder, principalmente do poder po-lítico. Entendia por política o conjunto de esforços feitos pelos indivíduos com vistas a participar do po-der ou a influenciar a divisão do popo-der, seja entre es-tados, seja no interior de único Estado; e o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, erguida sob o instrumento da violên-cia legítima. Por isso, política e violênviolên-cia trilham o mesmo caminho e compartilham a mesma finalidade, pois a política é o canal que liga o indivíduo ao Esta-do e o EstaEsta-do é, primordialmente, o controlador e o detentor, tanto da ação política como da violência.

Weber está preocupado com o fundamento do poder, justamente a relação mando-obediência, mas não pergunta pela violência. E por que não faz isso?

Certamente porque a via como uma instituição oucbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m e d i u m social, que dava sustentabilidade às relações

de poder. O fato do Estado Moderno ter o controle e a disposição legítima da violência, engendrou uma mu-dança na organização social, configurada por Norbert Elias como um processo civilizatório.

Arendt (1994), ao contrário, criticará toda a tra-dição do pensamento político que estabeleceu a

cone-xão entre violência e poder. Defende o argumento de que as definições clássicas são derivações da noção de poder absoluto, desenvolvida pelos autores, Jean Bodin, na França do século XVI, e Thomas Hobbes, na Inglaterra do século XVII, estando relacionadas tanto ao surgimento do Estado- ação na Europa quan-to às formas de governo definida. no mundo grego. Sua posição é radicalmente outra. Seu propósito é distingüir e ir à origem do fenômeno do poder e da violência. Observemos como define ela o poder e a violência:

o

p o d e r c o r r e s p o n d e à h a b i l i d a d e h u m a n a n ã o a p e n a s p a r a a g i r m a s p a r a a g i r e m c o n

-c e r t o . O p o d e r n u n c a é p r o p r i e d a d e d e u m

i n d i v í d u o ; p e r t e n c e a u m g r u p o e p e r m a n e

-c e e m e x i s t ê n c i a a p e n a s n a m e d i d a e m q u e

c o n s e r v a - s e u n i d o (Arendt. 1994: 36).

A v i o l ê n c i a , ( . . .) d i s t i n g u e - s e p o r s e u c a r á t e r

i n s t r u m e n t a l . F e n o m e n o l o g i c a m e n t e , e l a e s t á

p r ó x i m a d o v i g o r , p o s t o q u e o s i m p l e n i e n t o s

d a v i o l ê n c i a , c o m o t o d a s a s o u t r a s f e r r a m e n

-t a s , s ã o p l a n e j a d o s e u s a d o s c o m o p r o p ó s i t o

d e m u l t i p l i c a r o v i g o r n a t u r a l a t é q u e , e m s e u

ú l t i m o e s t á g i o d e d e s e n v o l v i m e n t o . p o s s a m

s u b s t i t u i - t o (Arendt, 1994: 37).

Fica claro, na análise dela, que o poder se for-ma a partir da reunião dos homens para agir em con-junto, objetivando criar um assentimento comum,

baseado no discurso e entendimento recíprocos. Não há no modelo arendtiano de ação a instrumentalização das consciências alheias a fins particulares. O poder só existe como mobilização coletiva e visa a uma ação comum, produzido que é nas relações intersubjetivas dos membros de uma comunidade. A persuasão e o consenso são os mecanismos pelos quais ele ganha apoio e não obediência. Diferentemente de Weber, Hannah Arendt (1994: 34) não identifica o conceito de poder a mando e obediência, mas sim a uma acei-tação livre, assentada no consentimento de todos e no discurso racional. Assim "é o apoio do povo que con-fere poder às instituições, e este apoio não é mais do que a continuação do consentimento que trouxe as leis à existência ( ...). Todas as instituições políticas são manifestações e materializações do poder; elas petri-ficam-se e decaem tão logo o poder vivo do povo dei-xa de sustentá-Ias.

O poder é um ato não impositivo e repousa, segundo Habermas (1993: 103), em um agir comuni-cativo. As percepções comuns têm origem nos parti-cipantes, desde que situadas em uma linguagem

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ilocutória, isto é, que visa "ao estabelecimento não coercitivo de relações intersubjetivas", e não numa linguagem perlocutória, isto é, visando "instigar ou-tros sujeitos para um comportamento desejado ( ...)." O poder somente se realiza quando praticado e tem sua legitimidade garantida por um espaço público "não deformado". O poder é um reflexo de um apoio e está diretamente ligado a um número de indivíduos e não a meios de violência de que dispõe. Nesse ínterim, nunca carece de justificativa, ao contrário da violên-cia, que por não ser fim de si mesma, necessita sempre de justificação: "a violência pode ser justificável, mas nunca será legítima" (Arendt, 1994: 41). Ela está em contraposição ao poder, é a negação de sua realização na sociedade. Provoca ela o isolamento entre os ho-mens e leva à "desagregação da esfera pública enquan-to espaço de aparição da plural idade de homens e opiniões, e isto se dá na exata medida em que a violên-cia usurpa e ocupa o lugar do poder" (Duarte, 1994: 89). A desintegração do poder: enseja a prática da vio-lência, uma vez que o rompimento do consenso cria uma situação-limite comandada pelos instrumentos de violência. Entretanto, nestes termos, os governos que procuram se manter auxiliados pelos meios de violên-cia tornam-se impotentes e suas ações são inúteis.

Nenhum governo ou sistema de poder pode se sustentar apenas com a prática da violência, pois esta tende a torná-Io débil, uma vez que só a legitimidade conquistada no "estar juntos inicial" garante a sua con-tinuidade. O poder configura-se na capacidade que as pessoas têm para agir em consonância enquanto, a vio-lência trabalha para romper com a unidade e destruir o poder, daí ser conveniente aceitarmos que "do cano de uma arma emerge o comando mais efetivo, resultando na mais perfeita e instantânea obediência. O que nunca emergirá daí é o poder" (Arendt, 1994: 42).

Para Hannah Arendt, o poder é o lugar privile-giado da fala e do discurso, da argumentação livre e racional, do homem que age responsavelmente diante de outrem. A negação disso é a violência: possibilida-de humana que não se reduz ao discurso, permane-cendo para sempre fora do discurso, ameaça constante a ele, já que seu "princípio não pode ser eliminado pelo discurso" (Perine, 1987: 131). Contudo, Arendt nos lembra de "que estas distinções, embora de forma alguma arbitrárias, dificilmente correspondem a com-partimentos estanques no mundo real, do qual entre-tanto, são extraídas" (Arendt, 1994: 38).

O pensamento arendtiano é, sem dúvida alguma, marcado pela originalidade, dado o viés que toma a pro-blemática do poder e da violência em suas reflexões. Desse modo, acreditamos ser importante destacar alguns pontos relevantes e, ao mesmo tempo, limitados, os quais consideramos fundamentais para a melhor compreensão do fenômeno nas sociedades modernas. Primeiro, a sua

concepção de poder demonstra ser umcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc o n s t r u c t o , nos

moldes de Weber do tipo ideal. Quer dizer, é um exagero do real; em estado puro não é possível encontrá-Io, con-quanto seja impossível estar ausente de qualquer comu-nidade política. Mesmo tendo-o extraído das formas de governo das cidades-estado atenienses, denominada isonomia ou dac i v i t a s , em Roma, não constitui sua

des-crição, apenas fornecendo elementos para pensar o con-ceito. Nesse sentido, há em sua análise um conteúdo ético-moral muito forte, que se dilui em sua obra sobre os caracteres da normatividade. Isto é mais bem percebi-do quanpercebi-do ela utiliza os vocábulos "banalização percebi-do mal" e "mal radical".

Dizemos que, em segundo lugar, existe uma li-mitação quanto ao conceito de poder, pois este exclui e não pode explicar a competição e o conflito entre os indivíduos e/ou grupos, cuja finalidade é exercê-Io. Destaca Habermas ( I 993: 110-1) que Hannah Arendt, com isto, "tem que pagar o preço de: a) excluir da esfera política todos os elementos estratégicos, defi-nindo-os como violência; b) de isolar a política dos contextos econômicos e sociais em que está embutida do sistema administrativo; c) de não poder compreen-der as manifestações de violência estrutura1."

Em terceiro lugar, revela-se muito significativo a desmistificação do fenômeno da violência como algo irracional. Justamente porque tentam racionalizá-Ia é que se torna irracional. A violência às vezes - "mas não sempre" - acompanha o homem e extirpá-Ia "não seria mais do que desumanizar ou castrar o homem" (Arendt, 1994: 48). Apesar de algumas vezes a violên-cia ser a única forma de "reequilibrar as balanças da justiça", não é um fenômeno natural ou ocorrência de um processo vitaf . Procura-se aqui fazer uma crítica às concepções do organicismo e das teorias da Psicolo-gia Social do finai do século XIX. Afirmar que a vi-olência é um in trumento, recur o eficaz ao qual o homem recorre para alcançar um fim, é aceitá-Ia como fenômeno racional. ão é ela, na visão de Arendt (1994: 60) nem bestial nem racional, mas um fato pertencen-te 'ao âmbito político dos negócios humanos (. ..)."

JHannah Arendt (1994: 55) colocar-se-á de forma crítica ao biologismo e psicologismo das explicações anteriores sobre a violência. Diz ela: "Na minha opinião, nada poderia ser teoricamente mais perigoso que a tradição do pensamento organicista em assuntos políticos, por meio da qual poder e violência são interpretados em termos biológicos. Tal como estes termos são entendidos hoje, a vida e a suposta criatividade da vida, são o seu denominador comum, de modo que a violência é justificada nas bases da criatividade."EDCBA

(8)

Por último, há um reducionismo na interpreta-ção do conceito de violência à sua prática na esfera

política. Da mesma forma que Marx e todos os

mar-xistas explicaram a violência como expressão da luta

de classes, ou seja, do poder político, similarmente, acontece o mesmo na teoria política arendtiana.

Malgrado as críticas e exaltadas as contribuições, o pensamento político em muito vem colaborando no

entendimento da violência. No entanto, a

generalida-de generalida-de suas afirmações, de conteúdo não raras vezes

demasiado abstrato, carente de dados empíricos, tem sido a base do conhecimento sociológico sobre a

vio-lência, o que vem impedindo ou dificultando a

emer-gência do que poderia se chamar uma sociologia da violência.

POR UMA SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA

Em fins do século XIX, a sociedade francesa

ficou perplexa com uma afirmação de um de seus mais

brilhantes pensadores: Émile Durkheim. Propunha ele que o crime era um fenômeno normal e tinha uma

uti-lidade para a sociedade. Foi o bastante para que se

levantasse, por parte da coletividade, a idéia de que Durkheim era a favor da criminal idade. A postura dele

causou enorme espanto, porque baseada num proce-dimento inovador, ou seja, no método sociológico. A

percepção nova de Durkheim, em sua análise do cri-me, estava de acordo com a sua atitude metodológica

descrita emcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA s R e g r a s d o M é t o d o S o c i o l ó g i c o . Na ânsia de explicar o social como regularidade e exterioridade, procurava abandonar a moral idade, que impedia a visualização das relações entre o crime e a

norma ou o direito.

A forma de olhar o social praticada por Ourkheim, embora marcadamente contestada pelos

seus concidadãos e mesmo por seus presentes e

futu-ros companheifutu-ros de labor, foi muito mais

sagazmen-te apropriada posteriormente pela Antropologia do que

pela Sociologia. Pensamos realmente que houve um esquecimento ou uma marginalização dos estudos

so-bre a violência nas Ciências Sociais". Os trabalhos de

pesquisa reduziram-se a abordagens no âmbito da Fi-losofia Política, demasiado gerais e não poucas vezes

exageradamente ideológicos.

O debate sobre a violência tem aumentado em

lar-gas proporções, o que não quer dizer que esteja

direta-mente relacionado a um aumento na sua prática, mas

evidencia uma forte preocupação para compreendê-Ia

dentro dos contextos nos quais é ensejada. Não se trata

de marcar limites estanques dentro das áreas das Ciên-cias Humanas. A interdisciplinaridade, longe de

dificul-tar, favorece a pesquisa científica e ao entendimento do

que Bourdieu denomina razões práticas. Ademais,

exis-tem métodos e técnicas próprias das disciplinas, que per-mitem, dependendo da escolha, observar de forma diferenciada a realidade social. Ne se sentido, aceitar uma

"antropologização da sociologia" é, até onde alcança

nossa compreensão do significado contido na proposi-ção, negar a contribuição que a teoria sociológica é

ca-paz de dar para a apreensão do fenômeno da violência.

Sem dúvida é inegável que a Filosofia Política

e a Antropologia têm contribuído e certamente

per-manecerão auxiliando o pensamento sociológico na construção e definição de conceitos, entre os quais o de violência. Todavia, aproximar-se das outras

Ciên-cias Humanas e das formas como estas apreendem as

relações sociais é tão importante quanto necessário é afastar-se dos mesmos, a fim de produzir-se os proce-dimentos próprios do m é t i e r d e s o c i o l o g u e . Como

salienta Bourdieu (1989:23), "a Sociologia é uma

ci-ência relativamente avançada, muito mais que

habi-tualmente se julga, mesmo entre os sociólogos. Um bom sinal do lugar que um sociólogo ocupa na sua

disciplina seria sem dúvida o da idéia - maior ou me-nor - que ele tem daquilo que precisaria de dominar

para estar realmente à altura do saber adquirido da

sua disciplina, já que a propensão para uma

apreen-são modesta das suas capacidades científicas só pode

crescer à medida que cresce o conhecimento do que mais recentemente foi adquirido em matéria de

méto-dos, de técnicas, de conceitos ou de teorias. Mas ela

está ainda pouco codificada e pouco formalizada." Portanto, a tarefa de quem se aventura à prática do conhecimento sociológico é, também, expandir o nível da reflexão em que se encontra a própria

Socio-logia. Somente por esse canal viabiliza-se a

apreen-são objetiva das representações construídas pelos

indivíduos em sociedade. Ressalte-se que as relações

sociais são sempre históricas, e, sendo assim,

contin-gentes quanto ao sentido atribuído pelos indivíduos em tempos históricos diferentes. Nessa perspectiva. uma sociologia da violência busca compreendê-Ia em

seus teores históricos, identificando as razões, os

va-lores e as visões sob as quais ela se manifesta em pe-ríodos espaço-temporais diferenciados. Foi exatamente

isso que fez Durkheim ao estudar o crime, mas

tam-bém o suicídio: identificar no seu contexto histórico a

sua realização e as relações que sua prática

propicia-va com as instituições. Não cabe àSociologia

especu-4 Oadoun(1998:81) acredita que a ação violenta é um fato de " estrutura, que designa o homem como sendo fundamentalmente, primordialmente, um ser de violência, l i o m o v i o l e n s " .EDCBA

(9)

lar sobre a existência ou não de uma natureza humana violenta>, mas perguntar como e em que situações os indivíduos praticam a violência. Sabe-se que a defini-ção do conteúdo da violência mantém reladefini-ção com os códigos, valores, crenças, normas, práticas e institui-ções das culturas específicas.

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Referências

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