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INTRODUÇÃO - ASPECTOS DO DELITO

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INTRODUÇÃO - A

SPECTOS DO DELITO

Em termos físicos, o crime é simplesmente uma conduta humana, ou seja, uma ação ou omissão.

Porém, juridicamente, o fenômeno criminal pode ser decomposto em vários aspectos, cada um deles determinante para a verificação da própria existência do crime e da responsabilidade de seu autor. Assim, necessariamente a análise do crime deve ser iniciada com a verificação da adequação da conduta cometida com aquela prevista na lei, ou seja, com a tipicidade. Conferida a existência do fato típico, ainda é necessária a verificação da compatibilidade desse fato com todo o ordenamento jurídico. Caso a resposta seja negativa, o fato será considerado ilícito ou antijurídico.

Finalmente, o fato típico e ilícito ainda deve ser submetido às condições específicas de responsabilização criminal, que determinarão a responsabilidade (culpabilidade) do agente.

Nos próximos itens, serão estudados os três aspectos jurídicos do crime de acordo com a doutrina dominante (conceito tripartido), ou seja: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Em cada um deles, será realizada análise sobre seus elementos constitutivos e sobre suas causas de exclusão.

Antes, porém, é preciso registrar as principais teorias que trataram desses aspectos: o causalismo e o finalismo. A primeira considera que o tipo penal deve expressar apenas a relação entre a conduta e o resultado, sem qualquer referência ao dolo e à culpa, analisados em momento posterior, na culpabilidade.

Para o finalismo, adotado, de acordo com a doutrina majoritária, na reforma da Parte Geral do CP realizada em 1984, o dolo e a culpa são essenciais para a definição do tipo penal. De fato, somente é possível saber se a produção de uma lesão em alguém é crime de lesão corporal consumada ou de homicídio tentado se for considerada a intenção do agente. Assim, esses elementos são deslocados da culpabilidade para a tipicidade.

Finalmente, a teoria social da ação considera que o dolo e a culpa são elementos integrantes tanto

do tipo quanto da culpabilidade. O resultado da utilização de cada uma dessas teorias é exatamente

o mesmo: o que muda é simplesmente o momento da verificação da existência do dolo ou da culpa.

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Tipo penal

1. Introdução

Tipo é a descrição legal da conduta correspondente ao crime. Assim, “subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel” é o tipo penal do crime de furto (CP, art. 155). A simples análise do tipo não permite, por si só, a constatação da existência do crime, pois o fato típico pode ser lícito, ou seja, estar de acordo com o ordenamento jurídico. Porém, na maioria das vezes em que um fato é típico, ele também será ilícito. Assim, o tipo penal constitui um indício da ilicitude do fato. Há, portanto, uma presunção relativa, segundo a qual o fato típico é, a princípio, ilícito, sendo necessária a prova de sua licitude (compatibilidade com a lei) para que não seja considerado como crime.

O tipo penal tem as seguintes funções essenciais:

a) Seleção das condutas relevantes para o Direito Penal;

b) Garantia contra incriminações arbitrárias, uma vez que o tipo deve ser taxativo, isto é, na medida do possível, deve permitir apenas uma interpretação razoável (decorrência necessária do princípio da legalidade);

c) Função indiciária da ilicitude. Como visto, o fato típico provavelmente também é ilícito.

Porém, parte da doutrina considera que a tipicidade necessariamente engloba a ilicitude, não sendo seu indício, mas sua essência. De acordo com esse ponto de vista, o fato lícito também seria atípico;

d) Critério de delimitação do iter criminis: o caminho percorrido pelo criminoso para a realização de seus objetivos compõe-se das seguintes etapas: cogitação, preparação, execução, consumação e exaurimento. Somente as três últimas têm relevância penal, uma vez que estão descritas no tipo.

Elementos são partes absolutamente necessárias para a formação do tipo penal. A ausência de

qualquer elemento exclui a tipicidade, ou seja, torna o fato atípico. Existem elementos que são

comuns a todos os tipos penais e outros específicos, essenciais a apenas alguns tipos.

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São elementos comuns, a serem estudados nos próximos tópicos:

a) conduta (ação ou omissão);

b) resultado;

c) nexo de causalidade;

d) dolo ou culpa (elemento subjetivo).

Existem duas categorias de elementos especiais:

a) Subjetivos: o agente pratica o ato com especial fim de agir, com certa e determinada intenção. Na extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), por exemplo, a vítima é privada de sua liberdade de locomoção com a finalidade de obtenção de um resgate;

b) Normativos: são aqueles que requerem, para sua compreensão, da utilização de um juízo de valor por parte do intérprete. Por exemplo, “perigo de vida” nas lesões corporais graves (CP, art. 129, parágrafo terceiro). Trata-se de uma atenuação do princípio da taxatividade, uma vez que, por limitações intrínsecas à própria linguagem, é impossível que a redação de todos os tipos penais seja puramente objetiva.

Tipo penal

Conceito Descrição legal da conduta penalmente proibida.

Funções

Seleção de condutas penalmente relevantes.

Indício da ilicitude.

Garantia contra incriminações arbitrárias.

Delimitação do iter criminis.

Elementos

Objetivos ou descritivos

Conduta.

Resultado.

Nexo de causalidade.

Tipicidade.

Subjetivos

Dolo.

Culpa.

Especiais fins de agir.

Normativos

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2. Elementos do tipo

2.1 Conduta

Todas as normas penais destinam-se a proibir condutas (comportamentos) que lesionem ou ameacem de lesão bens jurídicos protegidos. Geralmente, o verbo presente no tipo legal descreve uma ação (matar, subtrair, danificar, etc.). Em algumas situações, porém, o que se proíbe não é uma ação, mas exatamente a ausência de uma ação requerida normativamente.

Existem três conceitos de conduta, de acordo com a respectiva teoria adotada:

a) teoria casualista: movimento corporal voluntário;

b) teoria finalista: vontade dirigida para um resultado;

1

c) teoria social: conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade.

A omissão penalmente relevante tem duas características:

a) Decorre de um dever expresso em um tipo penal, como no crime de omissão de socorro (art. 135) ou da ausência de cumprimento do dever de garantidor da não ocorrência do resultado lesivo (esse dever incumbe às categorias de pessoas enumeradas no art. 13, § 2°);

b) Somente gera responsabilidade penal se a pessoa, na situação concreta, realmente tenha a possibilidade de agir. Assim, o pai que não sabe nadar, vê o filho afogando e não o socorre, não pode ser penalizado pela omissão, pois a ele era impossível agir.

2

1 “Constatado que o recorrente não revelou a intenção de apoderar-se de bem alheio, que temporariamente permaneceu na sua posse, a simples mora na sua entrega ao proprietário, consoante orientação consignada pela teoria finalista da ação e adotada pela sistemática penal pátria, não configura o crime de apropriação indébita descrito no art. 168 do CP, em razão da ausência do dolo – animus rem sibi habendi –, elemento subjetivo do tipo e essencial ao prosseguimento da imputação criminal.”

(STJ, RHC 22914 / BA, julgado em 04/11/2008).

2 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INUNDAÇÃO E CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. OCORRÊNCIA. DELITOS OMISSIVOS. GARANTE. ART. 13,

§ 2º, DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. NÃO-PREENCHIMENTO.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

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2.2 Resultado

É a consequência da realização da conduta. Existem duas espécies de resultado: físico e normativo.

O resultado físico ou naturalístico consiste na alteração da realidade causada pelo crime. Ex.: o resultado do homicídio é a morte da vítima. De acordo com esse conceito, os crimes podem ser classificados em:

a) Materiais: são aqueles que têm resultado naturalístico. Ex.: furto (CP, art. 155);

b) Formais: o resultado naturalístico é previsto no tipo, mas sua ocorrência não é necessária para a consumação do crime. Ex.: omissão de socorro (CP, art. 135);

c) De mera conduta: não há nem previsão de resultado naturalístico no tipo penal. Ex.:

calúnia (CP, art. 138).

O resultado normativo ou jurídico é a lesão ou a ameaça de lesão ao bem protegido. Todos os crimes têm resultado normativo, mesmo aqueles que não alteram a realidade física. Ex.: o resultado da injúria (CP, art. 140) é a lesão à honra subjetiva da vítima.

4.1.2.3 Nexo de causalidade

É a relação de causa e consequência entre a conduta e o resultado naturalístico. Assim, somente existe nexo de causalidade em crimes materiais. Nos crimes formais e de mera conduta, não há esse nexo, uma vez que, nesses casos, o crime consuma-se com a própria realização da conduta, produzindo apenas resultado jurídico.

1. Para que um agente seja sujeito ativo de delito omissivo, além dos elementos objetivos do próprio tipo penal, necessário se faz o preenchimento dos elementos contidos no art. 13 do Código Penal: a situação típica ou de perigo para o bem jurídico, o poder de agir e a posição de garantidor.

2. Ausente um dos elementos indispensáveis para caracterizar um agente sujeito ativo de delito omissivo – poder de agir –, previstos no art. 13 do Código Penal, falta justa causa para o prosseguimento da ação penal, em face da atipicidade da conduta.

3. Ordem concedida.

(STJ, HC 94543 / RJ, julgado em 17/09/2009).

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Diversas teorias foram propostas para determinar a existência da relação de causalidade. Em termos de responsabilidade civil do Estado, por exemplo, adota-se, de acordo com o STF, a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal.

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Essa teoria denomina como causa apenas aquele evento que estiver temporalmente mais próximo do dano, excluindo-se eventos anteriores.

No Direito Penal brasileiro, adotou-se a teoria da equivalência das condições (ou da conditio sine qua non), que considera causa qualquer evento que tenha, de alguma forma, contribuído para o crime. Assim dispõe o art. 13, caput, do Código Penal: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.

Para verificar se determinado evento é causa do crime, utiliza-se o processo de eliminação hipotética de Thyrén: mentalmente, elimina-se o fato da cadeia de acontecimentos. Se essa eliminação implicar em ausência ou modificação do resultado, o evento é considerado causa. Caso contrário, é irrelevante.

Contra esse procedimento, objeta-se a possibilidade de uma absurda regressão ao infinito. Assim, o ato sexual que deu origem ao agente também seria causa, por exemplo, do homicídio que ele cometeu. Porém, a limitação desse procedimento é muito simples: penalmente, somente interessam aquelas condutas praticadas com dolo (intenção de cometer o crime) ou culpa (descuido ao não evitar a previsível ocorrência do crime). Nesse sentido, é responsável aquele, conhecendo as intenções homicidas de outrem, empresta-lhe uma arma; mas, não pode ser responsabilizado aquele que fabricou a arma.

3 “A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 da EC 1/1969 (e, atualmente, no

§ 6º do art. 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada.”

(RE 130.764, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 12-5-1992, Primeira Turma, DJ de 7-8-1992).

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Geralmente, o agente responde por crime consumado sempre que ocorrer o resultado previsto no tipo penal. Assim, se a vítima morre em decorrência de um tiro, aquele que disparou a arma responde por homicídio consumado.

Porém, o curso normal dos acontecimentos pode ser alterado por um evento posterior que não tem relação necessária, mas contingente, com a conduta criminosa: trata-se da causa superveniente relativamente independente. Ex.: vítima esfaqueada que é socorrida por uma ambulância e vem a falecer em decorrência de acidente de trânsito causado pelo motorista desse veículo.

De acordo com o art. 13, § 1°, do CP, “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Nesses casos, o agente não pode ser responsabilizado pelo resultado (crime consumado), pois não o produziu diretamente. Responde, porém, pelos atos anteriores, ou seja, por sua conduta. No exemplo precedente, aquele que esfaqueou a vítima responde apenas por homicídio tentado, uma vez que sua conduta não foi a causa direta da morte.

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A omissão tem tratamento especial também no tocante ao nexo de causalidade. Nesse caso, não se pode falar de uma relação de causalidade material, pois, obviamente, a ausência de um ato, em termos físicos, não pode dar origem a nada. Trata-se, na verdade, de uma causalidade puramente normativa, ou, para ser mais preciso, de um nexo de não impedimento. O Código Penal (art. 13, §

4 A morte da vítima em hospital não é fator que altera o curso normal dos acontecimentos, como já decidiu o STJ:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NOVO INTERROGATÓRIO.

FACULDADE DO JULGADOR. PROVA EMPRESTADA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUANDO EXISTEM OUTROS ELEMENTOS QUE SUSTENTAM A CONDENAÇÃO. CAUSA SUPERVENIENTE RELATIVAMENTE INDEPENDENTE. INEXISTÊNCIA. TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS. LEGÍTIMA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO PELA VIA ESTREITA DO WRIT POR EXIGIR EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, DENEGADA.

(...)

4. O fato de a vítima ter falecido no hospital em decorrência das lesões sofridas, ainda que se alegue eventual omissão no atendimento médico, encontra-se inserido no desdobramento físico do ato de atentar contra a vida da vítima, não caracterizando constrangimento ilegal a responsabilização criminal por homicídio consumado, em respeito à teoria da equivalência dos antecedentes causais adotada no Código Penal e diante da comprovação do animus necandi do agente.

(...)

6. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada.

(HC 42559 / PE, julgado em 04/04/2006).

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2º) bem define essa situação ao dispor que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.

Atualmente, tem adquirido cada vez mais relevância a teoria da imputação objetiva, que considera o nexo de causalidade não apenas como uma relação física entre a conduta e o resultado, mas, essencialmente, uma relação normativa. De acordo com essa teoria:

O resultado de uma ação humana só pode ser objetivamente imputado a seu autor quando sua atuação tenha criado, com relação ao bem jurídico protegido, uma situação de risco (ou perigo) juridicamente proibido, e que tal risco tenha se materializado num resultado típico, ou seja, a imputação do tipo pressupõe que o resultado tenha sido causado pelo risco não permitido criado pelo autor. Significa dizer, enfim, que, estando o risco produzido dentro do que normalmente se admite e se tolera socialmente, não caberá a imputação objetiva do tipo, ainda que se trate de uma ação dolosa e que cause lesão ao bem jurídico.

Em suma, pois, a imputação do tipo objetivo pressupõe um perigo criado pelo autor e não coberto por um risco permitido dentro do alcance do tipo, é dizer, que determinado resultado lesivo só pode ser juridicamente – teleológico-valorativamente – atribuído a uma ação como obra sua, e não como obra do azar.

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Aquele que, por exemplo, incentiva outrem a uma prática esportiva extremamente perigosa, que, posteriormente, vem a causar a morte deste, não responde por homicídio, uma vez que o risco criado é social e juridicamente tolerado.

Como acontece comumente no Direito Penal, a imputação objetiva é uma teoria que apenas apresenta uma nova terminologia para a solução de problemas já bastante conhecidos. Seu único efeito é trazer discussões típicas de uma fase posterior (verificação da existência do dolo ou da

5 QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p. 175-176.

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culpa) para o nexo de causalidade.

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Na prática, é, no mínimo, bastante improvável que uma decisão judicial contenha um resultado diverso em razão do uso da teoria da imputação objetiva.

Conduta

Conceito Comportamento humano voluntário que lesiona ou ameaça de lesão bem jurídico.

Espécies Ação.

Omissão.

Resultado

Conceito Consequência do resultado; consumação do crime.

Espécies

Naturalístico ou físico.

Normativo ou jurídico.

Nexo de causalidade

Conceito Relação de causa e consequência entre a conduta e o resultado.

Critério

adotado Teoria da equivalência das condições.

Causa

superveniente

Tem origem na conduta do criminoso, mas não está no curso normal dos acontecimentos.

6 HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. VÍTIMA - MERGULHADOR PROFISSIONAL CONTRATADO PARA VISTORIAR ACIDENTE MARÍTIMO. ART. 121, §§ 3º E 4º, PRIMEIRA PARTE, DO CÓDIGO PENAL.

TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

1. Para que o agente seja condenado pela prática de crime culposo, são necessários, dentre outros requisitos: a inobservância do dever de cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia) e o nexo de causalidade.

2. No caso, a denúncia imputa ao paciente a prática de crime omissivo culposo, no forma imprópria. A teor do § 2º do art. 13 do Código Penal, somente poderá ser autor do delito quem se encontrar dentro de um determinado círculo normativo, ou seja, em posição de garantidor.

3. A hipótese não trata, evidentemente, de uma autêntica relação causal, já que a omissão, sendo um não-agir, nada poderia causar, no sentido naturalístico da expressão. Portanto, a relação causal exigida para a configuração do fato típico em questão é de natureza normativa.

4. Da análise singela dos autos, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, verifico que a ausência do nexo causal se confirma nas narrativas constantes na própria denúncia.

5. Diante do quadro delineado, não há que se falar em negligência na conduta do paciente (engenheiro naval), dado que prestou as informações que entendia pertinentes ao êxito do trabalho do profissional qualificado, alertando-o sobre a sua exposição à substância tóxica, confiando que o contratado executaria a operação de mergulho dentro das regras de segurança exigíveis ao desempenho de sua atividade, que mesmo em situações normais já é extremamente perigosa.

6. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta do acusado e a morte do mergulhador, à luz da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da criação pelo paciente de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese.

7. Com efeito, não há como asseverar, de forma efetiva, que o engenheiro tenha contribuído de alguma forma para aumentar o risco já existente (permitido) ou estabelecido situação que ultrapasse os limites para os quais tal risco seria juridicamente tolerado.

8. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta.

(STJ, HC 68871 / PR, julgado em 06/08/2009).

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relativamente independente Imputação objetiva

Teoria que considera o nexo de causalidade como criação de risco não permitido.

2.4 Elementos subjetivos

Para a realização do crime, não basta que o agente realize uma ação ou omissão (conduta) que causa (relação de causalidade) um dano ou perigo de dano (resultado). Todos esses elementos são objetivos, descritivos, ou seja, pertencem à realidade exterior. É preciso também a existência de um elemento subjetivo, ou seja, o agente, para ser responsabilizado, deve atuar com dolo (intenção de cometer o crime) ou culpa (provocação do resultado por motivo de desobediência a um dever de cuidado).

2.4.1 Dolo

“Dolo” tem origem no termo latino dolus, que significa “destreza, esperteza, arteirice, manha, engano”. Nesse sentido, o dolo é compreendido no Direito Civil como a intenção de levar outrem a praticar um ato jurídico em prejuízo deste e proveito próprio ou de outrem. De acordo com o Código Civil (art. 145-150), dolo é um dos defeitos dos negócios jurídicos e, portanto, uma das causas de anulação deles.

No Direito Penal, o termo “dolo” adquiriu a concepção diversa, pois significa a intenção de praticar a conduta descrita no tipo penal. Existem três teorias penais que tratam do alcance do conceito de dolo:

a) teoria da vontade: dolo é a vontade dirigida à prática do tipo penal;

b) teoria da representação: dolo é a previsão do resultado expresso no tipo;

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c) teoria do assentimento: dolo é a aceitação de um resultado, mesmo que não tenha sido querido como fim específico da conduta.

Dessas teorias, o CP adotou a primeira e a última ao dispor que “diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado (teoria da vontade) ou assumiu o risco de produzi-lo (teoria do assentimento)” (art. 18, I).

O dolo deve contar necessariamente com as seguintes características:

a) abrangência: a intenção do agente deve estar voltada para a realização de todos os elementos objetivos do tipo;

b) atualidade: o dolo deve estar presente no momento da ação, não podendo se falar em dolo antecedente ou subsequente;

c) possibilidade de influenciar o resultado: a vontade do agente somente é relevante se ele for capaz de produzir o resultado típico.

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São espécies de dolo:

a) Dolo direto ou determinado: o agente quer alcançar um resultado específico. Ex.: matar alguém (homicídio).

b) Dolo indireto ou indeterminado: a intenção do agente não se dirige a um resultado específico. O dolo indireto divide-se em:

I) dolo alternativo, em que, para o agente, é indiferente que ocorra um resultado ou outro.

Ex.: matar ou lesionar; e

II) dolo eventual, em que o agente não tem a finalidade de cometer o crime, mas assume o risco de produzir o resultado. Ele vê o resultado típico como provável e, mesmo assim, age;

é, portanto, indiferente à ocorrência desse resultado. Ex.: motorista que dirige bêbado e em alta velocidade assume o risco de causar um dano;

c) Dolo genérico: é o dolo em sua acepção comum, ou seja, a vontade de simplesmente realizar os fatos descritos no tipo penal;

d) Dolo específico: aquele que se refere a um fim especial visado pelo agente, que é diverso do resultado requerido para a consumação do crime. Ex.: “intuito de obter vantagem ou

7 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 143-144.

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favorecimento sexual” no crime de assédio sexual (CP, art. 216-A). O dolo específico também é denominado, por alguns autores, de elemento subjetivo do injusto;

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e) Dolo geral (erro sucessivo ou aberratio causae): o agente obtém o resultado desejado, mas por meios diversos do modo previsto. Trata-se de um erro sobre o nexo de causalidade, que não influi em sua responsabilização. Ex.: com a intenção de matar, o agente esgana a vítima, que desmaia. Tomando-a por morta, ele a joga em um rio com o objetivo de ocultar o cadáver. Finalmente, a vítima morre por afogamento e não esganadura.

2.4.2 Culpa

“Culpa” tem origem em um termo latino de mesma grafia, que significa “falta ou delito”. Nesse sentido amplo, culpa indica a responsabilidade do agente por determinado ato e constitui sinônimo de “elemento subjetivo do crime”, englobando o dolo. Por isso, diz-se comumente que “alguém é culpado de um crime”. Também com base nesse conceito, é que os teóricos do causalismo teorizaram a existência da culpabilidade, nela incluindo, como elementos, o dolo e a culpa.

Atualmente, o vocábulo “culpa” é utilizado em sentido mais restrito, tanto no Direito Civil quanto no Direito Penal. Trata-se simplesmente da desobediência a um dever de cuidado. No crime culposo, o agente produz um resultado indesejado, mas objetivamente previsível.

São características do crime culposo:

8 PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA. PEÇA DE DEFESA. ANIMUS DEFENDENDI. REPRESENTAÇÃO CONTRA A VÍTIMA. ANIMUS NARRANDI. ADVOGADO. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. AUSÊNCIA DO ANIMUS CALUNIANDI. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INJÚRIA. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

1. Os crimes contra a honra exigem, além do dolo genérico, o elemento subjetivo especial do tipo consubstanciado no propósito de ofender a honra da vítima.

2. A calúnia exige a presença concomitante da imputação de fato determinado qualificado como crime; da falsidade da imputação; e do elemento subjetivo, que é o animus caluniandi.

(...)

7. Rejeição da denúncia quanto ao crime de calúnia; declaração de extinção da punibilidade quanto à injúria, ante a prescrição da pretensão punitiva.

(STJ, Apn 564 / MT, julgada em 18/05/2011).

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a) Descumprimento de um dever de cuidado objetivo, com a produção de risco além daquele tolerado socialmente;

b) Resultado danoso involuntário: o resultado da conduta não pode ter sido querido pelo agente nem mesmo eventualmente;

c) Previsibilidade: o resultado danoso tem que ser previsível para qualquer pessoa comum colocada naquela situação;

d) Tipicidade expressa: enquanto os crimes dolosos estão implícitos nos tipos penais, os crimes culposos somente existem quando expressamente previstos no tipo (CP, art. 18, parágrafo único). Assim, caso não haja previsão nenhuma na lei, só a conduta dolosa será punida penalmente. Ex.: homicídio culposo é crime, pois está previsto no art. 121, § 3°, do CP; já danificar acidentalmente o patrimônio de outra pessoa não é crime, pois somente é punido o dano doloso (art. 163 do CP).

Existem três causas do crime culposo:

a) Imprudência: o agente sabe o que fazer, mas não utiliza seus conhecimentos para evitar o dano. Ex.: motorista habilidoso que não dá sinal ao fazer uma curva;

b) Imperícia: o agente não tem os conhecimentos necessários para realizar a ação de forma segura.

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Ex.: médico não especializado que faz cirurgia plástica;

c) Negligência: o agente deixa de fazer algo que contribui para a segurança do ato. Ex.:

motorista que não revisa o carro.

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Quanto à efetiva previsão do resultado, a culpa pode ser:

9 Porém, a ausência de habilitação legal não implica necessariamente culpa do autor:

HABEAS CORPUS. ARTIGO 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. O fato de o paciente não possuir carteira de habilitação em nada contribuiu para a ocorrência do acidente, tanto que o laudo pericial concluiu ser exclusiva da vítima a culpa pelo evento.

2. Estado de embriaguez deve ser comprovado por laudo pericial.

3. Constrangimento ilegal caracterizado.

4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória.

(STJ, HC 125584 / AC, julgado em 13/10/2009).

10 A doutrina distingue as causas anteriores, que constituem ações, da negligência, que constitui uma omissão. Porém, essencialmente, a causa de todo crime culposo é uma negligência, pois, mesmo na imprudência e na imperícia, está ausente a obediência a um dever objetivo de cuidado. Conferir, a esse respeito, Direito Penal da negligência, de Juarez Tavares.

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a) Culpa consciente: o agente sabe o que está acontecendo, ou seja, ele está consciente da possibilidade de ocorrer algum resultado; porém, ele acredita sinceramente que pode evitá- lo. Ex.: motorista que muda de faixa acreditando que há espaço para o carro. Há uma semelhança entre a culpa consciente e o dolo eventual: em ambos, o resultado é previsto pelo agente. Porém, enquanto no primeiro caso não há a aceitação do resultado, no segundo, a ocorrência do resultado é indiferente ao autor. Na prática, a distinção entre ambos é complexa e problemática, sendo impossível provar diretamente o elemento subjetivo, devendo a decisão basear-se nas circunstâncias do caso;

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b) Culpa inconsciente: o agente não tinha conhecimento da situação, ou seja, não estava consciente do risco. Porém, o risco seria previsto se ele prestasse a atenção devida. Ex.:

motorista que atropela um pedestre sem tê-lo visto antes.

Culpa imprópria é aquela em que o agente quer alcançar determinado resultado, mas o faz porque erra inescusavelmente a respeito da situação real existente. Trata-se do erro de tipo previsto no art.

20, § 1°, do CP. O adjetivo “imprópria” justifica-se, pois não se trata realmente de um crime culposo, mas de um crime doloso que, em razão do erro, é punido como se fosse culposo.

Ex.: pessoa que vê um vulto entrando em sua residência e imagina tratar-se de um ladrão.

Considerando-se em situação de legítima defesa, ele atira e mata o suposto invasor. Logo depois, percebe que era apenas um membro de sua família adentrando na residência. As circunstâncias da

11 DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL. ATROPELAMENTO. DOLO EVENTUAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.

INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito, objeto de controvérsia neste writ, consiste na configuração do dolo eventual ou da culpa na conduta do paciente no atropelamento que gerou a morte de quatro vítimas e causou lesões corporais em uma quinta. 2. O dolo eventual compreende a hipótese em que o sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável (assume o risco da produção do resultado, na redação do art. 18, I, in fine, do CP). 3. Faz-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente. (...) 5. Na presente hipótese, depreende-se da decisão de pronúncia, a existência de indícios suficientes de autoria em relação aos crimes dolosos de homicídio e lesão corporal, visto que diversas testemunhas afirmaram que o paciente dirigia seu veículo em alta velocidade e, após o atropelamento, aparentava estar alcoolizado. 6. No caso em tela, de acordo com o que consta da denúncia, o paciente aceitou o risco de produzir o resultado típico no momento em que resolveu dirigir seu automóvel em velocidade excessiva, sob o efeito de bebida alcoólica e substância entorpecente. 7. De outro giro, verificar se o paciente agiu, ou não, com dolo eventual no caso concreto, importa, necessariamente, em aprofundado exame de matéria fático-probatória, inadmissível na estreita via do habeas corpus. 8. Com efeito, conforme já decidiu esta Suprema Corte “sem exame aprofundado de provas, inadmissível em habeas corpus, não se pode concluir pela caracterização, ou não do dolo eventual” (HC 67.342/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 31.03.1989).

(STF,HC 97252 / SP, julgado em 23/06/2009).

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situação concreta vão indicar se o erro era evitável ou não. No primeiro caso, o agente é isento de pena. Se o erro for inevitável, responde por crime culposo.

Caso fortuito é a situação em que a pessoa causa o resultado previsto no tipo penal, que, diferentemente do crime culposo, não poderia ser previsto. O agente não responde pelo caso fortuito, uma vez que, no Direito Penal, não há responsabilidade objetiva, ou seja, sem dolo nem culpa.

2.4.3 Crimes qualificados pelo resultado

É aquele em que existem dois resultados, um antecedente e outro consequente. Ex.: extorsão seguida de morte (CP, art. 158, § 3°). O antecedente sempre deriva de uma ação dolosa, enquanto que o resultado consequente pode ser produzido dolosa ou culposamente. Não há crime qualificado pelo resultado se o consequente ocorre em razão de caso fortuito (CP, art. 19).

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Crime preterdoloso ou preterintencional é uma espécie de crime qualificado pelo resultado, no qual o autor atinge o resultado antecedente de forma dolosa e o resultado consequente de forma culposa. O único crime necessariamente preterdoloso é a lesão corporal seguida de morte (art. 129,

§ 3º, do CP). Em todos os outros casos, o crime consequente pode ser doloso ou culposo.

Elementos subjetivos do tipo

12 PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE ROUBO E LESÕES CORPORAIS.

TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO.

I – Por força do disposto no parágrafo único do art. 18 e no art. 19, ambos do C.P., a responsabilidade penal, mesmo nos crimes qualificados pelo resultado, não pode ser objetiva (princípio da culpabilidade).

II – Se, em relação ao resultado mais grave, não ocorreu dolo ou culpa, ele não pode ser atribuído ao acusado. O reexame do suporte fático sobre o asseverado caso fortuito, implicaria, no feito, em vedado reexame de quaestio facti (Súmula nº 07-STJ).

III – Admitindo-se a possibilidade, em certos casos, na linha da dicção de parte da doutrina, da conatus em crimes preterdolosos (v.g., quando a ação realiza culposamente o resultado mais grave e não perfaz totalmente a forma básica do delito), tal não alcançaria a hipótese em que o evento mais grave, a par de incompleto, se realiza acidentalmente (sem afirmação, sequer, de culpa).

(...)

Recurso não conhecido.

(REsp 285560 / SP, julgado em 11/06/2002).

(16)

Dolo

Conceito Intenção de realizar a conduta descrita no tipo penal.

Espécies

Direto ou determinado.

Indireto ou indeterminado Eventual.

Alternativo.

Genérico.

Específico.

Geral (erro sucessivo ou aberratio causae).

Características

Abrangência.

Atualidade.

Capacidade de influenciar o resultado.

Culpa

Conceito Produção do resultado típico em razão da desobediência a um dever de cuidado.

Causas

Imprudência.

Imperícia.

Negligência.

Espécies

Quanto à previsão do resultado

Consciente.

Inconsciente.

Quanto à existência de erro Própria.

Imprópria.

Características

Desobediência ao dever objetivo de cuidado.

Previsibilidade objetiva.

Resultado danoso.

Tipicidade expressa.

Crimes qualificados pelo

resultado

Existem dois resultados: um que tipifica a conduta, outro que agrava a pena. Quando o segundo resultado for culposo, o crime é chamado de preterdoloso.

Caso fortuito O agente dá causa a um resultado lesivo que não poderia ter previsto. Não

gera responsabilidade penal.

(17)

2.5 Tipicidade

Tipicidade é a relação de adequação entre a conduta descrita no tipo penal e aquela realizada pelo agente. A conduta que se adéqua perfeitamente ao tipo penal é chamada de típica. Se não existe essa adequação, a conduta é atípica.

A tipicidade formal é, assim, uma relação de adequação típica, ou seja, de subordinação do fato ao tipo penal. Essa subordinação classifica-se em:

a) Imediata ou direta: existe perfeita adequação entre a conduta praticada e o tipo penal.

Trata-se de situações em que o agente realiza completamente a conduta descrita na lei. No caso do homicídio, por exemplo, ocorre adequação típica imediata se o agente mata a vítima;

b) Mediata ou indireta: o agente atua com vontade de alcançar o resultado, mas sua conduta não se adéqua perfeitamente ao tipo penal. Assim, aquele que apenas tenta matar não realiza completamente a conduta descrita no art. 121 do CP. Para que seja incriminado, é preciso que o art. 14, II, preveja a punição da tentativa. Esse dispositivo é conhecido como norma de extensão, pois amplia o alcance do tipo, abrangendo casos não previstos originariamente. A outra norma de extensão é o art. 29, que trata do concurso de pessoas.

Nesses casos, o agente pode ser responsabilizado por um crime mesmo que não tenha realizado a conduta descrita no tipo, mas apenas colaborado para a sua realização.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli consideram, porém, que esse conceito se refere apenas à tipicidade legal ou formal. De acordo com eles, deve ser considerada também a existência da tipicidade conglobante, “a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva conglobada com as restantes normas da ordem normativa”.

13

De acordo com esse raciocínio, a conduta típica não é apenas aquela proibida pela norma penal, mas sim por todo o ordenamento jurídico. Nesses

13 Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. Volume 1, p. 394.

(18)

termos, a tipicidade penal é o resultado da conjugação da tipicidade legal (adequação típica) e da tipicidade conglobante (antinormatividade).

Como visto, a atipicidade é a ausência de adequação do fato com o tipo penal (tipicidade formal) ou com todo o sistema normativo (tipicidade conglobante). A atipicidade pode ser absoluta

14

, quando o fato é considerado indiferente ao Direito Penal, ou relativa, quando é desclassificado para outro tipo penal. Ex.: o agente é acusado de concussão (CP, art. 316), que é crime funcional, mas, posteriormente, descobre-se que ele não era, ao tempo do crime, funcionário público. Nesse caso, o crime recebe nova tipificação: extorsão (CP, art. 158).

Considerando essas distinções, podem ser enumeradas várias hipóteses de ausência de tipicidade:

a) Crime putativo: o indivíduo age imaginando que está cometendo uma conduta típica, quando, na verdade, seu comportamento não se adéqua a nenhum tipo legal;

b) Crime impossível: situações em que o crime não pode ser consumado, por ausência do objeto de proteção penal ou em razão da utilização de meio absolutamente inidôneo (ver item 4.4);

c) Princípio da insignificância: o crime é materialmente atípico se a conduta causar lesão irrelevante ao bem jurídico protegido;

d) Ausência de elemento ou circunstância do tipo:

I) Conduta: ação diversa daquela prevista no tipo, mesmo que seja bastante semelhante, é atípica;

14 Caso a atipicidade seja evidente, é possível trancar o inquérito policial ou a ação penal por meio de habeas corpus:

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE SATISFAZ OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E POSSIBILITA O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ORDEM DENEGADA. Não é inepta a denúncia que, como no caso, narra a ocorrência de crimes em tese, bem como descreve as suas circunstâncias e indica os respectivos tipos penais, viabilizando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal. Além disso, o trancamento de ação penal, principalmente por meio de habeas corpus, é medida reservada a hipóteses excepcionais, como “a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas” (HC 91.603, rel. Ellen Gracie, DJe-182 de 25.09.2008), o que não é caso. Daí por que a existência ou não de justa causa, no caso, deve ser discutida no âmbito da ação penal já iniciada.

Ordem denegada.

(STF, HC 100246 / RJ, julgado em 12/04/2011).

(19)

II) Objeto material: se o objeto é diverso daquele previsto no tipo, a conduta também é atípica. Ex.: o furto somente pode ser realizado sobre “coisa alheia móvel”, nunca sobre coisa própria;

III) Elementos normativos: se o intérprete, de acordo com sua valoração, considera inexistentes esses elementos, a conduta é atípica. Ex.: não há crime de injúria (CP, art. 140) que não afete a dignidade e o decoro da vítima;

IV) Elementos subjetivos: se o tipo exigir um especial fim de agir, sua ausência implica atipicidade. Ex.: se não houver o fim de receber o resgate, o crime não é de extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), mas de sequestro e cárcere privado (CP, art.

148);

V) Sujeito ativo: a ausência do agente específico requerido pelo tipo pode implicar atipicidade absoluta ou relativa. No primeiro caso, há o crime de falsidade de atestado médico (CP, art. 302); e, no segundo, o já citado crime de concussão (CP, art. 316);

VI) Sujeito passivo: em certos casos, o tipo exige a presença de determinado sujeito passivo. No crime de infanticídio (CP, art. 123), a vítima deve ser “o próprio filho”.

Mesmo mantendo-se os outros elementos, matar pessoa diversa configuraria o crime de homicídio (CP, art. 121);

VII) Circunstância de tempo: alguns crimes somente podem ser cometidos em períodos determinados. O infanticídio, por exemplo, somente pode ser realizado durante o parto ou logo após;

VIII) Circunstância de lugar: alguns crimes somente podem ser cometidos em lugares determinados ou de um lugar para outro. Ex.: o crime de ato obsceno (CP, art. 233) somente pode ser praticado em “lugar público, aberto ou exposto ao público”;

IX) Modos de execução: alguns tipos requerem modos específicos de execução, como fraude (CP, art. 171, estelionato); violência ou grave ameaça (CP, art. 157, roubo);

e

X) Instrumentos: em determinados casos, também são exigidos instrumentos específicos para a realização da conduta, como gás tóxico ou asfixiante (CP, art.

252). A ausência do instrumento implica geralmente em atipicidade relativa.

(20)

A verificação indubitável da atipicidade da conduta apurada em inquérito policial ou em processo penal possibilita o trancamento (ou seja, a extinção) destes por meio da ação de habeas corpus.

15

No próximo item, será analisado o segundo aspecto do crime: a ilicitude. Antes disso, porém, é preciso mencionar as principais teorias que trataram da relação entre a tipicidade e a ilicitude:

a) Teoria do tipo independente ou avalorado: derivada do causalismo, considera o tipo penal como simplesmente descritivo, sem elementos normativos nem subjetivos, valorativamente neutro e completamente separado da ilicitude. Ressalte-se que, para os causalistas, os elementos subjetivos (dolo, culpa e especiais intenções de agir) estão localizados na culpabilidade;

b) Teoria indiciária: derivada do finalismo, considera a tipicidade como a ratio cognoscendi, ou seja, a existência do tipo penal é um indício da existência da ilicitude. Assim, o fato típico tem presunção relativa de ilicitude, somente derrubada se houver a comprovação da existência de causas de justificação;

c) Teoria da identidade: a tipicidade é a ratio essendi da ilicitude, ou seja, a tipicidade engloba a ilicitude, formando um todo unitário. “Aparece o tipo, portanto, como injusto total – fundamento da antijuridicidade –, sendo essência mesma do injusto. A ilicitude é vista como injusto objetivo, como ilicitude tipificada. As causas de exclusão da antijuridicidade são causas ou elementos negativos do tipo”.

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Tipicidade

Espécies Formal.

Material.

15 PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA, NO CASO, DE JUSTA CAUSA PARA O SEU PROSSEGUIMENTO, POR

ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.

I - O trancamento de ação penal pela via do habeas corpus, segundo pacífica jurisprudência desta Casa, constitui medida excepcional só admissível quando evidente a falta de justa causa para o seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja ainda pela atipicidade da conduta do indiciado.

II - Há ausência de justa causa para ação penal quando os fatos imputados ao paciente, como no caso, ictu oculi, não configuram crime.

III - Ordem concedida.

(STF, HC N. 95.058-ES)

16 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1. Parte Geral, p. 289-290.

(21)

Conglobante.

Adequação típica

Imediata ou direta.

Mediata ou indireta.

Espécies de atipicidade

Absoluta.

Relativa.

Teorias a respeito da relação entre a tipicidade e a ilicitude

Teoria do tipo independente ou avalorado.

Teoria indiciária.

Teoria da identidade.

Referências

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