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VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010

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ISSN 2177-0417 - 264 - PPG-Fil - UFSCar O Conceito de Bem nos Cahiers pour une morale e a possibilidade da superação da

alienação

Carlos Eduardo de Moura Doutorando em Filosofia (UFSCar) Bolsista CAPES

O Bem para Sartre é subjetividade e, ao mesmo tempo, fato. Isso significa afirmar que o Bem é apreendido como fim e encontra sua existência na ação, mas uma ação em que a existência preceda a essência. Pedro, por exemplo, não é bom, ele pratica o bem, ele não possui a justiça, mas a produz. O homem transcende o Bem isto é, “...o Bem se apresenta como aquilo que deve ser colocado como realidade objetiva pelo esforço de uma subjetividade.” 220 Ele não é um em-si, mas reflete uma subjetividade agente, produzido no mundo, portanto, contingente, frágil e temporalizado.

O Bem deve ser compreendido como a síntese entre: 1) o aspecto subjetivo da vivência do sujeito por meio de seus atos de compreensão e apreensão do objeto (pelos seus atos de perceber, lembrar, imaginar); 2) o aspecto objetivo da vivência dada pela reflexão (do percebido, do lembrado, do imaginado). O Bem se torna objeto comum (partilhado) dentro do jogo das relações entre consciências enquanto “exigência de ser”, construído pelo indivíduo, pelo outro e por outros. Terá, portanto, a qualidade de um absoluto-relativo (uma totalidade destotalizada) existente dentro do jogo de relações e temporalizado em uma sociedade, mas sempre suspenso à liberdade dos indivíduos do presente visando também pertencer aos homens do futuro. “Nós temos de impor nosso Bem aos nossos contemporâneos, propô-lo aos nossos descendentes.” 221

Esse fim (o Bem) será inscrito pela ação no mundo, mas somente como proposição, como um Bem que se caracteriza no aspecto de um “dentro” (subjetivado, interiorizado por uma coletividade) e um “fora” (historializado, reexteriorizado, objetificado por essa mesma coletividade). O Bem (ou a moral sartreana) é um fato abstrato, é um fim que se torna projeto e é colocado como um aspecto da intersubjetividade ou, como quer Sartre, uma pura relação ontológica. 222 É o

220

SARTRE, Jean-Paul. Cahiers pour une morale. Paris: Éditions Gallimard, 1983, p. 573.

221

Ibidem, p. 109.

222

Ibidem, p. 110.

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ISSN 2177-0417 - 265 - PPG-Fil - UFSCar reconhecimento formal da existência do grupo que, ao mesmo tempo, encontra-se permeado pela constante tensão entre Moral e História.

O Bem é subjetivo (por emanar de uma subjetividade autônoma, que não pode ser imposta de fora) e objetivo (universalizado, historizado, constituído como relação concreta entre consciências). O agente moral realiza um distanciamento (um recuo nadificador) entre ele mesmo e o real, apreendendo o objeto de reflexão (que posicionou diante de si) na qualidade de valor. É nesse sentido que o homem deve ser considerado como o ser pelo qual o Bem vem ao mundo, nunca como contemplação, mas como projeto da realidade de um agrupamento humano. Para Sartre, jamais se poderia atingir o Bem por meio de um esforço ascético. Caso fosse possível, ele teria de admitir que o indivíduo, ao esforçar-se para atingir um Bem estaria, por meio desse esforço, atualizando sua Natureza de “ser-Bom” e, ao mesmo tempo, defendendo uma idéia coisista de moral (ou de Bem). Como essa postura é inconcebível para Sartre, qual seria a saída para não cair nessa visão coisista da moral?

Para o filósofo, ela estaria no próprio esforço. “O esforço revela a fragilidade essencial do Bem e a importância primordial da subjetividade.” 223 O Bem não existe ao modo de coisa e o homem não está pronto, acabado (e jamais ficará), ele não é um dado previamente estabelecido, não é uma substância sustentada por Deus. O homem sartreano não tem estabilidade, não há o que lhe garanta a escolha de um bem a priori.

Não importa, para Sartre, que lhe digam que o Bem é, que ele exista como Em- si, sua preocupação fundamental é o que o Bem seja-para-os-homens: “...a realidade humana pode e deve ser um fim por si mesma porque está sempre do lado do futuro, ela é seu próprio sursis” 224 . A defesa sartreana é de uma moral que exista em ato, que penetre na História como vivida, desejada e consentida, tornada vida humana concreta, uma totalidade destotalizada. O Bem pode ser herdado pela coletividade humana, conservado, melhorado ou mesmo negado. No ato criativo do qual o homem é capaz, o passado (situação) é retomado e transcendido por sua ação livre e, nesse aspecto, Sartre considera o Universal como invenção pessoal, conservada, negada ou transformada.

O homem livre não quer uma sociedade “fechada”, mas ele deseja um mundo

“aberto” por intermédio de uma moral concreta. O sujeito é sua obra, um destino para si mesmo, é o resultado de sua ação no mundo, é interioridade que se apreende na

223

Ibidem, p. 574.

224

SARTRE, Jean-Paul. Les Carnets de la Drôle de Guerre: Novembre 1939-Mars 1940. France:

Gallimard, 1983, p. 137.

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ISSN 2177-0417 - 266 - PPG-Fil - UFSCar exterioridade, é, enfim, o homem captando-se como momento histórico. É na relação do sujeito com o grupo social (pela cultura, religião, hábitos, normas, valores) que ele constrói sua obra, por meio de um jogo dialético entre subjetividade-objetividade que lhe pertence por completo, ao mesmo tempo em que lhe escapa totalmente. É por esse jogo dialético que se formam as possibilidades abstratas que, relacionadas às realidades concretas, constituem a dimensão EU-NÓS.

A sociedade “aberta” possibilitará ao homem autêntico assumir sua situação, isto é, assumir-se como um sujeito pertencente a uma família, mergulhado num contexto social, político, econômico, ligado a uma determinada cultura para, posteriormente, poder transformá-la. Somente após essa tomada de consciência é que lhe será possível agir: “...a autenticidade, como fim moral, se atinge pela sinceridade, pela transparência a si e aos outros.” 225

Escolher é decidir ser, é conservar, negar ou renovar a escala de valores que constitui o entorno daquele que escolhe. Essa decisão não é a de um indivíduo isolado do mundo e dos outros (uma consciência aos moldes de um solipsismo), pois agir, operar, negar e inventar existe na dimensão do “olhar”, em meio a uma pluralidade de vontades autônomas e diante de uma pluralidade de deveres. Apelar à existência do outro, trazer ao mundo a dimensão da intersubjetividade, é reconhecer a diversidade, o risco, em suma, é o projeto de uma totalidade perpetuamente destotalizada. Como diz Sartre, escolher é temporalizar. “Na verdade, há incerteza sobre a subjetividade” 226

A “incerteza” implica na compreensão de que o humano jamais existirá como síntese, sua realidade é de ser uma aventura histórica que coloca a moral como objeto de sua própria vontade. Falar em moral é falar na pluralidade das consciências, é transcender e objetificar, trazer valores diante de outros, por outros e para outros. Falar em pluralidade de consciências, por sua vez, é falar de pluralidade de engajamentos. O costume, dentro da realidade social, é visto por Sartre como conseqüência do jogo dialético subjetivo-objetivo, é o resultado de subjetividades concretas existentes dentro de um mundo de subjetividades diversamente orientadas.

225

CONTAT, Michel. Une autobiographie politique?. In: CONTAT, Michel (sur la directions de).

Pourquoi et comment Sartre a écrit “Les Mots”. France: Puf/Perspectives Critiques, 1996, p.06.

226

SARTRE, Jean-Paul. Cahiers pour une morale. Paris: Éditions Gallimard, 1983, p. 575.

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ISSN 2177-0417 - 267 - PPG-Fil - UFSCar Havendo a diversidade de consciências e o desejo do homem por um mundo aberto 227 , o próprio apelo ao outro é reconhecer a diversidade 228 e o risco 229 . Assim, o conflito será evidente. É a expressão do projeto sartreano de que todos sejam livres dentro dessa tensão de uma totalidade destotalizada, das diversas orientações subjetivas, das diferentes liberdades: o conflito é condição da intersubjetividade. “O traço ontológico do conflito não contraria a liberdade; pelo contrário, enfatiza-a.” 230 Sendo o homem liberdade em situação, dele será exigida uma tomada de consciência lúcida e verídica da situação: é a busca do homem autêntico.

O homem é um ser histórico por definição, antes de qualquer coisa, um “ser em situação”, é um “...todo sintético com sua situação biológica, econômica, política, cultural, etc.” 231 Como o homem sartreano é desprovido de uma “natureza humana”, conseqüentemente, ele jamais poderia aceitar uma sociedade compreendida como uma somatória de moléculas isoladas. Os fenômenos biológicos, psíquicos ou sociais que a compõe, ou melhor, os homens que a constitui, são interdependentes, não por uma Natureza, mas pela condição ao qual se reconhecem como coletividade, isto é, pelos limites, pelas necessidades, pelos valores, pelos hábitos e pela cultura. O eu e o mundo são dois pólos fundamentais da filosofia sartreana que, pela formação do composto eu- e-os-outros, permitem falar de moral no campo da existência humana.

A partir da Moral, Sartre explora o mundo, a princípio, teoricamente pela Filosofia e pela Ética e, posteriormente, procurando investigar o concreto, analisar a passagem do reflexivo à praxis, sempre se respaldando pelo concreto. É o Sartre da

“teoria do compromisso”, da Moral e de uma Ética ligada à política ou, ao menos, interligadas. Para Coorebyter 232 , há no projeto sartreano uma tentativa de conciliar uma síntese entre a política (que serviria de sustentação à Moral) e a Moral, de modo que a atitude ética se dará por meio do ato em situação.

O homem encontra-se diante de si a necessidade de escolher, de engajar-se no mundo e de tomar posições diante dele. A moral, nesse aspecto, lhe servirá de

227

Ibidem, p. 99.

228

Ibidem, p. 279.

229

Ibidem, p. 294.

230

SILVA, Franklin Leopoldo e. Ética e Literatura em Sartre: ensaios introdutórios. São Paulo:

Editora UNESP, 2004. p.193.

231

SARTRE, Jean-Paul. Réflexions sur la question juive. Paris: Gallimard, 1954, p. 72.

232

COOREBYTER, Vicent de. Sartre face à la phénoménologie. Paris: Vrin, 2000, p. 384.

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ISSN 2177-0417 - 268 - PPG-Fil - UFSCar instrumento para esclarecer a natureza de suas escolhas em vista de um fim. A escolha se traduzirá em ato, sempre no contexto da intersubjetividade, da relação entre livres consciências, da autonomia, do ato reflexivo e crítico na construção da coletividade (de uma totalidade destotalizada). A existência se liga à História, pois a liberdade é exercida na história e por situações históricas. O indivíduo, ao mesmo tempo em que se encontra inserido na História (século XXI, ano 2010, Brasil, Estado de São Paulo), se faz história por meio de sua subjetividade singular (casado, burguês, monogâmico, pai). Louette, ao comentar a ligação do conceito de ação em Sartre com a teoria dos conjuntos humanos, escreve:

O que é captar-se como momento histórico, senão procurar compreender, a partir de suas próprias relações humanas, 'a totalidade de suas ligações com os outros', a natureza da dependência vivida nos diferentes conjuntos humanos. 233

A práxis será definida pela visão Dialética da tensão entre “Universal-Singular”, isto é, na inserção histórica e pessoal do indivíduo na História que, por sua vez, lhe condiciona. Será a dialética realizando-se, revelando-se à medida que a práxis se efetua.

O sujeito se reconhece na medida em que supera suas necessidades, reconhecendo sua própria autonomia e a dos outros e, nessa relação, atualizando sua liberdade e também a do outro.

A conversão se faz apenas em situação e a supressão da alienação se dará em coletividade: não se pode ser moral sozinho. A Moral implica na História 234 e a verdadeira moralidade concreta será possível por meio de uma ação sistemática sobre a situação. Talvez a Política (revolucionária, finita e criadora) possa ser um instrumento para que a alienação seja combatida e, finalmente, fazer com que a Moral saia do Reino do Céu e se instaure no Reino do Inferno.

Mas precisamente: que é uma atitude? Uma ação esboçada e conquistada. Se não se expressa mediante atos, se não se integra

233

LOUETTE, Jean-François. Écrire l'Universel singulier. In: CONTAT, Michel (sur la directions de).

Pourquoi et comment Sartre a écrit “Les Mots”. France: Puf/Perspectives Critiques, 1996, p.38.

234

SARTRE, Jean-Paul. Cahiers pour une morale. Paris: Éditions Gallimard, 1983, p. 487.

(6)

ISSN 2177-0417 - 269 - PPG-Fil - UFSCar em uma praxis coletiva, se não se inscreve nas coisas, que resta dela? 235

Bibliografia

CONTAT, Michel. Une autobiographie politique?. In: CONTAT, Michel (sur la directions de). Pourquoi et comment Sartre a écrit “Les Mots”. France:

Puf/Perspectives Critiques, 1996.

COOREBYTER, Vicent de. Sartre face à la phénoménologie. Paris: Vrin, 2000.

LOUETTE, Jean-François. Écrire l'Universel singulier. In: CONTAT, Michel (sur la directions de). Pourquoi et comment Sartre a écrit “Les Mots”. France:

Puf/Perspectives Critiques.

SARTRE, Jean-Paul. Réflexions sur la question juive. Paris: Gallimard, 1954.

________________. Situations, VI: Problemas del Marxismo 1. 2 ª ed. Trad. de Josefina Martínez Alinari. Argentina: Editorial Losada, S.A., 1968.

________________. Les Carnets de la Drôle de Guerre: Novembre 1939-Mars 1940.

France: Gallimard, 1983.

________________. Cahiers pour une morale. Paris: Gallimard, 1983.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Ética e Literatura em Sartre: ensaios introdutórios. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

235

SARTRE, Jean-Paul. Situations, VI: Problemas del Marxismo 1. Trad.Josefina Martínez Alinari.

2 ª ed. Buenos Aires: Losada, 1968, p.135. É possível falar de moral e política em Sartre a partir de sua

própria experiência de escritor comprometido (engajado). No entender de Michel Contat, “...é a partir de

uma análise da leitura, como livre atividade, e da escrita, como desvelamento e proposição de verdade,

logo, como livre apelo à liberdade do leitor, que Sartre conclui a necessidade de uma ação política em

favor de uma sociedade onde essa liberdade poderia tornar-se efetivamente aquela de todos, ou, em todo

caso, a liberdade de um grande número no lugar de uma elite privilegiada.”(CONTAT, Michel. Une

autobiographie politique?. In: CONTAT, Michel (sur la directions de). Pourquoi et comment Sartre a

écrit “Les Mots”. France: Puf/Perspectives Critiques, 1996, p.12).

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