CARACTERIZAÇÃO DE QUITOSANA RETICULADA COM LIGAÇÕES TIPO URÉIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA ADSORÇÃO DO CORANTE ANIÔNICO ÍNDIGO CARMIN
João P. de Mesquita 1*, Rochel M. Lago 1 , Sandra Carvalho 1 , Luiz F. Cappa de Oliveira 2 e Cláudio L. Donnici 1
* Departamento de Química - Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha - Belo Horizonte – MG. CEP 31270-901. * joaopm@ufmg.br
2 Departamento de Química - Universidade Federal de Juiz de Fora. Rua José Lourenço Kelmer, s/n - São Pedro - Juiz de Fora, MG. CEP 36036-330.
Um novo material com ligações cruzadas entre quitosana e 1,6-diisocianato-hexano foi sintetizado em meio aquoso. As caracterizações por titulação potenciométrica, termogravimetria, espectroscopia na região do infravermelho e de espalhamento Raman mostraram que a reação é controlável com formação predominante de grupos funcionais tipo uréia. Os difratogramas de Raios X mostraram que ocorre quebra da cristanilidade da QT na presença de pequenas quantidades de ligações cruzadas. Porém, com o aumento da densidade dessas ligações verifica-se uma tendência de organização estrutural com expansão das cadeias poliméricas. O novo material foi aplicado na adsorção do corante índigo carmin. Os resultados de adsorção melhoram significativamente aumentando em torno de 4 vezes. Essa melhora foi atribuída à possibilidade de ligações de hidrogênio entre o corante e os grupos funcionais introduzidos uma vez que, nas condições experimentais os grupos –NH 2 estão em sua maioria desprotonados e cada vez menos presentes. No entanto, ocorre uma queda na capacidade máxima de adsorção de DIH6 com relação a DIH4, possivelmente devido à maior rigidez da estrutura que dificulta o acesso aos sítios ligantes no interior da rede tridimensional.
Palavras-chave: quitosana, diisocianato, ligações cruzadas, adsorção, corante aniônico.
Characterization of chitosan cross-linked with binding type urea and its implications in the adsorption anionic dye índigo carmine
A new chitosan based material with crosslinking of 1,6-diisocyanate-hexane was synthesized in aqueous medium. The characterizations by potentiometric titration, thermogravimetry, infrared and Raman scattering spectroscopy showed that the reaction is controlled with predominant formation of functional group type urea. The diffraction of X-ray showed that there is breakage of the crystallinity of QT in the presence of small amounts of crosslinking. However, with increasing connections density there is a tendency for organizational structure with expansion of polymer chains. The new material was applied to adsorption of dye indigo carmine. Adsorption is increased significantly improves 4 times.
This fact was attributed to the possibility of hydrogen bond between the dye and the functional groups introduced, since in experimental conditions -NH 2 groups are mostly desprotonated and in smaller quantities. However, there is decrease in the maximum capacity of adsorption of DIH6 with respect to DIH4, possibly due to the greater rigidity of the structure that hinders access to binding sites within the three-dimensional network.
Keywords: chitosan, diisocyanate, cross-linked, adsorption, anionic dye.
Introdução
A quitosana pode ser definida como um copolímero de 2-amino-2-desoxi-D-glicopiranose e 2-acetamida-2-desoxi-D-glicopiranose, de composição variável que depende do grau de desacetilação. Este biopolímero tem sido investigado em diferentes aplicações, para remoção de metais [1], corantes [2,3], surfactantes [4], como suporte para catalisador [5] e aplicações biomédicas [6].
A adsorção de corantes em quitosana tem sido amplamente estudada [2,3]. No entanto a
utilização de ligações cruzadas é requerida para melhorar a resistência mecânica, a capacidade de
adsorção e principalmente a estabilidade química em meio ácido [7]. Importante destacar que em
condições ácidas a quitosana é solúvel o que impossibilita sua aplicação como adsorvente. Porém, as ligações cruzadas consomem grupos funcionais que são importantes no mecanismo de adsorção destes materiais. Dessa forma é importante conhecer, controlar e caracterizar as condições reacionais de introdução do agente responsável pelas ligações cruzadas uma vez que a densidade de ligações cruzadas é o principal parâmetro que irá determinar as interessantes propriedades do gel [7]. A baixa flexibilidade das cadeias poliméricas causada pela grande quantidade de ligações cruzadas pode, por exemplo, dificultar a difusão de adsorbatos pela rede tridimensional.
Quitosana com ligações cruzadas realizadas por glutaraldeído, epicloridrina, etilenoglicol diglicidil éter e outras substâncias tem sido aplicadas para adsorção. Recentemente Welsh e Price prepararam quitosanas com ligações cruzadas tipo uréia utilizando 1,6-diaminocarboxisulfonato- hexano [8]. A utilização de diisocianatos bloqueados é uma alternativa para síntese destes materiais devido às características reacionais destas substâncias (instáveis em meio aquoso) e à solubilidade da quitosana. Porém envolve uma maior quantidade de etapas reacionais com perda da reatividade da molécula, dificultando o preparo dos materiais e o controle das reações.
Neste trabalho mostramos a síntese de um novo material baseado na reação direta entre 1,6- diisocianto-hexano e quitosana em meio aquoso e sua aplicação na adsorção de corantes aniônicos, utilizando como modelo o sal sódico do ácido 5,5-indigodisulfônico (índigo carmin), mostrado na Figura 1.
Figura 1: Estrutura do corante aniônico índigo carmin.
Experimental
A quitosana (QT) usada neste trabalho é de origem chinesa fornecida pela empresa
PHYTOMARE com um grau de desacetilação de 92%, determinada por titulação potenciométrica,
espectrometria na região do infravermelho e RMN de 1H [9]. As amostras de quitosana com
ligações cruzadas foram preparadas através da dissolução de 3,00g do biopolímero numa mistura de
ácido acético 3% e acetona. Logo após, diferentes montantes de 1,6-diisocianato-hexano (Aldrich)
foram adicionados, de acordo com a Tabela 1. As soluções foram agitadas até a formação do
hidrogel e permaneceram reagindo por 24 horas. Posteriormente as amostras foram lavadas com
uma solução de NaHCO 3 (Synth) para neutralização do ácido e água. As amostras foram secas a 80
ºC com fluxo de ar.
Tabela 1: Quantidade diisocianato-hexano utilizada na preparação das amostras.
Amostras Diisocianato-hexano / Quitosana
Amostra 1 (DIH1) 0,104
Amostra 2 (DIH2) 0,209
Amostra 3 (DIH4) 0,420*
Amostra 4 (DIH6) 0,624
* quantidade estequiométrica com relação à reação de dois mols quitosana–NH 2 para um mol de 1,6-diisocianato-hexano.
As medidas de Espalhamento Raman foram realizadas num equipamento Bruker FRS-100 FT-Raman com excitação em 1064 nm (laser de Nd:YAG) com potencia variável. O espectro obtido é uma média de 200 varreduras com resolução espectral de 4cm -1 . Os espectros na região do infravermelho foram obtidos com 64 varreduras com resolução de 4cm -1 num espectrômetro Nicolet FT-IR 380 utilizando o acessório ATR.
As análises TG/DTG foram realizadas num equipamento DTG60 SHIMADZU com taxa de aquecimento de 15 ºCmin -1 com fluxo de N 2 de 200mLmin -1 .
As curvas de titulação potenciométrica foram realizadas a 25 ºC em um titulador automático Metrhomn 670. Aproximadamente 25,0 mg das amostras foram dispersas em 20 mL de uma solução de HCl diretamente na cela eletroquímica e titulada com uma solução NaOH (0.0792 molL -
1 ) isenta de CO 2 . Durante todo o experimento foi borbulhado N 2 para evitar a contaminação com carbonatos. A quantidade de grupos ácidos foi determinada através do ajustes dos dados experimentais, previamente descrito [10]. O ponto de carga zero ou ponto isoeletrônico foi determinado através do método de titulação de massas, baseado no trabalho de Noh e Schwarz [11].
Os difratogramas de raios X foram obtidos n um difratômetro de raios X Rigaku, modelo Geigerflex usando radiação Cu ( = 1,5406 Å).
Os estudos de adsorção foram realizados em batelada. 10mg dos adsorventes foram adicionados em 8,0mL das soluções do corante aniônico índigo carmin (IC) com concentrações que variaram de 5 a 350mgL -1 . A quantidade adsorvida, q, foi estabelecida através da diferença entre a concentração inicial e final, determinada através da medida de absorbância em 610nm. As medidas foram realizadas em um espectrofotômetro SHIMADZU UV 2550. Os dados foram ajustados de acordo com o a equação de Langmuir utilizando o método de regressão não-linear do software Origin 6.1.
Resultados e Discussão
As estruturas da quitosana e do 1,6-diisocianato-hexano são mostradas na Figura 2.a. Três
principais reações são passíveis de ocorrer no sistema reacional, contendo água. Sendo a reação
com os grupos –NH 2 cineticamente mais favorável. Para aminas alifáticas primária a cinética é em torno de mil vezes mais rápida que a reação do isocianato com a água ou grupos –OH [12]. Na reação com a água são formados ácidos carbâmicos que são instáveis e decompõem formando CO 2 . A outra possibilidade de reação envolve os grupos –OH, formando grupos funcionais tipo uretana.
Na Figura 2.b, c, d são mostradas as possíveis estruturas formadas na síntese do material.
a) Quitosana
O O
CH 2 OH O
HO
O HO
CH 2 OH
NH 2 O
CH 2 OH O
HO NH C CH 3 O
+
O C N
N C O
1,6-diisocianato-hexano
b)
O NH
2HO
CH
2OH O O O CH
2OH
HO NH
C O
NH
O O
CH
2OH O
OH
O
OH CH
2OH
NH
2NH
C NH O
c)
O O
CH
2OH O
OH NH
2O
OH CH
2NH
2O C O NH HN
C O O O
O
CH
2OH O
OH NH
2O CH
2OH
NH
2d)
O O
CH 2 OH O
OH
O OH
CH 2 OH
NH 2
O O
CH 2 OH O
OH
O OH
CH 2 OH
NH 2 NH
C NH O H 2 N
NH C NH O HN
C O OH
+ CO 2
Figura 2: Reações passíveis de ocorrer durante a preparação do material. a) estruturas moleculares da quitosana e 1,6-disocianato-hexano; b) ligações cruzadas pelos grupos amino, formando uréias; c) ligações cruzadas pelos grupos hidroxila formando uretanas; d) reação formando um ácido carbâmico terminal que se decompõem em um grupo amino e CO 2 .
Espectroscopia Raman e na região do infravermelho
Na Figura 3 são mostrados os espectros na região do infravermelho com as amostras não-
protonadas (3.a), protonadas (3.b). Na Figura 3.a não se verifica mudanças significativas, mas
pode-se observar o aumento de intensidade e deslocamento das bandas características do
estiramento C=O ao redor de 1650 cm -1 e deformação angular N-H ao redor de 1590cm -1 , devido
tanto a grupos amino quanto a grupos amida, uréia formados durante a síntese [13]. No entanto,
após a protonação dos materiais as bandas características de deformação N-H de grupos amino
(1510 cm -1 ) separam-se das bandas características de deformação N-H de amida, carbamatos e uréia
(1610 cm -1 ). Observa-se ainda, a diminuição da intensidade relativa dessas duas bandas com o
aumento da quantidade de diisocianto-hexano no meio reacional. Os espectros de espalhamento
Raman, mostrados na Figura 4, complementam essa interpretação com o aumento da intensidade da banda centrada em 1465 cm -1 característica da deformação de grupos –CH 2 -, presentes na molécula do diisocianato-hexano, com relação à banda localizada ao redor de 1375 cm -1 devido à deformação de –CH 3 presentes nos grupos acetamido da quitosana [13].
a)
1800 1700 1600 1500 1400 1300 1200 QT
cm
-1DIH1 DIH2 DIH4 DIH6
b)
1800 1700 1600 1500 1400 1300 1200 cm-1
QT DIH1 DIH2 DIH4 DIH6
Figura 3: Espectros na região do infravermelho obtidos para as amostras de quitosana e quitosana com ligações cruzadas. a) não-protonada e b) protonada.
1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 QT
cm
-1DIH6 DIH2 DIH1
Int ensidade / u. a.
DIH4
Figura 4: Espectro de espalhamento Raman obtido para as amostras de quitosana e quitosana com ligações cruzadas.
Análise termogravimétrica
Na Figura 5 são mostrados os perfis das TGs e DTG das amostras estudadas. Para todas as amostras observa-se primeiramente uma perda de massa ao redor de 10 % relativa à desidratação.
Posteriormente observa-se a decomposição do biopolímero centrada em 314 ºC para a quitosana
pura. Esse valor decresce com a diminuição da quantidade de agente responsável pelas ligações
cruzadas. A diminuição da estabilidade térmica destes biopolímeros na presença de ligações
cruzadas tem sido observada por outros autores [8]. A partir de 390 ºC inicia-se o processo de
carbonização dos materiais, com uma perda de massa relativa, intensificada para as amostras sintetizadas, centrada ao redor de 457 ºC, proporcional a quantidade de ligações cruzadas (Tabela 2). Muito provavelmente essa perda de massa pode ser devido a uma estrutura proveniente da molécula do 1,6-diisocianato-hexano.
0 200 400 600
-0,03 -0,02 -0,01 0,00
0 200 400 600
30 60 90
Massa relativa / %
Temperatura / oC