• Nenhum resultado encontrado

A relação entre os espaços de violência e as masculinidades marginalizadas na cidade de Ponta Grossa, Paraná

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A relação entre os espaços de violência e as masculinidades marginalizadas na cidade de Ponta Grossa, Paraná"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

A relação entre os espaços de violência e as masculinidades marginalizadas na cidade de Ponta Grossa, Paraná

Fernando Bertani Gomes

Universidade Estadual de Ponta Grossa ferbg28@gmail.com

INTRODUÇÃO

O trabalho tem como objetivo compreender a relação entre masculinidades marginalizadas e a violência homicida em Ponta Grossa, Paraná. Os casos de homicídio no Brasil possuem uma seletividade ao vitimar massivamente mais jovens do sexo masculino e em sua maioria negros. Diante dos índices de homicídios consideravelmente elevados no país, há a necessidade de diversificar as análises desse fenômeno, como compreender sua espacialidade de efetuação e as construções identitárias também dos autores.

A literatura de investigações sobre a violência homicida testemunha uma preocupação com os números elevados presentes em grandes centros metropolitanos brasileiros. Afinal, o país detém o primeiro lugar na produção absoluta de cadáveres, vítimas de assassinato, no mundo (IPEA, 2016). Contudo, as cidades médias, como o caso de Ponta Grossa, com pouco mais de 311 mil habitantes, são responsáveis, para de maneira pulverizada, enxertar o desmeritoso posicionamento no ranking mundial da morte violenta.

(2)

metropolitanas e capitais.

Dessa forma, o artigo está organizado de maneira a elaborar um delineamento preliminar sobre a dinâmica dos homicídios sob um recorte municipal. Pensamos que devido a própria 'precariedade' de informações existentes em muitos casos e ao baixo índice de solucionamento e indiciamento dos envolvidos nesse tipo de crime, é preciso debruçar sobre escala de maior proximidade para produzir elementos de contestação ou reafirmação de dados de relatórios a nível nacional.

OBJETIVOS

O objetivo principal dessa análise geográfica é compreender a relação entre os espaços de violência homicida e as masculinidades marginalizadas na cidade de Ponta Grossa, Paraná. Para atender a esse objetivo, a pesquisa se organiza em três objetivos específicos: primeiro, compreender quem são as pessoas envolvidas nesse tipo de crime, estipulando perfis presentes e mais frequentes nos casos do município analisado; por segundo, buscamos compreender quais são as dinâmicas presentes, as motivações presentes nos acontecimentos de assassinato, analisando a rememoração documental dos casos registrados; por fim, buscar estabelecer a relação, entre as duas questões apresentadas, a partir de uma análise geográfica.

METODOLOGIA

A investigação apresenta como estratégia metodológica, a análise documental de 86 (oitenta e seis) inquéritos policiais e processos judiciais de homicídio doloso, registrados entre os anos de 2012 e 2015, ocorridos nos limites do município de Ponta Grossa. O campo de investigação foi efetivado na seção de homicídios da 13º SubDivisão de Polícia Civil de Ponta Grossa e no Fórum Estadual do mesmo município, através da autorização da Delegada-Chefe da SubDivisão, juntamente aos Juízes de Direito das Vara Criminais.

(3)

um intervalo de quatro anos possibilitou maior versatilidade aos documentos disponíveis. Há uma média de 40 homicídios anuais no município, dessa forma, a pesquisa atinge estatisticamente uma média de recorte de 50% do universo anual ao longo de 4 anos.

A análise dos inquéritos foram facilitadas por meio de um Banco de Dados, LibreOffice Base, possibilitando o levantamento e tratamento dos dados. As partir da disposição dos documentos judiciais investigatórios, foram estabelecidas informações sobre vítima, autor e o acontecimento, deste modo, foi possível organizar o perfil dos envolvidos e das motivações. Sobre a vítima e autor, foi possível acessar informações como sexo, idade, escolaridade, residência e estado civil. E sobre o acontecimento, foram utilizadas transcrições de declarações e/ou depoimentos sobre testemunhas e conhecidos dos envolvidos.

RESULTADOS

A análise dos dados sobre a vítima, apresentam que de um total de 96 pessoas assassinadas no município de Ponta Grossa, entre 2012 e 2015, 86,5% eram do sexo masculino, correspondendo com a vitimação masculina presente no âmbito nacional, argumentada por Waiselfisz (2013). O autor alerta para fato de que vítimas do sexo feminino correspondem aproximadamente a 8% do total das vítimas; em 2010, 91,4% eram do sexo masculino (WAISELFISZ, 2013). O Índice de homicídios na adolescência – IHA 2009-2010 (2012)1, utilizando-se dos dados de 2010 do ‘Mapa da Violência’, afirmam que um adolescente do sexo masculino possui um risco aproximadamente doze vezes maior de morrer assassinado do que uma adolescente do sexo feminino.

Outra característica acentuada é a vitimação jovem, considerando o mesmo recorte, 37% das vítimas tinham entre 15 e 25 anos. Do mesmo modo, corresponde a vitimação da juventude nacional. O argumento de ‘vitimização’ de jovens por homicídio é estabelecido, segundo Waiselfisz (2012), pela comparação entre a taxa de homicídio da população de 15 a 24 anos de idade e as demais taxas correspondentes a outros grupos etários. Considerando isso, no ano 2000 os homicídios na faixa jovem foram

(4)

150,2% superiores ao restante da população e, segundo Waiselfisz (2012), em 2007 foi ainda superada essa concentração.

Outra vitimização da violência homicida nacional acontece sobre os negros, analisando a série temporal entre 2001 e 2011, Waiselfisz (2014) chama a atenção para uma acentuada tendência de “queda no número de homicídios na população branca e de aumento do número de vítimas na população negra” (p.120). Em 2001 morreram proporcionalmente 69,4% mais negros que brancos e em 2011 esse índice sobe para 136,8%. A vitimação negra fica ainda mais acentuada se interseccionada com a faixa jovem. Para cada jovem branco que morre assassinado, morrem 2,5 jovens negros. Conforme ‘Índice de homicídios na adolescência – IHA 2009-2010 (2012), um adolescente negro ou pardo possui risco quase três vezes maior de ser vítima de homicídio do que um adolescente branco ou amarelo.

Esses dados não correspondem à realidade de Ponta Grossa, das vítimas analisadas, 54% eram brancos, 37% pardos e 9% pretos. Entretanto, essa discrepância se deve mais a uma peculiaridade quantitativa, do que a um espaço-tempo que se possa autoafirmar alheio ao racismo e ao genocídio do negro brasileiro problematizado por Abdias Nascimento (1978). O Paraná possui a segunda menor população relativa negra, conforme Senso 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 28,2% é negra, se somado a população preta e parda. Portanto, a menor presença de negros nos números de assassinados, se deve, de primeiro modo, à população do Estado ser predominantemente branca. Em Ponta Grossa, 20,7% da população é negra, portanto, é mais branca que o segundo estado mais branco do país.

A metodologia de considerar negro, a soma entre pardos e pretos é utilizada por relatórios como o Mapa da Violência, Atlas da Violência do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) e relatórios da Anistia Internacional (2015). Se repetido essa metodologia teremos 46% das vítimas sendo afrodescendentes, em uma cidade com média de 20,7% de negros.

A pouca vitimação relativa de negros nessa pesquisa, não pode ser usada como um desvio na tendência nacional, pois a pequena vitimação de negros, torna-se agressivamente considerável à pequena população negra regional.

(5)

Necropolis to Blackpolis: Necropolitical Governance and Black Spatial Praxis in São Paulo, Brazil, se baseia na noção de ‘Necropolítica’ do camaronês Mbembe (2011) para

afirmar que estratégias de governança da necropolítica na capital de São Paulo são produzidas por meio da intersecção de corpos racializados, geografias criminalizadas e práticas de assassinato da polícia. A necropolítica produz topografias da violência no espaço urbano de São Paulo e as cartografias de residência da população negra, de grupos de renda baixa e dos locais dos homicídios são correspondentes. Portanto, a governança necropolítica é sempre geográfica, nesse sentido, Alves (2013) propõe o conceito de ‘Spatial Necropolitics’ com o objetivo justamente de espacializar os mecanismos da morte violenta que vitima adolescentes e jovens negros do sexo masculino, moradores de áreas pobres das cidades médias e grandes brasileiras.

Assim como em São Paulo capital, Ponta Grossa apresenta algumas sobreposições de segregação espacial, interseccionando renda e racialidade. Abaixo está uma figura que demonstra lado a lado essa intersecção. Do lado esquerdo representam as áreas de concentração de domicílios com renda familiar abaixo de um salário mínimo, de acordo com o Censo 2010/IBGE. E, conforme o mesmo senso, do lado direito, a concentração da população negra.

Elaborado pelo Autor, 2016.

(6)

Os pontos escuros distantes do centro e das principais avenidas, correspondem a loteamentos populares, construídos por programas federais e organizados pelo município.

É possível notar que ainda que a cartografia da pobreza esteja mais dissolvida em mais focos, os pontos de maior localização de negros estão em sua maioria sobreposta às áreas pobres. É possível afirmar sobre o município de Ponta Grossa, deste modo, que nem toda pobreza é negra, mas, grande parte da população negra é pobre.

Seguindo com a caracterização das vítimas, além de serem, em sua maioria homens jovens, geralmente são desempregados ou possuem empregos provisórios, o eixo mais frequente de tipo de trabalho foi o de servente e pedreiro. O estado civil, predominantemente é solteiro e possuem baixa escolaridade, elemento esse frisado pelo Atlas da Violência (2016) como central nas vítimas de assassinato no Brasil. E a maioria das vítimas são residentes de áreas pobres da cidade, ressaltando que no intervalo de tempo pesquisado não houve nenhuma vítima residente do centro ou das principais avenidas.

Semelhante às vítimas, as autorias dos casos de homicídio analisados são principalmente homens jovens, com baixa escolaridade e moradores de áreas pobres. 95,2% de um total de 105 autores são do sexo masculino, ficando ainda mais acentuado a concentração de gênero. 55.5% dos autores eram brancos, 41.7% pardos e 2.8% pretos. E as demais características possuem continuidade, como trabalhos informais, geralmente solteiro, aparecendo no caso da autoria maior número de conviventes e baixa escolaridade, com 1º grau incompleto.

Diferentemente das construções discursivas midiáticas hegemônicas que posicionam vítima e autor em espacialidades oposicionais, a presente pesquisa argumenta que há uma continuidade entre vítima/autor. Recentemente circulou na imprensa local de Ponta Grossa, a notícia2 que enquanto diminui a média de homicídios no Paraná, no município houve aumento de 144% de aumento no primeiro trimestre de 2016 se relacionado ao ano interior. Não há uma lógica mensal, muito menos trimestral nas ocorrências do crime, portanto, é evidentemente relativo um aumento trimestral. Mas o que queria chamar a atenção é que ao utilizar os números a reportagem citou um

2http://arede.info/PONTA-GROSSA/106936/PG-REGISTRA-AUMENTO-DE-144-NOS-HOMICIDIOS

(7)

exemplo de uma vítima, que foi um caso altamente noticiado de um empresário, entretanto, dentre as 22 vítimas, havia apenas esse caso que se enquadrava nesse perfil, os demais, permanecem distantes da preocupação. O que quero dizer é que há sempre uma tentativa de antagonizar a violência homicida. É claro, que um assassinato deriva de um encontro conflituoso, mas, as dinâmicas espaciais, que dá sua motivação são mais centrais diante de um fenômeno que apresenta uma previsibilidade de envolvidos bastante acentuada.

A violência homicida é predominantemente masculina, portanto, há uma maneira de expressar-se enquanto homem que o aproxima de espacialidades violentas, esse 'tornar-se' homem acontece através de uma performatividade espacialmente elaborada (ROSE, 1999). Mediante a noção de um sujeito multifacetado, contraditório e em constante contestação (CONNEL e MESSERSCHIMIDT, 2013) a masculinidade torna-se uma chave de interpretação da violência ancorada a espacialidade onde perfomatividades agressivas encontram força para se efetuar.

(8)

entre performances de masculinidades violentas, redes de amizade local e a territorialidade do tráfico de drogas, posicionam o grupo pesquisado como vulneráveis a morrer assassinado.

Analisando as narrativas de declarações, depoimentos e interrogatórios de 86 inquéritos, é possível afirmar que o eixo mais frequente da dinâmica dos assassinatos está tramado com a territorialidade do tráfico de drogas e a precariedade das áreas pobres. Esse eixo se manifesta enquanto o mais jovem, estando todos os adolescentes do sexo masculino presente, usuários e traficantes de substâncias ilícitas, envolvidos em mortes efetuadas em carreiros, barracos, becos, através, em sua maioria de arma de fogo.

O segundo eixo mais frequente, são de homens pobres, de uma faixa predominantemente adulta, sob o efeito do álcool, tramados numa rede de desavenças, estórias entrelaçadas, num emaranhado de confrontos e vinganças vinculadas a mulheres, familiares e rede de amigos, ou até mesmo grupos urbanos identificados com uma vila específica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi estabelecido que semelhante ao perfil das vítimas, as autorias dos casos de homicídio analisados são principalmente homens jovens, moradores de áreas periféricas pobres. A partir da análise das investigações policiais relatadas, juntamente aos depoimentos e declarações presentes nos documentos judiciais, é possível afirmar que o perfil mais frequente das motivações do crime corresponde principalmente a territorialização do tráfico de drogas, em sua face violenta, nas periferias das cidades médias, semelhante ao recorte espacial pesquisado.

A 'continuidade espacial' entre vítima e autor é efetuada através do agenciamento entre performatividades de masculinidade violenta e espacialidades multi-escalares que posicionam o conflito violento como um encontro possível e cotidiano.

(9)

seus pares identitários e utiliza a autoria de assassinato, ou sua possibilidade, como um eixo identitário eficaz nas relações de poder locais. Entretanto, com base nas narrativas a respeito dos envolvidos nos casos de homicídios analisados, esses indivíduos não apresentam uma trajetória constantemente ágil na ocisão de vidas. Nesse sentido, é possível afirmar que a violência homicida encontra sua continuidade e eficiência, mais em arranjos espaço-temporais cotidianos específicos, do que entre sujeitos essencialmente violentos.

REFERÊNCIAS

ALVES, Jaime Amparo. From Necropolis to blackpolis: necropolitical governance and black spatial praxis in São Paulo, Brazil. Antipode Vol. 00 No. 0 2013, p. 1–17.

ANISTIA INTERNACIONAL. Você matou meu filho: homicídio cometido pela polícia

militar na cidade do Rio de Janeiro / Anistia Internacional – Rio de Janeiro : Anistia

Internacional, 2015.

IPEA, Atlas da Violência, Nota Técnica, nº 17. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília, março, 2016

CHIMIN JUNIOR. Alides B. Espaço, atos infracionais e a criação social dos adolescentes em conflito com a lei. Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v.1, n.2, p.295-308, 2011.

GOMES, Fernando B. SILVA, Joseli M. 'Cenas Loucas': as assemblages da violência de jovens do sexo masculino com envolvimento com as drogas na cidade de Ponta Grossa – PR. Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v.5, n. 1, p.3-14, 2014.

MBEMBE, A. Necropolítica seguido de Sobre el gobierno privado indirecto. Inpreso en España. Editorial Melusina, s.l., 2011.

NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo

mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

ROCHA, Heder L. 'Não dá nada, se der, dá pouco': o 'espaço espiado' dos adolescentes do sexo masculino usuários de crack em Ponta Grossa – PR. Revista Latino-Americana

de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v.5, n.1, 2014, p. 25-46.

(10)

ROSSI, Rodrigo. Masculinidades e interseccionalidade na vivência de territórios instituídos por adolescentes em conflito com a lei. In: SILVA, Joseli M; ORNAT, Marcio J; CHIMIN JUNIOR, Alides B. (Orgs.). Espaço, gênero e masculinidades

plurais. Ponta Grossa: TodaPalavra, 2011. p. 125-191.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2011. Os jovens do Brasil. São Paulo: Ministério da Justiça, 2011.

_______, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: Os novos padrões da violência

homicida no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari, 2012.

Referências

Documentos relacionados

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

A partir da junção da proposta teórica de Frank Esser (ESSER apud ZIPSER, 2002) e Christiane Nord (1991), passamos, então, a considerar o texto jornalístico como

Porém, as narrativas dos diários reflexivos selecionados para essa análise não somente trouxeram a voz do aluno de modo reflexivo para que o professor também possa pensar com

VI - notificação compulsória: comunicação obrigatória à autoridade de saúde, realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de

Os instrutores tiveram oportunidade de interagir com os vídeos, e a apreciação que recolhemos foi sobretudo sobre a percepção da utilidade que estes atribuem aos vídeos, bem como

O trabalho com uma memória cultural em torno de África e a construção de representações em torno de outros africanos e lusófonos, não só possibilita um

Accumulated dry matter production (AcDMP), accumulated total digestible nutrients production (AcTDNP), accumulated neutral detergent fiber production (AcNDFP), accumulated acid