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Vista do Crise da educação e a revolução do pensamento

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Crise da educação e

a revolução do pensamento

The education crisis and the revolution in thinking

M A R I A C E C I L I A D E S Á P O R T O *

Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. São Paulo-SP, Brasil

MORIN, Edgar.

Ensinar a viver – manifesto para mudar a educação Porto Alegre, RS: Sulina, 2015, 183 p.

RESUMO

Neste seu mais recente livro, o filósofo francês Edgar Morin apresenta uma síntese de suas reflexões sobre a inadequação das formas atuais de produção de conhecimento e formula um modelo de ação que considera capaz de revolucionar o pensamento, tendo a educação como um dos motores principais desta mudança. Reafirma sua posição de que a filosofia não pode se fechar sobre si mesma, pois tem um compromisso com as questões funda- mentais e urgentes da existência, e renova sua convicção de que o desenvolvimento de um pensamento complexo é condição sine qua non para a construção de um conhecimento pertinente, que responda aos desafios de um mundo que, paradoxalmente, tem se tornado mais incompreensível à medida que os meios de comunicação o tornaram mais acessível.

Palavras-chave: Educação, filosofia, comunicação, pensamento complexo

ABSTRACT

In his most recent book, the French philosopher Edgar Morin presents a synthesis of his ideas on the inadequacy of the current forms of knowledge production, and points out the way to a revolution in thinking, having Education as one of the main engines of this change.

He restates that philosophy cannot be closed on itself, since it is committed to the funda- mental and urgent questions of existence, and reinforces that the development of a complex thought is a sine qua non condition to the construction of a pertinent knowledge, which is the kind of knowledge that should fully respond to the challenges of a world that, paradoxically, has become more incomprehensible as the means of communication have made it more accessible.

Keywords: Education, philosophy, communication, complex thought

* Mestre em Antropologia Cultural pela American University de Washington D.C., doutoranda em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail:

msaporto@gmail.com

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Crise da educação e a revolução do pensamento

O

LIVRO ENSINAR a viver – manifesto para mudar a educação, de Ed- gar Morin, é o primeiro de uma série intitulada Mudar a Educação, um projeto da editora francesa Actes Sud, em que vários autores suce- derão Morin nesta proposta de pensar caminhos para o enfrentamento de uma profunda crise educacional que, segundo o autor, não se restringe à França, e é parte de algo maior – da crise da civilização ocidental.

A palavra “manifesto”, no subtítulo do livro, revela a intenção do autor: é uma declaração pública e um posicionamento político, na forma de reflexões que na verdade sintetizam as ideias que Morin vem desenvolvendo ao longo dos anos, e que foram publicadas em vários de seus trabalhos anteriores, espe- cialmente a partir de O Método1, considerada sua obra mais importante.

Neste manifesto, Morin apresenta uma síntese de suas reflexões sobre a inadequação das formas atuais de produção de conhecimento e formula um modelo de ação que considera capaz de revolucionar o pensamento, tendo a educação como um dos motores principais destas mudanças. Mantendo o tom de suas últimas obras e falas, Ensinar a Viver é um livro afetuoso, cheio de preocupação com o mundo, os animais, as futuras gerações, as vítimas de racismo e xenofobia, os professores desanimados e seus alunos desmotivados.

Apesar da aparente ingenuidade de certa terminologia, que fala de amor, bondade, compreensão, solidariedade e poesia, este livro de Morin é movido por um senso de urgência e de responsabilidade de quem acredita que a filo- sofia não pode se fechar sobre si mesma; por isso, a dele “é uma filosofia que observa o mundo, os acontecimentos” (Morin, 2015, online).

Parte do princípio de que somos hoje uma população planetária, uma

“comunidade de destino” (p. 142), no sentido de que todo fenômeno, evento, catástrofe ou tragédia que se abate sobre uma parte do mundo, afeta todo o resto, cedo ou tarde, de uma forma ou de outra. Assim, a miséria e a guerra que assolam nações em ruínas geram multidões de refugiados que batem à porta da Europa e das Américas, que reagem de forma assustada e desprepa- rada, como se nada disso fosse previsível.

Acidentes nucleares, poluição dos oceanos, mudanças climáticas, epide- mias causadas por mutações genéticas de vírus e bactérias, revoluções e terro- rismo, não são nem nunca mais serão episódios localizados, restritos e encap- sulados em um tempo e um espaço – daí a ideia de “comunidade de destino”

que transformou o problema de uns em problema de todos.

Ao longo da história, as sociedades humanas responderam às crises e às no- vas necessidades com guerras, crenças e formas de conhecimento que levaram às revoluções agrícola, industrial e científica, à criação de sistemas formais de

1. Morin, E. O Método, obra publicada em seis volumes, o primeiro em 1977 (a natureza da natureza), o segundo em 1980 (a vida da vida), o terceiro em 1986 (o conhecimento do conhecimento), o quarto em 1991 (as ideias), o quinto em 2001 (a humanidade da humanidade) e o sexto em 2004 (ética). Edição brasileira: Morin (2005)

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ensino e de universidades, e ao início da era globalizada com as grandes nave- gações e depois com as conquistas espaciais e a expansão das telecomunicações.

Este processo milenar foi gradual, mas seus resultados mais recentes ge- raram uma aceleração de modificações radicais, incapacitando os sistemas acumulados de conhecimento e crença de responder às crises e às novas ne- cessidades à altura da multidimensionalidade dos desafios e da rapidez com que ocorrem e se modificam.

Transformadas, em pouco mais de um século, em “população planetária”, as sociedades humanas hoje se deparam com questões antes situadas em suas próprias especificidades, temporalidades e espacialidades, que agora reque- rem a sua inserção em uma “totalidade” que só é apreensível como abstração, apesar da concretude das realidades que a compõem.

A compreensão desta totalidade através da construção de um pensamen- to complexo é o que Edgar Morin considera a condição sine qua non para a superação das inadequações com que as sociedades humanas têm respondido aos desafios de um mundo que, paradoxalmente, foi se tornando mais incom- preensível à medida que os meios de comunicação foram se expandindo.

A partir de uma reflexão sobre as macroestruturas que compõem o uni- verso, o surgimento da vida e a formação das sociedades humanas e seu de- senvolvimento através da história, para colocar seu argumento de que os pro- cessos são feito de continuidades e rupturas, desvios e reorganizações que não admitem determinismos, ordem nem certezas, Morin aterrissa no aqui-agora.

Desse modo, examina os fatos mais prementes da atualidade, como a recen- tíssima onda de imigração para a Europa e os temores de que estas invasões estrangeiras ponham em risco as identidades nacionais dos países receptores, para reafirmar sua fé no Estado laico. Para Morin, esta forma de organização social tem capacidade quase infinita de integrar política e intelectualmente as diversidades étnicas, como tem mostrado a história de seu país.

Aos 94 anos de idade, Morin é ele próprio produto e testemunha desta era de mudanças vertiginosas, e utiliza sua história de vida, de militância política e de atuação filosófica como referência ao propor os caminhos que levarão à necessá- ria metamorfose dos modos de conhecimento no século XXI. Apesar da crise do ensino, Morin ainda considera as instituições educacionais um poderoso fator de transformação social, pois é na revitalização do ensino que se apoia este seu plano de enfrentamento ao que ele chama de a “crise do futuro”, a incerteza histórica que substituiu a certeza de progresso e tem causado uma sensação de angústia que é contornável apenas a partir de um projeto comum com o “outro”.

A sua ideia de revitalização prevê uma mudança radical na prática e nos princípios educacionais o que, no entanto, implica uma superação e não uma

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Crise da educação e a revolução do pensamento

negação do legado embutido na própria noção de educação e na experiência acumulada através dos séculos por mestres, alunos e instituições de ensino.

Como já fez em trabalhos anteriores, Morin evoca Emílio de Rousseau (1992) para declarar o princípio geral de sua proposta, que inspira o título deste livro:

uma educação que “ensine a viver”.

Ensinar a viver, entretanto, nunca foi tarefa exclusiva dos educadores, muito menos em uma época em que até mesmo as crianças podem controlar suas próprias fontes de conhecimento através da internet, que também in- troduziu novos hábitos de recepção e formas de cultura participativa. Morin recorre a uma analogia com a função do regente de orquestra para definir o que poderia ser hoje o papel dos mestres, da escola fundamental à universida- de. A imagem sugere que cada um esteja no controle de sua própria partitura, cabendo ao regente a missão de conduzir, acertar o passo e corrigir o ritmo, sem a pretensão de interferir nas interpretações individuais.

Morin denuncia, neste seu manifesto, a escola e universidade atuais como o lugar de transmissão de conhecimento e de prática de pesquisa que reproduz com reflexividade insuficiente, ou nenhuma, princípios baseados na relação hie- rárquica de mestres e discípulos, que se antes já era equivocada, é hoje um des- propósito. Denuncia este modelo como sendo o reprodutor de um pensamento e de uma organização disciplinar que separam os objetos do conhecimento para análise sem devolvê-los depois às totalidades de onde foram retirados.

Denuncia ainda este modelo como gerador de uma acomodação inte- lectual que se alimenta de certezas impregnadas de erros e ilusões, que leva à burocratização do conhecimento, à reprodução de sistemas de avaliação que desqualificam a diversidade de estudantes e pesquisadores, e que nunca se autoavaliam. E denuncia também a atitude de incompreensão que grassa no mundo dos intelectuais que, por necessidade de consagração e glória, “é o mais gangrenado pela hipertrofia do ego” (p. 75).

Nada disto é novo no discurso de Morin. Esta crítica, a partir da qual construiu sua ideia de “pensamento complexo”, vem sendo desenvolvida des- de os anos 1970, quando começou a refletir mais sistematicamente sobre as bases epistemológicas das práticas científicas e educacionais no Ocidente.

Esta noção de pensamento complexo, que é hoje considerada a maior con- tribuição de Edgar Morin aos estudos filosóficos da ciência e da educação, requer a fundação de um novo paradigma científico, que se livre da atual disjunção que isola sujeitos e objetos de estudo, e que promova a religação, entre eles e a seus contextos, em uma prática transdisciplinar que por sua vez exigirá a formação de estudantes, cientistas e pesquisadores capazes de atravessar fronteiras disciplinares e que sejam, portanto, policompetentes

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(Morin, 2003: 110). Estas reflexões têm, por princípio, aplicabilidade em qualquer área do conhecimento, seja das ciências chamadas duras, seja das humanidades, mas tem apelo, sobretudo, sobre os estudos de Comunicação, uma área transdisciplinar por excelência2.

As teses de Morin detonam aspectos essenciais da base cartesiana do pen- samento científico ao propor, por exemplo, o fim da supremacia da razão como base do conhecimento, argumentando que emoção, pulsão e razão caminham juntas, em todo investimento cognitivo (Almeida, 2004: 9). Dentro desta linha de resgate da subjetividade e da afetividade, Morin afirma que um novo sistema de educação deve reconhecer que toda busca de conhecimento é impulsionada por um “desejo” de conhecer, e incita os professores a se deixarem guiar por uma motivação passional, pulsante e engajadora, possuídos pelo Eros pedagó- gico. E que a pesquisa científica e as práticas de ensino sejam, enfim, capazes de produzir o que ele chama de “conhecimento pertinente”, ou seja, um conhe- cimento que de fato contribua para a solução dos problemas fundamentais do ser humano, para uma autonomia responsável de cada indivíduo, e para o bem estar de todos os membros desta comunidade planetária. M

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. C. de. Um itinerário do ensinamento de Edgar Morin. Ciclo de Estudos sobre “O Método”, Unisinos, Porto Alegre, 14 de abr. 2004. Dis- ponível em: <http://www.uesb.br/labtece/artigos/Um%20itiner%C3%A- 1rio%20do%20pensamento%20de%20Edgar%20Morin.pdf>. Acesso em 20 nov. 2015.

GARCÍA CANCLINI, N. Não há um relato compartilhado que articule a nossa sociedade (entrevista a Pedro Hellin), MATRIZes, Ano 6, n. 1, jul/dez. de 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v6i1-2p113-125 MORIN. E. Edgar Morin: “É preciso ensinar a compreensão humana” (entre-

vista ao Programa Milênio). Fronteiras do Pensamento, 05 mar. 2015. Dis- ponível em <http://www.fronteiras.com/entrevistas/edgar-morin-com- preensao-humana>. Acesso em 20 nov. 2015.

_______. O Método 1, 2, 3, 4, 5,6 (Coleção). Porto Alegre: Editora Sulina, 2005.

_______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8.

ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2003.

ROUSSEAU, J. J. Emílio ou Da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.

Artigo recebido em 14 de outubro de 2015 e aprovado em 02 de novembro de 2015.

2. Inúmeros autores refletiram sobre esta questão; cito como exemplo Néstor García Canclini (2012).

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