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Trabalho, Educação e Saúde ISSN: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Brasil

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Trabalho, Educação e Saúde

ISSN: 1678-1007 revtes@fiocruz.br

Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

Brasil

Júlio César, Júlio César; Costa, Maria Amelia; Társio de Souza, Sauloéber A educação para além do capital. István Mészáros. Tradução de Isa Tavares. São Paulo:

Boitempo, 2005, 80 pp. / A produção capitalista do espaço. David Harvey. Tradução de Carlos Szlak. São Paulo: Annablume, 2005, 251 pp. / O público e o privado na história da

educação brasileira: concepções e práticas educativas. José Claudinei Lombardi, Mara Regina Jacomeli e Tânia Mara da Silva (orgs.). Campinas: Autores Associados, 2005,

186 pp. (Coleção Memória da Educação).

Trabalho, Educação e Saúde, vol. 4, núm. 1, marzo-agosto, 2006, pp. 205-212 Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406757029014

Como citar este artigo Número completo

Sistema de Informação Científica

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A educação para além do capital. istván Mészáros. Tradução de isa Tavares. são Paulo:

Boitempo, 2005, 80 pp.

Júlio César França Lima Fundação Oswaldo Cruz

<jlima@fiocruz.br>

A aprendizagem é a nossa própria vida, nos edu- camos desde que nascemos, até a morte. Entre- tanto, existem restrições que impedem o pleno desenvolvimento de nossa liberdade espiritual, enraizadas nos antagonismos estruturais de nos- sa sociedade. É a partir dessa idéia que Mészá- ros pergunta: para alcançar uma transformação social qualitativa é preciso uma radical mudança estrutural ou basta uma reforma educacional?

Essa é a discussão central desse pequeno grande texto, que retoma e amplia o último capítulo de seu livro Marx: a teoria da alienação, publica- do no Brasil em 1981, pela Zahar. Em forma de ensaio, o texto foi escrito para a conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação, rea- lizado em Porto Alegre, em julho de 2004. Em um primeiro momento, polemiza com as uto- pias educacionais formuladas por Adam Smith e Robert Owen, no rastro da tradição iluminista liberal, para em seguida discutir a internaliza- ção dos valores capitalistas historicamente pre- valecentes, fortemente consolidados a favor do capital pelo próprio sistema educacional formal.

Enfatizando ao longo do ensaio uma concepção de educação abrangente, a partir do diálogo que trava com Paracelso, José Martí, Marx e Gra- msci, o autor finaliza discutindo a importância dessa concepção para uma radical mudança es- trutural da sociedade.

Logo de início, afirma que, se não houver um acordo sobre o fato de que para uma refor- mulação significativa da educação é fundamental uma transformação do quadro social mais amplo, serão admitidas apenas mudanças pontuais que corrigem algum problema da ordem estabelecida, mas que de forma alguma alteram as determina- ções estruturais da sociedade como um todo. Es- sa limitação das propostas reformistas, inclusive as educacionais, faz parte da própria lógica do sistema de reprodução da sociedade capitalista, na medida em que este admite ajustar as formas pelas quais os diversos interesses particulares conflitantes devem se ‘conformar’ com a regra geral da reprodução social, desde que não se

altere a própria regra geral. Essa lógica exclui a possibilidade de legitimar o conflito entre as for- ças hegemônicas fundamentais, inclusive como alternativas viáveis entre si, quer no campo da produção material, quer no âmbito cultural/edu- cacional, enfatizando, ao contrário, a negociação e o consenso entre as partes.

Essa conformação é ao mesmo tempo com- patível com a lógica do capital, benéfica para a sobrevivência do sistema, e razão do fracas- so das utopias educacionais formuladas com a intenção de instituir grandes mudanças na sociedade por meio de reformas educacionais.

Deste último ponto de vista, o fracasso consis- tiu e consiste exatamente no fato de as deter- minações fundamentais do sistema do capital serem ‘irreformáveis’, porque, pela sua própria natureza, como totalidade reguladora sistêmica, elas são totalmente incorrigíveis. Portanto, para Mészáros,

“...é necessário romper com a lógica do ca- pital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativa- mente diferente” (p. 27, grifo do autor).

Para o autor, a construção de uma estratégia educacional socialista não deve ser confundida com nenhum utopismo educacional, tal qual formulado por Adam Smith e Robert Owen, no rastro da tradição iluminista liberal. O primeiro identifica, corretamente, que o principal proble- ma do ‘espírito comercial’ é a divisão do traba- lho, que, levada à perfeição, torna a mente dos homens limitada e incapaz de elevação. Conse- qüentemente, a educação é desprezada, ou pelo menos negligenciada, e o espírito heróico é qua- se totalmente extinto, o que leva os homens a se entregarem à embriaguez e à intemperança. A questão é que a solução de Smith, e não poderia ser diferente, não se dirige às causas, permane- cendo prisioneiro aos limites da lógica do capi- tal, na medida em que a remete à educação moral dos trabalhadores, de forma a evitar as bebedei- ras e arruaças, e, na prática, responsabilizando o trabalhador por sua situação social. Como Adam Smith não pode questionar a estrutura econômi- ca do capitalismo, cujo ponto de vista ele repre- senta, deve procurar os remédios para os efeitos negativos do espírito comercial fora da esfera econômica, isto é, a partir de uma defesa moral de um antídoto educacional utópico.

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Robert Owen, por outro lado, também iden- tifica o problema – a busca do lucro, o poder do dinheiro, o trabalhador visto como mero instru- mento de ganho –, mas remete a solução para a

‘força da razão’ e para o ‘esclarecimento’ que a educação pode dar aos homens, o que pode evitar o erro e a ignorância. Como esses proble- mas são abrangentes e associados aos requisitos de dominação e de subordinação ao capital, a contradição entre o caráter global desses fenô- menos sociais e a parcialidade e o gradualismo dos remédios propostos tem que ser substituí- da pela generalidade abarcante de algum ‘deve ser’ utópico, isto é, pela razão, pela educação formal. Assim, um fenômeno social específico – o impacto desumanizador do espírito comer- cial – perde o seu caráter social e torna-se fruto da ignorância. Mas o raciocínio de Owen e as soluções propostas por ele não têm nada a ver, segundo Mézáros, com erro lógico do pensa- mento. São

“...descarrilamentos práticos e necessários, devidos não a uma deficiência na lógica formal do autor, mas sim à incorrigibilidade da lógica perversa do capital. (...) A circula- ridade no seu raciocínio é a conseqüência necessária da aceitação de um ‘resultado’: a

‘razão’ triunfante (...) que prescreve o ‘erro e a ignorância’ como o problema adequada- mente retificado, para o qual se supõe estar a razão eminentemente adequada a resol- ver” (p. 34, grifos do autor).

Essa incorrigível lógica do capital teve nos últimos 150 anos um impacto importante sobre a educação, que, na busca para manter o desenvolvimento do sistema, apenas alterou as modalidades de imposição dos imperativos estruturais em acordo com as circunstâncias históricas. Nesse período, a educação escolar serviu

“(...) ao propósito de não só fornecer os co- nhecimentos e o pessoal necessário à má- quina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interes- ses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade”

(p. 35, grifo do autor).

As instituições escolares foram adaptadas no decorrer do tempo às determinações reprodutivas do sistema do capital e não podem funcionar ade- quadamente se não estiverem em sintonia com as

‘determinações educacionais gerais da sociedade’

como um todo. Isto é, a escola é apenas uma parte do sistema global de ‘internalização’ dos valores, que secundariza, sem abandonar, suas formas ini- ciais brutas e violentas, mas que, da mesma forma, procura assegurar que cada indivíduo assuma co- mo suas as metas de reprodução do sistema.

“Em outras palavras, no sentido verdadeira- mente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de ‘internalização’ pelos indiví- duos (...) da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas ‘adequadas’ e as formas de conduta ‘certas’” (p. 44, grifos do autor).

Nesse sentido, a educação formal ou esco- lar não é a força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital, nem ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternativa eman- cipadora radical, pois uma das suas principais funções é produzir a conformidade ou o con- senso, através dos seus próprios limites insti- tucionalizados e legalmente sancionados. Essa alternativa só pode ser encontrada no terreno das ações coletivas, o que pressupõe que as soluções educacionais não podem ser formais, mas essenciais, caso se queira confrontar e al- terar o sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas.

Para Mészáros, somente tornando consciente que “a aprendizagem é a nossa própria vida”, co- mo dizia Paracelso, é possível perseguir o objetivo de uma mudança radical nas próprias instituições educacionais. Somente essa concepção ampla de educação pode proporcionar os instrumentos de pressão que rompam com a lógica mistificadora e alienante do capital. Com Gramsci, Mészáros vai defender também que todo ser humano contribui, de uma forma ou de outra, para a formação de uma concepção de mundo predominante, que po- de ser na linha da manutenção e/ou da mudança.

Qual das duas vai predominar? Isso dependerá da forma como as forças sociais conflitantes se con- frontam e defendem seus interesses alternativos.

Trata-se de uma disputa social de concepções de mundo em que está envolvida uma multiplicidade de seres humanos no processo histórico real, que

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pode atrasar ou apressar mudanças sociais signifi- cativas. Por isso, um processo coletivo inevitável não pode ser expropriado definitivamente, nem o domínio da educação formal e estreita pode reinar para sempre em favor do capital. Para Mészáros,

“(...) por maior que seja, nenhuma manipula- ção vinda de cima pode transformar o imen- samente complexo processo de modelagem da visão geral do mundo de nossos tempos (...) num dispositivo homogêneo e uniforme, que funcione como um promotor permanente da lógica do capital” (p. 51, grifos do autor).

Nessa linha de raciocínio, podemos considerar que a escola, apesar de “agir como um cão-de-guar- da ex-officio e autoritário para induzir um confor- mismo generalizado em determinados modos de internalização” (p. 55, grifos do autor), não apenas atua na linha da manutenção, mas também na da mudança, pois no seu interior também há disputas de concepções de mundo. De fato, ao ler o ensaio do autor, há um grande risco de se considerar que a educação escolar se reduz ao seu caráter reprodu- tivista, ou que somente educa os homens a se con- formarem à ordem estabelecida. Entretanto, além da argumentação acima, em outras passagens do texto ele indica que a educação formal não tem êxito na criação de uma conformidade universal, apesar de estar orientada para esse fim; que essas “formidá- veis prisões”, conforme José Martí, não têm como predominar uniformemente; e que os educadores têm uma grande responsabilidade no desenvolvi- mento da cultura, na medida em que esta é inse- parável do objetivo da emancipação dos homens.

De todo modo, não são as instituições escolares que determinam a mudança no modo de internalização historicamente prevalecente – isto é, no modo de sustentação da ‘manutenção’ ativa da racionalidade do sistema ou da sua concepção de mundo –, de forma que a própria racionalidade seja produzida pelas classes de indivíduos dominados em determi- nado momento histórico, como também seja cons- tantemente reproduzida por eles.

Para construir novos valores é necessário desenvolver uma atividade de ‘contra-interna- lização’, ou uma intervenção consciente no pro- cesso histórico, orientada no sentido de superar a alienação do trabalho por meio de um novo metabolismo reprodutivo social dos ‘produto- res livremente associados’, que não se esgote na negação do capitalismo. Isto porque, na visão

de Marx, todas as formas de negação permane- cem condicionadas pelo objeto da sua negação.

Além do mais, a própria inércia condicionadora do objeto negado tende a agregar poder com o passar do tempo, impondo, num primeiro mo- mento, a busca de uma linha de menor resistên- cia e, depois, o regresso às práticas anteriores, que sobrevivem nas dimensões não reestrutura- das da ordem anterior.

É aqui que a educação no seu sentido abran- gente desempenha, segundo Mészáros, um papel fundamental para romper com a internalização predominante. Essa contra-internalização exi- ge a antecipação de uma visão geral, concreta e abrangente, de uma forma radicalmente dife- rente de gerir as funções globais de decisão da sociedade, antes mesmo da conquista do poder.

Isso envolve simultaneamente a mudança quali- tativa das condições objetivas de reprodução da sociedade e a transformação progressiva da cons- ciência. Ou seja, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropria- das e adequadas para mudar as condições obje- tivas de reprodução como para a ‘automudança’

consciente dos indivíduos, chamados a concre- tizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente.

Este é o sentido de uma “educação para além do capital”, pois, para Mészáros, não pode haver uma solução efetiva para a auto-alienação do tra- balho sem que se promova, simultaneamente, a universalização do trabalho e da educação, o que pressupõe necessariamente a igualdade substan- cial de todos os seres humanos. Esta é a reflexão que o autor nos convida a fazer.

A produção capitalista do espaço. David har- vey. Tradução de Carlos szlak. são Paulo: an- nablume, 2005, 251 pp.

Maria Amelia Costa Fundação Oswaldo Cruz

<ailema@fiocruz.br>

David Harvey, geógrafo inglês, surgiu no cenário intelectual da disciplina geográfica na década de 1960. Sua primeira contribuição científica referente, em particular, a modelos e teorias dos sistemas e seus impactos em geografia foi publicada em Londres, 1969, sob o título “Explicação em geo-

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grafia”. Contudo, a experiência efetiva com a cátedra de geografia ocorreu a partir de sua in- serção nos quadros da Universidade Johns Hop- kins, em Baltimore, no Estados Unidos, de 1969 a 1987. Posteriormente, retornou à Inglaterra para ocupar a cátedra Mackinder, em Oxford, ministrando cursos esporádicos na Johns Hopkins.

Todavia, foram os debates travados nos meios acadêmicos a partir dos anos 70 do sé- culo XX que possibilitaram uma reviravolta em sua produção científica. Sempre afeito a temas que extrapolassem as fronteiras disciplinares da geografia, manteve interlocução constante com diversos campos das ciências humanas e natu- rais, prática desenvolvida durante os anos em que esteve em Baltimore. Pode-se afirmar que as duas primeiras publicações – “Explicação em geografia” e “Justiça social e a cidade”, esta de 1973 – diferenciam-se das que produziria a par- tir de então. Com o objetivo de estabelecer uma teoria da relação sociedade-espaço, com base nos ensinamentos da teoria social de Marx, de- senvolveu alguns estudos que resultaram em um número considerável de publicações.

A constante preocupação em aprofundar a análise das características e das contradições do modo capitalista de produção e suas impli- cações nas relações de classe, em detrimento de um outro caminho – o socialismo –, fez com que Harvey se debruçasse sobre os textos mar- xistas clássicos, o que lhe possibilitaria novos insights. Suas inquietações se pautavam, princi- palmente, por duas razões:

“(...) em primeiro lugar, entender por que essa doutrina [marxista], tão denegrida e menosprezada nos círculos oficiais do mun- do de fala inglesa, podia ter um apelo tão grande entre aqueles que lutavam ativa- mente pela emancipação em todas as outras partes; em segundo lugar, para verificar se uma leitura de Marx poderia ajudar a esta- belecer uma teoria crítica da sociedade, pa- ra abarcar e interpretar os conflitos sociais que culminaram com o alto drama político desenrolado entre 1967 e 1973” (p. 12).

Essas problemáticas iniciais foram vitais pa- ra instigar o autor a percorrer o campo teórico da cultura e do pensamento marxistas e cons- tatar que eles ainda incitavam questionamen-

tos em trabalhos de diversos autores, tanto na América (Paul Baran, Paul Sweezy) como na Eu- ropa (Maurice Dobb, E. P. Thompson, Raymond Williams). Através da recuperação e da análise das obras clássicas, remetendo-as a releituras que respeitassem as diferentes visões de mundo circunscritas à época de sua elaboração, foi pos- sível desenvolver propostas. Contudo, essa re- visitação atentou para o risco de estabelecer lei- turas anacrônicas e reacionárias, inclusive com o cuidado de evitar a construção de simulacros dogmáticos que, por vezes, apenas restabelece- ram antigas fórmulas em novas paisagens.

De certa forma, as mudanças na base tecno- lógica de produção a partir de meados do século passado e as transformações no plano político- social nas duas últimas décadas, sob interferên- cia direta do capitalismo, influenciaram a pro- dução acadêmica de contingente considerável de intelectuais, inclusive geógrafos como David Harvey, interessados nos debates contempo- râneos. Para tanto, travar diálogos sobre essas questões foi imprescindível para explicitar a nova ordem mundial, suas conseqüências locais e globais, seus reflexos no cotidiano da vida urbana, o boom do capital financeiro, as mu- danças paradigmáticas com a incorporação da acumulação de valor na economia globalizada – enfim, temas da dita ‘pós-modernidade’. Na atualidade, é a partir dessa temática que se as- sentam as reflexões e os escritos de David Har- vey. Fundamentalmente, com a preocupação de formular pressupostos metodológicos que re- lacionem concepções marxistas do Estado, das classes sociais, entre outras.

Neste livro, A produção capitalista do espaço, essa contribuição se consolida atendendo a certa cronologia histórica do pensamento da geografia ao longo das três últimas décadas do século XX.

A obra, composta por oito capítulos – sete deles apresentando uma coletânea de textos publica- dos desde 1975 até 2001 em conceituadas revis- tas internacionais –, inicia-se com uma entrevis- ta e conta também com prefácio e apresentação que pormenorizam desde a trajetória acadêmi- ca do autor, sua produção intelectual, até suas principais formulações e propostas teórico-meto- dológicas.

No primeiro capítulo, “A reinvenção da Geo- grafia: uma entrevista com os editores da New Left Review”, dialoga com seus editores, que estruturam perguntas que possibilitam ao leitor

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perceber sua trajetória. A partir dessa panorâmi- ca, o capítulo avança com questões inicialmente de cunho cronológico, tecendo como numa carta geográfica as coordenadas de sua vida profissio- nal, acadêmica e de sua produção científico-li- terária. A seguir, uma seqüência de perguntas com um perfil mais teórico e conceitual permite ao leitor vislumbrar a que orientação político-fi- losófica Harvey se filia, iluminando as modifica- ções presentes em suas obras através do tempo e no espaço. Além disso, possibilita ao autor apre- sentar parceiros e interlocutores do campo da geo- grafia, da antropologia e da economia.

No segundo capítulo, “A geografia da acu- mulação capitalista: uma reconstrução da teoria marxista”, texto publicado pela primeira vez na revista Antipode, edição de 1975, iniciam-se as reflexões conceituais onde o autor estabelece algumas categorias de análise para tal estudo.

Nessa edição, introduzem-se questões acerca da teoria marxista da acumulação capitalista apre- sentando uma problemática muito cara ao pen- samento da geografia contemporânea: a relação entre essa acumulação e a idéia de supressão do espaço em favor da expansão do tempo.

Harvey identifica no modo capitalista de pro- dução algumas barreiras por ele mesmo produzi- das que promovem as crises que, por outro lado, são necessárias para o seu próprio desenvolvi- mento, apresentando permanentemente aspectos de destruição e preservação. Essas contradições inerentes ao capitalismo promovem a dinâmica da circulação, cuja principal questão é o tempo de redução da circulação do capital – por isso os investimentos nas comunicações e nos trans- portes, centrada preferencialmente no comércio exterior, viabilizando a evolução da formação so- cial capitalista para outras fronteiras.

O terceiro capítulo, com texto publicado pela primeira vez também na Antipode em 1976, rece- beu o título “A teoria marxista do Estado”. Nele o autor desenvolve uma extensa análise sobre o Es- tado na teoria marxista. Fundamentalmente, pro- põe uma crítica ao modelo de Estado como produ- to da construção da democracia social burguesa.

Destaca, ainda, que o Estado enquanto entidade não se estrutura meramente como “coisa” e sim como “lugar” de reunião de diversas instituições.

Já no quarto capítulo, “O ajuste espacial:

Hegel, Von Thünen e Marx”, presente na edi- ção de 1981 da Antipode, o autor apresenta três teorias explicativas e sugere um aprofundamen-

to acerca das crises e contradições inerentes ao capitalismo discutidas no segundo capítulo.

Contudo, neste caso em especial, ele sinaliza o

“ajuste espacial” como categoria de investiga- ção vital para se analisar essas características do modo capitalista de produção, a partir de propostas clássicas desenvolvidas por Hegel (Filosofia do Direito), Von Thünen (Estado isola- do) e Marx (O capital).

No quinto capítulo, “A geopolítica do ca- pitalismo”, publicado pela primeira vez na revista Social relations and spatial structures, edição de 1981, Harvey chama a atenção para a permanente necessidade das forças capitalis- tas de implementar a circulação da produção, fomentando a teoria do “ajuste espacial” como estratégia para manter a condição desigual en- tre as economias avançadas e aquelas que são consideradas não avançadas ou mesmo as não- capitalistas. Para isso, inclui em seu trabalho as proposições defendidas por Schumpeter a res- peito da “destruição criativa” promovida pelas fases de crise do capitalismo, que possibilitam o surgimento de inovações tecnológicas como forma de superação permanente.

O sexto capítulo, uma edição de 1989, com texto originalmente publicado na revista Geogra- fiska Annaler, recebeu o título “Do administra- tivismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana do capitalismo tardio”.

Neste trabalho, o autor discute o papel dos go- vernos que têm assumido para si um perfil mui- to mais empreendedor do que administrador;

chama a atenção que a opção por um Estado empreendedor já se verifica em economias ca- pitalistas avançadas desde as décadas de 1970 e 1980, em oposição ao papel administrativo que perdurou até a década de 1960. Observa que es- sas ações são postas em prática principalmente através de conselhos locais, inaugurando o vín- culo entre os setores público e privado, e abor- da os efeitos dessa relação no empreendedoris- mo urbano e a “autonomia relativa”.

No sétimo capítulo, “A geografia do poder de classe”, publicado pela primeira vez em So- cialist Register, edição de 1998, Harvey recupe- ra o “Manifesto comunista” de 1948 e debate acerca das contribuições de Marx e Engels. Tem como principal questão ampliar as possibilida- des de se perceber como as relações burguesas se ocuparam do espaço local e globalmente e como as resistências se diferenciam muito pou-

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co quanto à exploração das forças de trabalho.

Discute, também, a proximidade entre as evi- dências contidas no Manifesto e aquelas en- contras em sociedades globalizadas a partir da dinâmica do ajuste espacial.

E, finalmente, o oitavo capítulo, “A arte da renda: a globalização e transformação da cul- tura em commodities”, preparado para a Con- ference on Global and Local, realizada na Tate Modern, em Londres, 2001, fala da possibilida- de de se transformar em renda qualquer forma de serviço ou mercadoria que seja singular, de- vido a sua condição de exclusividade, escassez ou raridade. Além disso, desenvolve intensa re- flexão sobre a relação entre governança urbana e empreendimentos que objetivem a obtenção de rendas monopolistas, fazendo com que as estru- turas administrativas locais patrocinem investi- mentos que viabilizem vantagens monopolistas ao capital financeiro, gerando sinergias satisfató- rias para o processo de urbanização.

Sem dúvida alguma este livro reflete o nível e a maturidade em que se encontra a disciplina geografia, outrora esquecida e marginalizada das discussões acerca das transformações ocorridas na sociedade contemporânea. E, principalmente, possibilita ao leitor reconhecer as contribuições do geógrafo David Harvey nessa (r)evolução, pre- sentes nos diferentes momentos de sua produção acadêmico-científica ao longo dos últimos anos.

O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. Jo- sé Claudinei Lombardi, Mara regina Jacomeli e Tânia Mara da silva (orgs.). Campinas: autores associados, 2005, 186 pp. (Coleção Memória da e­ducação).

Sauloéber Társio de Souza Universidade Federal do Tocantins

<sauloeber@uft.edu.br>

A Coleção Memória da Educação aborda, neste volume, um tema que tem causado celeuma entre os pesquisadores da história educacional brasileira: o caráter privado ou público da edu- cação escolar.

Os artigos aqui reunidos resultam das apresentações de conferencistas na III Jorna- da do Grupo de Estudos e Pesquisas “História,

Sociedade e Educação no Brasil” (HistedBR), da Faculdade de Educação da Unicamp, cuja temática foi “O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas”, realizada entre os dias 22 e 25 de abril de 2003 na cidade de Americana, SP, no Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

É importante ressaltar que tal temática foi ganhando relevância junto ao HistedBR desde a realização do IV Seminário Nacional do grupo, no ano de 1997. Nesse evento, após um balanço geral dos trabalhos apresentados, constatou-se que os temas predominantes giravam em torno da escola pública e que, entre seus diversos as- pectos passíveis de investigação, priorizava-se as relações entre modernidade e educação e en- tre oralidade e escrita.

Assim, após a III Jornada ficou decidido que, dada a importância da temática, os esfor- ços deveriam ser voltados para a socialização dos debates e reflexões gerados no evento, bus- cando-se divulgá-los para o grande público, em especial àqueles dedicados direta ou indireta- mente às pesquisas em educação. Dessa forma, este livro tem como conteúdo os textos apre- sentados na conferência de abertura e nas três mesas-redondas, organizados na obra na ordem em que foram apresentados.

Os autores aqui reunidos têm se dedicado há décadas às pesquisas em educação, de for- ma que em algum momento de seus percursos acadêmicos se depararam com as questões re- lativas ao tema central da coletânea. Esse é o ponto alto da obra; a riqueza das visões aqui apresentadas permite assinalar que se trata de um balanço, uma referência para a discussão do estado da arte sobre o caráter público e/ou privado da educação nacional.

Talvez seja desnecessário ressaltar que, em alguns momentos, as colocações apresentadas pelos autores parecem se distanciar do eixo norteador, já que este parece ser ponto comum aos trabalhos que reúnem certa diversidade de visões sobre um determinado tema. Fato este observado pelos próprios organizadores ao afir- marem que “os autores tenham se sentido livres para expor suas idéias de um ponto de partida que lhes fosse próximo” (p. xii, grifo nosso).

Carlos Roberto Jamil Cury proferiu a con- ferência de abertura, cujo título coincidira com o tema central do evento. Abordou as relações entre o público e o privado a partir da inter-

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venção da igreja, da família, do Estado e da ini- ciativa privada na conformação da educação es- colar brasileira. Buscou na legislação as formas de manifestação dessas instituições, apontando como a “liberdade de ensino” tem sido discu- tida pelas diversas vertentes de educadores no país, lançando ao embate privatistas e defenso- res da escola pública.

Na primeira mesa-redonda, debateu-se “O público e o privado como categoria de análise em educação”. Antônio Joaquim Severiano, És- ter Buffa e José Claudinei Lombardi abordaram a temática por caminhos diversos. O primeiro faz crítica ao entendimento de que o termo ‘es- tatal’ seja equivalente ao conceito de público, visão burocrática e empobrecedora que concei- tua, rigidamente, público como estatal e priva- do como ‘não-estatal’.

Buffa apresentou trabalho historiográfico ana- lisando textos publicados sobre a temática que envolve a relação público e privado, buscando apreender aspectos significativos sobre a educa- ção e a sociedade brasileiras, realizando um inte- ressante balanço, muito embora faça ressalvas aos riscos que assumiu ao se propor trabalho extenso passível de esquecimentos e desconhecimentos de textos importantes sobre o assunto.

Lombardi, por sua vez, preocupou-se em discutir “O que são categorias?” ‘Carimbado’

no meio acadêmico como marxista, não entende o público e o privado como ‘categorias de aná- lise científica’, classificando-os como termos burgueses que mascaram

“(...) o exercício do poder de Estado por uma classe, em seu próprio benefício, jogan- do uma cortina de fumaça sobre as relações sociais, como se o Estado moderno fosse um bem comum e o exercício administrativo fosse para o bem de todos” (p. 79).

A segunda mesa-redonda teve como pro- posta o tema: “O público e o privado: teorias e configurações nas práticas educativas”. Gilber- to Luiz Alves, José Carlos Souza Araújo, Olinda Maria Noronha e Paulo de Tarso Gomes apre- sentaram seus trabalhos nesta ordem. O primei- ro autor faz análise das inovações nas práticas educativas das escolas estatais e particulares, sua orientação teórica nega o caráter público da educação brasileira. Assim,

“numa sociedade de classes, o Estado, que administra e controla a educação vista por muitos como pública, é, ele próprio, um instrumento de realização dos interesses privados da classe que detém o poder. (...) no plano institucional da educação, caberia, mais apropriadamente, falar em escola esta- tal e em escola particular” (p. 107).

Por sua vez Araújo adota visão mais ampla, ao acreditar que as discussões em torno da di- cotomia público e privado se afiguram como um campo de disputas que demonstra não só a existência de antagonismos, mas também a existência de intercâmbio e convívio. Entende que e, quando se classificam essas categorias como estanques, promove-se um tipo de histó- ria educacional imóvel; as categorias só podem ser apreendidas por sua própria historicidade:

“Categoricamente, estabelecer barreiras en- tre o público e o privado pode conduzir a compreensão do movimento da história educacional a uma imobilização” (p. 142).

Noronha aborda a relação público e pri- vado a partir da transformação atual do papel do Estado. O sistema capitalista mundial teria como um de seus princípios o “monopólio do conhecimento”, garantindo-se a exploração das classes subalternas, dependentes das diretrizes controladas pela classe dominante. Dessa for- ma, perpetua-se o movimento de apropriação do conhecimento a partir da posição que os in- divíduos ocupam na organização da produção.

Encerrando a exposição desta mesa, Go- mes discute o conceito de público e privado a partir de sua raiz filosófica e, em especial, da filosofia do direito. O autor também bus- ca transcender a concepção dicotômica entre público-gratuito e privado-pago. Acredita que a educação republicana herdou da educação colonial a preocupação não apenas com a for- mação da consciência cidadã, mas, sobretudo, com a consciência moral, o que levou a uma ampliação do poder do Estado, que se apresen- tou muito mais paternalista do que liberal, na medida em que se concebeu que, no âmbito do público, forme-se o cidadão e a pessoa moral.

A última mesa da III Jornada do HistedBR teve como tema “A problemática do público e do privado na história da educação no Brasil”,

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reunindo os expositores Dermeval Saviani, José Luís Sanfelice e Maria Elizabete Sampaio Pra- do Xavier, mas somente os dois primeiros apre- sentaram seus trabalhos neste livro. Saviani dividiu seu texto em dois momentos distintos, denominados de teórico-histórico e teórico- prático. Segundo o autor, só existe sentido no debate educacional sobre público e privado a partir de um tempo histórico determinado, no caso do Brasil, desde 1890, quando se configu- ra a educação pública de forma nítida. Aponta equívocos em torno do movimento de defesa da escola pública, em especial aquele que coloca o público e o privado como blocos antagônicos.

Acredita que a raiz do problema está na tute- la do Estado sobre a educação, tendência que deve ser revertida, o Estado devendo assumir plenamente os encargos do bom funcionamento da rede de escolas públicas.

Concluindo, Sanfelice procura também es- clarecer que a idéia de escola estatal e a idéia de escola pública não podem ser equivalentes, quando entendemos público como aquilo que pertence ao povo. Se a educação é estatal (e não pública), portanto, está comprometida com os interesses do Estado, que é esfera controlada pelas classes dominantes. Assim,

“o Estado deve desaparecer, para que o público assuma suas funções. (...) Sem Estado não deverá haver educação esta- tal e muito menos privada, mas somente pública” (p. 184).

A proposta da educação pública seria então uma utopia, no sentido literal do termo (‘o que não está em nenhum lugar’)? Como classificar os movimentos de defesa da escola pública (ou estatal, como concebem alguns dos autores) a partir das determinações histórico-sociais? São questões instigantes e provocativas aqui pre- sentes que merecem estudos específicos que vão além das preocupações desta coletânea.

Referências

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