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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ÁLEX KALIL ALVES

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ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ÁLEX KALIL ALVES

“DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”:

O ATIVISMO CONSERVADOR RUMO À UMA “DIREITA DE VERDADE”

São Paulo

Março de 2022

(2)

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ÁLEX KALIL ALVES

“DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”:

O ATIVISMO CONSERVADOR RUMO À UMA “DIREITA DE VERDADE”

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob orientação da Profa. Dra.

Lilian Maria Pinto Sales.

São Paulo

Março de 2022

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3 KALIL, Álex

“Deus, Pátria e Família”: o ativismo conservador rumo à uma “direita de verdade”

123f.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2022

“God, Fatherland and Family”: Conservative activism towards a “real right-wing”

Palavras-chave: 1. Religião. 2. Conservadorismo. 3. Públicos. 4. Problemas públicos. 5. Nova Direita. 6. Ideologia de gênero.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

“DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”:

O ATIVISMO CONSERVADOR RUMO À UMA “DIREITA DE VERDADE”

Presidente da Banca:

Drª. Lilian Maria Pinto Sales – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Banca Examinadora:

Dr. Fabio Reis Mota – Universidade Federal Fluminense (UFF) Drª. Camila Rocha – Universidade de São Paulo (USP)

São Paulo

Março de 2022

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5

Ah”, disse o rato, “o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro”. - “Você só precisa mudar de direção”, disse o gato, e devorou-o.

Franz Kafka

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6 AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da bolsa de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES). E foi realizado no interior do Projeto Temático FAPESP “Religião, Direito e Secularismo” sediado no CEBRAP e na Universidade de São Paulo. Agradeço ao projeto temático e ao CEBRAP, especialmente à Profa.

Paula Montero, e aos colegas do grupo Jacqueline Teixeira, Paula Bortolin, Milton Bortoleto e Luciano Oliveira.

Agradeço aos professores, colegas e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) Campus de Guarulhos. No Programa, agradeço pela orientação dedicada, criteriosa e generosa de Lilian Sales para a realização deste texto de dissertação. Sua sensibilidade contribuiu para o aprendizado que obtive como pesquisador e seu apoio e parceria ajudaram a superar os momentos difíceis durante a escrita deste texto na pandemia de COVID-19. Obrigado por me conduzir durante a minha trajetória acadêmica, sobretudo por instigar as minhas análises e reflexões, tratando de forma respeitosa e imparcial os meus sujeitos de pesquisa. Agradeço também às professoras Valeria Macedo e Ingrid Cyfer por dividirem tantos saberes e experiências durante as aulas.

Agradeço a Camila Rocha (USP/CEBRAP) e Fabio Mota (UFF) pela participação na banca de mestrado, pelas críticas, sugestões e elogios, principalmente por me encorajarem a seguir na carreira acadêmica. Agradeço também a Debora Maciel, pela participação e troca na banca de qualificação deste trabalho.

Ainda durante o percurso de pesquisa agradeço as trocas e aprendizados com Sônia Corrêa do Sexuality Policy Watch pelas trocas e impressões de campo, por dividir comigo tanto conhecimento e experiência. Agradeço também ao professor John Dawsey pelo tempo em que integrei o NAPEDRA da USP. E ao professor Marcio Moretto (Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP/EACH) com quem tive o privilégio de participar em pesquisas de protestos e manifestações públicas.

Agradeço aos professores e funcionários da Escola de Sociologia e Política, em especial ao meu orientador de iniciação científica, Paulo Nicolli. Agradeço ainda a Angelo del Vecchio,

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7 Aldo Fornazieri, Eliana Asche, William Nozaki, Carla Diéguez, Moisés da Silva Marques, Stella Christina Schrijnemaekers, Marcus Peres, Jorge Tateishi, Rodrigo Carani, Vanderleia Alves e Dalvina Ramirez e Juliana Martins. Agradeço também a todos os integrantes do NEU (Núcleo de Etnografia Urbana) da FESPSP pelo período pela experiência de pesquisa no período em que integrei o grupo.

Meu imenso agradecimento à minha esposa Isabela Kalil por me incentivar em todos os momentos a persistir em meus objetivos e sonhos. Agradeço a troca intelectual, por todas as discussões sobre política, antropologia, ciência, família e vida. Por me ensinar que todo saber só é possível se construído coletivamente. Obrigado por me inspirar com toda sua generosidade, experiência, beleza e inteligência, mas principalmente pelo amor e carinho em todos os dias durante a realização desta pesquisa.

Agradeço à minha filha Amora Valentina por me dar orgulho todos os dias, pela paciência e compreensão nos momentos em que estive imerso nesta pesquisa e ela me fazia rir com suas piadas e brincadeiras. Sou grato por ela ter superado, de forma heroica, tantas dificuldades nos seus primeiros anos de vida, que me inspiram em sempre lutar pelos meus sonhos e por ela.

Agradeço aos meus pais Paulo Alves e Mara Kalil, por sempre acreditarem em mim e por terem sido verdadeiros exemplos de superação e persistência. Acompanhar o retorno deles ao estudo, me fez acreditar na importância da educação e sonhar em um dia me tornar mestre.

Por fim, agradeço aos colegas e amigos da Escola de Sociologia e Política e da UNIFESP Felipe Paludetti, Wiverson Azarias, George Magalhães, Bruno da Silva, Íris Cavalcanti, Rafael Pinho, Leonardo Fabri, Iracema Dulley, João Vicente, Antônio Guilherme, Celso Ricardo Bueno, Olivia Regina, Rafael Costa, Ruan Azevedo, Matheus Zati, Luana Novaes, Wesley Pinheiro, Sofia Cherto, Amanda Amparo, , Bru Pereira, Laís Vieira, Adelaide Estorvo, Juliana Bartholomeu, Caroline Alencar e Bárbara Ariola pela amizade, apoio e incentivo.

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8 Nome: KALIL, Álex

Título: “Deus, Pátria e Família”: o ativismo conservador rumo à uma “direita de verdade”

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da Escola Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob orientação da Profa. Dra. Lilian Maria Pinto Sales.

Aprovado em: ___/ ___/ _____

Banca Examinadora

Prof. Dr. ____________________ Instituição: _______________________

Julgamento: ____________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. ____________________ Instituição: _______________________

Julgamento: ____________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. ____________________ Instituição: _______________________

Julgamento: ____________________ Assinatura: _______________________

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9 RESUMO

KALIL, Álex. Deus, Pátria e Família”: O ativismo conservador rumo à uma “direita de verdade”

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2022

O objetivo deste estudo é analisar o surgimento de um movimento social auto classificado

“conservador” na cidade de São Paulo, entre os anos de 2016 e 2018, atuante na defesa de pautas morais e religiosas. O foco da pesquisa é o processo de formação de “públicos”, buscando identificar as ações organizadas pelo movimento para captar novos participantes, alianças com outros movimentos, organizações e políticos. A pesquisa investiga se a publicidade de pautas

“conservadoras”, se valendo de “dispositivos morais”, bem como os usos de informações de apelo afetivo corroborou para a formação de públicos para o movimento, de modo a viabilizar a candidatura de suas lideranças conservadoras do movimento nas eleições de 2018. Os procedimentos metodológicos utilizados apresentam uma descrição e análise dos eventos em que o movimento organizou campanhas de manifestações, entre 2016 e 2018, seguida pela análise dos materiais mobilizados pelo grupo disponíveis em plataformas digitais.

Palavras-chave: 1. Religião. 2. Conservadorismo. 3. Públicos. 4. Problemas públicos. 5. Nova Direita. 6. Ideologia de gênero.

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10 ABSTRACT

KALIL, Álex. “God, Fatherland and Family”: Conservative activism towards a “real right- wing”

Thesis (Master in Social Sciences) - School of Philosophy, Language and Human Sciences at the Federal University of São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2022.

This study aims to analyze the emergence of a self-titled "conservative" social movement in the city of São Paulo, between 2016 and 2018, active in the defense of moral and religious agendas.

The focus of the research is the process of "public formation", seeking to identify the actions organized by the movement to attract new participants, and alliances with other movements, organizations, and politicians. The research investigates whether the publicity of "conservative"

agendas, using "moral devices", as well as the uses of information of affective appeal, corroborated the formation of "public" for the movement, to make the candidacy of its conservative leaders in the movement in the 2018 elections. The methodological procedures used present a description and analysis of the events in which the movement organized public demonstration campaigns, between 2016 and 2018, followed by an analysis of the contents mobilized by the group available on digital platforms.

Keywords: 1. Religion. 2. Conservatism. 3. Public. 4. Public Problems. 5. New Right. 6. Gender Ideology.

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11 SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

1.1. Apresentação do tema e problema de pesquisa ... 12

1.2. Pressupostos teóricos ... 14

1.3. Procedimentos metodológicos ... 20

CAPÍTULO 1: OS ANTECEDENTES E A CRIAÇÃO DO DSP ... 26

2.1 A onda de protestos de 2013 no Brasil ... 27

2.2. Dos protestos contra a Copa do Mundo em 2014 ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 ... 35

2.3. A criação da “Agenda de Protestos” ... 41

2.4. Rumo à uma “direita de verdade”: A fundação do DSP ... 46

CAPÍTULO 2: OS HERÓIS, OS INIMIGOS, AS ARMAS E A DEFESA DA PÁTRIA ... 59

2.1. Os “heróis”: protestos em apoio a polícia militar ... 60

2.2. A construção de “inimigos”: protestos anti-imigração ... 73

CAPÍTULO 3: CRUZADAS ANTIGÊNERO: EM “DEFESA DA FAMÍLIA” E CONTRA A “IDEOLOGIA DE GÊNERO”... 85

3.1. Família e direitos: a Marcha em Defesa da Família ... 85

3.2. Alianças: católicos e evangélicos contra a ideologia de gênero ... 90

3.3. Os usos da categoria “ideologia de gênero”: a campanha na internet contra Judith Butler ... 95

3.4. “Meninos vestem azul e meninas vestem rosa”: os protestos de rua contra Judith Butler... 107

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 112

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 117

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12 1. INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação do tema e problema de pesquisa

A presente Dissertação de Mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Lilian Sales foi financiada pela Capes e teve início em março de 2018. A pesquisa é parte do Projeto Temático da FAPESP “Religião Direito e Secularismo”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e se insere no Núcleo de Religiões no Mundo Contemporâneo do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). A pesquisa é também o desdobramento de uma série de esforços realizados desde a graduação em Sociologia e Política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde desenvolvi a pesquisa de iniciação científica financiada pelo Conselho de Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tendo como tema os protestos e manifestações políticas1.

A proposta desta pesquisa é investigar o tema do ativismo político conservador no Brasil, ao longo da década 2010, a partir da atuação de um grupo em particular, na cidade de São Paulo.

As questões que orientam a pesquisa podem ser sintetizadas nas seguintes perguntas: Como se dá a formação de novos movimentos políticos, surgidos após o ano de 2013 no Brasil? Em que contexto estes movimentos se formam? De que maneira estes novos movimentos conseguem atrair uma miríade de atores sem experiência prévia no ativismo político, especialmente jovens? Quais são as pautas e reivindicações destes grupos? Quais são as estratégias de atuação destes grupos nas ruas e na internet?

1 A pesquisa de iniciação científica “Vermelho, Verde e Amarelo: Um estudo do imaginário de conciliação e os mitos

políticos brasileiros” foi financiada pelo CNPq com início em agosto de 2016 e conclusão em setembro de 2017.

Disponível em: https://www.fespsp.org.br/seminarios/anaisVI/GT_12/Alex_Alves_GT12.pdf acessado em 01 de maio de 2020. Como Trabalho de Conclusão de Curso, tratei da participação de atores periféricos em ações de protestos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, entre eles, integrantes do DSP. Estas pesquisas que antecederam meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNIFESP possibilitaram minha inserção em campo e a observação dos eventos realizados pelo DSP, em 2016 e 2017.

(13)

13 Para isso, investigo a atuação de um grupo formado por jovens na cidade de São Paulo, que se define como um “movimento conservador”. A justificativa na escolha deste movimento em particular se dá pelas seguintes razões: Primeiro, este movimento se consolidou como um dos primeiros e mais atuantes grupos da sociedade civil a apoiarem a campanha de Jair Bolsonaro, entre os anos de 2016 e 2018. Segundo, este grupo é originado a partir de uma página de organização de eventos de uma rede social, o que possibilita a investigação dos usos da internet nesta forma de ativismo. Terceiro, o grupo iniciou sua trajetória atuando localmente na capital paulista e obteve êxito em expandir sua atuação em diferentes estados, até se tornar um movimento nacional.

Para tratar da atuação do Direita São Paulo, a partir de agora referido aqui pela sigla DSP, a dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo trata emergência do conservadorismo em manifestações públicas a partir do ciclo de protestos ocorridos no Brasil entre os anos de 2013 e 2015. Este é o período em que o grupo iniciou suas atividades como uma página de eventos de manifestações públicas na cidade de São Paulo, chamada de Agenda de Protestos.

A seguir, é analisado o processo de formação do Movimento Direita Paulistana, seguido de sua mudança para Direita São Paulo, no início do ano de 2016, passando de uma página de internet para um movimento local e, posteriormente, estadual.

O segundo capítulo trata dos primeiros protestos do DSP a partir da atuação do grupo na defesa da polícia militar, que viria a ser uma agenda de defesa de “valores patrióticos”. Neste mesmo período, o grupo testou uma série de ações experimentais de protestos em defesa da nação de cunho xenofóbico e mobilizando discursos de ódio e teorias conspiratórias em busca de se delinear supostos “inimigos da pátria”. Estes protestos tratam da mobilização da categoria “pátria”

no repertório de ações do grupo e como tal categoria se expressa em ações no espaço público.

O terceiro capítulo trata da mobilização das categorias “Deus” e “família” no espaço público. Dentre os eventos mais importantes, estão a realização dos protestos “em defesa da família” e contra “ideologia de gênero”, no final do ano de 2017. Neste contexto, a categoria

“ideologia de gênero” passa a ser incorporada com o objetivo de concernir públicos a partir de uma questão particular: a suposta “doutrinação” de jovens e crianças no ambiente escolar e de lazer. Para isso, o movimento passa a se engajar em uma agenda de defesa de valores cristãos

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14 voltados à “família” enquanto as questões de gênero e sexualidade são entendidas como um risco para esses valores.

1.2. Pressupostos teóricos

Para investigar as estratégias de mobilização de “públicos” realizadas pelo DSP, a partir daqui referido como DSP, em seu processo de formação e posterior consolidação como movimento nacional, a abordagem teórica utilizada para a análise está vinculada à “sociologia pragmatista francesa”. Especificamente, a linhagem da Ação Situada. Influenciados principalmente pela noção de “público” dos pragmatistas norte-americanos e pela sociologia da Escola de Chicago, os autores da linhagem da Ação Situada, passam a adotar a noção de “problema público”, “problemas públicos” em suas análises. Esta abordagem tem priorizado momentos de constituição de comunidades políticas e de “públicos” a “partir do processo de publicização e de problematização de distúrbios e inquietações”, buscando rastrear o desenrolar das ações dos atores (SALES, 2018, p.5).

O interesse pela noção de “público” pelos autores da Ação Situada data de meados dos anos de 1990 e a noção é resgatada dos trabalhos de John Dewey, Robert E. Park e George H.

Mead e veio a se tornar uma noção central para os autores desta linhagem (CEFAI, 2017)2. O

“público” é compreendido como o conjunto de atores, grupos, organizações que emergem das discussões entorno de uma situação considerada problemática. Para Cefai (2018), o “problema público” pode ser compreendido como uma atividade coletiva de um processo gerado entorno de uma ação ou de um evento, que pode abalar pessoas, inclusive aquelas indiretamente afetadas por este evento.

A ideia de base é que, confrontadas com uma situação problemática cujas consequências são percebidas e avaliadas por um conjunto de pessoas como nefastas para os seres humanos e para os bens a que eles estão ligados, mas também, além disso, para os seres vivos ou para a Terra, essas pessoas se inquietam, se interrogam, investigam, experimentam, discutem.

Tentam definir o problema, determinar suas causas, detectar seus fatores e estabelecer as

2 Daniel Cefai (2017) esclarece que a noção de “público” reconectou os estudos voltados aos problemas sociais com

a escola do pensamento pragmatista norte americano e a sociologia da Escola de Chicago. A noção foi importante no tocante dos estudos sobre democracia, ao passo que ajudou a oferecer avanços analíticos reenquadrando noções como a de “esfera pública” de Jürgen Habermas, mas também as de “campo” e “mercado”.

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15 responsabilidades. Associam-se e organizam-se, encontram líderes para fazer suas vozes serem ouvidas e para convencer e mobilizar em grande escala. Tomam a palavra, testemunham, avaliam, argumentam, criticam, deliberam, interpelam a opinião e os poderes públicos. Quando estes não intervêm, buscam solução em sua própria escala, imaginam roteiros, projetam alternativas, tentam descobrir como regular ou suprimir o que definiram como situação problemática. Essa dinâmica coletiva faz emergir ao mesmo tempo um problema e seu público. (CEFAI, 2017, p. 288)

Nesta "Sociologia dos problemas públicos", a prioridade passa a ser a descrição das situações de ação desempenhada pelos atores, com o objetivo de identificar na descrição a organização prática do “público”. Ou seja, prezam pela observação da realidade, das situações e sua descrição minuciosa para identificar os públicos envolvidos nas ações e experiências observadas. O “público”, por sua vez, é compreendido não como um objeto abstrato ou meramente conceitual, mas como objeto empiricamente observável.

Segundo esta perspectiva, o “público” se forma a partir de uma “crise”, uma situação perturbadora. Nestas situações, os atores envolvidos diretamente ou indiretamente trocam experiências, opiniões e posições referentes a esta situação crítica. A questão importante de se perceber é que neste processo emerge uma atividade coletiva de associação, cooperação e discussão. Os participantes desse processo (publicização) é o que se constitui no que os autores nomeiam de “público”. Ou seja, a noção de “público” pode ser entendida como uma comunidade dinâmica e generalizada que se forma em processos comunicacionais de uma situação problemática.

Assim, a abordagem dos problemas públicos pode ser utilizada para compreendermos o surgimento do DSP, haja vista que o objetivo central da análise é compreender a formação dos públicos deste movimento. Assim como a noção de “público”, outras noções como “experiência”,

“problema público”, “problematização”, “publicização” e “distúrbios” se tornam relevantes para a análise do movimento em questão.

Segundo Daniel Cefai (2017), a constituição de um problema público não está dada a priori, ela ocorre a partir de um processo contingencial em que membros de uma determinada comunidade se empenham na elucidação ou na explicação de um determinado “distúrbio”, daquilo que por algum motivo é desagradável ou que exija uma solução pública. Os “distúrbios” podem ser de todo o tipo, uma ameaça, frustração, indignação, podem ser reais ou imaginários, próximos ou distantes, algo que provoque a partir da sua provação uma dinâmica envolvente de ações

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16 coletivas. O processo de envolvimento nessas situações consideradas problemáticas leva, segundo Daniel Cefai, ao reconhecimento delas, a explicitação e controle. Ou seja, os públicos tentam buscar definições e resoluções para estas situações. Caso não ocorra esse processo de

“concernimento” (no sentido de envolvimento dos atores para a definição do problema), o

“distúrbio” permanece “tácito ou latente”, pois “ainda não é identificável e reconhecível como problema”, e menos ainda como “problema público” (CEFAI, 2017 p.192).

Deste modo, compreendemos que existe na abordagem da Ação Situada, a identificação de um momento inicial, um “distúrbio”, um momento de crise em que uma determinada questão é discutida, gerando uma série de posições, opiniões, perspectivas, debates, polarizações e dissensos acerca dessas questões. Os atores envolvidos no processo de definição de uma situação considerada problemática, expõem seus pontos vista a serem defendidos, realizam justificações e operações de defesa ao serem criticados ou invalidados, o que implica, ainda segundo Daniel Cefai, em “operações de avaliação, deliberação e julgamento” (p. 204). Essas operações culminam em um processo de definição da situação problemática, onde uma especial ênfase é dada a ação e aos atores envolvidos nestas ações, pois é neste momento de definição que é possível compreender, por quais processos um “distúrbio” é convertido em um problema público.

Isto é, a definição de um problema público perpassa por etapas que vão desde a identificação de um “distúrbio” ainda indeterminado que progressivamente vai sendo elaborado pela participação dos atores e suas ações até se chegar ao ponto de uma situação problemática que pode se constituir em um problema público. Segundo Lilian Sales:

A definição de problema público é especialmente importante, sendo entendida enquanto resultado de um processo contingente que avança paralelamente às ações conjuntas realizadas por seus protagonistas. Os problemas públicos são analisados em seu caráter processual, eles não são um a priori, não estão previamente estabelecidos, mas são constituídos ao longo dos processos. Em parcela dos trabalhos desenvolvidos por esta linhagem, o caráter processual dos problemas públicos é analisado a partir dos métodos desenvolvidos pela etnometodologia, atentando para a compreensão da organização sequencial e categorial das interações (SALES, 2018, p. 22).

Nesta perspectiva, um problema público passa a ser compreendido a partir do processo de sua emergência, do avanço de debates, investigações, experiências e processos de mobilização de ações coletivas que configuram, estabilizam ou reconfiguram problemas públicos. O público se

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17 constitui no envolvimento deste processo, ganha qualidades e cresce desde os primeiros momentos de contestação, trata-se, pois, de comunidades políticas que se constituem em torno de problemas públicos. Essa constituição de comunidades políticas se dá a partir de processos estabelecidos a partir da “experiência”, “problematização” e “publicização” dos problemas.

É neste sentido que a abordagem da Ação Situada nos interessa especialmente. Nosso objetivo é analisar a constituição do DSP a partir do procedimento pragmático de descrição e análise do engajamento dos atores em determinadas situações. Nas situações descritas na presente pesquisa, visamos demonstrar como o movimento se compõe entre diferentes regimes de ação.

Segundo a perspectiva da sociologia dos problemas públicos, a formação de coletividades se dá a partir de um momento inicial, um “distúrbio” ou perturbação. Na presente pesquisa, a mobilização de ações para angariar públicos por parte dos atores membros do DSP ocorrem em momentos similares, geralmente relacionados a questões de interesse público. Como mote de suas ações, os atores do movimento selecionavam questões insurgentes de cada momento, geralmente relacionadas a temas sensíveis, como a proteção a vida de policiais ou relacionadas a temáticas como gênero e sexualidade. Assim, é fundamental analisar as ações dirigidas nestes momentos, no que diz respeito às dinâmicas de “experiência”, “problematização” e “publicização” vivenciadas pelos atores do Movimento em determinadas situações e que resultaram no envolvimento de públicos para a causa defendida em cada momento.

As noções de “experiência”, “problematização” e “publicização” dos problemas públicos compõem o rol de categorias que identificam diferentes dimensões intrínsecas ao processo de configuração dos problemas públicos. A noção de “experiência” está ligada ao processo de experimentação dos “distúrbios”, segundo Daniel Cefai, são provas “afetivas, sensíveis ou avaliativas” que levam os atores a fazer investigações para identificar em que consiste esse distúrbio e passam a fazer “uma experiência dele” (CEFAI, 2017 p.191). Esse processo de investigação de uma situação a partir da experiência envolve um esforço de resolução dos atores que são movidos pela intenção de “saber” acerca do problema. Este “saber”, como nos aponta Daniel Cefai, não é um “saber por saber”, mas “saber na medida em que esse saber confere algum poder de ação” (p. 189). Ou seja, ocorre um processo de aprimoramento do reconhecimento de um determinado problema, aquilo que antes era percebido como uma perturbação ou distúrbio passa adquirir consistência. São criados a partir dessa experimentação, “dispositivos” que

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18 operacionalizam esses saberes práticos dos atores, visando convencer outras pessoas, conferir legitimidade aos seus diagnósticos acerca deste problema.

A experiência é determinante para a constituição de um problema público, pois é através do processo de experimentação de perturbações e distúrbios que os atores vão consolidar críticas, denúncias, vão conferir um nome ao problema, associá-lo a imagens e vídeos e convocar a participação de mais públicos a partir da publicidade desses dispositivos. Ou seja, as perturbações e “distúrbios” precisam ganhar uma dimensão de “experiência coletiva”, precisam ser percebidas por membros de uma comunidade, de modo a ganhar uma configuração de problema de interesse público e, assim, terem o potencial de se tornarem problemas públicos.

Deste modo, a noção de “experiência” pode nos ajudar a compreender algumas das dinâmicas assumidas pelo DSP em campanhas de protestos. Os atores do grupo, durante as ações de campanha para os protestos, utilizaram de elementos como imagens e vídeos que pretendiam denunciar determinadas situações consideradas injustas ou perturbadoras. Esses conteúdos foram divulgados em canais oficiais do Movimento e tinham como objetivo fazer com que outras pessoas pudessem se identificar com as causas levantadas pelo grupo. Esses conteúdos de imagem e vídeo eram selecionados em razão do alto poder de propagação pelas redes sociais do Movimento. As imagens e vídeos utilizados tinham conotações sensíveis e apelativas (tais como: a exposição de corpos mutilados e decapitados)3, cuja intenção era provocar sentimentos e sensações para alertar sobre situações problemáticas e demonstrar a importância das ações de protestos organizadas pelo grupo.

Já as noções de “problematização” e “publicização” que, por sua vez, são dimensões que ocorrem simultaneamente ao processo de experiência. Estas noções estão ligadas à investigação e enquete sobre um determinado problema, com a diferença que trazem para dentro da situação considerada problemática dimensões objetivas do problema. No processo de “problematização”

são utilizados elementos buscando referenciais menos sensíveis e afetivos, os atores buscam evidenciar a existência do problema fazendo uso de dados, pesquisas e investigações sobre o problema, buscando transformar a dimensão imediata das experiências e recolocando-as em um sentido mais racional, contextualizando o problema através de demonstrações práticas do contexto

3 As imagens de teor mais violento que fazem referência a mutilações, decapitações, assassinatos, tortura, linchamentos, pedofilia e outras violências de cunho sexual não são reproduzidas neste trabalho, embora tenham sido consideradas na análise.

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19 vívido, seja pela divulgação de dados, notícias, pesquisas científicas, entre outros. Os atores, ao publicizarem o problema, buscam concernir públicos identificados com a questão, transcendendo a perspectiva de que tais problemas afetam apenas particulares. A este respeito, Daniel Cefai salienta:

Às vezes, porém, a dinâmica coletiva ganha uma amplidão bem diferente. Ela faz as linhas da experiência se mexerem, abrindo os “particulares” a interesses, crenças e desejos que transcendem suas perspectivas habituais. E começa a dizer respeito a pessoas bem mais além daquelas que são diretamente atingidas, impelindo-as a formarem uma experiência comum, a se indignarem conjuntamente e a se mobilizarem em público (CEFAI, 2017 p.196)

Desta maneira, esta dinâmica de “publicização” busca atingir públicos distintos e mais amplos e atraí-los a partir de preocupações comuns em torno de problemas que passam a ser considerados públicos. O processo de publicização, ainda segundo o autor, requer uma capacidade de sentir comum que é realizada a partir da atividade coletiva. As pessoas concernidas nesses problemas, passam a compô-lo através de suas associações, discussões, inquietações, indagações e reformulações acerca do problema. Em suma, as pessoas buscam se organizar, buscar aliados e parceiros que “retransmitem suas vozes”, publicizam suas questões. Ao fazê-lo, “constituem-se como um “público” — a parte coletiva de um trabalho de si sobre si mesmo, submetida à prova da transformação da relação com os problemas, com os outros, com as situações, com as instituições”

(CEFAI, 2017 p.197).

No que diz respeito as noções de problematização e publicização, encontramos em nossa pesquisa determinados “dispositivos” que auxiliaram o grupo nesta dinâmica. O dispositivo encontrado que demonstra mais similaridade com as dinâmicas de interações apresentadas pelos atores da Ação Situada é o dispositivo de “ideologia de gênero”. O dispositivo de “ideologia de gênero” foi apropriado pelo grupo em 2017 e possibilitou que o Movimento pudesse ter contato com públicos além do seu alcance, atraindo partidos, políticos profissionais e outros setores da sociedade que auxiliaram o fortalecimento do movimento para a campanha eleitoral de 2018,

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20 culminando na eleição de uma de suas lideranças, o “vice-presidente” do DSP para o cargo de deputado estadual4.

Assim, inspirados pelo referencial teórico dos atores da Ação Situada, buscamos nesta pesquisa identificar como o DSP viabilizou ações de angariação de públicos, a fim de compreender o uso de dispositivos para atingir tal finalidade. Deste modo, é fundamental para a pesquisa realizar a descrição das ações desenvolvidas pelos atores durante o processo de constituição de públicos engajados nas causas do Movimento, identificando dinâmicas de experiência, problematização e publicização, segundo os autores desta linhagem.

1.3. Procedimentos metodológicos

Foram realizados dois procedimentos para a coleta de dados: 1) trabalho de campo de observação em manifestações públicas e suas formas de atuação em protestos de rua 2) mapeamento da produção do grupo na internet onde foram coletados materiais públicos de campanhas dos protestos disponíveis divulgados abertamente nas páginas oficiais do DSP em suas redes sociais (Facebook, Twitter e Instagram) - entre os materiais analisados estão conteúdos em imagem e vídeo, notícias, matérias jornalísticas e textos produzidos pelo DSP.

Para isso, a pesquisa se baseia nos materiais coletados em situações públicas ocorridas no espaço público, a partir de observação etnográfica em que foi possível identificar os atores e suas formas de atuação em protestos e manifestações de rua. Também foram coletados materiais de campanhas dos protestos disponíveis internet, divulgados nas páginas oficiais do Movimento em suas redes sociais (Facebook, Twitter e Instagram). Entre os materiais analisados estão conteúdos em imagem e vídeo, notícias, matérias jornalísticas e textos produzidos pelo DSP. Ressalto ainda que todos os materiais utilizados na análise foram obtidos em plataformas públicas de acesso irrestrito ao público em geral. Além disso, os nomes dos envolvidos nos eventos aqui citados foram suprimidos para proteger a integridade e o anonimato dos integrantes do DSP.

4 As duas principais lideranças do Movimento são referidas neste trabalho como “presidente” (idealizador e principal fundador grupo) e ‘vice-presidente” (cofundador do grupo), mantendo a forma como estes atores sociais se autodenominam. Os nomes dos participantes do grupo e participantes dos eventos aqui descritos foram suprimidos.

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21 O trabalho de observação de campo do Movimento teve início em novembro de 2017, quando o DSP organizou uma manifestação contra a vinda da filósofa Judith Butler ao Brasil e contra a chamada “ideologia de gênero”. Na ocasião, realizei a primeira interlocução com os membros e lideranças do DSP. Esta interlocução possibilitou minha inserção em campo para observar as situações de protestos em que o grupo organizou e/ou participou. Esta fase de observação se caracteriza pela fase preliminar da pesquisa, realizada na graduação do curso de Sociologia e Política5.

A partir de 2018, o trabalho de campo foi realizado como parte da pesquisa de mestrado.

Assim, entre os anos de 2017 e 20196, participei dos seguintes protestos:

− “Ato de repúdio à Judith Butler/ Ato contra a ideologia de gênero” (17 de novembro de 2017 - Rua Clélia (Sesc Pompéia – SP)

− “Grande Carreata em Apoio a Jair Bolsonaro” (18 de março de 2018 - Avenida Paulista – SP)

− “Manifestação de apoio aos caminhoneiros” (26 de maio de 2018 Avenida Paulista – SP)

− “Marcha do PROERD” (27 de maio de 2018 - Avenida Paulista – SP)

5Na ocasião, realizei trabalho de campo e aplicação de questionários em conjunto com os pesquisadores do NEU (Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual) da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

A pesquisa resultou na publicação de um conjunto de relatos etnográficos na Revista Ponto Urbe, ver em especial o relato publicado por Felipe Paludetti e por mim: “A queima das bruxas: por dentro e por fora”, Ponto Urbe, 22, 2018, http://journals.openedition.org/pontourbe/3961 .

6A análise da atuação do grupo tem como recorte os anos de 2016 a 2018, mas foram realizadas atividades de observação de campo no ano de 2019 que forneceram dados para a compreensão da atuação do grupo em seu período anterior.

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22

− “Voto em cédula e dissolução do STF” (7 de junho de 2018 – Avenida Paulista – SP)

− “Marcha pró-vida: aborto Nunca!” (23 de junho de 2018 - Avenida Paulista –SP)

− “Campanha muda Brasil: Bolsonaro presidente” (26 de agosto de 2018 - Avenida Paulista – SP)

− “Manifestação somos todos Bolsonaro”, (9 de setembro de 2018 Avenida Paulista – SP)

− “Manifestações dos gays com Bolsonaro”/“Manifestação das mulheres com Bolsonaro” (30 de setembro de 2018 – Avenida Paulista – SP)

− “Manifestação fora STF”, (19 de dezembro de 2018 - Avenida Paulista – SP)

− “Ato de repúdio ao STF” (7 de abril de 2019 – Avenida Paulista – SP)

− “Brasil contra o centrão”, (26 de maio de 2019 - Avenida Paulista – SP)

− “Fora Gilmar”, (17 de novembro de 2019 - Avenida Paulista – SP)

A observação desses eventos possibilitou a coletar informações relevantes para a pesquisa, tais como as formas de organização dos membros, a hierarquia, os conflitos com grupos opositores, as performances de ação (discursos, cantos, jargões, jograis, gritos de guerra), as estratégias estéticas (cores, uniformes, placas, faixas, imagens), a atuação dos sujeitos de pesquisa em situação, a atuação das lideranças, as divisões de marcadores sociais (principalmente aqueles relacionadas à gênero e geração), a atuação de funcionários públicos (policiais, guardas de trânsito, bombeiros),

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23 atuação dos jornalistas que cobriam os protestos, a reação dos transeuntes, a utilização do espaço da cidade, a aproximação de personalidades públicas ao movimento (políticos, artistas, influenciadores digitais), e uma diversidade de acontecimentos que foram possíveis a partir do acompanhamento das situações de protesto.

Para recompor o período anterior ao início da pesquisa de campo (2016 e 2017), analisei os materiais disponíveis dos protestos e manifestações públicas do DSP. Os materiais foram coletados em diferentes plataformas online e acesso irrestrito (Facebook, YouTube, Instagram e Twitter) e documentam os seguintes eventos e campanhas:

− “Ato de apoio a Jair Bolsonaro” (1 de maio de 2016 – Avenida Paulista - SP) Gravação em vídeo do evento divulgado pelo DSP.

− “Recepção de Bolsonaro no Aeroporto de Congonhas” (22 de outubro de 2016 – Aeroporto de Congonhas – SP). Gravação em vídeo divulgado pelo DSP

Campanha “Eu escolho salvar o policial”

Conjunto de materiais de divulgação coletado nas páginas oficiais do DSP.

(imagens, vídeos, gravação de protesto, notícias, textos, documentos oficiais, postagens, montagens), entre novembro e dezembro de 2016.

Campanha “protestos anti (i)migração”

Conjunto de materiais de divulgação coletado nas páginas oficiais do DSP.

(imagens, vídeos, gravação de protesto, notícias, textos, documentos oficiais, postagens, montagens) entre maio e abril de 2017.

Campanha “protestos pela revogação do estatuto do desarmamento”

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24 Conjunto de materiais de divulgação coletado nas páginas oficiais do DSP.

(imagens, vídeos, gravação de protesto, notícias, textos, documentos oficiais, postagens, montagens) entre fevereiro, maio, junho e julho de 2017.

Campanha “Marcha em defesa da Família”

Conjunto de materiais de divulgação coletado nas páginas oficiais do DSP.

(imagens, vídeos, gravação de protesto, notícias, textos, documentos oficiais, postagens, montagens), em outubro de 2017.

Divulgações do “Ciclo de palestras”

Conjunto de materiais de divulgação coletado nas páginas oficiais do DSP (imagens, documentos, textos, postagens) entre setembro, outubro, novembro, fevereiro, março, abril, junho, julho, agosto e novembro de 2017.

Ao todo, foram reunidos em torno de 500 materiais (350 imagens e 50 vídeos). Todos os materiais foram disponibilizados pelo DSP no ambiente digital. Para coleta dos materiais, em imagem utilizei a ferramenta de “captura de tela”7. Os tipos de conteúdo dessas imagens variam entre: notícias, textos, matérias (especialmente matérias de jornais, revistas blogs), documentos (cartas, boletins, manifestos etc.), postagens8, fotos, desenhos, memes, montagens9, slides10.

Para a coleta dos materiais em vídeo, utilizei a ferramenta de “captura de vídeo”11. Os tipos de conteúdo desses vídeos variam entre: gravação de manifestações, transmissões de

7A “captura de tela” é uma ferramenta utilizada em sistemas operacionais de computadores para capturar a imagem da tela. Para esta pesquisa, o uso da ferramenta foi utilizado de modo a gravar os conteúdos divulgados pelo movimento social em suas páginas oficiais (Facebook, Instagram e Twitter).

8 As postagens referem-se a publicações de texto e imagem realizada pelos membros das páginas oficiais do grupo.

9 As montagens são imagens que passaram por um processo de edição, sendo adicionados outros elementos ou imagens. Geralmente essas montagens eram utilizadas pelo movimento como forma de tornar explorar o efeito cômico a partir da exposição de alguma pessoa, grupo ou situação

10 Nomeio de slides as imagens divulgadas contendo texto e imagem, geralmente para comentar ou informar sobre

algum assunto ou acontecimento.

11 A “captura de vídeo” é uma ferramenta similar a “captura de tela”, porém, este recurso é utilizado para capturar a

transmissão da tela, ou seja, capturar o vídeo.

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25 manifestações em tempo real12, depoimentos13, documentários, vídeos compilados14, entrevistas15, propagandas políticas, vídeos de divulgação do movimento, vídeos de influenciadores digitais, notícias, entre outros.

Estes materiais coletados na pesquisa apresentam uma amostra significativa dos eventos do movimento. Em sua totalidade, entre os anos de 2016 e 2019, o DSP organizou protestos, atos, marchas e carreatas como manifestações públicas. Segundo os dados da agenda de protestos divulgada pelo movimento, foram realizadas cerca de 50 (cinquenta) manifestações no período.

Sendo 5 em 2016; 15 em 2017, 25 em 2018 e 5 em 2019. Também foram realizados eventos fechados na sede do movimento, tais como palestras (ciclo de palestras20), cursos21, encontros e outras atividades.

12 Este recurso foi habilitado pelas plataformas onde o movimento social hospeda suas páginas oficiais. O Facebook

habilitou esta função partir de agosto de 2017. Com esta ferramenta, o movimento pode contar com um dispositivo muito eficaz para divulgar suas ações públicas. A partir da disponibilidade deste recurso, os membros do Movimento passaram a realizar transmissões onde comentavam sobre algum assunto ou acontecimento, também usavam para divulgar eventos e ações.

13 Os depoimentos são vídeos contendo relatos de filiados, membros, lideranças de instituições partidárias, religiosa,

anônimos etc. Esses vídeos eram divulgados de modo a explorar certas validações referentes aos temas de interesse do grupo.

14 Nomeio de vídeos compilados aqueles que passaram por algum tratamento de edição e montagem de outros vídeos.

O mais comum são vídeos relatando alguma notícia, situações reais de violência urbana, depoimentos, trechos de filmes e documentários entre outros. Esses vídeos eram divulgados de modo a divulgar versões e depoimentos sobre um determinado tema ou acontecimento.

15 Este material se refere às entrevistas dos filiados concedidas a meios de comunicação, tais como revistas, jornais,

canais do YouTube. Essas entrevistas eram divulgadas de modo a informar os membros e filiados acerca do aparecimento do movimento social em algum canal de informação ou entretenimento.

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26 CAPÍTULO 1: OS ANTECEDENTES E A CRIAÇÃO DO DSP

Este capítulo está dividido em quatro seções. Nas duas primeiras, discuto o ciclo de protestos no Brasil iniciados no ano de 2013. E continuados com os protestos contra a realização da Copa do Mundo de 2014 e as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016. É a partir das manifestações de junho de 2013 e seus desdobramentos em 2014 e 2015 que as lideranças e fundadores do movimento passaram a participar de manifestações e protestos públicos pela primeira vez.

Nas duas seções seguintes, discuto o processo de formação do DSP propriamente dito.

Apesar do DSP ter sido formado no ano de 2016, seus fundadores e integrantes apontam o ano de 2013 como o marco do início de sua atuação na militância política. E o ensaio para a criação formal do grupo se dá em 2015 com a criação de uma página na internet voltada para a divulgação de datas e detalhes de protestos e manifestações de rua organizados por grupos de direita, a chamada

“Agenda de Protestos”.

Desta forma, para compreender a formação do DSP se faz necessário um recuo histórico para tratar do contexto do surgimento de novos movimentos de direita no Brasil. Compreender este contexto de formação do que Camila Rocha (2018) nomeia de “nova direita” é fundamental para analisar a formação e atuação do grupo. O grupo surge como uma forma de se contrapor a esses atores descritos por Rocha, em especial MBL (Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e Revoltados Online, propondo um movimento mais alinhado com os valores defendidos por políticos como Jair Bolsonaro. Estes ideais se referem à defesa de valores nacionalistas (defesa da pátria) e valores em defesa da família dita "tradicional".

Neste sentido, o DSP, criado em 2016, passa a reivindicar a categoria de “direita de verdade” ou “direita oficial” em oposição à direita originada em 2013, tida como uma “nova direita”. Essa distinção, reivindicada pelo DSP em relação ao MBL, Revoltados Online e Vem Pra Rua se baseia no entendimento de que estes últimos não seriam suficientemente representantes das ideias da direita brasileira. Na perspectiva dos integrantes do DSP, a constituição de uma “direita de verdade” se baseia fundamentalmente na defesa de valores religiosos cristãos, como a militância contra o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos, a defesa das forças policiais, a revogação do estatuto do desarmamento e a flexibilização no comércio de armas para cidadãos.

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27 Estas pautas são centrais para se constituir um projeto político alinhado com a defesa da

“família”, nos termos do DSP. Neste sentido, o mote “Deus, Pátria e Família”, mais do que um ideário político, representa para os membros do DSP o apoio e o ativismo a projetos específicos que eles entendem como sendo parte de um projeto político “conservador” e representativo de uma

“direita de verdade”, conforme tratarei neste capítulo.

2.1 A onda de protestos de 2013 no Brasil

Para compreender a formação do DSP, é importante situar a atuação deste coletivo em relação ao processo mais amplo do ciclo de protestos que se inicia no Brasil no ano de 2013. Os protestos foram inicialmente motivados pelo aumento da tarifa do transporte público na cidade de São Paulo, pauta reivindicada por um movimento social autônomo que iniciou o ciclo de protestos, o Movimento Passe Livre16. Ainda nos primeiros dias de protestos, os manifestantes organizados sofreram uma forte repressão policial o que corroborou para o aumento da visibilidade dos protestos, ganhando o foco da grande imprensa e dos principais jornais televisivos do país, atraindo a atenção de um grande público (SINGER, 2013; SAAD-FILHO, 2013).

Na cidade de São Paulo, as manifestações se iniciaram no dia 6 de junho de 2013, outras manifestações ocorreram nos dias 7, 11 e 13 de junho. Nesta fase a pauta se concentrava ainda na redução da tarifa de transporte em São Paulo que havia sofrido o reajuste de R$3,00 para R$3,20 sob o mandato do prefeito Fernando Haddad (PT). Nesta primeira fase, faziam parte da composição dos protestos jovens universitários de classe média que percorriam e paralisavam grandes vias públicas por horas constantes, culminando em confronto com a Polícia Militar.

No dia 11 de junho houve uma verdadeira batalha entre manifestantes e a Polícia Militar, muitas cenas de violência policial e também de destruição do patrimônio público, todas reportadas por jornais de grande veiculação na TV. No dia 13 um número ainda maior de manifestantes (cerca

16 O Movimento Passe Livre é um movimento social autônomo constituído em 2005 na cidade de Porto Alegre, criado

por grupos e ativistas que pautavam a demanda por transporte gratuito para estudantes. Em 2013, o movimento ganhou notoriedade após organizar as primeiras manifestações contra o aumento da tarifa em São Paulo, ganhando destaque na grande imprensa culminando em protestos espalhados por todo o país. Ao final de junho de 2013, várias cidades optaram pela redução da tarifa de ônibus após a pressão das manifestações. Ver:

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/06/130619_passagem_transporte_pai acessado em 9 de novembro de 2020 às 14:16

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28 de 5 mil segundo a polícia militar e 20 mil segundo os organizadores do protesto) marcharam pacificamente no percurso da região do Centro até a Av. Consolação, sendo impedidas de prosseguir pela Polícia que agiu com violência contra manifestantes e jornalistas. Esse episódio, como analisa André Singer (2013), atraiu a atenção e simpatia de um grande público, iniciando uma segunda fase de protestos, ocorridos entre os dias 17, 18, 19 e 20 de junho, quando outras frações da sociedade passam a participar espontaneamente dos protestos, reunindo cerca de 75 mil manifestantes, segundo dados do DataFolha.

Em 16 de junho as manifestações passam a ocorrer em outras cidades do país. No dia 19 de junho, o governo de São Paulo atende a reivindicação, reajustando o valor da passagem novamente para R$ 3,00. No dia 20 de junho os manifestantes realizam um ato de comemoração ao reajuste, com manifestações em mais de 100 mil cidades, contabilizando cerca de 1,5 milhão de manifestantes, segundo dados do DataFolha (SINGER, 2013).

É neste momento, segundo Mariana Mendes (2013), Alfredo Saad Filho (2013) e André Singer (2013), que as reivindicações nos protestos adquirem uma profusão de demandas, algumas confusas e outras relacionadas a qualidade dos serviços públicos, especialmente na saúde e educação e pautas relacionadas à corrupção. Para André Singer, a entrada de novos sujeitos nas manifestações alimentou uma onda de repúdio aos partidos, políticos e a insatisfação com os governos.

Surge quase um cartaz por manifestante, o que leva a uma profusão de dizeres e pautas: "Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação", "Queremos hospitais padrão Fifa", "O gigante acordou", "Ia ixcrever augu legal, maix fautô edukssão", "Não é mole, não. Tem dinheiro pra estádio e cadê a educação", "Era um país muito engraçado, não tinha escola, só tinha estádio", "Todos contra a corrupção", "Fora Dilma! Fora Cabral! pt = Pilantragem e traição", "Fora Alckmin", "Zé Dirceu, pode esperar, tua hora vai chegar", foram algumas das inúmeras frases vistas nas cartolinas. (SINGER, 2013 p.25)

A variedade das demandas é uma característica marcante dos protestos de junho de 2013.

Segundo analisa Mariana Mendes, isso se deve a forma descentralizada/não institucionalizada que os protestos adquiriam e principalmente o uso das redes sociais como uma ferramenta que corroborou na organização dos protestos. Para Cicilia Peruzzo (2013) o papel da internet e o uso das redes sociais digitais foi um diferencial das manifestações de 2013, sendo uma ferramenta que

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29 constituiu canais de informação, ambientes comunicacionais, pontos de encontro e comunidades onde os manifestantes se relacionavam, facilitando a articulação das ações de forma organizadas.

Ainda segundo Peruzzo, é importante salientar que, apesar da capacidade de organização que a internet e as redes sociais virtuais promoveram, essa tecnologia também impôs desafios aos meios tradicionais de comunicação que passou a concorrer com as iniciativas de transmissão autônomas e de grupos ativistas. Sobre esse fenômeno, Marcos Nobre (2013) analisa que as redes sociais digitais racharam o monopólio da mídia tradicional do poder canalizar opiniões ou de transmitir as insatisfações da população. Essa cisão se expressou na intensa revolta dos manifestantes com os meios de comunicação, sendo alvo de inúmeras palavras de ordem nas ruas que expressavam o repúdio a cobertura midiática televisiva, esse repúdio se intensificou no decorrer dos protestos, ocasionando episódios de violência contra jornalistas e emissoras de TV.

Apesar disso, as revoltas foram plurais nos protestos de junho de 2013, elas se alastraram sem um roteiro estabelecido ou contra uma organização específica, as pautas reivindicativas mudavam com o decorrer dos protestos. Como analisa Nobre, se referindo a característica das reivindicações dos manifestantes: “Não são revoltas dirigidas contra este ou aquele partido, esta ou aquela figura política. São revoltas contra o sistema, contra ‘tudo o que está aí’” (NOBRE, 2013 p. 5). Na perspectiva do autor, o que houve foi que essas revoltas se rebelaram contra o que ele define como sendo uma “blindagem” do poder político em relação à sociedade. Essa rejeição ocorreu, por sua vez, de forma descentralizada, vinda de todos os lados e se dirigindo a diferentes aspectos do sistema político.

Na análise de Marcos Nobre (2013), o processo de redemocratização no Brasil produziu um modo de funcionamento do sistema político que “blindou” esse sistema em relação a sociedade civil. Para o autor essa “blindagem” fez com que a sociedade civil deixasse de acreditar que pudesse realizar ações coletivas que provocassem transformações no sistema político brasileiro e na própria democracia. Esse processo teria se iniciado no período de redemocratização do país iniciada em 1979, que, do ponto de vista do autor, foi um processo longo, guiado por um conservadorismo que Nobre nomeia de “pemedebismo”. Trata-se de uma “cultura política”

gestada pelo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) atual MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e se espalhou pelos demais partidos políticos brasileiros. Essa “cultura política” é marcada por uma série de características e fases.

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30 Na primeira fase definida por Nobre como “progressismo” (1979-1994) foi quando se realizou uma coalizão das forças progressistas para a superação da ditadura brasileira (1964- 1985), sendo uma fase caracterizada pela ausência de confronto entre as posições antagônicas dentro da coalizão uma política de acordos. Na segunda fase nomeada de “acordo de governabilidade” (1992-2013) é caracterizada pelo autor como um processo em que o sistema político convenceu a sociedade civil de que para manter uma liderança bem-sucedida no cargo da presidência da república, esta liderança teria que contar com forte apoio de parlamentares, um grande “bloco parlamentar” que promove acordos para manter a governabilidade da presidência da república. A partir dessa concepção, Nobre define que emerge uma “blindagem” do sistema político que se rompe com a ascensão dos protestos nas manifestações de junho de 2013 (NOBRE, 2013).

Na perspectiva de Maria da Gloria Gohn (2016), além das revoltas contra o sistema, houve demandas que se relacionavam com problemas da vida cotidiana, tais como: “mobilidade urbana, emprego, finanças/salário, dívidas, serviços sociais como educação e saúde, moradia popular e questões relacionadas ao uso da terra para viver e plantar” (GOHN, 2016 p.129). Essas pautas aparecem como uma novidade no contexto nacional, elas alteraram as demandas que eram predominantes no país até este momento, como as questões de identidade cultural e socioeconômica. De acordo com a autora, estas pautas aparecem como uma novidade, pois os sujeitos e os grupos organizados nas manifestações também se apresentaram como sendo “novos”, recusando nominações como as de “movimento” ou uma liderança fixa, tratava-se de blocos de coletividades, que se diferenciavam internamente cada qual com seu repertório de demandas.

Deste modo, podemos sintetizar que as manifestações ocorridas em 2013, reuniram uma gama de insatisfações que vinham de diversos segmentos da população e com forte poder de organização orquestrada na internet e nas redes sociais digitais. Essa segmentação foi ganhando contornos específicos de onde surgiram movimentos sociais, coletivos da internet, fóruns, blogs, sites e comunidades que colocaram em cena novos atores que passaram a protagonizar o ativismo nas manifestações de protestos nos anos seguintes. Deste modo, entendemos que analisar a diversidade desses segmentos é fundamental para se compreender as tensões e disputas dentro da própria militância de direita em ascensão. A entrada em cena destes novos atores sociais fez com que as experiências de protestos e manifestações públicas se tornassem um espaço de

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31 experimentação marcando, conforme defendido por Ângela Alonso, a “dissolução dos padrões de conduta na política” e que trataremos a seguir.

De acordo com Camila Rocha (2018) algumas das organizações originadas neste período passaram a discutir temas relacionados ao “livre-mercado, à defesa de valores cristãos, conjunturas políticas nacional e internacional”, além de reivindicar posições militantes de “direita” ou “nova direita” (ROCHA, 2018 p. 2). De acordo com Rocha, o que tem sido reivindicado por esses segmentos como “nova direita” se relaciona com a forma de mobilização nas redes digitais que passam a se organizar entre 2006 e 2010, durante a gestão federal do Partido dos Trabalhadores.

Para Rocha, os períodos que marcam esse processo de surgimento e consolidação da “nova direita” são: 1) surgimento de discussões na internet durante 2006 e 2010 baseadas na defesa do

“livre mercado”; 2) a formação de grupos de estudos e a organização estudantil para disputas em centros e diretórios acadêmicos em universidades públicas, de 2007 a 2013; 3) a atuação nas campanhas pró-impeachment de Dilma Rousseff, de 2014 a 2016; 4) o apoio à candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República, de 2016 e 2018.

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32 Entre 2006 e 2013, conforme aponta Rocha, alguns grupos passaram a se mobilizar para criar organizações civis como o instituto Mises Brasil17, Estudantes Pela Liberdade18, Ordem Livre19 e outros que passaram a se reunir em fóruns de discussão dentro e fora da internet.

Vale notar que algumas dessas organizações recém-fundadas não tinham uma sede própria, sendo elas administradas por algum representante responsável por manter uma página na internet de forma voluntária ou recebendo remuneração mensal e recursos para organização de eventos20. Esses eventos eram voltados para a formação de militantes, em geral, como relata Rocha, eram organizados cursos, palestras e conteúdos políticos:

17 O Instituto Mises Brasil (IMB) foi fundado em 2007 em São Paulo, como um think tank (um gabinete de criação de ideias) liberal. Segundo o site oficial do instituto, o IMB é uma “associação voltada à produção e à disseminação de estudos econômicos e de ciências sociais que promovam os princípios de livre mercado e de uma sociedade livre”. O instituto visa promover ideias da escola econômica conhecida como “Escola Austríaca”, conhecida por ter sido fundada pelo economista Ludwig von Mises. Alguns estudos, no entanto, apontam que o instituto atua com uma perspectiva radical do liberalismo, tendendo para um formato “anarco-capitalista” (OSTERMANN, 2014). O Instituto já foi considerado um dos institutos “liberais” mais influentes nas redes sociais digitais fora dos Estados Unidos, segundo a revista Forbes. Para saber mais acesse: https://www.forbes.com/sites/alejandrochafuen/2016/02/22/free- market-think-tanks-2016-website-and-social-media-leaders/?sh=5856b0962407 Acessado em 10 de novembro de 2020 às 20:22.

18 O “Estudantes Pela Liberdade” é um grupo criado no Brasil em 2010, inspirado na instituição “Students For Liberty”

dos Estados Unidos, mas sem relação direta com a instituição americana. Segundo alguns estudos realizados, a inspiração do Estudantes Pela Liberdade no Students For Liberty passou por algumas adaptações legais, uma vez que a instituição americana Students For Liberty é vedada pelo direito Norte Americano de atuar politicamente. Para tal o grupo Estudantes Pela Liberdade criou uma “rede” de atuação em que fazem parte o “Instituto Mercado Popular” e o

“Movimento Brasil Livre” (GOBBI, 2016). Segundo Gobbi, o grupo se concebe como um espaço de formação de jovens interessados nos temas do liberalismo, oferecendo recursos financeiros, palestrantes, livros, oportunidades de emprego, cursos com bolsas de estudos, manuais, retiros, eventos de formação, entre diversos outros tipos de recursos

(GOBBI, 2016, p. 59). Para saber mais acesse:

https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/22245/1/2016_DannielGobbiFragadaSilva.pdf acessado em 10 de novembro de 2020.

19 A Ordem Livre é, segundo informa o seu website oficial, “uma associação civil sem fins lucrativos que visa a promoção da liberdade individual, da paz e do livre mercado no Brasil”. A ordem Livre é um segmento dentro do instituto “LIVRES”, um movimento criado em 2015, no interior do PSL (Partido Social Liberal), atualmente, no entanto, o “LIVRES” não pertence mais ao partido, embora suas lideranças e membros pertençam a diferentes partidos com linhagens “liberais”, como os partidos NOVO, PODEMOS, CIDADANIA, entre outros. O Ordem Livre é um dos segmentos dentro do “LIVRES”, responsáveis pela promoção de cursos, eventos, debates, seminários, palestras voltadas a estudar a produção de conteúdos voltados a formulação de políticas públicas. Para saber mais acesse:

http://ordemlivre.org/ Acessado em 11 de novembro de 2020 às 12:43

20 Segundo Camila Rocha (2018), a ascensão das “novas direitas” se iniciou anterior ao governo de Dilma Rousseff (2010 – 2014), sendo localizada em meados do final do governo primeiro Lula (2002-2006) e no início do seu segundo mandato (2006 – 2010). Em convergência com o advento das redes sociais digitais, esses grupos passaram a se organizar em fóruns e comunidades online, debatendo temas relacionados ao livre-mercado, defesa de valores cristãos e política nacional e internacional. Os coletivos detinham poucos recursos financeiros, mesmo com a chegada de instituições apoiadoras como o instituto Mises Brasil ou o Estudantes Pela Liberdade, os recursos materiais ainda continuaram baixos, sendo inviável a montagem de uma sede, por exemplo. Parte das atividades passaram a ser feitas de maneira voluntária ou ganhando cerca de mil reais por mês, esse recurso era utilizado para manter a organização online das páginas na web (ROCHA, 2018).

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