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Os efeitos indesejados da educação sob a égide neoliberal: os mecanismos de fraudes das avaliações em larga escala

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

NAIRLA MARA DE SOUZA FRANÇA

OS EFEITOS INDESEJADOS DA EDUCAÇÃO SOB A ÉGIDE NEOLIBERAL: OS MECANISMOS DE FRAUDES DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA

FORTALEZA 2019

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NAIRLA MARA DE SOUZA FRANÇA

OS EFEITOS INDESEJADOS DA EDUCAÇÃO SOB A ÉGIDE NEOLIBERAL: OS MECANISMOS DE FRAUDES DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Pedagogia da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Ceará (UFC) como requisito parcial para conclusão do curso.

Orientador: Prof.a Dra. Clarice Zientarski

FORTALEZA 2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

___________________________________________________________________________

F882 França, Nairla Mara de Souza.

Os efeitos indesejados da educação sob a égide neoliberal: os mecanismos de fraudes das avaliações em larga escala / Nairla Mara de Souza França. – 2019.

77 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019. Orientação: Profa. Dra. Clarice Zientarski. Coorientação: Prof. Me. Hermeson Cláudio Mendonça Menezes.

1. Accountability educacional. 2. Teoria do Capital Humano. 3. Fraudes educacional. I. Título. CDD ___________________________________________________________________________

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NAIRLA MARA DE SOUZA FRANÇA

OS EFEITOS INDESEJADOS DA EDUCAÇÃO SOB A ÉGIDE NEOLIBERAL: OS MECANISMOS DE FRAUDES DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Pedagogia da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Ceará (UFC) como requisito parcial para conclusão do curso.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof.a Dra. Clarice Zientarski (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Me. Anderson dos Anjos Pereira Pena

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Me. Hermeson Cláudio Mendonça Menezes

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À minha mãe que, mesmo com todo o medo, sempre me apoiou e acompanhou nas decisões que tomei.

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AGRADECIMENTOS

À cada um que contribuiu de alguma forma para esse ciclo formativo da graduação em Pedagogia, foram de imensa importância nos momentos mais difíceis.

À professora Clarice Zientarski, meus colegas de bolsa e projetos por todo o apoio, orientação e conversas edificantes que ajudaram a formar a pessoa que sou hoje, que sempre vai querer mais do mundo.

Ao companheiro Anderson, que me incentivou, me ensinou, me acolheu, ofereceu incensos que acalmaram e foi muito importante nessa caminhada.

Ao meu querido amigo Hermeson que me acompanhou em cada momento dessa trajetória desde o primeiro semestre. Foi muito mais que amigo, foi confidente, psicólogo, apoiador e uma das melhores pessoas que a Faced poderia me proporcionar.

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“A educação passou a ser regida por leis que configuram o que alguns autores têm vindo a designar de mecanismos de um quase-mercado educacional, porquanto sua introdução nesse campo teve como maior consequência a diminuição das fronteiras entre o setor público e o privado.” (AFONSO, 2015, p. 496)

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RESUMO

O presente trabalho Os efeitos indesejados da educação sob a égide neoliberal: os mecanismos de fraudes das avaliações em larga escala busca analisar como a lógica da mercantilização educacional, ideologizada pelas ideias da Teoria do Capital Humano e gerencialista do Estado Avaliador, relacionados a política de accountability educacional, tem resultado em práticas que mascaram a crise da educação, por meio de fraudes nos processos de avaliações em larga escala. As mudanças políticas, econômicas e sociais provenientes da passagem da teoria keynesiana para a neoliberal nos anos de 1980 desencadearam uma série de transformações nas funções do Estado, ampliando seu papel regulador em especial no campo da educação. gerando um Estado cada vez mais avaliador que se caracteriza por tomar decisões e exercer sua gestão por meio da implementação de avaliações de desempenho e dos mecanismos de accountability na gestão pública. Esta conjuntura reforça o processo de alienação educacional dos indivíduos e fundamenta o problema da pesquisa: Diante da onda de fraudes nos sistemas de avaliação, no Estado do Ceará, que interconexões podem ser tecidas entre este efeito indesejado com as políticas de accountability educacional sob a égide neoliberal? Esse problema desdobra-se em questões norteadoras, como: O Estado Avaliador é cumplice ou agente instigador das fraudes avaliativas? Para responder estas problemáticas, tem-se como objetivo analisar as possíveis interconexões entre as fraudes nos sistemas de avaliação em larga escala, como efeito indesejado da subordinação educacional à lógica neoliberal materializado nas políticas de avaliação (accountability), tendo como recorte o Estado do Ceará. Deste cenário eleva-se a hipótese de que o atual estágio das políticas educacionais centradas nas avaliações em larga escala, pautadas em premiações e implementação de políticas de punições, alguns dos sujeitos envolvidos no processo avaliativo, adotam procedimentos indesejados (fraudes das avaliações) como instrumento de escapar das consequências impostas pelo sistema educacional neoliberal. Utilizando-se da teoria do conhecimento do materialismo histórico dialético e da metodologia fundamentada na pesquisa bibliográfica, as considerações finais destacam que as políticas de accountability e as mudanças educacionais promovidas sob a égide neoliberal, na forma que estão sendo empregadas, interconectam-se às fraudes nos sistemas de avaliação em larga escala, bem como assomam-se a um longo histórico de precarização da educação.

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ABSTRACT

This work Unwanted effects of education under neoliberal auspices: the mechanisms of fraud in large-scale assessments is to analyze how the logic of educational marketization, ideologized by the ideas of the Theory of Human Capital and managerial status review, related to accountability policy education has resulted in practices that mask the crisis in education, through fraud in large-scale assessments processes. Political, economic and social changes from the passage of Keynesian theory to the neo-liberal in the 1980s triggered a series of changes in state functions, expanding its regulatory role especially in the field of education.This situation reinforces the process of educational alienation of individuals and founded the research problem: Given the wave of fraud in evaluation systems in the State of Ceará, which interconnects can be woven between this undesired effect with educational accountability policies under the aegis neoliberal? This problem unfolds in guiding questions, such as: State Reviewer's accomplice or instigator agent of evaluation fraud? To answer these problems, you have to analyze the possible interconnections between fraud in assessment systems on a large scale, such as unwanted effect of educational subordination to the neoliberal logic embodied in the evaluation of policies (accountability), with the cut out the State of Ceará. In this scenario rises hypothesized the current stage of focused educational policies in large-scale assessments, guided by awards and implementation of sanctions policies, some of those involved in the evaluation process, adopt unwanted procedures (fraud evaluations) escape instrument of the consequences imposed by the educational system neoliberal. Using the theory of knowledge of dialectical and historical materialism of grounded methodology in the literature, the final considerations emphasize that accountability policies and educational changes promoted under neoliberal auspices, as being employed, interconnect-fraud the evaluation systems on a large scale, as well as loom to a long history of education of precariousness.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 ESTADO AVALIADOR: UMA IDENTIDADE NEOLIBERAL ... 17

2.1 O neoliberalismo: mercantilização da educação ... 18

2.2 Teoria do Capital Humano: A justificativa da exclusão ... 29

3 ESTADO AVALIADOR ... 36

3.1 A regulação e a regulamentação ... 38

3.2 As Etapas do Estado Avaliador ... 45

4 OS MECANISMOS DE FRAUDES DAS AVALIAÇÕES ... 54

4.1 Os efeitos indesejados ... 55

4.2 O caso do Ceará ... 63

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 70

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1 INTRODUÇÃO

A conjuntura econômico-social brasileira, em pleno século XXI, a envolver o campo da educação, tem registrado o avanço do modo de produção capitalista sob as balizas do neoliberalismo, ou, em seu desdobramento mais perverso, o ultraliberalismo. Este cenário tem promovido a redução e fragmentação dos investimentos nas mais diversas áreas sociais, dentre estas a educação, resultado da subordinação do Estado aos princípios econômicos e interesses do mercado.

O presente trabalho Os efeitos indesejados da educação sob a égide neoliberal: os mecanismos de fraudes das avaliação em larga escala ergue-se nesse contexto, buscando traçar uma análise de como a lógica da mercantilização educacional, ideologizada pelas ideias da Teoria do Capital Humano e gerencialista do Estado Avaliador, relacionados a política de accountability educacional tem resultado em práticas que mascaram a crise da educação, por meio de fraudes nos processos de avaliações em larga escala.

O contato inicial, com o fio condutor da pesquisa, a saber, as políticas de accountability educacional, realizou-se por meio de minha participação em grupos de estudo – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Política, Gestão educacional e Formação de Professores (GEPGE) –, bolsa de pesquisa e no decorrer das aulas de política educacional. Despertado o interesse na temática, uma maior apropriação desta envolveu-se no aprofundamento dos estudos conceituais e categoriais, aliados a percepção dos impactos que as políticas de avaliação em larga escala promovem nos processos educacionais, ao lado das transformações operadas no Estado nacional.

A passagem da Era Keynesiana, em meados da década de 1980, para o Era neoliberal se caracterizou por um encadeamento de reformas políticas que transformaram o Estado (interventor) em um Estado de caris regulador (supervisor e administrador do sistema). Desta forma, o investimento em funções sociais, de responsabilidade estatal, é sumariamente reduzido, ao mesmo tempo em que muitas destas funções são deslocadas para o domínio de empresas privadas, em consonância com a tese do livre mercado.

O Brasil, na década de 1990, na esteira dos países centrais, como solução para a crise que incidia sobre o sistema capitalista desde a década de 1970, aderiu a fórmula mágica do neoliberalismo. A reformulação do Estado, nesse contexto, ergue-se como um dos pilares da agenda neoliberal, dando início a ajustes visando a adesão às novas regras mundiais de reestruturação econômica, política e social. As medidas compreendiam uma série de privatizações e cortes nas despesas públicas.

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A nova gestão pública, em concordância com a teoria neoliberal e a desburocratização do serviço público, transportou para a esfera estatal os princípios da administração privada – arquétipo estruturante para essa nova forma de administração baseada na lógica empresarial e em princípios de mercado: ideais de eficiência, eficácia e redução de custos. Nestas circunstâncias, o novo modelo gerencial que coordena diferentes arranjos institucionais do sistema de produção, usa da competitividade e foco nos resultados para alcançar seus objetivos.

Os modelos regulatórios educacionais de quase-mercado e o da “governança por resultados” passam, gradativamente, a fazer parte do cenário brasileiro, marcado pela formação de um Estado Avaliador. Tendo como centralidade a busca pela eficiência e eficácia do ensino, pelos mecanismos de avaliação que se materializam em instrumentos paradigmáticos a definir (rotular) as escolas boas e ruins, segundo uma lógica pautada na produtividade empresarial.

No cenário de competição, tanto alunos, professores, como escolas, são empurrados para um sistema de ranqueamento que instrumentaliza a educação. Esta irracionalidade racional do capitalismo alimenta disputas entre os sujeitos envolvidos no campo da educação que culmina em processos de premiação e avanços de políticas de punição. Para serem beneficiados com as premiações e, principalmente, fugirem das penalidades (perda de bonificação, afastamento das funções, realocação na rede escolar) a comunidade educacional adota estratégias plurais que perpassam a intensificação (subordinação) da jornada de trabalho à adoção de meios de burlar o sistema.

A racionalidade educacional alicerçada na produtividade e concorrência das escolas, criada pela implementação do Estado Avaliador, causa o alheamento tanto de alunos quanto de docentes com o intuito de se tornarem reprodutores do sistema. Desta forma, o surgimento de uma série de efeitos indesejados, como fraudes nos processos avaliativos, são reflexo da incapacidade do Estado subalternizado as diretrizes do capital de resolver os problemas da educação, bem como a incapacidade do mercado de resolver as demandas sociais. Atualmente vivemos em um contexto social, econômico e político desumanizador. Trata-se aqui de uma condição contemporânea que engendra a síntese histórica das relações de produção material de existência no bojo da sociedade de classes. Esta conjuntura reforça o processo de alienação educacional dos indivíduos e fundamenta o problema da pesquisa: Diante da onda de fraudes nos sistemas de avaliação em larga escala, no Estado do Ceará, que interconexões podem ser tecidas entre este efeito indesejado com as políticas de avaliação (accountability) da educação sob a égide neoliberal?

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Esse problema desdobra-se em questões norteadoras da pesquisa, quais sejam: Qual o impacto do neoliberalismo para a mercantilização da educação? Como a Teoria do Capital Humano é incorporada, naturalizada, na formação educacional dos sujeitos? É possível tecer conexões entre os processos de regulação e regulamentação da educação com a instrumentalização e mercantilização da educação? O Estado Avaliador é cumplice ou agente instigador das fraudes avaliativas? Como se processam as práticas de fraudes avaliativas?

A complexidade destas questões, demonstram a própria relevância deste trabalho. Pensar a educação no Brasil atual é revelar as mazelas sociais que a ampla maioria da população está submetida. Bem como, desmascarar os processos de exploração que os professores são reféns, muitas vezes tendo que desenvolver estratégias no seu cotidiano de trabalho para conseguirem sobreviver (manterem-se) inseridos em um mercado competitivo e desumanizador.

Essa realidade e sua compreensão conduz a materialidade da hipótese da pesquisa: No atual estágio das políticas educacionais centradas nas avaliações em larga escala, pautadas em premiações e implementação de políticas de punições, alguns dos sujeitos envolvidos no processo avaliativo, adotam procedimentos indesejados (fraudes das avaliações) como instrumento de escapar das consequências impostas pelo sistema educacional neoliberal.

Diante do atual contexto social, econômico e político, onde a luta por melhorias, acesso igualitário e conquista de direitos se vê mais premente, o presente trabalho, ao empreender uma análise dos aspectos estruturais que compreendem as avalições se consolida como importante instrumento de questionamento da ordem vigente, com seus mecanismos de exploração e privação dos sujeitos históricos.

E, para confirmar ou negar, a hipótese que sustenta esse trabalho, adota-se o seguinte objetivo geral: Analisar as possíveis interconexões entre as fraudes nos sistemas de avaliação em larga escala, como efeito indesejado da subordinação educacional à lógica neoliberal materializado nas políticas de avaliação (accountability), tendo como recorte o Estado do Ceará. Como objetivos específicos tem-se: compreender os impactos do neoliberalismo para a mercantilização da educação, tendo a Teoria do Capital Humano como um de seus espectros desumanizadores; investigar as possíveis conexões entre os processos de regulação e regulamentação da educação, implementados pelo Estado Avaliador, com a instrumentalização e mercantilização da educação; Analisar as possíveis interconexões existentes entre as fraudes nos processos de avaliação em larga escala e as políticas de avaliação (accountability).

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Na medida em que as relações de produção são alicerçadas no domínio do homem sobre o outro, o indivíduo vai se distanciando cada vez mais daquilo que o fez historicamente diferir do animal, que é o trabalho concreto - ou vivo - e a consciência, como condição para sua existência, e passa a incorporar o trabalho abstrato (alienado ou estranhado) que é uma das condições fundamentais para o funcionamento e maximização do capital (MARX, 1993).

A humanização - inexoravelmente ligada ao trabalho - é condição primordial para que ocorra a nossa constituição ontológica como ser social, como indivíduos do gênero humano. Quer dizer, a natureza humana não é dada, precisa ser construída nas relações e mediações socioculturais. Trata-se, desse modo, de uma segunda natureza, inorgânica, humana, posto que a primeira natureza que é dada organicamente ao indivíduo da espécie humana é biológica, orgânica. (SAVIANI, 2013; DUARTE, 2016).

Humanizar é um processo intencional, pelo qual a cada indivíduo é transmitido (educação) os conhecimentos historicamente produzidos e sistematizados –toda experiência e a riqueza material e espiritual disponível para dar condições aos indivíduos se tornem capazes de reproduzir o gênero humano. Com isso, esses indivíduos podem tornarem-se produtores de novos sistemas de conhecimentos, logo, capazes de aperfeiçoar os antigos e criar saberes que desenvolvam e complexifiquem sua natureza genérica (segunda natureza), distanciando-se das outras espécies (SAVIANI, 2013; DUARTE, 2016).

A humanização é um processo educativo. Segundo Saviani (2013), na medida em que o homem, para sobreviver, expressa a intencionalidade do seu trabalho, ele cria um mundo humano e ao mesmo tempo cultural, mudando a natureza externa e conquistando o domínio de si, da sua individualidade, ou seja, apropriando-se do autodomínio das condutas complexas culturalmente formadas.

Ao ter que garantir a produção material de sua existência e o posterior ensino-aprendizagem dessa produção sistematizada, a educação vai gradualmente se constituindo como um processo desenvolvimentista e humanizador, conforme explica Saviani (2013, p. 13) “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. (SAVIANI, 2013, p.13).

Assim, como o trabalho, a educação é produção material e ambos necessitam, para que seus objetivos sejam alcançados, que suas execuções sejam intencionalmente projetadas. Logo, é necessário identificar no processo educativo os elementos culturais (conhecimentos sistematizados) mais desenvolvidos a serem assimilados pelas novas gerações e de quais formas

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vão ser socializados, sendo essas as duas primeiras e grandes tarefas propostas por Saviani para materialização do trabalho educativo de cunho humanizador.

Saviani (2013) defende que esse saber sistematizado provém da erudição e não tem por base apenas o empirismo, tendo por meio do estudo dos “clássicos”, a base fundamental de diálogo entre passado e futuro na construção do currículo. Ratifica a escola como o espaço de aquisição dos instrumentos que vão possibilitar o acesso ao saber elaborado (ciência) tendo como base as diferentes linguagens.

O processo de aprendizagem requer um período de automatização que vai culminar na assimilação e consequente liberdade do objeto, o incorporando como uma segunda natureza. Saviani (2013) adverte que esta liberdade se expressa como um processo de saída por parte dos indivíduos de uma condição de escravo daquilo que não sabe. O saber é incorporado por superação. Essa perspectiva apresenta a automatização como um processo de construção do conhecimento e superação do desconhecido, levando, desde que atrelada a uma visão de mundo transformadora, concreta, dialética, à humanização.

A escola, dentro do contexto de formação da sociedade, tradicionalmente é o locus onde a prática educativa se desenvolve e tem permanecido, até agora, como instituição de acesso ao saber sistematizado. É preciso reconhecer que desde sua criação, diversos determinantes à parte dela influenciaram suas práticas curriculares e pedagógicas. No cenário atual, esses determinantes são encontrados nas avaliações e nos diferentes instrumentos que refletem a apropriação da escola ou do conhecimento escolar por parte das classes dominantes. O presente trabalho vai ser conduzido sob a ótica do método materialista histórico dialético que “busca interpretar a realidade partindo do pressuposto de que todos os fenômenos apresentam características contraditórias organicamente unidas e indissolúveis” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 34). O método, que chegou em seu ápice inicial com Hegel e foi reformulado por Marx, estabelece um movimento constante e dialético onde as contradições são transcendentes e requerem soluções. Desta forma, é um método onde se interpreta de forma dinâmica e total a realidade.

Na Mudança Dialética, a transformação ocorre por meio de contradições. Em determinado momento, há mudança qualitativa, pois as mudanças das coisas não podem ser sempre quantitativas. Por outro lado, como tudo está em movimento, tudo tem “duas faces” (quantitativa e qualitativa, positiva e negativa, velha e nova), uma se transformando na outra; a luta desses contraditórios é o conteúdo do processo de desenvolvimento. (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 35).

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Tendo conhecimento das contradições e relações dos fenômenos naturais, o presente trabalho busca realizar uma análise do objeto contemplando todos os aspectos, relações e conexões dentro do campo dialético no qual está inserido.

O percurso metodológico abrange uma pesquisa onde os dados técnicos usados para a realização da mesma foram obtidos por meio de pesquisa bibliográfica. As referências são provenientes de estudos e pesquisas publicados em livros, periódicos teses, objetivando uma fundamentação teórica que forneça elementos verídicos que possibilitem uma discussão ampliada das contradições do fenômeno estudado.

O trabalho se encontra estruturado em três capítulos e considerações finais. o capítulo primeiro trata do Estado Avaliador: uma identidade neoliberal, caracterizando as mudanças políticas econômicas e sociais que se desenvolveram de forma global nos anos de 1970. As mudanças efetivadas pela teoria neoliberal, que surge como solução para as crises da época, força os Estados-Nação a se configurarem diante das normas neoliberais. Desta forma, o capítulo vai abordar também as mudanças provenientes do encerramento da social democracia e o desaparelhamento do Estado.

O capítulo segundo, O Estado Avaliador, discorre de forma a especificar e discutir as mudanças provenientes da reconfiguração do Estado no que concerne as transformações educacionais a partir da implementação das políticas neoliberais. A descentralização do Estado faz com que as funções sociais sejam sumariamente diminuídas, o que como o desaparelhamento do estado, abre espaço para a mercantilização da educação. O capítulo vai abordar esse contexto de mercantilização da educação e suas devidas consequências, apresentando também as mudanças na administração pública e a implementação de diferentes dispositivos para adequar a educação às políticas neoliberais contemporâneas.

O capítulo terceiro explora Os mecanismos de fraudes das avaliações. Mecanismos esses que são desenvolvidos de forma a responder os diferentes mecanismos implementados pelo Estado Avaliador na educação. O capítulo discute a necessidade de gerar bons resultados em função de educação que se tornou voltada para os diferentes índices de desempenho. O uso de instrumentos de accountability por parte do Estado para regular ações, fomentam a existência e formulação de diferentes tipos de mecanismos de fraude.

O quarto e último capítulo é destinado a conclusão sobre o que foi exposto no decorrer do desenvolvimento do trabalho, traçando algumas reflexões sobre os pontos que foram discutidos.

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2 ESTADO AVALIADOR: UMA IDENTIDADE NEOLIBERAL

O presente capítulo empreende uma discussão sobre a educação em um contexto de redefinição dos processos sociais, políticos e econômicos, sucedidos em função do ciclo de reestruturação do capital nos aceleradas nos anos de 1970-80. A educação, nesse contexto de mudanças, acelera a ruptura com o processo de formação humana e mediação do ser social incorporando-se aos ideais hegemônicos da economia neoliberal. Esta concepção favorece a emergência da necessidade da mercantilização da vida social.

A teoria neoliberal, formada a partir da reestruturação do capital, desenvolveu-se como solução para um contexto de severas crises do modelo keynesiano, em vigor no pós-guerra e que tinha como fundamento o controle do mercado por parte do Estado, aliado ao sistema de bem-estar social. Tendo como ponto inicial a impossibilidade do sistema em solucionar estas crises, o modelo keynesiano entrou em derrocada a partir do momento em que o desemprego, o endividamento, a alta da inflação e o constante avanço das tendências do liberalismo econômico se faziam mais oportunas.

Como afirma Harvey (2012), um dos focos principais da teoria neoliberal foi a restauração do poder de classe, não necessariamente dos mesmos sujeitos, mas os que melhor se relacionariam e beneficiariam na defesa do bem-estar por meio da liberdade empreendedora, menor intervenção do Estado, direito à propriedade privada e a autonomia nos setores político e econômicos.

Este capítulo está dividido em duas seções. A primeira seção, intitula Neoliberalismo: Mercantilização da Educação, trata da ressignificação dos elementos, dos processos e da própria subjetividade humana no sentido da manutenção da expansão e acumulação das relações de produção capitalista. A seção também aborda uma reflexão de Marx (1988) sobre a sociedade burguesa viver em função da mercadoria e do valor, deste modo, a educação como processo que influencia diretamente na dinamização das relações socioculturais, vai ser transformada em um importante meio para a formação dos sujeitos que vão compor as diferentes estruturas do sistema capitalista.

Ao final, é discutido o neoliberalismo em contexto brasileiro e seu impacto na educação, sendo sistematizado de forma mais efetiva a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso nos anos de 1995. A Conferência Mundial de Educação para Todos em 1990 e a relação do Brasil com diferentes órgãos multilaterais como o Banco Mundial e UNICEF já eram indicativos da adesão de diretrizes para avanços e melhorias na educação que seguiam a lógica do capital. Isto posto, novas matrizes educacionais foram elaboras para os países signatários

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visando a formação do cidadão moderno e equitativo, que desenvolvesse a versatilidade, flexibilidade e uma série de outras qualidades para a reestruturação produtiva.

A seção segunda, Teoria do Capital Humano: A Justificativa da Exclusão, aborda o uso da teoria do capital humano como ferramenta do desenvolvimento econômico e a superação das diferenças sociais a partir do investimento no fator humano. A TCH é um instrumento de disseminação dos valores ideológicos burgueses, sendo assim, reforça a mercantilização da educação e a utilização dela como recurso em submissão ao capital. A justificativa da prosperidade por meio do investimento na potencialidade humana esconde a exploração, ignora o meio social e a latente falta de acesso à educação de qualidade, o que dá origem a uma massa de excluídos.

Ao tratar a relação da TCH e os interesses do capital, a seção, fundamentando-se em Frigotto (2010), encontra o ponto de convergência ao relacioná-la diretamente como meio de formação e retorno para o trabalho e o capital. Essa formação tecnicista, que prega a extinção da ineficiência por meio da proficiência técnica e o uso desta para melhoramento individual visando chegar a equidade e o aumento do poder aquisitivo, na realidade promove a exclusão social de forma mais significativa. Alçar a educação como única solução para os problemas da sociedade, atrelada a ideia de ascensão social é ignorar uma série de outros problemas aos quais a TCH ajuda a mascarar.

A seção finaliza fazendo uma alusão de como as bases de reprodução do capital são as mesmas bases de reprodução da TCH. Desta forma, os processos e objetivos pedagógicos estão subsumidos ao capital para a educação, qualificação e processo produtivo. Como a própria trajetória histórica demonstra, a TCH é totalmente influenciada pelas relações de produção capitalista, o que impacta negativamente no espaço de formação e luta que é a escola.

2.1 O neoliberalismo: mercantilização da educação

Analisar a educação, seja em suas mais amplas dimensões ou campos específicos, requer ou exige de qualquer estudioso uma imersão nos fatores econômicos, políticos e sociais que a envolvem, pois, este fenômeno, compõe o conjunto de processos relacionados a formação humana, sendo uma invenção advinda da sociabilidade econômica-política-cultural de sujeitos inseridos em uma materialidade histórica. A educação, portanto, não se refere apenas à escola, aos níveis de ensino ou sistemas escolares; a educação, deve ser entendida, também, como processo de existência do homem, aquilo que pode mediar sua especificidade como ser social.

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Mas a educação como processo que possibilita o saber, o conhecer, o ter ciência do real e, portanto, transformar este real, conscientemente está inserido, atualmente, em sistemas econômicos hegemônicos que exercem, por seu turno, influência na dinamização nas relações socioculturais, moldando e organizando tanto a formação do sujeito como sua deformação. A sociedade sob a égide do capital impõe limitações e seu comprometimento a educação, seja por sua incapacidade, em vista das condições objetivas da própria história, em romper com os limites do capital; seja, por seu comprometimento ideológico com a ordem estabelecida.

Existe uma incontrolabilidade imanente ao sistema do capital, como diz Mészáros (2008), na obra A educação para além do capital. Isto é, o capital tem uma incorrigível necessidade de auto expansão e de acumulação que impede ou obstaculiza a emancipação da humanidade. Disto, o autor conclui: “Não surpreende, portanto, que mesmo as mais nobres utopias educacionais, anteriormente formuladas do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer estritamente dentro dos limites da perpetuação do domínio do capital como modo de reprodução sócio-metabólica” (p. 26).

E, se pensarmos a partir de Marx, a riqueza na sociedade capitalista apresenta-se como uma “imensa coleção de mercadorias”, a mercadoria constitui-se como a forma elementar da sociedade burguesa moderna. Essa mercadoria tem, segundo Marx (1988), no primeiro capítulo d’ O Capital, duplo fator: Valor de uso e Valor (substância e grandeza do valor). A mercadoria, objeto externo, coisa, pelas quais suas propriedades satisfazem necessidades, seja do estômago ou da fantasia, tem valor de uso, e possuem utilidade.

As mercadorias, portanto, são produtos do trabalho humano. A mercadoria é dispêndio de cérebro, nervos, mãos e sentidos do homem, que aplica seus conhecimentos historicamente acumulados e sistematizados para produzir o que lhe é externo. E, a grandeza do valor que está contida nas mercadorias tem por medida o quantum de trabalho, que é a “substância constituidora de valor”, logo, o que gera valor é o trabalho – o trabalho é o que fundamenta a forma valor. Nessa toada, Marx analisa a Força Produtiva de Trabalho e pondera que

[...] a força produtiva de trabalho é determinada por meio de circunstâncias diversas, entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do processo de produção, o volume e a eficácia dos meios de produção e as condições naturais [...]. (1988, p. 48).

Neste sentido, “quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho exigido para a produção de um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizado, tanto menor o seu valor” (MARX, 1988, p. 49). Esse corpo analítico indica como

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o capitalismo necessita explorar a força de trabalho e como, para este mesmo sistema, torna-se imperioso a contínua reprodução e expansão.

Comparato (2011), em seu texto Capitalismo: civilização e poder faz um percurso histórico das mudanças em âmbitos sociais e econômicos que culminam com a transição do que ele vislumbra ser a passagem do mundo antigo para o moderno, tendo como catalisador desta transição, o surgimento do capitalismo como modo de produção de bens para o mercado no século XII. Nota-se que o ponto de mudança, segundo o autor, para a mentalidade moderna se encontra na nova forma de racionalização que é feita sobre este modo de produção que, ainda primitivo naquela época, vai alicerçando as bases para o surgimento de um novo modelo de vida, que ao progredir, dentro de ciclos de desenvolvimento, culminou por se tornar o modo de produção universal nos dias atuais. “A mudança radical de mentalidade correspondeu ao surgimento, como modelo global de vida, da busca do lucro máximo pelo exercício profissional de uma atividade econômica”. (COMPARATO, 2011, p. 255)

Ainda, para Comparato (2011), tal alteração radical da perspectiva humana, advinda da mudança do modo de produção que abandona a característica autossuficiente e comunitária, gerou modificações na mentalidade coletiva dos povos e na organização das instituições sociais. Sendo assim, o autor compreende o capitalismo não apenas como um sistema econômico, mas também como elo/ponte para o advento de uma nova civilização (uma incivilidade?), a qual têm preocupações totalmente novas. Esta (in)civilidade forma preocupações assentadas na individualidade egoística, constituindo o pensamento de um o novo sujeito de direito (formal), acumulador de bens materiais e que visa o lucro por meio da produção e venda de bens – tudo é convertido em mercadoria.

Nessa contínua conversão, ou mercadorização da vida, passa-se a viver em uma ordem social envolta na mistificação operada pelo fetichismo da mercadoria – com efeitos objetivos e subjetivos sobre os sujeitos e que impõe regimes “fantasmagóricos” sobre a sociedade. Essa fantasmagoria converte nossas mais íntimas capacidades criativas e candentes necessidades sociais às orquestrações medidas por cálculos de mercado, ou seja, é imposto ao ser social uma vida inautêntica, como declara Marx:

A própria necessidade de primeiro transformar o produto ou a atividade dos indivíduos na forma de valor de troca, no dinheiro, e o fato de que só nessa forma coisal adquire e comprova seu poder social, demonstra duas coisas: 1) que os indivíduos produzem tão somente para a sociedade e na sociedade; 2) que sua produção não é imediatamente social, não é o resultado de associação que reparte o trabalho entre si. Os indivíduos estão subsumidos à produção social que existe fora deles como uma fatalidade; mas a produção social não está subsumida aos indivíduos que a utilizam como seu poder comum. (MARX, 2011, p. 106).

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As formas de ser do capitalismo conduzem a reificação dos sujeitos e à personificação das coisas expressivas de seu regime. E esse sistema não consegue cessar sua expansão destrutiva. Ele tem que se reinventar continuamente. Durante seu percurso histórico de desenvolvimento e aprimoramento como modo de produção, o capitalismo não progrediu em uma inclinação ascendente. Tal fato decorre de suas próprias características, uma vez que ele se constitui como um sistema que inerentemente funciona por crises.

Para reconhecer o caráter real das crises, é necessário entender a lógica de funcionamento do sistema capitalista. Esse modo de produção caracteriza-se, entre outros aspectos, pela autonomização do valor em relação a seu conteúdo material, o valor de uso. Essa contradição entre valor e valor de uso, imanente à forma mais simples de expressão da sociedade capitalista, a mercadoria, complexifica-se com o desenvolvimento do capitalismo até o ponto em que a irrupção violenta das crises restitui sua unidade dialética, para o posterior funcionamento do sistema. (LIMA, 2009, p.17)

Lima (2009), baseado nos estudos que fez da obra O Capital de Marx, apresenta a lógica do sistema capitalista para atingir seu objetivo, qual seja: aumentar incessantemente a quantidade da produção de valor1, o que garante o seu crescimento e sua expansão para todos

os sistemas de produção de riqueza da sociedade. A força motriz do capitalismo se encontra na exploração da mais-valia2 e na produção de mercadorias para o consumo. Sendo, por isso, fundamental a expansão deste e da subsunção das variadas esferas da vida e da sociedade a sua lógica destrutiva.

Ao apropriar-se de algumas categorias de Marx, Lima (2009) demonstra como se dá o aumento da produção de valor por meio do aumento das forças produtivas das mercadorias.

É de posse da mais-valia que uma parcela do trabalho não pago é aplicada novamente na produção a fim de, na etapa seguinte, constituir uma capacidade produtiva maior. Crescentemente, as forças produtivas são ampliadas por essa lógica sistêmica que tem na concorrência entre capitalistas seu acicate incessante. (LIMA, 2009, p. 2-3) Cada vez que a mais-valia é empregada de forma a aumentar a capacidade produtiva, maior será o aumento do valor produzido. A categoria mais-valia se torna muito importante porque, na medida em que serve como combustível para a capacidade produtiva, converte-se, também, em produto excedente para o consumo do mercado. O que na obra de Marx, é a categoria acumulação. Tal categoria beneficia diretamente o crescimento do sistema, na medida em que, por meio do acúmulo, fomenta a acirrada competitividade dos que compõem

1 Para Marx, o valor é definido pela objetificação do trabalho abstrato. (Bottomore, 1988)

2 Exploração capitalista da diferença entre o valor do produto e o valor do capital envolvido no processo de

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o sistema capitalista e o fazem crescer com o desenvolvimento de novas técnicas produtivas e a conquista de novos mercados.

A apreensão dessa lógica e de como sua estrutura funciona é importante, pois, possibilita entender as bases fundadoras do sistema capitalista. E, por mais que o capitalismo seja marcado por ciclos e se modifique, há a permanência de elementos basilares, elementos que ajudam a entender as condições geradoras das crises estruturais do sistema e por quais meios ele se reestrutura.

As crises do sistema capitalista fazem parte do próprio desenvolvimento dialético do sistema. Sendo, em sua grande maioria, criadas por complexidades e contradições vindas dele próprio, tais como a contradição de valor e valor de uso3; do trabalho assalariado, entre outras. A partir do momento em que a produção de mercadoria não se converte mais em valor produtivo e o sistema entra em declínio é necessário a reestruturação do mesmo para uma restituição ascendente.

Uma das características do sistema capitalista é que a produção gerada por ele não é voltada para suprir as necessidades humanas, mas, a valorização do próprio capital e o fortalecimento da capacidade produtiva. E, com a finalidade de manter o sistema funcionando diante das crises que o capital vai gerando suas faces, reproduzindo e organizando movimentos que reestruturam e retomam a acumulação ativa do próprio capital.

Com esse fim, ergueu-se em meados da década de 1970, após a crise do Keynesianismo4 e da social democracia5,o neoliberalismo – apresentando-se como solução para os problemas econômicos, políticos e sociais enfrentados à época. Sua incorporação pelo sistema de produção capitalista tem sido cada vez maior. Seja essa incorporação consensual ou não, o neoliberalismo se estabelece e gera mudanças de mentalidade no sentido de favorecer cada vez mais a mercantilização de bens.

O neoliberalismo, portanto, é resultado de uma reestruturação da ordem do capital que se seguiu aos anos gloriosos (1945-1970). Este período foi resultado das repercussões da crise de 1930 e da Segunda Guerra (1939-1945). O referencial de estrutura socioeconômica autoritária sucumbira (ou imaginava-se). Restou então, como indica Harvey (2012), a união entre Estado, mercado e instituições democráticas para garantir as condições necessárias de prosperidade, paz e continuidade. Instaurou-se o Estado de Bem-estar Social promovido pelas

3 Produto de utilidade de um usuário que lhe permite ser objeto de uma troca. (Bottomore, 1988).

4 Teoria econômica formulada pelo economista John Keynes fundamentada na concepção da economia sob

controle do Estado (Harvey, 2012)

5 Na concepção de Marx e Engels, é um segmento partidário democrata ou republicano ligado ao socialismo.

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políticas keynesianas, com ações intervencionistas fundamentalmente aplicadas pelo Estado, e que resultaram em taxas de crescimento significativas nos países capitalistas centrais.

Uma das marcas do Estado do Bem-estar Social foi sua política de promoção do pleno emprego e do crescimento econômico. “Os Estados intervieram ativamente na política industrial e passaram a estabelecer padrões para o salário social, construindo uma variedade de sistemas de bem-estar (cuidados de saúde, instrução etc.)” (HARVEY, 2012, p. 20). O Estado, todavia, também executava política de autonomia do setor privado, operando apenas no controle regulatório sobre o mercado e atividades empreendedoras, ação implementada por meio de restrições políticas e sociais – esta prática, segundo Harvey (2012), pode ser tomada atualmente como um “liberalismo embutido.”

A partir do ano de 1960 a confluência entre crise de acumulação, aumento do desemprego e inflação em nível global afetaram o “liberalismo embutido” – seu mascaramento ou limitação fora tomado pelos liberais mais radicais, Milton Friedman (Escola de Chicago)6 e Friedrich Hayek (Escola Austríaca)7 e Von Mises8, como âncora para o capitalismo. As adversidades econômico-sociais, sobretudo após a crise do Petróleo9, aconteceram de forma que as políticas keynesianas não conseguiam soluções funcionais para os problemas de estagnação da inflação e desemprego que se prolongaram durante toda a década de 1970.

Para Harvey (2012), como alternativa de solucionar a crise e retomar a acumulação capitalista, exaltou-se a defesa, por parte dos críticos do keynesianismo, a liberação econômica que resultou na teoria neoliberal, o qual, segundo Harvey:

[...] é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. (2012, p. 12).

Para Harvey (2012), o neoliberalismo pode ser interpretado em duas linhas analíticas: a primeira, como um esquema utópico que teoricamente serviria para reorganizar o capitalismo internacional; e a segunda, sendo “um projeto político de restabelecimento das condições de acumulação do capital e de restauração do poder das elites econômicas” (p. 27).

6 Escola do pensamento econômico do mercado livre (Harvey, 2012)

7 “Escola do pensamento econômico que enfatiza o poder da organização espontânea do mecanismo de preço”.

Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Austr%C3%ADaca>. Acesso em: 21 de nov. de 2019.

8Economista austríaco. Desenvolveu uma economia fundamentada na praxeologia das ações e escolhas humanas.

Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_von_Mises>.Acesso em: 21 de nov. de 2019.

9Crise provocada pelo embargo dos países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)

e Golfo Pérsico a distribuição de petróleo para os Estados Unidos e países da Europa. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Crises_do_petr%C3%B3leo>. Acesso em: 21 de nov. de 2019.

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E, para o autor, foi esta segunda interpretação que prevaleceu e se fortificou ao longo dos anos, com atesta a crescente massa de miseráveis provenientes da gradativa desigualdade econômica e de classes por ele gerada.

A base teórica neoliberal surge do encontro das ideias de liberdade econômica e individual (amparada na propriedade privada) advindas do liberalismo clássico10, além da

adesão aos princípios de livre mercado da teoria neoclássica11. Mas, apesar das relações com o pensamento clássico e neoclássico, o neoliberalismo não prescinde do Estado, ao contrário, o Estado é essencial a sua consolidação e sobrevivência, ou seja,

O rigor científico de sua economia neoclássica não é facilmente compatível com seu compromisso político com ideais de liberdade individual, nem sua suposta desconfiança com respeito a todo poder estatal o é com a necessidade de um Estado forte e, se necessário coercitivo, que defenda os direitos à propriedade privada, às liberdades individuais e às liberdades de empreendimento. (HARVEY, 2012, p. 30) O Estado passa a ter um novo papel na ordem do capital, exercendo uma nova função, não mais como o interventor e regulador como nos anos keynesianos: agora prega-se o Estado mínimo, voltado para garantir as especificidades do novo sistema e até em alguns casos, cobrindo suas contradições entre teoria e prática.

O conjunto neoliberal, em uma perspectiva temporal, com o pioneirismo no Chile, sob o terror do governo Pinochet (1973-1990), foi disseminado na década de 1980, nos governos de Ronald Reagan (1981-1989), nos EUA, e de Margaret Thatcher (1979-1990), na Inglaterra.Com os governos estadunidense e inglês desencadeia-se uma série de modificações políticas, econômicas e sociais que são características do neoliberalismo, sejam por meio de acordos diretos ou impostos por uma nova forma de imperialismo das grandes potências.

As medidas ou políticas neoliberais são caracterizadas por: desregulações diversas, cortes de impostos e orçamentos, além de um ataque generalizado às organizações sindicais e a ideia de classes, ou melhor, luta de classes12. Tais mudanças, principalmente as desregulações, suscitaram o surgimento de duas novas tendências que no século XXI tornaram-se altamente produtivas, no que compete ao crescimento do capital: a liberdade de corporativismo e a produção voltada para o exterior.

Mas, o que dizer dessas políticas e a formação de uma sociedade cada vez mais cindida - dividida em classes? Operam-se ações de falseamento social, como se todos os sujeitos

10 Filosofia política que prega a liberdade individual (Harvey, 2012)

11 Teoria da administração de 1950 onde é recomendado a retomada das abordagens clássica e científica da

administração. Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/fisioterapia/teoria-neoclassica/34551>. Acesso em: 21 de nov. de 2019

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tivessem doravante as condições (liberdades) necessárias para saírem da miséria e melhorar de vida, o que obscurece a percepção da realidade ocultando a permanência da luta social. Assim, seja nos EUA ou Inglaterra, alastrando-se para outros países, vendeu-se a ilusão das ascensões sociais a serem obtidas mediante uma suposta liberdade (econômica) – quem tem (propriedade) é livre para ser.

Marx, ainda no século XIX, percebeu esse falseamento ao investigar a alienação do homem a partir do dinheiro, cujo poder de perversão e inversão das qualidades humanas e naturais corrompe as relações sociais com seu falso “poder mediador”:

O que pra mim existe através do dinheiro, aquilo que eu posso pagar, isto é, o que o dinheiro pode comprar, sou eu, o próprio possuidor do dinheiro. O poder do dinheiro é o próprio poder. As propriedades do dinheiro são as minhas – do possuído – próprias propriedades e faculdades. Aquilo que eu sou e posso não é, pois, de modo algum determinado pela minha própria individualidade. Sou feio, mas posso comprar para mim a mais bela mulher. Por conseguinte, não sou feio, porque o efeito da fealdade, o seu poder de repulsa, é anulado pelo dinheiro. Enquanto indivíduo, sou coxo, mas o dinheiro fornece-me 24 pernas; portanto, não sou coxo; sou um homem detestável, indigno, sem escrúpulos e estúpido, mas o dinheiro é o objeto de honra, por conseguinte, também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, e deste modo também o seu possuído é bom. Além disso, o dinheiro poupa-me o esforço de ser desonesto; por conseqüência, sou tido na conta de honesto; sou estúpido, mas o dinheiro constitui o espírito real de todas as coisas: como poderá o seu possuidor ser estúpido? Ademais, ele pode comprar para si as pessoas talentosas: quem tem poder sobre as pessoas inteligentes não será mais talentoso do que elas? Eu, que por meio do dinheiro posso tudo o que o coração humano ambiciona, não possuirei todas as capacidades humanas? Não transformará assim o dinheiro todas as minhas incapacidades no seu contrário? Se o dinheiro é um vínculo que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim que me une à natureza e ao homem, não será ele o laço de todos os laços? Não poderá ele solta e unir todos os vínculos? Não será ele, portanto, o meio universal de separação? Constitui o verdadeiro meio de separação e união, a força galvano-química da sociedade...O poder de perversão e de inversão de todas as qualidades humanas e naturais, a capacidade de entre coisas incompatíveis estabelecer a fraternidade, a força divina do dinheiro, reside no seu caráter como ser genérico alienado e alto-alienante do homem. Ele é o poder alienado da humanidade (MARX, 1993, p. 232- 233).

As relações com o dinheiro parecem mágicas. A alienação capitalista opera negando as características da concepção humana, como solidariedade, amor, interesse coletivo do trabalhador substituindo-as por usura, individualismo, competição, egoísmo, entre outras. Segundo Marx, “o trabalhador só se sente livremente ativo nas suas funções animais – comer, beber e procriar, quando muito, na habitação, no adorno, etc. – enquanto nas funções humanas se vê reduzido a animal. O elemento animal torna-se humano e o humano animal” (1993, p. 162).

Marx escancara a ilusão que a sociedade capitalista constrói, mas o desafio não é criticar a aparência como ilusão, mas ir além, e crítica à própria sociedade do capital, ela é em si, ilusória. É necessário compreender as relações que são erguidas na sociedade que

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desumaniza o ser humano, que constrói relações que são invisíveis na essência e visíveis na aparência, como a falsa ideia de liberdade em um jogo com a educação mercantilizada – pois o capital tudo converte em mercadoria.

A liberdade, no mundo subsumido ao capital, passa a ter como um de seus símbolos (na sociedade mercantilizada) o empreendedorismo – o sujeito é pensado como seu próprio patrão, empresa de si mesmo. Esse movimento teórico e ideológicos foi se alastrando e sendo construído lentamente, mas, sua barbárie tem impactado na piora das condições de vida das pessoas de classes mais baixas, desde sua gênese, como afirma Harvey, a partir de Polanyi (1954):

A ideia de liberdade “degenera assim em mera defesa do livre empreendimento", que significa "a plenitude da liberdade para aqueles que não precisam de melhoria em sua renda, seu tempo livre e sua segurança, e um mero verniz de liberdade para o povo, que pode tentar em vão usar seus direitos democráticos para proteger-se do poder dos que detêm a propriedade". Mas se, como é sempre o caso, "não é possível uma sociedade sem poder e compulsão, nem um mundo em que a força não tenha função", a única maneira de manter essa visão utópica liberal está na força, na violência e no autoritarismo. Para Polanyi, o utopismo liberal ou neoliberal está fadado à frustração pelo autoritarismo ou mesmo pelo fascismo declarado. (HARVEY, 2012, p. 46)

O papel do Estado, assim como na economia, passou a assumir uma nova identidade (sem mudar sua natureza) que favoreceu grandemente o neoliberalismo. Ele passou de ser além do responsável por fornecer (por apropriação) as funções básicas para a sociedade, para ser o regulador dessas funções, e estas passam a ser geridas, predominantemente, por empresas privadas. Com isso opera-se a privatização dos serviços públicos, cujos resultados são o aprofundamento da exclusão social – a qualidade ou o acesso a expressivos serviços públicos se torna condicionado a um investimento de valor, o que era anteriormente direito inalienável se torna bem para o mercado.

As práticas do Estado neoliberal, embora busquem mascarar a realidade, revelam-se tendenciosas no que tange ao favorecimento dos empreendimentos da clasrevelam-se hegemônica (burguesa). Harvey (2012), exemplifica essa ação ao ponderar sobre como o Estado prioriza os negócios e o sistema financeiro, em detrimento dos direitos coletivos do trabalho e da preservação do meio ambiente. Essas medidas fazem com que cada vez mais parcelas da população, segundo Harvey, sejam expostas ao empobrecimento e a marginalidade:

Se as condições entre as classes inferiores pioraram, é que elas fracassaram, em geral por razões pessoais e culturais, na tarefa de aprimorar seu capital humano (por meio da dedicação à educação, da aquisição de uma ética de trabalho protestante, da submissão à disciplina do trabalho, da flexibilidade e de outras coisas desse tipo). Em suma, surgiram problemas particulares por causa da falta de vigor competitivo ou por deficiências pessoais, culturais e políticas. Num mundo neoliberal darwiniano, dizia

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o argumento, só os mais aptos devem sobreviver e de fato sobrevivem. (HARVEY, 2012, p. 169).

Essa conjuntura se desenvolveu de forma diversa nos países que abraçaram o neoliberalismo. Enquanto nos países de capitalismo central, que ainda usufruíam das reformas oriundas do Estado de Bem-estar Social, os países periféricos, como o Brasil, que ainda estavam no sistema de produção taylorista-fordista, sofreram socialmente com a abertura econômica ditado pela díade liberalismo-globalização. Os países periféricos ao lançarem-se no mercado internacional tiveram que adotar rapidamente os novos padrões de produção, sobremodo o modelo toyotista.

A transmutação produtiva, na verdade reestruturação produtiva, para sistemas mais “eficientes” e tecnológicos obrigou os países a recorrerem a estratégias de sobrevivência ou realinhamento no mercado internacional às vantagens competitivas por meio do investimento na educação (mercantilização da educação):

Alegava-se que o novo paradigma produtivo demandava requisitos diferenciados de educação geral e qualificação profissional dos trabalhadores. Iniciou-se então uma polêmica em torno de explicações que davam como inexorável a apropriação dos avanços da tecnologia em todas as esferas. Disseminou-se a ideia de que para “sobreviver” à concorrência do mercado, para conseguir ou manter um emprego, para ser cidadão do século XXI, seria preciso dominar os códigos da modernidade. (SHIROMA, O. E.; MORAES, M. C.; EVANGELISTA, O., 2011, p. 47)

O período que se seguiu a década de 1990 assistiu a uma onda reformista dos modos de produção, do Estado e da educação que vinham sendo estrategicamente planejadas. No Brasil, parte destas reformas tiveram sua concretude iniciada durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) que, corroborando com as indicações de organismos multilaterais e setores da iniciativa privada, sinalizam uma nova perspectiva para a educação.

No campo especificamente educacional, a década de 1990 foi marcada no cenário global pela Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien na Tailândia (1990). Este encontro, financiado pela UNESCO, UNICEF, Banco Mundial, entre outros organismos multilaterais, realizou-se tendo como objetivo discutir e de aprovar uma declaração fornecendo diretrizes para avanços e melhorias (segundo a lógica e demandas do capital) na área da educação. Os governos que acolheram o acordo, seja por concordância ou coação velada, comprometeram-se, entre eles o Brasil, a proporcionar uma educação básica de qualidade (segundo os preceitos de reestruturação produtiva) para crianças, jovens e adultos.

A Conferência de Jomtien não tinha um caráter apenas indicativo, ela traçou metas que deveriam ser cumpridas e cujos resultados deveriam ser apresentados ao término de em uma década, a contar a partir do acordo. Além disso, traçou-se um diagnóstico para inferir quais

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as condições políticas, econômicas e técnicas necessárias para alcançar os objetivos delineados – implementação e expansão da educação básica, com forte caráter globalizado.

Nesta toada, e sob a orientação da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), as novas medidas tomadas para a matriz educacional dos países signatários da Conferência deveriam ser voltadas às demandas da reestruturação produtiva. Logo, as reformas educativas foram tomadas como caminho pelo qual se chegaria à formação do cidadão moderno e equitativo, como indica Shiroma (2011, p.53): as reformas educacionais deveriam contemplar, “versatilidade, capacidade de inovação, motivação, destrezas básicas, flexibilidade para adaptar-se a novas tarefas e habilidades como cálculo, ordenamento de prioridades e clareza na exposição”.

Ainda de acordo com Shiroma (2011, p. 53), a tríade estratégica da CEPAL se encontrava nos “objetivos (cidadania e competitividade), critérios inspiradores de políticas (equidade e eficiência) e diretrizes de reforma institucional (integração nacional e descentralização)”. O problema da concretização das medidas citadas anteriormente é que o órgão definia a transformação do Estado não mais como o provedor e administrador de tais funções sociais, mas sim o avaliador, gerador de políticas de planejamento.

No rastro da Conferência de Joimtien seguiu-se o Relatório Delors feito entre os anos de 1993 e 1996, o qual informou um novo diagnóstico relacionando a educação e a crescente interdependência e globalização dos povos. Este, apontou como os aclamados ideais de progresso da época do Estado do Bem-estar Social, geraram o aumento da exclusão e do desemprego e, consequentemente, o aumento das desigualdades sociais. Segundo Shiroma, Moraes e Evangelista as recomendações do documento têm um forte viés moralista:

Prescreve orientações precisas aos vários níveis de ensino e revela uma concepção bastante nítida de educação, de seu papel e possibilidades para garantir a sobrevivência dos valores consensuais na sociedade, inculcando um novo respeito às crenças culturais do ocidente. Além disso, endossa as recomendações para a formação docente, em orquestração afinada com as demais agências e organizações multilaterais. (2011, p. 59)

O Banco Mundial publicou em 1995 diretrizes no campo do financiamento e da administração da educação, propondo a remodelação educativa prol mercado. Subscrevendo Shiroma (2011), há validação da busca por novas fontes de recurso, propõe a divisão de custos do ensino, aproximação da educação profissional do setor produtivo e a oferta da educação mais articulada com o setor privado e voltada para atender as demandas do mercado. A educação, portanto, está sujeitada aos determinantes do capital.

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A teoria do capital humano, formulada nos anos de 1950 pelo economista Theodore Schultz refere-se ao investimento no elemento humano relacionando-o diretamente com o desenvolvimento econômico. Principalmente no contexto de relações de produção capitalista, como afirma Frigotto (2010), o investimento em nível micro (o próprio indivíduo) ou macro (nação) no fator humano, passa a ter um significado relevante no aumento da produtividade e funcionar como propulsor econômico. Desta forma, o nível de conhecimento/educação passa a ser uma ferramenta importante para o capital porque, ao mesmo tempo em que é investimento, também forma o trabalhador para a produção. Com a valorização da educação como investimento em um ambiente neoliberal cada vez mais competitivo, a educação perde sua função social e se transmuta em mercadoria, onde tem acesso aquele que pode pagar. A mercantilização da educação se torna cada vez mais um fator de exclusão.

2.2 Teoria do Capital Humano: A justificativa da exclusão

O sistema capitalista ao mercantilizar a educação reafirma a hegemonia de seu modelo sócio-político e econômico. A educação, neste cenário, é usada como instrumental e posta em função do desenvolvimento de valores que garantam a reprodução e o progresso do sistema. Estes valores amparam-se na lógica da competência e da sobrevivência do mais apto, ou seja, para além do aspecto técnico gerencia-se no âmbito escolar o desenvolvimento das consciências e habilidades – elementos essenciais para a reprodução e formação do indivíduo para a ordem social, política e econômica do sistema.

Uma das teorias desenvolvidas e que disseminam os valores ideológicos burgueses é a Teoria do Capital Humano (TCH). Inicialmente presente em algumas obras dos economistas clássicos, como Adam Smith, a noção de Capital Humano foi sistematiza/estruturada nos anos 1950, a partir dos estudos de Theodore Schultz que relacionou o crescimento econômico com o investimento no fator humano. Sob a égide do desenvolvimento de uma economia da educação, Schultz vai estabelecer as bases no que posterior se torna uma educação predominantemente tecnicista e mercantilizada. O conceito de capital humano acaba por ser definido em dois níveis de análise econômica da seguinte forma:

“[...] busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na perspectiva de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, consequentemente, de mobilidade social”. (FRIGOTTO, 2010, p. 51)

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A TCH, em seu desenvolvimento, define o fator educação em uma perspectiva de submissão aos ditames capitalistas, ocultando o crescimento de relações de exploração, relegando a patamar secundário as demandas sociais e o crescente número de excluídos provenientes da falta de condições de acesso à educação de qualidade. Segundo Frigotto (2010), tal teoria, sob o método positivista, estabelece, a partir de uma visão da classe burguesa, relações distorcidas e funcionalistas sobre categorias como desenvolvimento, trabalho e educação.

Mészaros, em A educação para além do capital (2008), faz uma análise da educação reforçando a assertiva da educação como recurso, revelando como as estruturas determinantes do capital se coadunam com as transformações sociais metabólicas do sistema, impactando diretamente o sentido da mesma em duas vertentes principais - já que é um dos meios de reprodução social. Para Mészaros, no sistema capitalista, a educação está diretamente ligada ao trabalho. Sendo assim, o conhecimento fornecido pela escola se põe no sentido de se ajustar aos pré-requisitos das necessidades do mercado de trabalho. A segunda vertente afirma que a lógica da educação foi invertida, em vez de assumir sua função como instrumento de emancipação humana, a educação se tornou um dos instrumentos para a internalização das necessidades da manutenção do sistema, ou,

Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos [...] da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno. (MÉSZAROS, 2008, p. 44)

Na perspectiva de Mészaros (2008), a segunda metade do século XIX trouxe consigo a modificação da lógica educacional em favor do sistema de reprodução social capitalista, com o entendimento do ganho de valor pelo capital, ao adotar-se uma educação utilitária em variadas esferas educacionais. Essa educação utilitária, àquela época, já se mostrava por meio do caráter seletivo discriminatório. Ideias que, atualmente, se mostram mais bem estruturadas e especializadas quanto a captura da subjetividade humana.

Na obra A riqueza das nações, de Adam Smith (c1996), sob seus ideais do liberalismo econômico, discorreu sobre a importância do investimento no fator humano.

O esforço natural de cada indivíduo para melhorar sua própria condição, quando se permite que ele atue com liberdade e segurança, constitui um princípio tão poderoso que, por si só, e sem qualquer outra ajuda, não somente é capaz de levar a sociedade à riqueza e à prosperidade, como também de superar uma centena de obstáculos impertinentes [..]. (SMITH, c1996, p. 54).

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A passagem expõe não apenas o entendimento do esforço humano como agente potencializador na geração de riqueza da nação, como também a crítica à atuação burocrática do Estado e outras condições que influenciavam negativamente o funcionamento da economia. Para Smith (c1996), o investimento no fator humano aliado a fatores como boa administração e frugalidade são essenciais para o aumento da produção de valores. Sendo estes fatores funcionais, até mesmo em situações onde há o descomedimento e má administração pública e privada.

Por que será que essa teoria se mostra tão harmonizada com os interesses do capital? Segundo Frigotto (2010), ao desenvolver suas pesquisas sobre a TCH, encontra-se a origem da conveniência, principalmente, a partir da necessidade e da ótica dos interesses burgueses, reflexo que se encontra em suas bases teóricas da economia marginalista e positivista, validando não só a lógica da educação e treinamento como criadores da capacidade de trabalho, mas também a da particularização da capacidade de ser bem sucedido ou não. Sendo assim, ele a compreende com uma dupla função: atua como teoria do desenvolvimento e teoria da educação, onde é necessário que as duas se relacionem para uma efetiva funcionalidade.

No que cabe à teoria do desenvolvimento, Frigotto (2010, p. 26) toma a “educação como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora de trabalho e, por extensão, potenciadora da renda, um capital (social e individual), um fator do desenvolvimento econômico e social”. Cria-se o nexo da necessidade do investimento em educação para fins de equidade e aumento da renda individual. Este investimento pode advir do Estado ou do próprio sujeito. Tal perspectiva, como afirma Frigotto (2010, p. 62), abre um precedente onde o determinante se transmuta em determinado: “[...] o ‘fator econômico’, traduzido por um conjunto de indicadores socioeconômicos, é posto como sendo o maior responsável pelo acesso, pela permanência na trajetória escolar e pelo rendimento [...]”.

Dentro da evolução histórica dos diferentes modos de produção, o modo capitalista vai se constituindo a partir do momento em que o processo de trabalho vai se fragmentando. Como afirma Frigotto (2010), essa fragmentação das funções técnicas do trabalho permite a apropriação da força produtiva do trabalho coletivo. Dentro desse mesmo processo histórico, o homem vai sendo expurgado do controle dos meios de produção.

Para o capital, o homem se torna um fator de “empecilho” para sua acumulação e ampliação, ao mesmo tempo que precisa explorá-lo, pois, o capital precisa explorar suas habilidades e especialização. Com a perda do controle dos meios de produção, o homem vai se submetendo a lógica do capital, invertendo a ordem em favor do capital – o homem torna-se um expropriado dentro das relações de produção.

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