CONHECIMENTO DA MEDICINA NO CUIDADO COM A INFÂNCIA NO PARÁ (1913)
LAURA MARIA SILVA ARAÚJO ALVES
Universidade Federal do Pará. E-mail: laura_alves@uol.com.br
Introdução
No início do século XX sobressaía-se o papel dos médicos hi-gienistas no atendimento das crianças pobres na capital do Pará. Dispostos a enfrentar o “problema da infância” por meio de medi-das higienizadoras, tais médicos no intento de defender a assistên-cia materno-infantil, realizavam constantemente orientações de como as mães deveriam educar e cuidar dos aspectos físicos e mo-ral dos seus filhos. A atuação desses médicos higienistas foi o que instituiu um novo modelo filantrópico de assistência, que iria com-binar intervenção pública, filantropia e ciência médica. Fundam--se nesta época as bases da puericultura no Brasil, definida como a ciência que trata da higiene física e social da criança. Nascido na Inglaterra e na França no século XVIII, a base da puericultura estava na orientação à higiene da maternidade e da infância.
No século XIX, em decorrência da urbanização os médicos passaram a se preocupar com os cuidados e a higiene dos locais e das pessoas, tais como: a localização de cemitérios, controle dos espaços físicos, controle das epidemias, sobretudo os cuidados com a criança e as mulheres. A grande preocupação era neutralizar os perigos que ameaçavam a saúde da sociedade. As medidas higie-nistas abrangiam os cuidados com a saúde da criança no primeiro anos de vida, cuidados com a gravidez e o parto, além de cuidados com a amamentação realizada pelas amas de leite.
Com a exploração da borracha na Amazônia no início do sé-culo XX a sociedade da capital paraense não estava dissociada do contexto nacional e viviam grandes transformações nos campos
político, econômico e cultural. Essa economia provocou um intenso processo migratório, fazendo com que a população de Belém cres-cesse consideravelmente. Eram pessoas vindas de muitas partes do Brasil e do exterior, que traziam consigo suas crianças e procura-vam, mediante as dificuldades enfrentadas, um lugar para acolhê--las. Tal acontecimento obrigava o poder público a tomar diferentes medidas para garantir a ordenação da cidade de Belém e atender a uma elite formada pelos barões da borracha, que impunha um novo modelo de vida baseado em ideias trazidas das cidades europeias. Ao tempo em que a população crescia em um ritmo frenético, nor-mas eram estabelecidas para que nada interferisse no projeto de modernização da Amazônia.
No contra fluxo dessa política, contavam-se alarmantes taxas de mortalidade infantil e as crianças eram as maiores vítimas das doenças que apareciam: varíola, febre amarela, lepra e tuberculose. A concepção médico-higienista, que embasava o projeto civilizador do final do século XIX, estabelecia muitas diretrizes para a forma-ção de uma nova sociedade e a capital da província do Grão Pará a ela não esteve alheia, muito pelo contrário.
A criança era o foco principal para o estabelecimento dessa nova sociedade e as ações de assistências e proteção começavam a ser pensadas para elas. As práticas utilizadas no interior das casas de asilos para crianças tinham um objetivo: transformar a criança pobre, desvalida, órfã em um cidadão útil para a sociedade, princi-palmente em termos econômicos.
Desse modo, nosso objetivo é buscar compreender o lugar da criança e da infância na história do povo do Norte do país e sua especificidade na história da Amazônia paraense. Alvo do discur-so médico, pedagógico, jurídico e psicológico, a criança e suas re-presentações sociais – desvalidas, delinquente, abandonada, órfão, pobre – passaram a lograr um lugar de destaque junto à pauta de discussão acadêmicas na área da Medicina, Psicologia, Educação, Sociologia e Antropologia das principais universidades brasileiras.
Nesse rastro, ecoam vozes de pesquisadores em defesa de se desve-lar a história social da infância na Amazônia.
O jornal como fonte de investigação
Até aproximadamente a década de 1970, ainda era relativa-mente pequeno o número de trabalhos acadêmicos que se utilizava de jornais como fonte para o conhecimento da história do Brasil. Embora os jornais fossem uma das principais fontes de informação para os historiadores, eles ficavam renegados ao segundo plano.
Aos termos contato com o jornal “Folha do Norte” no arqui-vo digitalizado na Biblioteca Artur Vianna em Belém do Pará, con-cluímos que o jornal, por meio dos fatos e informações materiali-zados nos seus anúncios e matérias nos possibilitava uma espécie de retorno ao passado. Assim, o ato de folhear o jornal nos pare-cia ter o efeito de criar um vínculo testemunhal com os aconteci-mentos ali narrados. O amarelecido das folhas nelas inscritos pelo tempo representava o valor imensurável dos fatos. O artigo
“Estu-dos Scientíficos da Creança: collaboração médico-pedagógico”1 nos possibilitou verificar a dimensão pedagógica do jornal que além de noticiar fatos e acontecimentos ocorridos à época tinha o papel de informar à comunidade paraense sobre os conhecimentos cientí-ficos da medicina.
O artigo “Estudo Scientifico da Creança: collaboração me-dico-pedagogico” foi publicado pela médica Paula Guimaraens, no mês de fevereiro de 1913, na “Folha do Norte”, jornal de grande cir-culação na capital do Pará. A publicação do artigo em quatro par-tes informava e divulgava os estudos sobre a criança no sentido de orientar às mães nos cuidados da criança.
1 JORNAL FOLHA DO NORTE. Estudos Scientificos da Creança: colaboração médico -pedagógico. Paula Guimaraens. 1913.
Saberes médicos no artigo “Estudos Scientíficos da Creança: Collaboração Médico-Pedagógico”, publicado no jornal “A Folha do Norte”, em 1913
No início do artigo a autora destaca as suas motivações para a publicação do referido artigo. Segundo a médica, o artigo objeti-vava orientar mães sobre os cuidados médicos e pedagógicos no sentido de esclarecer as mulheres no “dignificante papel de mães de família”. Além disso, declara ainda que a principal motivação de escrever o artigo era a deficiência de manuais científicos escritos e publicados em nossa língua.
O artigo foi publicado no jornal em capítulos durante o mês de fevereiro de 1913 que abrangiam várias temáticas relacionadas às questões infantis e nos cuidados para o seu melhor desenvolvi-mento e aprendizagem. Nos capítulos a médica Paula Guimaraens aborda procedimentos médicos e pedagógicos sobre os cuidados e educação da criança que eram disseminados na Europa e que deve-riam ser seguidos pelos médicos brasileiros. Nos quatros primeiros capítulos do artigo, autora destaca todo um cuidado com a gravidez da mulher até os primeiros anos de vida da criança. Os preceitos médicos seguiam o ideário higienista que já vinha influenciando a medicina pediátrica do Pará. Para os médicos higienistas as mu-lheres em Belém do Pará tinham hábitos culturais extremamente prejudiciais no cuidado com a criança, levando-os à crer que situa-ção da criança, no Norte do país, era preocupante. A médica Paula Guimaraens publica o artigo em seis capítulos.
Para análise do artigo publicado na “Folha do Norte” em Be-lém do Pará, em 1913, analisamos quatro aspectos no cuidados com a criança: (1)cuidados com a gravidez e parto; (2) amamentação da criança;(3) o quarto de dormir e o sono da criança; (4) banhos, passeios e brinquedos da criança. Durante as nossas análises reali-zamos a articulação das orientações da Dr. Paula Guimaraens com as teses médicas defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no período de oitocentos e novecentos, no qual observamos
a consonância e encontros entre os diversos discursos de orienta-ções e prescriorienta-ções médicas desenvolvidos em diferentes lugares do país.
Cuidados com a gravidez e parto
No artigo da Dra. Paula Guimaraens observa-se uma grande preocupação com a alimentação da mulher durante a gravidez. Ha-via uma forte orientação por parte dos médicos em mudar hábitos e comportamentos das gravidas como a alimentação. Indicava-se para a mulher grávida uma alimentação saudável para ajudar no desenvolvimento adequado do bebê. Ela ao falar dos cuidados das mulheres durante a gravidez destaca inclusive a necessidade de um regime alimentar e chama atenção para o inadequado hábito de in-gestão de bebidas alcoólicas para as futuras mães2. A médica indi-cava um regime alimentar regular e dosado por princípios substan-ciosos completos, estabelecendo pequenos lanches pelas 10 horas da manhã e 4 horas da tarde. Assim como a Dra. Paula Guimaraens, Mello (1846) e Gomes (1852)3 recomendavam também cuidado com a ingestão de bebidas alcoólicas e que deveriam ser evitadas durante toda a gravidez. Desaconselhava o uso abusivo de café e do chá, pois os usos destas bebidas poderiam transmitir males para a criança. Para Portugal (1853)4 no século XIX , por exemplo, defen-dia em sua tese de Medicina , que as grávidas não deveriam comer
2 MELLO, Joaquim Pedro de. Generalidades a cerca da educação physica dos meninos. (1846). Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1846. 3 GOMES, Antonio Francisco. Influencia da educação physica do homem diagnostico differencial dos aneurismas do vomito preto, e suas variedades na febre amarella e da coranafella da pelle na mesma molestia. 1852. Tese (Doutorado em Medicina) – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1852.
4 PORTUGAL, Antonio Nunes de Gouvêa. I. Influência da educação physica do ho-mem. II.Da physiologia da medulla spinal: theoria dos movimentos reflexos. III. Do apparelho em que figura ou deve figurar o baço e que deduções se podem tirar de sua estructura paraseus usos e funcções. (1853). Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 1853.
couve e feijão, por serem alimentos de difícil digestão, e que o chá e café poderiam ser consumidos com certa moderação.
A referida médica destacava ainda os cuidados com banho, vestimentas e repouso da grávida. Quanto ao banho havia uma pre-ocupação com a possibilidade de a mulher grávida tomar banhos frios, pois a medicina da época acreditava que esta prática poderia provocar abortos. Para os médicos as grávidas deveriam abando-nar seus caprichos e passatempos antes de dar à luz seus filhos. No mais, os médicos consideravam condenável o comportamento das mulheres que dançam e cantam, estando grávidas. As vestimen-tas eram outro aspecto de grande preocupação dos médicos com as mulheres grávidas desde o oitocentos. Vários eram os médicos analisados5 que intervêm no vestuário das futuras mães, sugerindo até para que elas optassem por vestimentas largas e confortáveis.
Com relação à mulher recomendava que, durante a gravi-dez, ela necessitava de repouso absoluto, vida casta e, sobretudo de passeios moderados, evitando fadiga. Essas orientações evitavam principalmente aborto nos primeiros meses de gravidez. Os médi-cos caminhavam num discurso em que a mulher tinha uma total responsabilidade em gerar filhos saudáveis. Isto é, a medicina no século XIX e inicio do século XX disseminava um discurso ideoló-gico que atribuía à mulher a responsabilidade central pela família.
Amamentação da criança
No capítulo II do artigo a Dra. Paula Guimaraens discorre sobre a função primordial que a mãe exerce no discurso médico oitocentista. Assim como as teses médicas neste período, no artigo a referida autora aborda aspectos da amamentação, dando desta-que à importância de a mãe amamentar seus filhos e a excelência
5 Tais prescrições podem ser verificadas nas teses de Portugal (1853), Mello (1846) e Gomes (1852).
da qualidade do leite materno em nutri-los. Sabe-se que no início do novecentos no Pará essa preocupação era muito recorrente nos discursos dos médicos que consideravam prejudicial contratação de amas de leite.
O discurso da médica no capítulo II do artigo constitui-se de um conjunto de normas comportamentais para as mães, com o in-tuito de alcançar toda a família. A Dra. Paula Guimaraens dava des-taque ao dever da mãe nutrir ela mesma seu filho. Ela condenava que as mães que, por vaidade, delegavam integralmente às amas de leite o cumprimento desta tarefa.
Nas teses defendidas no novecentos na Faculdade de Medici-na do Rio de Janeiro eram recorrentemente observada com cuida-do a prática de amamentação da criança6. Os médicos defendiam a amamentação feita pela própria mãe como a mais recomendada en-tre todos os métodos de aleitamento (MACHADO, 1874)7. A maioria das teses médicas defendia que as crianças, ao serem amamentadas pelo leite materno, absorviam as semelhanças morais da mãe.
Os médicos higienistas no século XIX e início do século XX ditavam uma série de modelos comportamentais e regras a serem adotadas pelas mulheres, uma vez que tanto pelo convívio, quanto pelo leite, elas passariam tais atributos para as crianças. Havia nas teses médicas um discurso ideológico civilizatório que defendia a necessidade de criar sujeitos moralmente fortes para a nação em processo de formação que se queria muito no raiar da República.
A Dra. Paula Guimaraens, ainda no capítulo II do artigo, dá destaque a discussão sobre os diferentes métodos de nutrição das crianças, assim como problemas outros que se referem à higiene
in-6 COSTA, Thomas José Xavier dos Passos Pacheco e. Os cuidados que se devem pres-tar aos recem-nascidos quando vem no estado de saude e sobre as vantagens do aleitamento maternal. (1840)..Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1840.
7 MACHADO, João da Matta. Educação physica, moral e intelectual da mocidade no Rio de Janeiro, e da sua influência sobre a saúde. 1874. 55 f. Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1874.
fantil. Entre os vários tipos de aleitamento a referida médica desta-ca: o aleitamento mixto, artificial indireto e artificial direto, além do leite e seus componentes. Na impossibilidade da nutriz amamentar o seu próprio bebê, a médica recomendava-se o aleitamento mix-to que alternava o leite materno e o leite artificial. Neste caso era recomendado que a criança fosse alimentada pelo leite materno somente pela parte da noite, durante o dia a criança poderia ser alimentada com leite artificial. Assim, a alternância do seio e a da mamadeira constituía-se elementos fundamentais na prática de aleitamento das crianças.
No mesmo capítulo a autora aborda o perigo que se tinha nos anos de 1913 com o aleitamento artificial, principalmente por crianças desde o nascimento que apresentavam dificuldades de di-gerir a primeira porção de leite de vaca, que difere, segundo a au-tora, da composição do leite da mulher, por ser mais pesado e mais indigesto. Neste caso, segundo a médica Paula Guimaraens, era indicada a diluição da água esterilizada e fervida ao leite de vaca, variando este grau de diluição aos meses da criança. Recomendava que somente a partir dos quatro meses de idade é que se deveria administrar a criança o leite de vaca puro. No caso de a criança mes-mo com esses cuidados apresentasse problemas de digerir o leite artificial, aconselhava-se o uso de pequenas quantidades de água de Vichy, cal ou bicarbonato de sódio ao leite que evitava a coagu-lação do leite e consequentemente o incomodo na criança após a amamentação. Segundo a Dr. Paula Guimaraens tem-se obtido sem-pre magniffico successo, todas ás vezes que a crenaça digere mal, addicionar ao leite uma pequena quantidade de água de Vichy, água de cal, geralmente uma colher de chá por mammadeira de 150 a 200 grammas de capacidade, ou bicarbonato de sódio (FOLHA DO NORTE, fevereiro de 1913).
Segundo a Dra. Paula Guimaraens, havia a preocupação com o armazenamento do leite e fraudes químicas que poderiam alterar a composição do leite e causar problemas de infecção na criança.
Além disso, havia também a preocupação com a contaminação do leite por alguma doença, como por exemplo, a tuberculose e a febre aftosa no leite que era administrado para os recém-nascidos.
A preocupação dos médicos com o aleitamento artificial na capital do Pará vinha desde os finais do século XX. A preocupação se justificava pela falta de higiene no armazenamento do leite de vaca. Eram várias vacarias espalhadas por toda a cidade de Belém que não seguiam nenhum preceito de higiene e geralmente provocavam na criança diarreia, vômitos, além de difícil digestão.
Neste período ainda era comum a venda de leite nas ruas, indo os leiteiros nas casas das pessoas. Por volta de 1891 já se nota-va em Belém a venda e o consumo de leite industrializados, impor-tados da Europa. Um deles era o leite liquido vendido na “Mercea-ria Amazônia”, casa importadora e bastante conhecida na cidade. O leite era de origem suíça e vendido em latas de litro. Nesta mesma época havia a venda da farinha láctea e o leite condensado Nestlé. Tais produtos eram feitos na Suíça pela fábrica Nestlé, sendo que a farinha láctea tinha como público alvo as crianças. A farinha lác-tea Nestlé era um alimento industrializado recomendado pela jun-ta central de Hygiene Pública do Rio de Janeiro como um alimento saudável e completo ao leite materno. (AMORIM, 2005)8.
Os médicos ainda afirmavam que muitas mulheres deixavam de dar o seio aos seus filhos e se submetiam ao uso de espartilhos apertados, prejudicando a amamentação por motivos de vaidade. Contudo, também ressaltavam que o aleitamento em excesso cau-sava danos à criança. Enfatizavam o problema da mãe extremosa em seu amor maternal. Como se vê, essas duas formas distintas de comportamento devia ser moderadas, sendo de responsabilidade dos médicos higienistas estabelecerem a norma de conduta das mães para cuidar e educar seus filhos. Os médicos de fins do século
8 AMORIM, Suely Teresinha Schmidt Passos de. Alimentação Infantil e o
Marke-ting da Indústria de Alimentos no Brasil (1960-1988). História: Questões &
XIX e início do século XX acreditavam que quanto mais civilizado um povo, com uma população culta e higiênica, mais próximo do progresso estaria a nação, incluindo neste processo mães dedicada à maternidade.
Quarto de dormir e o sono da criança
No Capítulo II do artigo da Dra. Paula Guimaraens observa--se uma enorme preocupação com o quarto de dormir das crianças. Os médicos em geral recomendavam lugares espaçosos, bem ilu-minados e completamente ventilados para o quarto de dormir do recém-nascido (VIEIRA, 1882)9. Defendiam também que a luz não deveria penetrar diretamente o berço, ressaltavam que a falta de exposição ao sol e o excesso de insolação são extremamente preju-diciais à criança nessa fase (CERQUEIRA, 1882)10.
A mobília do quarto deveria ser o mais simples possível para evitar-se qualquer tipo de acidente às crianças. Havia ainda a pre-ocupação com o asseio do quarto e era recomendado um assoalho do chão de um material que permitisse frequentemente a lavagem e a desinfecção do ambiente. Além disso, os médicos advertiam so-bre a existência de panos sujos de urina e medicamentos largados próximos às crianças (URUCULO, 1882)11.
Os médicos higienistas defendiam que o ambiente em que frequentavam as crianças, “seres mais frágeis do que os adultos”, deveria conter o ar mais puro possível. Para eles os recintos fecha-dos eram como mais favoráveis à disseminação de doenças,
reco-9 VIEIRA, José Cypriano Nunes. Hygiene da primeira infancia. Valor biognostico da coagulação do sangue e das ecchymoses, como provas da vida em materia de in-fanticidio. Tratamento da retenção de urinas. Ictericia. 1882. Tese – Faculdade de Medicina Rio de Janeiro, 1882.
10 CERQUEIRA, Nicolao Barboza da gama. Hygiene da primeira infância. (1882). Tese -Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1882.
11 URCULO, Severiano Martins de Oliveira. Hygiene da Primeira Infância. 1882. 51 f. Tese -Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1882.
mendavam a renovação do ambiente pela manhã e à tarde, abrindo a janela o tempo que for necessário.
Os médicos condenavam mais alguns hábitos, como colocar a criança no mesmo quarto de um adulto, crendo que este pode esmagá-la e censura as mães ou amas de leite que deixassem as crianças dormir com o peito na boca, julgando que com isso possam engasgá-las. Recomendavam às mães que as crianças deveriam ser deitadas em um berço, de lado. Advertiam que, nos primeiros dias de vida, o sono é algo fundamental, defendendo a necessidade de se regular gradativamente o tempo da criança dormir12.
Quanto ao bom sono da criança, segundo a Dra. Paula Guimara-ens, dependia exclusivamente de uma boa alimentação; a criança que mama muitas vezes e digere mal, há de dormir mal e terá que dosar o número de sucção, separando por intervalos bastante longos. A fim de assegurar às crianças um repouso normal durante o sono, é preciso habituá-las a deitarem-se uma hora determinada, privando aquelas da cidade por avançada das vigílias prolongadas (CERQUEIRA, 1882). Ao analisar o discurso médico no século XIX, observa-se que os cuidados higiênicos com o sono das crianças iniciam-se com a escolha e preparação do quarto de dormir. Na escolha do local mais apropriado para se dormir, demonstravam ainda a preocupação com a escolha de um berço que permitisse a circulação do ar em seu interior e mencionavam como recomendável o móvel de ferro com grades que era mais seguros e fácil de higienização (VIEIRA, 1882).
Banhos e passeios da criança
No capítulo III do artigo, a Dra. Paula Guimaraens refere-se com preocupação aos passeios da criança até o primeiro ano de vida. O passeio nunca deveria se prolongar para além de meia hora, tempo que, progressivamente deveria ser dilatado. De acordo com
12 CASTILHO, Ildefonso Archer de – Hygiene da primeira infância. (1882). Tese – Fa-culdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1882.
a médica, os passeios longos fadigariam as crianças que estivessem na primeira idade, seja pela trepidação que eles determinam e pela excitação cerebral que poderiam causar nos recém-nascidos. Pas-seios onde em locais onde existia grande aglutinação de pessoas, e possivelmente várias moléstias mortas, deveriam ser evitados. As crianças encontram no ar puro um excelente excitante às suas ca-pacidades digestivas.
As teses dos médicos publicadas na primeira década do sé-culo XX defendiam a necessidade da criança frequentar ambientes naturais e que o ar puro é algo indispensável para o seu desenvol-vimento, recomendando os passeios em locais com muitas árvores nos períodos de clima favoráveis, diferentes das ocasiões de frio, umidade e vento. Havia ainda a recomendação que se evitasse com as crianças pequenas os passeios em tempos chuvosos e úmidos.
Com relação ao banho, a água deveria ser preferivelmente fil-trada. Nos primeiros meses de vida os banhos devem ser quotidia-nos sendo estes espaçados à medida que a criança avança quotidia-nos aquotidia-nos. A água fria pode ser empregada, porém, não sistematicamente, com vantagens é usada nos casos de “moléstias febris”, mesmo para os recém-nascidos. Os momentos mais convenientes para os banhos são pela manhã. Segundo a médica Paula Guimaraens, os banhos po-dem ser adicionados substâncias variadas, tais como essências de flores como flor de laranjeiras e eucaliptos para acalmar a criança.
Considerações finais
O jornal a “Folha do Norte” era um dos jornais de maior circulação na capital do Pará nos anos de 1913. Tinham um papel social relevante para a sociedade paraense, visto que servia para transmitir os princípios do higienismo e da puericultura para as mães nos cuidados com a criança. Com o advento da Pediatria os cuidados com a criança foram tomando tudo uma característica científica baseada na medicina, pedagogia e psicologia. No contexto
do início do novecentos na capital do Pará a Folha do Norte era um jornal que tinha um papel não somente de noticiar acontecimentos, mas principalmente de informar a população sobre os saberes cien-tífica médicos e pedagógicos nos cuidados e desenvolvimentos da criança. Portanto, havia uma prática de médicos e educadores em socializarem os ensinamentos científicos com a intenção atingir o alto índice de mortandade infantil no período da Belle Époque.
O artigo publicado pela médica Paula Guimaraens passava um discurso médico científico nos cuidados e educação da crian-ça baseado na colaboração da medicina e da pedagogia. Era fun-damental ensinar as mães a lidar com aspectos necessários para o adequado desenvolvimento físico, moral e psicológica da criança.
É neste cenário que surge a preocupação com a infância, que passava a ser considerada importante para o progresso do país, ou seja, descobre-se a infância, e a necessidade de se constituir uma sociedade sadia, moral e fisicamente, que pudesse dar continuida-de aos processos continuida-de mocontinuida-dernização do país. Surgem então às icontinuida-deias relacionadas à Puericultura, com um discurso médico de preocu-pações com a alimentação, brinquedos, tratamento diferenciado, dentição, desenvolvimento físico e moral da criança. Com o movi-mento higienista, a criança tornou-se objeto privilegiado do projeto da Medicina Social, de acordo com o entendimento de que as outras fases da vida dependem dos cuidados com a infância, trazendo me-didas profiláticas em relação à infância.
Referências bibliográficas
AMORIM, Suely Teresinha Schmidt Passos de. Alimentação Infan-til e o Marketing da Indústria de Alimentos no Brasil (1960-1988). História: Questões & Debates, 2005, n. 42, p. 95-111.
CASTILHO, Ildefonso Archer de – Hygiene da primeira infância. (1882). Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Ja-neiro, 1882.
CERQUEIRA, Nicolao Barboza da gama. Hygiene da primeira infân-cia. (1882). Tese -Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1882.
COSTA, Thomas José Xavier dos Passos Pacheco e. Os cuidados que se devem prestar aos recem-nascidos quando vem no estado de saude e sobre as vantagens do aleitamento maternal. (1840)..Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1840. GOMES, Antonio Francisco. Influencia da educação physica do ho-mem diagnostico differencial dos aneurismas do vomito preto, e suas variedades na febre amarella e da coranafella da pelle na mes-ma molestia. 1852. Tese (Doutorado em Medicina) – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1852.
MACHADO, João da Matta. Educação physica, moral e intelectual da mocidade no Rio de Janeiro, e da sua influência sobre a saúde. 1874. 55 f. Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1874. MELLO, Joaquim Pedro de. Generalidades a cerca da educação phy-sica dos meninos. (1846). Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1846.URCULO, Severiano Martins de Olivei-ra. Hygiene da Primeira Infância. 1882. 51 f. Tese -Faculdade de Me-dicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1882.
PORTUGAL, Antonio Nunes de Gouvêa. I. Influência da educação physica do homem. II.Da physiologia da medulla spinal: theoria dos movimentos reflexos. III. Do apparelho em que figura ou deve figu-rar o baço e que deduções se podem tifigu-rar de sua estructura para-seus usos e funcções. (1853). Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 1853.
VIEIRA, José Cypriano Nunes. Hygiene da primeira infancia. Valor biognostico da coagulação do sangue e das ecchymoses, como pro-vas da vida em materia de infanticidio. Tratamento da retenção de urinas. Ictericia. 1882. Tese – Faculdade de Medicina Rio de Janeiro, 1882.