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BRASIL, FINAL DE SÉCULO: A TRANSIÇÃO PARA UM NOVO PADRÃO MIGRATÓRIO?

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Academic year: 2021

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FAUSTO BRITO1

Introdução2

O objetivo deste artigo é contribuir para esclarecer o conceito de padrão migratório, tendo como referência a experiência brasileira na segunda metade do século XX. A referência ao caso brasileiro tem o propósito de situar as sugestões analíticas dentro dos limites do processo histórico no qual têm ocorrido as migrações internas. Não há a pretensão de se construir uma teoria, apenas de sugerir algumas proposições, com o intuito de propiciar uma melhor compreensão das mudanças que têm sido observadas nas migrações internas no Brasil nestes últimos 50 anos.

A literatura sobre as migrações internas, muitas vezes, não é suficientemente esclarecedora sobre as diferenças entre os tipos de fluxos migratórios e o padrão migratório e, em grande parte, se preocupa muito mais com os tipos do que com o padrão. Há uma razão para isto, o conceito de migração tem uma enorme latitude. As alternativas possíveis de fluxos migratórios são inúmeras ao se considerarem somente as dimensões do tempo de residência, do espaço onde ocorre o deslocamento populacional e as suas diferentes etapas. Nesse sentido, parece inevitável que se recorra à classificação dos diferentes tipos de fluxos, até mesmo para tornar mais preciso e operacional o conceito de migração, dentro da sua extensa latitude. Às vezes, a vontade dos autores de uma maior elaboração metodológica, leva à construção de tipologias combinando tipos de fluxos com os diferentes contextos históricos dentro dos quais eles são predominantes.

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Fausto Brito, professor e pesquisador do CEDEPLAR e do Departamento de Demografia da UFMG. 2

Agradeço as sugestões do meu colega José Alberto Magno de Carvalho, além da sua paciente revisão. Entretanto, as idéias contidas neste artigo são da minha inteira responsabilidade.

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No clássico estudo preparado pela Organização Internacional do Trabalho, com o objetivo de orientar as pesquisas sobre migração nos países em desenvolvimento, há um artigo sobre o conceito de migração que parte justamente das suas dimensões de tempo, espaço e de etapas, mencionadas anteriormente, acrescentando a possibilidade dos movimentos pendulares, para se chegar à definição de tipos de fluxos ou categorias de migrantes: migrantes permanentes, longo prazo, temporários, pendulares; migrantes primários, secundários, terciários, segundo as diferentes etapas; migrantes de retorno e circulares; migrantes rurais para as cidades, das cidades para o campo, das cidades para as cidades. Depois, o autor ainda trata de algumas tipologias mais elaboradas, como a Matriz de Movimentos Humanos de Eichenbaum, que considera os graus de liberdade dos indivíduos na decisão de emigrar e na escolha do destino (BILSBORROW, R. E., et al., 1984).

Classificações ou tipologias são fartamente encontradas na literatura sobre as migrações, não há, portanto, necessidade de citações exaustivas e, muito menos, necessidade de enfatizar a utilidade delas. Apenas, para o propósito deste artigo, seria importante lembrar que estes diferentes tipos, categorias ou modalidades de migrantes ou de fluxos migratórios existem e existiram dentro dos mais diferentes contextos históricos.

A análise realizada por Braudel sobre a população mundial, no período entre o século XV e XVIII, revela com uma enorme riqueza de detalhes, não só as migrações internacionais, como as eurasianas, mas também os diferentes tipos de migrações internas, como as que ocorriam na França ou na China. Braudel chama a atenção para a variedade de tipos de deslocamentos populacionais que ocorriam em contextos sociais e culturais diferenciados (BRAUDEL, 1995).

Livi Bacci, na sua História da População Européia, analisa a importância das migrações dentro dos sistemas demográficos, não só no período anterior à Revolução Industrial, mas também na sua fase posterior, entre 1800 e 1914, por ele denominada a Grande Transformação. O autor descreve, com riqueza de informações, as migrações européias, permanentes e temporárias, internas e internacionais, além da migração rural-urbana proveniente do aumento do excedente demográfico no campo,

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como conseqüência do crescimento da produtividade agrícola (BACCI, 1999).

Hobsbawm, na Era do Capital, 1848-1875, faz uma das mais brilhantes análises sobre as migrações que se deram nesse período, tanto as internacionais, como as internas, discutindo o seu caráter permanente ou temporário, o retorno migratório e a importância das migrações na formação das cidades e de novas nações e sociedades que emergiam (HOBSBAWM,1977).

Não poderia deixar de ser mencionado o clássico capítulo XXIV, do Livro I do Capital, onde Marx analisa, com absoluta acuidade, o que ele chama da pré-história do capitalismo, o período entre o século XV até o início do século XIX, quando se deu a expropriação dos camponeses ingleses e a sua migração para as cidades que se formavam em conjunto com a emergência da manufatura, num primeiro momento e, posteriormente, com a grande indústria (MARX,1973).

Ravenstein, considerado o primeiro grande teórico das migrações na sociedade capitalista, utilizando os dados dos censos do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda), em 1871 e 1881, observa um conjunto de regularidades empíricas e explicita uma diversidade de tipos ou modalidades de fluxos migratórios, como por exemplo: curta e longa distância, rural-urbano, urbano-urbano, corrente e contra-corrente, retorno, migrações seletivas e por etapas. Todas estas modalidades de deslocamento populacional foram associadas por ele ao desenvolvimento do capitalismo (RAVEINSTEIN, 1980).

Esses exemplos da literatura têm o propósito de mostrar que os diferentes tipos ou modalidades de migrantes ou de fluxos migratórios podem ocorrer em contextos históricos os mais diversos e, portanto, por si só, não têm a possibilidade analítica de caracterizá-los, apesar de ser, algumas vezes, a intenção de alguns autores. Zelinsk, no seu modelo de transição da mobilidade, procura associar o que ele chama de padrão migratório com diferentes tipos de sociedade. A migração rural-rural seria predominante na sociedade pré-industrial; a rural-rural-urbana, naquelas em processo de industrialização; a urbano-urbana, nas industriais maduras, e a migração da cidade aos subúrbios próximos ou pequenas cidades, na sociedade pós-industrial.

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Para ele, então, o padrão migratório é um tipo ou uma modalidade de fluxo migratório que aparece como predominante em determinadas circunstâncias históricas (ZELINSK, 1971).

No Brasil recente, contrariando a tipologia de Zelinsk, encontra-se uma predominância da migração urbano-urbana, até porque não há mais estoque de população rural para repetir o volume de migrantes do período 1960/80, mas, dificilmente a sociedade brasileira poderia ser considerada uma economia industrial plenamente madura. Sabendo também que seriam encontrados no Brasil, hoje, todos os outros tipos fluxos mencionados por Zelinsk, o que acrescentaria, do ponto de vista da compreensão do fenômeno migratório, a predominância da migração urbano-urbana? Certamente muito pouco, até mesmo porque no Brasil, com sua economia hegemonicamente capitalista, coexistem e se articulam todos os tipos de sociedade listados, formando uma síntese social e econômica que não se assemelha a nenhum dos tipos ideais a que se refere Zelinsk, com uma certa simplificação e viés evolucionista (PACHECO & PATARRA, 1997).

Na complexa dinâmica da economia e da sociedade brasileiras, encontram-se os mais diferente tipos ou modalidades de fluxos migratórios e é justamente dentro dessa dinâmica que eles assumem um significado particular. Compreender essas particularidades, em todas as suas dimensões, é um grande desafio. O objetivo deste artigo é mais limitado, resume-se a desenvolver um conceito para padrão migratório, procurando diferenciá-lo de tipos ou modalidades de fluxos, mostrando a sua utilidade para a compreensão das mudanças recentes no comportamento das migrações internas no Brasil. Vale repetir que, para facilitar o desenvolvimento lógico do conceito de padrão migratório, ele será feito conjunto à análise das migrações internas nos últimos 50 anos, quando se deu o seu grande ciclo de expansão. Com esta intenção, antes de se iniciar a análise histórica das migrações, na sua primeira etapa entre 1940/1960, será introduzido o conceito de trajetórias migratórias.

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As migrações interestaduais entre 1940 e 1960

As migrações não são fenômeno estritamente demográfico. Em perspectiva mais abrangente, as migrações constituem processo social. Elas não são o mero resultado do somatório de decisões individuais. Não é um indivíduo isolado que migra, mas são milhões de pessoas, conjuntos sociais com seus valores e normas, que se transferem do espaço rural para o urbano, de uma cidade para outra, de um estado para outro, de uma região para outra, ou mesmo, de um país para outro.

Como as migrações constituem processo social, elas não são um evento aleatório, elas têm regularidade empírica que pode ser observada sob a forma dos fluxos migratórios, nas suas diferentes modalidades. Muitos destes fluxos migratórios, pela sua importância para a dinâmica espacial da economia e da sociedade, assumem regularidade de ordem estrutural. Eles se transformam em trajetórias migratórias que a sociedade, a economia e o Estado desenham, espacialmente, em função das suas necessidades e, portanto, podem ser redesenhadas, desde que essas necessidades se modifiquem.

Estas trajetórias migratórias são alimentadas pelos fortes desequilíbrios regionais e sociais que têm caracterizado o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, servindo como poderoso mecanismo de transferência espacial do “excedente demográfico” de determinada região, incapaz de absorvê-lo em sua economia e em sua sociedade, para outras, onde mais se desenvolveu a economia urbano–industrial ou se expandiu a fronteira agrícola. Esta transferência espacial de dezenas de milhões de pessoas tem sido parte intrínseca da dinâmica da economia e da sociedade brasileiras.

As grandes trajetórias não se constituem, unicamente, em mecanismo de redistribuição espacial da força de trabalho. Elas são, também, parte fundamental do processo de integração social e cultural do território, costurando o amplo espectro de sociedades e de culturas regionais em nação única. Mas, em conseqüência dos grandes desequilíbrios regionais e sociais marcantes na economia e a sociedade brasileiras, deve ser enfatizado que o espaço em que se organizam as trajetórias

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migratórias não é economicamente, nem socialmente, homogêneo. Portanto, o mercado de trabalho nacional que se constitui, o espaço territorial que se integra e a nação que se constrói trazem as marcas da diversidade e da desigualdade. Nesta perspectiva, as migrações podem contribuir para a reprodução dos desequilíbrios regionais e das desigualdades sociais.

Como foi proposto, antes de continuar a discussão do conceito de trajetórias migratórias, serão analisadas as migrações interestaduais entre 1940 e 1960. A única informação que existe nos censos de 1940, 1950 e 1960 sobre as migrações internas é o lugar de nascimento, isto é, quem são os naturais do estado ou região e os que não são, com as respectivas unidades da federação de nascimento. As limitações destes dados são evidentes: não se sabe o ano de chegada do imigrante e nem se ele cumpriu mais de uma etapa migratória. O dado disponível é do estoque de migrantes, sobreviventes ou que não reemigraram, à época do censo, é a chamada migração acumulada. Esta informação é imprecisa para se estimar o volume da migração, mas este não é o objetivo deste artigo e, através de técnicas indiretas de mensuração, já foi feito anteriormente (GRAHAM, 1984). Entretanto, a variação dos estoques de

migrantes, entre dois períodos censitários, pode ser uma razoável aproximação dos movimentos ou dos fluxos migratórios interestaduais na década. O indicador, então, que será utilizado é a contribuição relativa de cada estado ou região para o incremento absoluto do estoque de migrantes, ou da migração acumulada, no período.

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TABELA No 1 BRASIL

CONTRIBUIÇÃO RELATIVA PARA O CRESCIMENTO DA IMIGRAÇÃO E DA EMIGRAÇÃO ACUMULADAS

1940/60 IMIGRAÇÃO EMIGRAÇÃO ESTADOS OU REGIÕES* 1940/50 1950/60 1940/50 1950/60 NORTE 0,68 1,21 0,81 0,93 NE. SETENTRIONAL 2,07 5,38 2,34 3,33 NE. CENTRAL 0,99 0,59 16,22 30,52 NE.MERIDIONAL 2,29 2,52 8,44 13,93 MINAS GERAIS 2,57 4,65 37,86 22,03 ESPIRITO SANTO 0,79 2,81 6,23 3,14 RIO DE JANEIRO 24,38 15,44 0,52 1,83 SÃO PAULO 24,60 22,81 20,09 13,6 PARANÁ 32,57 30,19 0,63 1,50 CENTRO-OESTE 9,55 14,10 1,36 1,23 EXTREMO SUL -0,49 0,30 5,50 7,96 BRASIL (TOTAL) 100,00 100,00 100,00 100 TOTAL ABSOLUTO 1.373.198 3.362.861 1.373.198 3.362.861

Fontes: FIBGE; Censos Demográficos de 1950 e 1960.

*Nordeste Setentrional: Maranhão e Piauí; Nordeste Central: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas; Nordeste Meridional: Sergipe e Bahia; Extremo Sul: Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Rio de Janeiro: atual estado do Rio de Janeiro.

Os dados sugerem grande concentração no destino dos emigrantes. Somente os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, juntos, nas décadas de 40 e 50, foram responsáveis por 49,0 e 38,0%, respectivamente, da variação do total da imigração acumulada na década. Eles eram, justamente, os estados com o maior desenvolvimento urbano-industrial do país. As regiões de expansão da fronteira agrícola, o Paraná e a região Centro-Oeste, também mostraram uma grande capacidade de absorção dos imigrantes, principalmente o Paraná. Na década de 50, a fronteira agrícola, certamente recebeu mais imigrantes do que os dois estados de maior crescimento urbano-industrial (Tabela no 1).

Para se confirmar o grau de concentração do destino dos emigrantes, nos anos 50, 83,0% da variação total da imigração acumulada se deu, exclusivamente, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e na região Centro-Oeste. Quando se

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observa a origem dos emigrantes, a concentração era ainda maior. O Nordeste e Minas Gerais, somente, foram responsáveis, na década de 40, por 65,0% da variação da emigração acumulada e, na década de 50, por 70,0%, aumento devido ao grande crescimento da emigração nordestina.

Analisando a origem dos imigrantes que chegaram a São Paulo, no período entre 1940 e 1960, verifica-se que aproximadamente 90,0% deles eram provenientes do Nordeste ou de Minas Gerais. Os emigrantes nordestinos se tornaram majoritários nos anos 50, em função da grande seca que ocorreu na segunda metade dessa década e pela melhoria no sistema de transporte, com a inauguração da rodovia Rio-Bahia. Os nordestinos e mineiros eram a grande maioria dos imigrantes também no Rio de Janeiro e na região Centro-Oeste. No Paraná, apesar de ter havido uma expressiva presença de mineiros e nordestinos, estes últimos mais nos anos 50, os paulistas eram em número muito maior. Os nascidos nos estados do Extremo Sul tiveram também uma participação significativa na década de 50, menor do que a dos paulistas, mas semelhante à dos nordestinos (BRITO, 1997).

Os dados sobre os fluxos migratórios, no período 1940/60, confirmam a existência das trajetórias migratórias mais importantes, chamadas dominantes, que tinham como origem os dois grandes reservatórios de força de trabalho, o Nordeste e Minas Gerais, e como destino os estados com maior crescimento urbano-industrial e as regiões de expansão da fronteira agrícola, onde era gerada a grande maioria do emprego no Brasil. Minas e o Nordeste se formaram, desde o século XIX, como os dois grandes reservatórios de força de trabalho, tinham um grande excedente populacional não absorvido pela suas economias e sociedades que, desde a segunda metade do século passado, começava a ser absorvido pelo “complexo cafeeiro”, o núcleo mais dinâmico da economia brasileira na época (BRITO, 1999).

Por outro lado, o desenvolvimento espacial da economia brasileira, comandado pelo setor industrial, foi altamente concentrado no século XX, principalmente depois de 1930. Em 1949, São Paulo gerava 36,0% do PIB do Brasil e o Rio de Janeiro 20,0%, num total de 56,0%, ou seja, mais da metade do PIB era produzido somente nestes dois estados. Se for considerada unicamente a produção

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industrial, São Paulo dava conta sozinho de 48,0% dela, em 1949 e de 54,4%, em 1959. Junto do Rio de Janeiro, os dois eram responsáveis por 68,0% da produção industrial, em 1949, e por 72,0% em 1959 (CANO, 1998).

Além das trajetórias dominantes, existiam outras chamadas de secundárias, que se organizavam geralmente entre estados vizinhos e se constituíam muitas vezes em uma etapa das trajetórias dominantes. Poderiam ser chamadas também de “circuitos migratórios regionais”. São bons exemplos: os fluxos do Espírito Santo para o Rio de Janeiro; de São Paulo e do Extremo Sul para o Paraná; de São Paulo para a região Centro-Oeste e do Nordeste Meridional para Minas. As trajetórias secundárias, ou os circuitos migratórios regionais, correspondiam não só à proximidade geográfica destes estados fronteiriços, mas, também, às articulações econômicas regionais, que não obedeciam aos limites políticos impostos aos estados.

A existência somente de trajetórias migratórias dominantes e secundárias não define um padrão migratório. É fundamental que se especifique o contexto histórico no qual as trajetórias se inserem e são por ele estruturadas, em grande parte, para cumprir as suas funções fundamentais na dinâmica da economia e da sociedade. Nestes termos, um padrão migratório seria o modo como se dá a articulação entre as trajetórias migratórias e a dinâmica social e econômica.

A dinâmica da economia e da sociedade entre 1960 e 1980

Antes de desenvolver melhor o conceito de padrão migratório, é importante que se chame a atenção para as características do contexto histórico no qual se estruturavam as trajetórias migratórias. Não é o objetivo deste artigo, e nem é plausível nos seus limites, fazer uma análise exaustiva destes 40 anos. Serão levantadas apenas, de forma sistemática, algumas características essenciais da dinâmica da sociedade, da economia e da política neste período.

a) O Estado, principalmente depois de 1964, assumiu com grande autoritarismo a gestão da economia e da sociedade civil, modernizando-se do ponto de vista financeiro e fiscal e ampliando a sua capacidade de implementação de políticas que, com a intenção explícita ou não, tiveram

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fortes repercussões sobre as migrações internas. Em primeiro lugar, os investimentos públicos e a política econômica, de uma maneira geral, confirmavam o padrão espacial concentrador do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, reforçando estruturalmente algumas das trajetórias migratórias que já ocorriam antes de 1960. Em segundo, a política combinada de modernização agrícola e de manutenção da estrutura fundiária colaborava de forma decisiva para o êxodo rural. E, em terceiro, as políticas de desenvolvimento regional e de expansão da fronteira agrícola criavam novas alternativas de emprego e acesso à terra, o que foi também determinante para as migrações internas.

b) A economia brasileira teve uma notável expansão após a crise da primeira metade dos anos 60. Entre 1967/73, o PIB cresceu a uma taxa média anual de 11,3% e, entre 1973/80, a 7,1%. O setor industrial cresceu nos mesmos períodos a 12,7 e 7,6% e a construção civil a 10,9 e 8,7% A economia urbana industrial se modernizou com uma expansão excepcional da indústria de bens duráveis e de bens de capital. Houve inusitada capacidade de geração de emprego, dada a modernização da economia, inclusive no setor industrial, que foi responsável por 19,0% dos empregos gerados entre 1960/70 e por 25,4% entre 1970 e 1980. Se acrescentarmos os empregos na construção civil, esta proporção alcançaria 35,0 % da geração do emprego no primeiro período e 37,7% no segundo. O setor terciário não ficou atrás, foi responsável por 53,0% dos empregos gerados nos anos 60 e por 62,0% nos anos 70 (FARIA, 1984).

c) A agricultura não teve a mesma performance em algumas regiões, como o Nordeste e boa parte de Minas, devido à estagnação. Em outras, a chamada “revolução verde”, a profunda modernização tecnológica comandada pela política agrícola do governo federal, aumentou substancialmente a produtividade agrícola, mas reduziu muito o emprego permanente e aumentou o temporário (MARTINE & GARCIA, 1987). A dinâmica espacial

da economia acentuou os desequilíbrios regionais. Em 1960 e 1970, somente em São Paulo, se concentravam 54,4 e 56,4% do PIB industrial brasileiro. Acrescentando o Rio de Janeiro, nos dois estados eram gerados 60,2% do PIB do Comércio e dos Serviços, no primeiro período considerado, e 56,0%, no segundo (CANO, 1998). Conseqüentemente, a

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São Paulo, quase 40,0% entre 1960/70 e 37,0% entre 1970/80 do total gerado no Brasil. No setor terciário, também junto ao Rio de Janeiro, a proporção do emprego gerada nesses estados, em relação ao total brasileiro, na década de 60 e de 70, alcançava 44,0 e 38,0%, respectivamente (BRITO, 1997).

d) A população brasileira passou de 41.326.415 em 1940 para 119.502.716 em 1980, quase triplicando nesse período, crescendo a uma taxa média anual de 2,7%, as mais altas de sua história. A sociedade se urbanizou e desde 1970 a população residente em áreas urbanas ultrapassava a rural. Esse processo de urbanização foi extremamente acelerado, alimentado pela emigração rural-urbana estimada em cerca de 30 milhões de pessoas entre 1960/80 (BRITO, 1977; CARVALHO & FERNANDES, 1994) Além de acelerada, a urbanização foi extremamente concentradora. Em 1970, 26,0% da população total do Brasil morava nas Regiões Metropolitanas e em 1980, 29,0%. Crescendo a 3,79% ao ano, essas regiões contribuíram com 41,26% do incremento total da população brasileira entre 1970/80 e, somente a região metropolitana de São Paulo, com 17,20% (BRITO, 1997).

e) As políticas públicas de transporte e telecomunicações provocaram um enorme progresso na integração produtiva, bem como na articulação social e cultural das diferentes regiões, com fortes repercussões sobre as migrações internas, isso será visto mais à frente, quando da análise da cultura migratória.

As migrações interestaduais entre 1960 e 1980

Após esta breve e sistemática descrição das características essenciais da dinâmica da sociedade, da economia e da política, entre 1960 e 1980, será retomada a análise dos dados censitários sobre os fluxos migratórios interestaduais nos períodos 1960/1980. A partir do Censo de 1970, estão disponíveis informações suficientes para a análise da migração de última etapa, sendo que no de 1991 e na Contagem da População de 1996 se encontra, também, a informação de data fixa, isto é, sobre a residência anterior, 5 anos antes da data do Censo.

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TABELA No 2 BRASIL MIGRANTES INTERESTADUAIS 1960/1980 IMIGRANTES EMIGRANTES 1960/70 1970/80 1960/70 1970/80 ESTADOS E

REGIÕES absoluto % absoluto % absoluto % absoluto % NORTE 229.250 2,45 811.455 8,92 169.183 1,81 246.199 2,71 NE. SETENTRIONAL 318.332 3,41 275.295 3,03 428.185 4,58 566.379 6,23 NE.CENTRAL 712.840 7,63 751.954 8,27 1.982.342 21,22 1.857.086 20,42 NE. MERIDIONAL 342.327 3,67 422.786 4,65 915.494 9,80 796.243 8,76 MINAS GERAIS 527.000 5,64 612.597 6,74 2.041.748 21,86 1.238.859 13,63 ESP.SANTO 161.167 1,73 200.895 2,21 374622 4,01 188.520 2,07 R.DE JANEIRO 1.403.737 15,03 850.309 9,35 373.273 4,00 457.695 5,03 SÃO PAULO 2.283.585 24,45 2.775.767 30,53 1.060.673 11,36 952.111 10,47 PARANÁ 1.659.750 17,77 518.986 5,71 498.402 5,34 1.338.776 14,72 EXTRE. SUL 456.914 4,89 396.002 4,36 1.103.771 11,82 581.746 6,40 CENTRO-OESTE 1.244.936 13,33 1.476.470 16,24 392.145 4,20 868.902 9,56 TOTAL 9.339.838 100,0 9.092.515 100,0 9.339.838 100,0 9.092.515 100,0

Fonte: FIBGE; Censos Demográficos de 1970 e 1980.

Na década de 60, o destino dos emigrantes se mantinha bastante concentrado, praticamente um quarto deles se dirigia para São Paulo e 15,0% para o Rio de Janeiro. Os dois juntos, os estados com as maiores parcelas do PIB industrial e do PIB do setor terciário, receberam quase 40,0% dos imigrantes. As duas grandes regiões de expansão da fronteira agrícola, também, foram preferidas pelos emigrantes. O Paraná recebeu 18,0% deles e a região Centro-Oeste 13,3%. Os três estados, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná e a região Centro-Oeste foram o destino de 71,0% do total dos emigrantes interestaduais (Tabela no 2).

Quanto aos emigrantes, persistia o que tinha sido observado nas duas décadas anteriores. Os dois grandes reservatórios de força de trabalho, o Nordeste e Minas Gerais, foram os que mais transferiram população para outros estados. São Paulo e os estados do Extremo Sul também tiveram uma quantidade expressiva de emigrantes, principalmente para o Paraná.

Se forem consideradas as origem dos fluxos migratórios, na década de 60, 73,0% dos emigrantes para São Paulo e 70,0% para o Rio de Janeiro vieram de Minas e do Nordeste . Na região Centro-Oeste, 56,0% dos seus imigrantes saíram

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dos dois maiores reservatórios de força de trabalho. No Paraná, 17,0% dos seus imigrantes também vinham de Minas, mas as origens majoritárias eram os estados do Extremo Sul, 40,5% e de São Paulo, 28,5% (Tabelas nos 3 e 4 ).

A análise dos fluxos, nos anos 60, mostra que estavam plenamente estruturadas as grandes trajetórias migratórias dominantes, articulando os dois grandes reservatórios de força de trabalho e os estados de maior crescimento urbano-industrial e as regiões de expansão da fronteira agrícola, principalmente a Centro-Oeste. No caso do Paraná, e em parte, do Centro-Oeste, se estruturavam trajetórias, pelas quais passaram maciços fluxos emigratórios do Extremo sul e de São Paulo.

Na década de 70, houve um aumento expressivo dos emigrantes para São Paulo e um decréscimo para o Rio de Janeiro, que teve o impacto da mudança da capital para Brasília e do maior crescimento da economia urbano-indutrial paulista (Tabela no 2) O Rio e São Paulo diminuíram as suas participações relativas no PIB brasileiro em 1980, o primeiro passou de 16,0 para 14,0% e o segundo, de 40,0 para 38,0%. Porém, os grandes investimentos nos setores mais modernos da economia contribuíram para que 47,0% do PIB industrial ainda fossem gerados em São Paulo, assim como 35,0% do PIB do setor terciário (CANO, 1998). Como decorrência, a indústria paulista foi responsável por 37,0% do total do emprego industrial gerado no Brasil, na década, e por 38,0% do emprego gerado no terciário. A oferta de emprego industrial, no Rio, foi equivalente a um quarto da paulista, e a oferta do setor terciário não chegou à metade da paulista (BRITO, 1997).

São Paulo recebeu sozinho 31,0% do total de emigrantes interestaduais na década de 70. Ele tinha perdido a concorrência do Paraná, que na década anterior tinha atraído mais imigrantes do que ele. A expansão demográfica da fronteira agrícola paranaense tinha passado, nessa década, por uma forte mudança na sua agricultura, com a substituição do café e do algodão pela soja e pela pecuária, o que lhe valeu um grande êxodo migratório, perdendo cerca de 11,0% de sua população em entre 1970 e 1980. Entre as regiões de expansão da fronteira agrícola, aumentou o número de emigrantes para o Centro-Oeste e para a região Norte, que emergia com uma nova área de expansão, estimulada pelas políticas de ocupação e colonização do

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Governo Federal. Para o conjunto da fronteira agrícola, sem considerar o Paraná, que tinha esgotado o seu ciclo de expansão demográfico, se destinou um quarto do total dos emigrantes interestaduais (Tabela no 2).

O Nordeste reduziu muito pouco sua emigração nos anos 70, tanto em termos absolutos, quanto relativos, sendo responsável por mais de um terço do total de emigrantes. Notável foi a mudança ocorrida em Minas, que teve queda de quase 40,0% em seus emigrantes e aumento de 16,0% nos seus imigrantes, ampliando a sua capacidade de retenção e atração migratória, devido à forte política de industrialização e de modernização agrícola. O Paraná, como foi dito, foi o estado que mais perdeu população em função das mudanças na sua agricultura, 14,7% do total de emigrantes interestaduais. São Paulo manteve o seu número alto de emigrantes, ainda que esses fossem equivalentes à apenas um terço dos seus imigrantes. Na sua maioria, a emigração paulista se destinava a Minas, à região Centro-Oeste e ao Paraná. A região Centro-Oeste dobrou o número de emigrantes interestaduais, chamando a atenção para a grande circulação migratória dentro das regiões de fronteira, já que a maioria deles ficou dentro das suas fronteiras ou foram para a região Norte (Tabelas nos 3 e 4).

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TABELA N.º 3

SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO

ORIGEM DOS IMIGRANTES INTERESTADUAIS 1960/1980

SÃO PAULO RIO DE JANEIRO ESTADOS E REGIÕES 1960/70 1970/80 1960/70 1970/80 NORTE 0,56 0,71 2,58 3,14 NE. SETENTRIONAL 1,13 2,50 2,14 4,18 NE.CENTRAL 19.28 23,47 29,50 36,00 NE. MERIDIONAL 18,35 14,45 8,55 8,05 NORDESTE 38,77 40.42 40,19 48.23 MINAS GERAIS 34,22 21,07 29,72 21,41 ESPÍRITO SANTO 0.99 0.63 15,26 7.05 RIO DE JANEIRO 5,01 3,60 - - SÃO PAULO - - 6,53 11,02 PARANÁ 13,79 26,71 1,15 2,07 EXTREMO SUL 2,48 1,50 2,65 3,21 CENTRO OESTE 4,18 5,35 1,92 3,88 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 TOTAL (ABSOLUTO) 2.283.585 2.775.767 1.403.737 850.309

Fontes: FIBGE; Censos Demográficos de 1970 e 1980.

TABELA N.º 4

PARANÁ, CENTRO-OESTE E NORTE ORIGEM DOS IMIGRANTES INTERESTADUAIS

1960/1980

PARANÁ CENTRO-OESTE NORTE ESTADOS E REGIÕES 1960/70 1970/80 1960/70 1970/80 1960/70 1970/80 NORTE 0,07 0,88 0,99 2,16 35,15 13,76 NE. SETENTRIONAL 0,11 0,23 9,94 8,68 19,92 19,01 NE.CENTRAL 5,30 3,23 10,59 10,02 17,22 9,39 NE. MERIDIONAL 3,57 2,35 6,39 5,48 2,81 3,72 NORDESTE 8,98 5,81 26,92 24,18 39,95 32,12 MINAS GERAIS 17,41 6,97 28,94 14,94 2,61 5,92 ESPÍRITO SANTO 2,24 0,51 1,51 0,55 1,33 4,52 RIO DE JANEIRO 1,18 2,56 4,77 4,60 3,22 1,89 SÃO PAULO 28,49 29,61 19,22 13,27 1,74 3,81 PARANÁ - - 5,22 16,49 1,83 15,45 EXTREMO SUL 40,52 47,54 0,85 4,08 0,67 1,58 CENTRO OESTE 1,11 6,11 11,58 19,72 13,50 20,93 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 TOTAL(ABSOLUTO) 1.659.750 518.986 1.244.936 1.476.470 229.250 811.455

Fontes: FIBGE; Censos Demográficos de 1970 e 1980.

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com a redução da proporção dos emigrantes de Minas, de 34,2 para 21,1% da década de 60 para a de 70, de lá ainda saíam um quinto dos imigrantes de São Paulo. O Nordeste aumentou em termos absolutos o número dos seus emigrantes, mas praticamente manteve a sua participação relativa da década anterior, 38,0%. O Nordeste e Minas, juntos, nutriram a população de São Paulo com quase 60,0% dos seus imigrantes, uma altíssima proporção, mas inferior à da década anterior. Não deve ser omitido que o Paraná enviou para São Paulo muito mais emigrantes do que Minas, provavelmente, em boa parte, migrantes de retorno, que tinham sido atraídos pela grande expansão do emprego na década anterior. Os emigrantes para o Rio de Janeiro diminuíram muito, como foi observado, e entre eles manteve-se a predominância dos originários do Nordeste e de Minas (Tabela no 3).

Aconteceram algumas mudanças interessantes, entre 1960 e 80, nos fluxos migratórios para a região de expansão da fronteira agrícola. O Paraná, como foi dito, perdeu muito da sua capacidade de atração migratória e se transformou no estado com a maior evasão populacional. A região Centro-Oeste aumentou os seus imigrantes, mas houve uma queda pequena dos originários do Nordeste, e os de Minas se reduziram praticamente à metade. A participação relativa de ambos caiu de 56,0 para 39,0%, entre as duas décadas. Parte dos emigrantes do Paraná se dirigiu para a Centro-Oeste, na sua grande maioria para a o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Um quarto dos imigrantes do Centro-Oeste teve origem dentro da própria região. De fato, o que houve foi uma grande emigração do Mato Grosso do Sul para o Mato Grosso, que se articulava à expansão da fronteira Norte, e uma grande troca migratória entre Goiás e o Distrito Federal (Tabela no 4).

A maioria dos imigrantes da região Norte, aproximadamente um terço, teve como origem o Nordeste, principalmente o Maranhão. O restante veio do Paraná, 15,5%, especialmente para Rondônia, e da região Centro-Oeste, 21,0%. Estes últimos, na sua grande maioria migrantes do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso para Rondônia e de Goiás para o Pará. A migração dentro da própria região Norte contribuiu com 14,0%. No caso, foram principalmente os fluxos migratórios do Acre e Amazonas para Rondônia e do Pará para o Amazonas e Amapá (Tabela no 4).

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O mais importante, dentro do objetivo deste artigo, é observar o dinamismo do padrão migratório. O desenvolvimento da sociedade e da economia, na década de 70, reforçava as trajetórias dominantes que articulavam os dois grandes reservatórios de força de trabalho e os estados de maior crescimento industrial. Porém, manteve-se a hegemonia da trajetória para São Paulo, que recebeu o maior volume de imigrantes de sua história e se reduziram os fluxos que se movimentavam pela trajetória para o Rio de Janeiro que, desde 1960, tinham começado a perder importância para a economia brasileira (BRITO, 1997).

O dinamismo do padrão migratório ainda é mais interessante quando analisamos as trajetórias para as regiões de expansão da fronteira agrícola. O Paraná é um bom exemplo; houve um período, entre 1940 e 1970, quando realmente a expansão da fronteira se traduzia em intensos fluxos migratórios. Posteriormente, as profundas mudanças na economia regional substituíram as culturas predominantes de café e algodão, com grande capacidade de geração emprego, que coexistiam com uma agricultura de pequena e média propriedade, pela soja e pela pecuária, provocando grande excedente de mão de obra, ou de força de trabalho, devido ao progresso técnico e às mudança na estrutura fundiária. Os imigrantes do Paraná, dos anos 50 e 60, retornaram para São Paulo ou para o Extremo Sul, dentro de trajetórias migratórias regionais, ou se inseriram no realinhamento das trajetórias dominantes, imposto pelo deslocamento das novas frentes de expansão da fronteira em direção ao Centro-Oeste e ao Norte.

No caso da expansão das fronteiras, até 1980, as trajetórias migratórias foram se realinhando segundo as fases de expansão ou retração da capacidade de absorção populacional. Na fase de expansão, quando as alternativas de acesso à terra, ao emprego ou à atividade mineral são maiores, é grande a atração de migrantes. Na fase de retração, quando a economia agrícola se torna moderna e capitalista, como foi o caso do Paraná e do Centro-Oeste, ou então, preponderantemente especulativa ou voltada para a atividade mineral, como no Norte, não só se reduz a atração migratória, como aumenta muito a evasão populacional (SAWYER, 1984).

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migratórios”, que se movimentavam entre as próprias regiões de expansão da fronteira, elas não prescindiram de se articular às grandes trajetórias dominantes, provenientes dos grandes reservatórios de força de trabalho. A região Centro-Oeste contava com um grande excedente populacional transferido do Nordeste e de Minas, principalmente para Goiás e o Distrito Federal, e a região Norte contava com os emigrantes nordestinos, muito especialmente, com os do Maranhão. Aqui vale a pena lembrar que a expansão do Centro-Oeste teve um grande fator de atração urbano, desde a construção de Goiânia, que foi inaugurada no início dos anos 40 e, principalmente, na construção e consolidação do novo Distrito Federal, a partir de 1959.

O padrão migratório, como o modo de articulação entre as trajetórias e a dinâmica da economia e da sociedade, tem que ter flexibilidade para se adaptar às novas necessidades desta dinâmica, realinhando as suas trajetórias. Mas, como as trajetórias são caminhos estruturais e têm, portanto, uma dimensão social e cultural, uma certa inércia pode mantê-las, mesmo que as condições objetivas da economia já não precisem tanto da força de trabalho que transita por elas.

Seletividade e cultura migratória

Os dados censitários de 1970 revelavam que pelo menos 26,0% dos imigrantes interestaduais passaram por mais de uma etapa, antes de chegar ao destino registrado no Censo. Quando se tratava de regiões de expansão industrial ou da fronteira agrícola, esta percentagem chegava a 37,0%, no caso de São Paulo, e 49,0%, no caso do Paraná.

Poderia se pensar na hipótese de os migrantes, percorrendo as suas trajetórias, passarem por um conjunto de etapas, numa espécie de socialização progressiva, até chegar a um destino final, onde seriam plenamente absorvidos pela economia e sociedade. Ou então, o emigrante tenderia, no seu destino final, depois de um determinado tempo de residência, a aumentar a sua capacidade de integração no lugar de destino, melhorando o seu nível de educação e ocupação e, conseqüentemente, a sua renda (MARTINE, 1980).

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Entretanto, apesar do grande poder de atração migratória de um determinado estado, município ou de uma área metropolitana, que era um dos destinos preferidos dos migrantes, essas regiões de destino não retinham uma boa parte dos seus imigrantes, provocando a sua reemigração. Ou seja, muitos foram os migrantes que chegaram a um destino, mas nem todos foram capazes de superar a seletividade imposta pelos processos sociais e econômicos e foram empurrados em direção ao retorno ou a uma nova etapa migratória. A seletividade é um dos componentes intrínsecos das trajetórias migratórias que, como caminhos estruturados socialmente, refletem os inúmeros obstáculos impostos à mobilidade social ascendente pela dinâmica econômica e social no Brasil (SOUZA, BRITO, CARVALHO, 1999).

Mas existe uma outra dimensão fundamental que ajudará a compreender melhor as trajetórias e a sua seletividade. Trata-se da cultura migratória. No caso do Brasil, em particular, ela é fundamental: as trajetórias só foram estruturadas e assumiram tamanha relevância dentro da dinâmica econômica e social porque existe uma forte cultura ou “tradição migratória”. O brasileiro tem o hábito de emigrar, inclusive a longa distância, faz parte da organização da sociedade a socialização para emigrar. A rigidez da estratificação social no Brasil é tão grande que “melhorar de vida” ou “ascender socialmente”, para uma grande maioria da população, sempre esteve associado à migração ou, melhor ainda, só era possível com a migração. Uma trajetória migratória se fundamenta nesta cultura (DURHAM, 1984).

A articulação entre os reservatórios de força de trabalho e os estados ou regiões com maiores oportunidades econômicas, não é só um problema de “excedente demográfico” disponível, mas precisamente da capacidade de mobilizá-lo socialmente. Mesmo que o migrante saiba que a sua possibilidade de êxito seja pequena, que a migração seja um risco cujo cálculo tem uma grande margem de incerteza, a motivação é forte, sustentada na tradição e na cultura migratória. Neste sentido, uma trajetória migratória é mais que uma estrada para o migrante. É um caminho social para o qual o migrante é mobilizado, uma alternativa aberta pela sociedade e sujeita, portanto, aos mesmos crivos das desigualdades sociais, sujeita à mesma seletividade.

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Uma sociedade e uma economia que necessitam, para a sua dinâmica, que os indivíduos e grupos se movimentem pelo território, mesmo quando já existe uma forte tradição migratória, como no Brasil, precisam sempre reforçar o hábito e o costume da mobilidade espacial. E para isto foi necessário, nessa fase de grande expansão das migrações:

a) Que existisse um sistema de difusão de informações, que possibilitasse ao indivíduo (ou grupo) se motivar e decidir emigrar, ainda que a margem de liberdade nessa decisão, muitas vezes, pudesse ser a mínima e a migração fosse, praticamente, compulsória.

b) Esse sistema de informação foi um produto da ação dos meios de comunicação de massa, que tiveram uma difusão em todo o território nacional, em função do notável progresso nas telecomunicações. Combinadas aos meios de comunicação de massa, existiam as “redes de interação social”, através dos quais as informações e o “sistema de apoio inicial” no lugar de destino eram socializados entre os imigrantes (MASSEY,

1988).

c) A cultura migratória trazia embutida uma “ideologia da mobilidade social” que procurava criar uma correspondência entre a mobilidade espacial e a mobilidade social. Como esta correspondência nem sempre era verdadeira, tinha-se que criar uma “ilusão migratória” – as inúmeras possibilidades do “sul maravilha”, como se dizia à época, ou as “promessas” de acesso à propriedade da terra nas regiões de fronteira – para que os migrantes pudessem superestimar as suas probabilidades de êxito.

d) A ideologia da mobilidade social tinha uma correspondência real; muitos migrantes conseguiam, de fato, ascender socialmente e só assim ela adquiria a força de uma ideologia motivadora e mobilizadora. Não era só o peso dos fatores de expulsão nas regiões de origem. A economia, com suas aceleradas taxas de crescimento e altíssima capacidade de geração de emprego, assim como a sociedade se modernizando, criavam um amplo leque de oportunidades que, se não eram plenamente acessíveis a todos os migrantes, devido à seletividade, eram, de fato, reais e possibilitavam o êxito de alguns.

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e) A cultura migratória fazia a intermediação entre a as trajetórias estruturadas socialmente e economicamente e o nível da decisão individual de migrar. Mesmo que no processo de decisão estivesse envolvida uma forma de alienação, em função da ilusão migratória, deve ficar claro que as migrações não eram um processo exclusivamente determinado pelas necessidades estruturais da sociedade e da economia e pelas imposições políticas do Estado. Os migrantes não passeavam “inconscientes” pelas trajetórias migratórias, podiam até fazê-lo, de um certo modo, em função da ilusão migratória ou das enormes adversidades sociais no lugar de origem, mas não eram, somente, marionetes nas mãos dos desígnios estruturais.

As migrações interestaduais entre 1980 e 1991

No período 1981/91 ocorreram algumas mudanças importantes nas migrações interestaduais. O número de emigrantes para São Paulo reduziu muito pouco em relação à década de 70, entretanto, os emigrantes de São Paulo aumentaram quase 50,0%, fazendo dele o estado com maior evasão populacional (Tabela no 5). Esse paradoxo, ser o estado que mais recebe população e o que mais expulsa, encerra uma novidade interessante: a grande migração de retorno para os grandes reservatórios de força de trabalho. Observando a emigração de São Paulo, nota-se que 35,0% se destinavam ao Nordeste e 20,0% a Minas. Estudos recentes mostram que cerca de 60,0% dos imigrantes do Nordeste e de Minas Gerais, eram retornados aos seus estados de origem. Uma outra parte dos emigrantes de São Paulo foi para o Paraná e o Centro-Oeste, dentro dos “circuitos migratórios regionais”, trajetórias secundárias há muito estruturadas e que podiam significar uma etapa a mais dentro das trajetórias dominantes. (RIBEIRO, 1997, CARVALHO et al., 1998).

TABELA No 5 BRASIL MIGRANTES INTERESTADUAIS 1981/1991 IMIGRANTES EMIGRANTES ESTADOS E

REGIÕES absoluto % absoluto % NORTE 1.170.161 11,00 654.539 6,15 NE. SETENTRIONAL 399.270 3,75 787.120 7,40 NE.CENTRAL 1.166.571 10,96 1.916.605 18,01

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NE. MERIDIONAL 577.892 5,43 973.223 9,15 MINAS GERAIS 799.339 7,51 1.018.903 9,58 ESPÍRITO SANTO 269.382 2,53 197.692 1,86 RIO DE JANEIRO 580.821 5,46 624.921 5,87 SÃO PAULO 2.686.636 25,25 1.498.981 14,09 PARANÁ 592.854 5,57 1.083.620 10,18 EXTREMO SUL 564.730 5,31 569.635 5,35 CENTRO OESTE 1.832.176 17,22 1.314.593 12,36 TOTAL 10.639.832 100,0 10.639.832 100,0

Fonte: FIBGE; Censo Demográfico de 1991.

TABELA No 6

SÃO PAULO, RIO DE JANEIRO, PARANÁ, CENTRO-OESTE E NORTE ORIGEM DOS IMIGRANTES (%)

1981/1991

ORIGEM DOS IMIGRANTES ESTADOS

E

REGIÕES SÃO PAULO RIO DE JAN. PARANÁ CE-OESTE NORTE

NORTE 2,04 4,69 6,24 7,09 17,54 NE. SETENTRIONAL 4,18 4,05 0,34 8,94 23,32 NE.CENTRAL 28,44 33,14 2,20 7,85 9,35 NE. MERIDIONAL 17,53 7,81 1,54 6,07 4,22 NORDESTE 50,15 45,00 4,09 22,86 36,89 MINAS GERAIS 17,74 18,71 3,85 8,94 5,39 ESPÍRITO SANTO 0,58 6,20 0,51 0,39 4,14 RIO DE JANEIRO 4,81 - 3,12 2,55 2,25 SÃO PAULO - 13,37 37,81 12,09 4,45 PARANÁ 16,43 2,08 - 13,27 10,60 EXTREMO SUL 1,98 3,80 27,82 5,27 1,75 CENTRO OESTE 6,26 6,14 16,56 27,54 16,98 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 TOTAL(ABSOLUTO) 2.686.636 580.821 592.854 1.832.176 1.170.161

Fonte: FIBGE; Censo Demográfico de 1991.

Por outro lado, a metade dos imigrantes que chegou a São Paulo veio do Nordeste. Minas Gerais contribuiu com 18,0%, a metade da sua contribuição nos anos 60. A outra parcela, mais significativa, veio do Paraná e da Região Centro-Oeste, dentro do “circuitos migratórios regionais”, mencionados anteriormente (Tabela no 6).

O Rio de Janeiro, que recebeu apenas 5,5% do total de imigrantes, teve uma emigração maior que a imigração, perdendo população. O retorno migratório, também, assumiu uma grande importância, mais de 50,0% da sua emigração foi para o Nordeste e Minas Gerais, seus históricos fornecedores de população. Sendo que,

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com Minas, o saldo migratório do Rio passou a ser negativo (Tabela no 5 e BRITO,

1997).

A emigração para as duas regiões de expansão da fronteira agrícola, o Centro-Oeste e o Norte, cresceu substancialmente no período 1981/91. Juntas, considerando a migração interestadual dentro das suas fronteiras, tiveram uma proporção de imigrantes de 29,9%, maior do que a de São Paulo. O volume dos seus emigrantes também cresceu bastante, indicando a grande “circulação migratória” entre as áreas de expansão da fronteira agrícola. Mais da metade deles circulou dentro das fronteiras de cada uma das regiões ou entre elas (Tabela no 5 e BRITO, 1997).

A origem dos imigrantes do Centro-Oeste permaneceu praticamente a mesma da década de 70. Apenas, os imigrantes que vieram de Minas reduziram muito o seu número em relação às décadas anteriores. O Nordeste em conjunto se manteve como um grande fornecedor de emigrantes, 23,0% deles. Na maior parte, entretanto, a origem dos imigrantes do Centro-Oeste, situava-se dentro dos “circuitos migratórios regionais”, dos quais faziam parte o Paraná e São Paulo, ou era proveniente da própria migração intra-regional. Esta migração intra-regional era composta por uma razoável transferência de população do Mato Grosso do Sul para o Mato Grosso e uma enorme migração do Distrito Federal para Goiás, que, certamente, revelava um deslocamento populacional de Brasília para o seu entorno, já dentro do limite de Goiás. Os emigrantes do Centro-Oeste para os outros estados se movimentavam dentro dos “circuitos regionais ”, com os quais a região mantinha uma troca permanente de população, ou seja, foram para o Paraná e São Paulo e para a região Norte (Tabela no 6).

A origem dos imigrantes da região Norte também não se alterou significativamente. A maioria saiu do Nordeste, 37,0%, sobretudo do Maranhão e o restante da movimentação migratória entre as regiões de expansão da fronteira. A emigração do Norte mantinha uma reciprocidade com o Nordeste com o Centro-Oeste, regiões para onde se destinavam a grande maioria dos seus emigrantes. A migração intra-regional destacava importantes fluxos do Pará em direção ao Amazonas, ao Amapá e a Rondônia; do Acre, Amazonas e Pará em direção à

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Rondônia e do Amazonas em direção ao Pará (Tabela no 6 e BRITO, 1997).

Entre os grandes reservatórios de força de trabalho, Minas Gerais mudou muito o seu comportamento migratório, o que vinha ocorrendo desde a década de 70, quando houve uma redução de 40,0% no número dos seus emigrantes. Este fenômeno continuou a acontecer entre 1981 e 1991, porém, numa proporção bem menor, mas a imigração bastante alimentada pela migração de retorno cresceu muito, cerca de 40,0%, o que provocou uma diminuição substancial no saldo negativo das trocas migratórias mineiras com outros estados, que passou de –626.262, na década de 70, para –219.564 neste último período analisado. O Nordeste, também, reduziu a sua perda populacional, apesar da sua emigração ainda continuar crescendo, ainda que pouco, cerca de 14,0%. Mas, o Nordeste teve um aumento dos seus imigrantes ainda maior do que o de Minas, quase 50,0%, também fortemente alimentado pela migração de retorno de São Paulo e do Rio de Janeiro (Tabela no 5; RIBEIRO, 1997; CARVALHO et al., 1998).

Merece um destaque a região Extremo Sul. A sua emigração tem diminuído muito, desde os anos 70 e, entre 1981 e 1991, a sua imigração cresceu muito, tornando o número dos seus emigrantes praticamente igual ao dos seus imigrantes. No caso, o saldo migratório positivo de Santa Catarina tem compensado o negativo do Rio Grande do Sul (Tabela no 5).

Antes de prosseguir na análise das mudanças no comportamento das migrações internas, que a década de 80 já anunciava, é importante esclarecer as transformações ocorridas na dinâmica da economia e da sociedade brasileiras que modificaram os fundamentos estruturais que modelavam as grandes trajetórias migratórias no Brasil, ou seja, o seu padrão migratório.

A dinâmica da economia e da sociedade entre 1980 e 1998

Vale a pena chamar a atenção para a intenção deste artigo antes de proceder à análise das tendências recentes da economia e da sociedade brasileiras. Como na análise do período 1960/80, o propósito não é ser exaustivo, mas abordar, de um

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modo breve e sistemático, as características mais essenciais das mudanças que têm ocorrido recentemente no Brasil e que têm repercutido sobre as migrações interestaduais.

a) A economia brasileira não tem conseguido manter as suas taxas históricas de crescimento, que vinham desde a Segunda Guerra Mundial e que prevaleceram até o final dos anos 70. Na década de 80, o comportamento econômico do país foi extremamente instável. Houve uma grande recessão entre 1980 e 1983, um espasmo de crescimento entre 1984 e 1986 e a economia mergulhou novamente na recessão, quando seu nível de atividade em 1988 decresceu 0,06%.O ligeiro processo de recuperação no final do final dos anos 80 foi logo interrompido por uma nova fase recessiva. O PIB em 1990 decresceu 4,0%, taxa semelhante à de 1981 e a recessão da economia continuou até 1993, quando se iniciou um novo espasmo de crescimento, que logo se desacelerou. Em 1996 a economia cresceu, apenas, 1,5% (OLIVEIRA & GUIMARÃES NETO, 1997).

b) A redução das atividades econômicas, logicamente, teve um forte impacto sobre a geração de emprego. Na década de 80, as taxas de desemprego só foram altas no início da década, acompanhando a recessão da economia, entretanto a capacidade de geração do emprego formal foi extremamente baixa durante todo o período, aumentando muito a taxa de informalização. Entre 1980 e 1995, o emprego industrial cresceu apenas 1,4% ao ano e o agrícola 0.8%. Já o emprego no setor terciário, o maior reduto da informalização, teve um acréscimo médio anual de 4,8%. Entre 1990 e 1996 o emprego formal, em toda a economia brasileira, se reduziu em 9,98%; somente em São Paulo, este declínio foi de 12,53, e no conjunto das Regiões Metropolitanas foi de 10,7%. Na década de 90, a perversidade social da crise tem combinado, em doses excessivas, o desemprego e a informalização (OLIVEIRA & GUIMARÃES NETO, 1997).

c) Após os anos 80, iniciou-se uma relativa desconcentração espacial da atividade industrial. São Paulo em 1980 gerava 54,4% do produto industrial brasileiro e em 1997, 49,1%. A desconcentração pode ser observada em direção ao próprio interior paulista, que aumentou a sua participação na produção industrial nacional de 20,2 para 23,4%, enquanto a Região Metropolitana reduzia a sua porcentagem de 34,1 para 25,8. Outros estados

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também ampliaram a sua participação relativa na produção industrial brasileira entre 1980 e 1997. Vale destacar: Minas Gerais, que passou de 7,7 para 9,2 pontos percentuais; o Paraná, de 7,7 para 9,2; Santa Catarina, de 3,9 para 4,6; Rio Grande do Sul, de 7,7 para 8,2 e Bahia, de 3.1 para 3,7. O Rio e Janeiro, ao contrário, diminuiu a sua participação relativa de 10,2, em 1980, para 7.8%, em 1997.

d) A desconcentração industrial não significa que os desequilíbrios regionais estejam desaparecendo. O conjunto dos estados do Nordeste manteve, em 1997, praticamente a mesma participação relativa na produção industrial que tinha em 1980, cerca de 7,7%. Se forem considerados os novos investimentos industriais programados, 51.6% deles seriam localizados no Sudeste, sendo que 23,0%, em São Paulo. No Nordeste, seriam localizados apenas 14,9%, e em Minas, 10,9% (PACHECO, 1999).

e) Deve ser sublinhado que a situação atual da economia brasileira não se caracteriza como uma mera crise cíclica, como ela já vivenciou em diversos momentos no pós-guerra, mas como uma “crise de transição”. A economia está a caminho de uma nova etapa, isto é, uma etapa de intensa articulação internacional – ou de globalização, como dizem alguns – e, por esta razão, está passando por um profundo processo de reestruturação produtiva, tanto tecnologicamente, quanto na estrutura empresarial, assim como nos padrões de relação entre o capital e o trabalho, na direção de uma maior flexibilização. Tudo isso com o objetivo de se ajustar ao rigor da forte competição internacional. Este padrão para o qual a economia brasileira está transitando tem uma baixíssima capacidade de geração de emprego e, mais ainda, como foi mencionado para a década de 90, ela tem é “destruído” postos de trabalho em função de uma intensa informatização e robotização, além das profundas mudanças organizacionais. O objetivo de geração de emprego, nesta etapa da economia, tem uma importância secundária, acabou-se a “fase do pleno emprego”. Ou seja, o objetivo keynesiano do pleno emprego no pós-guerra, que era componente essencial da grande maioria das políticas econômicas dos países capitalistas, tem sido arquivado com o argumento da prioridade de se ajustar as economias às necessidades impostas pela acirrada competição internacional. Aqueles ramos da economia com uma menor intensidade tecnológica e imunes à competição internacional têm ficado com a responsabilidade de

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reincorporar a mão de obra “destituída de suas ocupações” e desempregada, além de abrir novas oportunidades ocupacionais para os 1.300.000 a 1.500.000 jovens que todo ano ingressam no mercado de trabalho. A realidade no Brasil tem sido mais perversa, pois grande parte da força de trabalho tem sido, mesmo, empurrada para os ramos informais da economia de baixíssima produtividade (IPEA, 1997).

f) O Estado brasileiro, ao contrário do período anterior a 1980, tem enfrentado uma profunda crise fiscal que, aliada aos objetivos da política de estabilização, reduziu drasticamente a sua capacidade de investimentos e, conseqüentemente, sua histórica capacidade de contribuir decisivamente para a recuperação das crises grandes crises econômicas. Os seus investimentos, tanto em obras públicas como no setor produtivo estatal, hoje extremamente reduzido em função das privatizações, tinham um grande efeito de “multiplicador de empregos” no próprio Estado e no setor privado.

g) A crise brasileira tem uma dimensão social profunda que se reflete no campo, onde a rigidez da estrutura fundiária tem levado a um persistente conflito pela posse da terra. Mas a dimensão social da crise tem sido mais aguda nos grandes centros urbanos, onde as dificuldades de emprego se aliam a insuficiência da infraestrutura e à ineficiência da oferta de alguns serviços sociais básicos, como a saúde, saneamento e a moradia. O mercado imobiliário tem reforçado os mecanismos de exclusão social, colaborando para a intensificação da segregação social e espacial da população mais pobre. As fronteiras entre os diferentes grupos sociais se refletem no espaço urbano, fragmentando a cidade e tornando o espaço público um local de conflito.

h) A população brasileira no ano 2.000 está estimada em 167 milhões de habitantes, sendo que 80,0% residindo em áreas urbanas. O declínio acentuado da taxa de fecundidade total – número médio de filhos tidos por mulher ao final de seu período reprodutivo – de 6,1, em 1940, para 2,1, no final dos anos 90, tem levado a uma desaceleração generalizada das taxas de crescimento populacional. O processo de urbanização da sociedade brasileira continua, porém, muito menos acelerado. A população urbana na década de 60 crescia a uma taxa média anual de 5,3% ao ano. Entre 1991 e

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1996 a sua taxa crescimento caiu para apenas 2,1%. O receio de uma ampliação da concentração populacional nas grandes regiões metropolitanas tem sido desmentido pela sua própria taxa de crescimento, que era de 2,48% ao ano, na década de 70, e, entre 1991 e 1996, foi somente de 1,36.

As tendências das migrações interestaduais

Para a análise das tendências das migrações internas no Brasil, além dos dados já analisados, serão incorporadas as informações de data fixa contidas no Censo de 1991, na Contagem da População de 1996 e na PNAD de 1998. No Censo, pode-se obter, para a população maior do que 5 anos, qual era a unidade da federação de residência em Setembro de 1986, na Contagem, em agosto de 1991, e na PNAD, em setembro de 1993. A utilização de uma outra fonte de informação não-censitária, com uma amostra bem mais reduzida, como é o caso da PNAD, é, sem dúvida, problemática. Entretanto, o seu uso tem se tornado uma constante entre os cientistas sociais, tanto na academia, quanto nas instituições públicas de pesquisa. Como este artigo, nesta parte, não tem a pretensão de fazer estimativas definitivas sobre o tamanho dos fluxos de migrantes, mas unicamente sugerir algumas tendências, certamente os dados da PNAD, dentro das suas limitações amostrais, serão de grande utilidade. Para comparar o número de migrantes nos decênios e nos qüinqüênios, serão utilizadas as médias anuais de migrantes. E, finalmente, apesar da imprecisão teórica, todas as trocas líquidas entre imigrantes e emigrantes serão denominadas saldo migratório, unicamente com o propósito de tornar o texto mais ágil, pois se sabe bem que o rigor metodológico indica, para o cálculo direto do saldo migratório, a utilização dos dados de migração de data fixa.

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GRÁFICO N.º1: MINAS GERAIS, IMIGRANTES E EM IGRANTES INTERESTADUAIS(MÉDIAS ANUAIS)

0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGR ANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

No que se refere aos tradicionais reservatórios de força de trabalho, algumas mudanças foram notáveis, principalmente, em Minas Gerais (Gráfico no 1). Os dados sugerem que a tendência do saldo migratório negativo de Minas tem sido decrescente desde a década de 70. Em 1991/96 ele continuava negativo, porém extremamente pequeno, 23.899 migrantes. A PNAD sugere que entre 1993/98 o saldo tornou-se positivo, ainda que diminuto, 16.393, que se traduziria numa taxa líquida migração de apenas 0,11%. Ainda que possam ocorrer oscilações conjunturais, há uma tendência inequívoca de que Minas tenha saldos migratórios interestaduais positivos. Deve ser considerado que esse saldo se refere, exclusivamente, aos fluxos internos ao país, isto é, não considera as migrações internacionais que são significativas em Minas Gerais. Não poderia, também, ser omitido que Minas ainda tem um potencial de emigrantes, principalmente em suas regiões mais pobres, como os Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Rio Doce, que entre 1981 e 1991, apresentavam taxas líquidas de migração negativas extremamente altas, mesmo que, nestas regiões tenha havido substituição, em boa parte, da migração permanente pela temporária. Porém, parece também inegável que a capacidade mineira de retenção populacional e de atração migratória cresceu bastante. Não seria por outra razão que a sua taxa líquida de migração interestadual declinou na década de 60 de –13,19% para +0,11 entre 1993 e 1998.

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serão analisadas separadamente, como sempre tem ocorrido neste artigo. O Nordeste Setentrional aumentou aceleradamente o seu número de emigrantes até a primeira metade da década de 80, depois começou a reduzi-los devagar (Gráfico no 2). O seu maior número de imigrantes aconteceu, também, entre 1981 e 1991, porém, na segunda metade deste período, já se observava um declínio da imigração, que levou, entre 1991/96, ao seu maior saldo migratório negativo desde os anos 60.

GRÁFICO N.º2 : NORDESTE SETENTRIONAL, IM IGRANTES E EM IGRANTES INTERESTADUAIS

(M ÉDIAS ANUAIS) 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 80.000 90.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98

IMIGRA NTES EMIGRA NTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

Os dados da PNAD sugerem que, entre 1993/98, houve uma queda brusca neste saldo, devido principalmente ao aumento da imigração proveniente das áreas de fronteira na sua maior parte, do Norte principalmente, e do Centro-Oeste. A emigração de São Paulo e do Rio de Janeiro, provavelmente de retorno, também contribuiu para o aumento da imigração no Nordeste Setentrional.

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GRÁFICO N.º3: NORDESTE CENTRAL, IMIGRANTES E EMIGRANTES INTERESTADUAIS(MÉDIAS ANUAIS)

0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

O Nordeste Central tem apresentado novidades interessantes no seu comportamento migratório (Gráfico no 3). O seu saldo negativo entre 1981 e 1991 era bem inferior ao dos anos 60, resultado principalmente do aumento da imigração, como no caso de Minas, bastante alimentada pela migração de retorno. Ainda que tenha havido um ligeiro aumento deste saldo entre 1986 e 1991, há claramente uma tendência declinante no período analisado, e a PNAD sugere que, entre 1993 e 1998, apesar de negativo, seu saldo migratório médio anual era de apenas –20.807. Provavelmente esta redução teve a contribuição da migração de retorno, já que a metade dos seus imigrantes, neste último período, vem de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mesmo considerando as dificuldades amostrais da PNAD e, portanto, as prováveis dificuldades metodológicas nas comparações, vale lembrar que o saldo médio anual migratório do Nordeste Central, na década de 60, era de –126.950 e, entre 1993/98, aproximadamente, um sexto deste valor.

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GRÁFICO N.º4: NORDESTE MERIDIONAL, IMIGRANTES E EMIGRANTES INTERESTADUAIS(MÉDIAS ANUAIS) 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

No Nordeste Meridional, até 1980, houve uma redução do seu saldo negativo, devido, ao aumento dos imigrantes e a diminuição dos emigrantes (Gráfico no 4). Entretanto, a partir de então, a tendência foi o aumento do seu saldo negativo, sendo que entre 1991 e 1996 ele foi o maior desde os anos 60. Mais uma vez, a PNAD sugere, como no caso do Nordeste Setentrional, contrariando a tendência observada que, no período 1993/98, houve uma redução do saldo migratório negativo em função da diminuição do número de emigrantes, fundamentalmente para São Paulo e para a Região Centro-Oeste. Vale lembrar que as mudanças sugeridas pela PNAD podem ser, tanto problemas de ordem amostral, como mudanças no comportamento dos fluxos migratórios derivados da forte depressão da economia no período 1996/98.

A análise das tendências das tradicionais regiões de atração migratória, em conjunto com a que foi desenvolvida para os grandes reservatórios de força de trabalho, vai ser decisiva para as conclusões sobre as mudanças recentes no padrão migratório no Brasil. São Paulo será analisada em primeiro lugar, por ser ainda a região que atrai o maior número de imigrantes (Gráfico no 5).

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GRÁFICO N.º5: SÃO PAULO, IMIGRANTES E EMIGRANTES INTERESTADUAIS(MÉDIA ANUAL)

0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

O auge da atração migratória de São Paulo, no período analisado, se deu na década de 70 e na segunda metade do período 1981/91, sendo que o saldo migratório foi menor neste último, porque o número de emigrantes foi bem maior. Na década de 90, o número de imigrantes diminuiu, ainda que representasse, em 1993/98, 26,0% do total dos imigrantes interestaduais no Brasil. Esta hegemonia entre os imigrantes, São Paulo, também mantém, desde 1981/91, entre os emigrantes. A fase de maior emigração foi entre 1981/91, altamente potencializada pela migração de retorno, principalmente, para o Nordeste e Minas Gerais. A Contagem da População de 1996 e a PNAD de 1998 sugerem que, na década de 90, emigraram mais pessoas de São Paulo do que dos estados do nordeste central, juntos. No último período analisado, isto é, entre 1993/98, a média anual de emigrantes foi quase igual à de 1981/91. Novamente, surge o problema recorrente. O aumento da emigração se deu por um problema amostral ou em decorrência da grande crise econômica que, entre 1996/98, teria reaquecido a migração de retorno? Esta última hipótese fica mais fascinante, quando se observa que 67,0% dos emigrantes foram para o Nordeste e Minas Gerais, para onde mais tem se dirigido a migração de retorno de São Paulo.

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GRÁFICO N.º6: RIO DE JANEIRO, IMIGRANTES E EMIGRANTES INTERESTADUAIS(MÉDIA ANUAL)

0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 160.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

O Rio de Janeiro, há muito tempo, deixou de ser uma importante região de atração migratória, como o foi até a década de 60, quando recebia, anualmente, cerca de 140 mil imigrantes (Gráfico no 6). Desde 1981/91, ele tem perdido população, ainda que o seu saldo negativo tenha diminuído ente 1991/96. Mas, entre 1993/98, sugere a PNAD, o Rio teve o seu maior saldo negativo. Para não retornar ao problema amostral, pode-se levantar, como no caso de São Paulo, que a crise econômica intensificou a migração de retorno. E os dados confirmam, pois 55,0% dos seus emigrantes se destinavam ao Nordeste e a Minas Gerais, que foram, historicamente, os seus dois maiores fornecedores de população.

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GRÁFICO N.º7: CENTR0-OESTE, IMIGRANTES E EMIGRANTES INTERESTADUAIS(MÉDIA ANUAL)

0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 160.000 180.000 200.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

Na região Centro-Oeste, o número de imigrantes crescia simultaneamente com o de emigrantes, até 1981/91 e, depois, já na segunda metade deste período, começou a decrescer, também, simultaneamente (Gráfico no 7). A tendência do seu saldo migratório anual, que teve o seu auge na década de 60, 85.279 migrantes, foi de diminuir gradativamente, chegando em 1993/98 a pouco mais de um terço, ou seja, 25.796. Devido a grande circulação migratória nas áreas de expansão da fronteira, há uma tendência a que os números de imigrantes e de imigrantes se aproximem.

A região Norte não conseguiu atrair o mesmo número de imigrantes do que a região Centro-Oeste e, quando mais recebeu, entre 1981 e 1991, também começou a liberar uma grande quantidade de emigrantes (Gráfico no 8). A migração de retorno foi muito grande em função do fracasso da maioria dos planos de colonização. Como uma região de expansão da fronteira agrícola e mineral, a circulação migratória tem sido grande, com os imigrantes e emigrantes se aproximando em número. A PNAD sugere um saldo negativo para a região. Entretanto a sua amostra não inclui a população rural, portanto, ele deve ser visto com extremo cuidado.

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GRÁFICO N.º8: NORTE, IMIGRANTES E EMIGRANTEES INTERESTADUAIS(MÉDIA ANUAL) 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

As tendências recentes das migrações interestaduais e o padrão migratório

A questão mais importante que se coloca para as conclusões deste artigo é se as mudanças que ocorreram na dinâmica da economia e da sociedade, depois de 1980, já se refletiram sobre o padrão migratório. Em primeiro lugar, torna-se importante recordar que o padrão migratório é o modo como se dá a articulação entre as trajetórias migratórias e o contexto histórico no qual elas estão estruturadas para atender as necessidades da dinâmica demográfica, econômica, social e política. Foi observado que o padrão é dinâmico, tem flexibilidade suficiente para se ajustar às mudanças nestas necessidades.

No período 1940/80, alimentadas pelos fortes desequilíbrios regionais, as trajetórias mais relevantes, ou dominantes, se estruturaram para atender, não só as necessidades de transferência regional do excedente de força de trabalho, mas, também, serviram como um importante mecanismo de integração social e cultural do território. As trajetórias dominantes articulavam os dois grandes reservatórios de força de trabalho, o Nordeste e Minas Gerais, com os estados onde se dava o maior crescimento industrial e com as regiões de expansão da fronteira agrícola e mineral.

Referências

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