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GRÁFICO N.º8: NORTE, IMIGRANTES E EMIGRANTEES INTERESTADUAIS(MÉDIA ANUAL)

0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 1960/70 1970/80 1981/91 1986/91 1991/96 1993/98 IMIGRANTES EMIGRANTES

Fontes: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991. Contagem da População de 1996 e PNAD 1998.

As tendências recentes das migrações interestaduais e o padrão migratório

A questão mais importante que se coloca para as conclusões deste artigo é se as mudanças que ocorreram na dinâmica da economia e da sociedade, depois de 1980, já se refletiram sobre o padrão migratório. Em primeiro lugar, torna-se importante recordar que o padrão migratório é o modo como se dá a articulação entre as trajetórias migratórias e o contexto histórico no qual elas estão estruturadas para atender as necessidades da dinâmica demográfica, econômica, social e política. Foi observado que o padrão é dinâmico, tem flexibilidade suficiente para se ajustar às mudanças nestas necessidades.

No período 1940/80, alimentadas pelos fortes desequilíbrios regionais, as trajetórias mais relevantes, ou dominantes, se estruturaram para atender, não só as necessidades de transferência regional do excedente de força de trabalho, mas, também, serviram como um importante mecanismo de integração social e cultural do território. As trajetórias dominantes articulavam os dois grandes reservatórios de força de trabalho, o Nordeste e Minas Gerais, com os estados onde se dava o maior crescimento industrial e com as regiões de expansão da fronteira agrícola e mineral.

As trajetórias secundárias ou os “circuitos migratórios regionais” se encarregavam da mobilidade espacial dos migrantes entre estados vizinhos e, muitas vezes serviam de etapa para as trajetórias dominantes.

A flexibilidade do padrão migratório se traduzia num grande dinamismo, que lhe permitia realinhar as trajetórias de acordo com as necessidades emergentes. A década de 70 se constituiu em um grande exemplo. Entre os estados de maior crescimento industrial, acompanhando as preferências do desenvolvimento da economia brasileira, a trajetória para São Paulo foi se tornando hegemônica, com o decréscimo da importância econômica do Rio de Janeiro. O mesmo aconteceu no caso das regiões de expansão da fronteira agrícola, onde as trajetórias migratórias foram se realinhando segundo os momentos de expansão ou retração da capacidade de absorção populacional de cada uma delas. Foi assim no caso do Paraná, da região Centro-Oeste e do Norte. Até mesmo nos grandes reservatórios de força de trabalho já se observavam algumas mudanças significativas, como em Minas, que em 1970 já iniciava o processo de redução da sua emigração.

Esta flexibilidade, ou a capacidade de ajuste às necessidades emergentes do desenvolvimento da economia e da sociedade brasileiras, não significava uma mudança do padrão migratório. Na verdade, os fundamentos da articulação entre o contexto histórico e as trajetórias migratórias permaneciam inalterados. Na década de 70, a economia brasileira continuava crescendo e gerando uma enorme quantidade de emprego, inclusive no setor industrial que, junto à construção civil, criou cerca de 38,0% do emprego industrial. Os desequilíbrios regionais se acentuaram, somente em São Paulo, se concentrava 56,4% do PIB industrial brasileiro e 37,7 % do emprego por ele gerado. Não se constituiria, portanto, surpresa que São Paulo tenha recebido nesta época 31,0% de toda a imigração interestadual. Esses imigrantes que chegaram a São Paulo nos anos 70 vieram, na sua grande maioria, como ocorria em décadas anteriores, dos dois grandes reservatórios de força de trabalho, do Nordeste, 40,0%, e de Minas Gerais, 21,0%.

As duas grandes áreas de expansão da fronteira agrícola, as regiões Centro- Oeste e Norte, na década de 70, ampliaram a sua capacidade de absorção

populacional, atraindo um quarto de toda a imigração interestadual. As trajetórias migratórias dominantes, provenientes dos dois grandes reservatórios de força de trabalho, também, continuavam a nutrir essas regiões de fronteira. Na região Centro- Oeste eles contribuíam com cerca de 40,0% dos imigrantes e na região Norte com uma parcela um pouco menor. Mas, neste caso, a contribuição decisiva era muito mais do Nordeste. O restante da imigração das regiões de fronteira ficava por conta dos circuitos migratórios regionais e dos deslocamentos populacionais entre estas próprias regiões.

O crescimento demográfico ainda se mantinha acelerado até os anos 80, principalmente nas áreas urbanas que foram alimentadas pela maior êxodo rural da história do país, mais de 15 milhões só na década de 70 (CARVALHO, FERNANDES,

1997). O processo de urbanização era não só intenso, mas extremamente concentrador. Quase 30,0% da população já residiam, em 1980, nas regiões metropolitanas, que contribuíram, na década anterior, com 41,0% do crescimento total da população brasileira.

O Estado implementava políticas que reforçavam a ocupação demográfica das regiões Norte e Centro-Oeste, assim como promovia, principalmente nos anos 70, as expansões dos sistemas de transporte e de telecomunicações que reforçaram enormemente a cultura migratória e abriam caminhos para o migrante realizar a sua mobilidade espacial e social, desde que conseguisse vencer o rigoroso processo de seletividade social e econômica, inerentes ao desenvolvimento da economia e da sociedade brasileiras. Em síntese, a flexibilidade do padrão migratório, realinhando as trajetórias, não significou, até o final da década de 70, qualquer mudança nos fundamentos demográficos, econômicos, sociais e políticos que estruturavam trajetórias migratórias.

Somente a partir de 1980, quando o país ingressou numa grande “crise de transição”, é que o padrão migratório tem sido notavelmente afetado. A crise tem modificado os fundamentos sociais e culturais das trajetórias. A tradição migratória não desapareceu, até porque as características de grande parte da sociedade brasileira não se alteraram, e a rigidez da estrutura social ainda impõe a migração como a única

alternativa para se “melhorar de vida” ou “ascender socialmente”. Entretanto, a ampliação das telecomunicações, hoje mais abrangente do que antes, assim como as redes de interação social, têm tido um efeito contrário: as grandes virtudes das grandes cidades desapareceram diante da violência urbana, do desemprego, das dificuldades de acesso aos serviços públicos básicos e à moradia. As externalidades positivas das grandes cidades, das regiões metropolitanas, em particular, que tanto atraíam os migrantes, foram superadas pelas externalidades negativas, comprometendo a “ilusão migratória”.

Com se não bastasse, a redução excepcional da capacidade de geração de emprego e de novas oportunidades ocupacionais, objetivamente, descolou a mobilidade espacial da mobilidade social. O mercado de trabalho tornou-se rígido, com uma cadeia de pré-requisitos educacionais e de treinamento, extremamente excludentes para a grande maioria da população migrante. Hoje não é possível mais para o migrante sair do interior nordestino, ir para São Paulo e lá conseguir alguma forma de ascensão social, mesmo dentro dos estreitos limites da classe trabalhadora. Mais ainda, a sociedade urbana, mais competitiva, e cada vez menos solidária, assombrada com a barbárie que tem predominado nas relações sociais, aumentou os seus mecanismos de discriminação e de exclusão dos mais pobres. A discriminação e as barreiras ao livre trânsito dos migrantes têm sido freqüentes e exacerbam os mecanismos de seletividade.

Em síntese, os fundamentos econômicos, sociais e culturais das trajetórias migratórias foram fortemente comprometidos. Portanto, a sua estruturação como caminhos sociais, mecanismo fundamental para a mobilização e integração social dos migrantes, perdeu muito do seu vigor. A migração de retorno, que se generalizou, e ao que tudo indica foi reaquecida com a crise que se iniciou em 1996, é a contramão das trajetórias migratórias. A sociedade e a economia mobilizam grande parte dos migrantes na região de destino, hoje um “grande excedente demográfico” não absorvido economicamente e socialmente, para o caminho de volta. É o avesso da “ilusão migratória”, a compreensão pelos migrantes de que já não é possível qualquer mobilidade social e, até mesmo, sobreviver nos grandes urbanos. O mesmo ocorre

com as trajetórias em direção às fronteiras agrícolas, cuja dimensão social e cultural era dada pela possibilidade de acesso à terra. Atualmente, quem migra para as fronteiras quase só tem a possibilidade se transformar num trabalhador, na maioria das vezes temporário.

Não é surpreendente que muitos continuem migrando para São Paulo, ou qualquer outro grande centro urbano e para as regiões de expansão da fronteira agrícola. É a força da inércia das trajetórias que, como caminhos estruturais, muitas vezes se mantêm, mesmo que as condições objetivas se tornem desfavoráveis. Mas, serão cada vez menos, em função até mesmo da redução acelerada do crescimento demográfico e da diminuição do êxodo rural.

Os reflexos sobre os fluxos migratórios recentes são muitos. Os dois grandes reservatórios de força de trabalho, de onde partiam as grandes trajetórias dominantes em direção às regiões de atração migratória, como foi visto, têm passado por grandes transformações. A tendência não tem sido só a redução dos emigrantes, mas o aumento dos imigrantes. No caso de Minas Gerais, o saldo migratório interestadual positivo, revelado pela PNAD está longe de ser uma grande surpresa. É o resultado de uma tendência que começava a se manifestar desde a década de 70. O aumento da sua capacidade de retenção migratória – que não é só função das suas externalidades positivas, mas, também das externalidades negativas nas prováveis regiões de destino dos migrantes mineiros – tem sido acompanhado pelo crescimento da sua capacidade de atração. A migração para Minas não é só de retorno, muitos têm vindo pelas oportunidades geradas nas regiões de expansão agro-industrial, como o Triângulo e o Alto Paranaíba; ou para o Sul, que se industrializa e moderniza a sua agricultura; ou para a Região Metropolitana, com o seu grande crescimento industrial, cada vez mais integrado aos grandes e modernos centros industriais, como São Paulo.

Os emigrantes potenciais persistem, são muitas as regiões, urbanas e rurais que continuam gerando um grande “excedente populacional”. As mais pobres, como os Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce, institucionalizaram a migração temporária. Hoje, ela é parte integrante do modo de vida de grande parte da população destas regiões. A classe média criou um novo tipo de migração

temporária, a internacional. Muitos têm optado por esse tipo de migração, que é também de alto risco, movidos pela “ilusão migratória” de conseguir no exterior, o que se tornou impossível aqui no Brasil, uma receita financeira que garanta, no futuro, uma melhoria do seu padrão de vida aqui, no seu país (Brito, 1995).

No caso do Nordeste, onde reside a maior parte da população rural brasileira, ainda persiste um grande potencial migratório. Estima-se que entre 1990 e 1995 o saldo líquido migratório rural tenha sido de –2.390.274, quase 60,0% de todo o saldo rural-urbano brasileiro (ABROMOVAY, et al., 1997). Mas tem havido uma queda generalizada no número de emigrantes nordestinos e aumento da imigração, bastante alimentada pela migração de retorno. A situação mais interessante é a do Nordeste Central. O seu saldo migratório negativo, o menor das três grandes regiões nordestinas, era em 1993/98, equivalente a um sexto do seu saldo negativo na década de 60. Nas outras regiões, a situação migratória é mais desfavorável, e a tendência até 1996 era de aumentar o saldo negativo. Segundo as sugestões da PNAD, o novo ciclo da crise econômica que se iniciou em 1996 pode ter contribuído para aumentar a migração de retorno e para reduzir o número de emigrantes. Mas, sem dúvida, ainda persiste, no Nordeste, um grande potencial migratório.

Os emigrantes dos dois grandes reservatórios de força de trabalho ainda trilham as trajetórias em direção a São Paulo e à região Centro-Oeste. A grande maioria dos emigrantes de Minas e do Nordeste Central e Meridional, entre 1993/98, se destinava a São Paulo ou ao Centro-Oeste. Os do Nordeste Meridional também, só que, mantendo a tradição, se dirigiam em bom número, para o Norte. Uma questão se coloca, principalmente no caso da trajetória em direção a São Paulo: se os seus fundamentos econômicos, sociais e culturais foram fortemente abalados, por que persistem os fluxos migratórios? Sem dúvida, a inércia estrutural das trajetórias explica uma parte, mas a outra, certamente, deve ser atribuída às péssimas condições econômicas e sociais que persistem em muitas regiões dos dois grandes reservatórios. Neste caso, a emigração de alto risco é uma alternativa, não mais para a mobilidade ou ascensão social, mas para a sobrevivência.

ampliou o fôlego da sua capacidade de atração migratória, deve ter alcançado o seu limite de absorção dos migrantes, mantidas as condições atuais da sua economia. Um bom indicador é o estado ter se transformado no maior gerador de emigrantes do Brasil. Grande parte deles é de retorno, sem dúvida, mas não deixa de ser um transbordamento populacional.

As antigas regiões de expansão da fronteira, o Norte e o Centro-Oeste, já esgotaram a sua fase de expansão demográfica. Não é por outra razão que cada vez mais aumenta a circulação migratória entre elas e o número dos seus imigrantes tende cada vez mais a ficar próximo do número dos seus emigrantes. A grande maioria dos imigrantes interestaduais do Norte, mais de 80,0%, vem do próprio Norte, do Centro-Oeste e do Nordeste Setentrional. Os do Centro-Oeste, também, na sua maioria, vêm das mesmas regiões, ou seja, da circulação migratória dentro da própria fronteira. A outra parte é o tradicional circuito migratório com Minas, São Paulo e o Paraná.

O que se pode observar é que a dinâmica da economia e da sociedade, no Brasil recente, têm restringido enormemente as oportunidades de emprego, de criação de novas oportunidades ocupacionais e de acesso à terra, esvaziando o conteúdo social e cultural das trajetórias migratórias dominantes, restringindo ainda mais as oportunidades de mobilidade social no país. Os fluxos que passam por elas e ainda passarão, principalmente para São Paulo e o Centro-Oeste, como foi dito, são mais em função da inércia e das péssimas condições que ainda persistem em parte dos grandes reservatórios de força de trabalho. A grande circulação migratória nas antigas regiões de expansão agrícola e as trajetórias secundárias – ou os circuitos regionais entre estados fronteiriços – ainda persistem e têm sido menos afetadas pelo esvaziamento das trajetórias dominantes.

Não pode ser omitido que os estados que têm usufruído da desconcentração industrial, como Minas, Paraná e Santa Catarina, passaram a ter saldos migratórios interestaduais positivos. Mas não há a menor probabilidade econômica, social e cultural que as trajetórias dominantes, que prevaleciam dentro do padrão migratório que prevaleceu até os anos 80, fossem realinhadas em direção a estes estados.

Para finalizar, é importante destacar que os fundamentos da articulação entre o contexto histórico e as trajetórias migratórias foram basicamente alterados. Este novo contexto, que emerge com profunda “crise de transição”, pela qual o Brasil tem passado, contém a principal marca da mudança em direção a um outro padrão migratório, que ainda não se constituiu de forma nítida: o esvaziamento social e cultural das trajetórias dominantes, principalmente o descolamento da mobilidade espacial da mobilidade social. Deste modo, elas são hoje muito mais o resultado da inércia social e por elas trafegam, na sua maioria, os migrantes dispostos a superar os obstáculos da seletividade, não para melhorar a sua posição social, mas para conseguir, com altos riscos, apenas a sua sobrevivência.

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