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Relações de gênero e sustentabilidade com mulheres catadoras de materiais recicláveis em uma Associação em Natal/RN

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Academic year: 2021

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DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE - PRODEMA

RELAÇÕES DE GÊNERO E SUSTENTABILIDADE COM MULHERES CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS EM UMA ASSOCIAÇÃO EM

NATAL/RN

ALINE GADELHA DO NASCIMENTO

2018 Natal – RN

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RELAÇÕES DE GÊNERO E SUSTENTABILIDADE COM MULHERES CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS EM UMA ASSOCIAÇÃO EM

NATAL/RN

Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Giovana Cabral

2018 Natal – RN

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Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Centro de Biociências - CB

Nascimento, Aline Gadelha do.

Relações de gênero e sustentabilidade com mulheres catadoras de materiais recicláveis em uma Associação em Natal/RN / Aline Gadelha do Nascimento. - Natal, 2018.

107 f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em

Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Orientadora: Profa. Dra. Carla Giovana Cabral.

1. Mulheres catadoras - Dissertação. 2. Relações de gênero - Dissertação. 3. Divisão sexual do trabalho - Dissertação. 4. Reciclagem - Dissertação. 5. Sustentabilidade - Dissertação. I. Cabral, Carla Giovana. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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Dissertação submetida ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN), como requisito para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Aprovada em:

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A todas as mulheres catadoras de materiais recicláveis que caminham pelas ruas da Cidade do Sol para garantir o seu sustento.

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percurso do qual fazem parte tantas pessoas que partilharam conosco esta trajetória. Primeiramente, agradeço a Deus por me permitir viver esse momento e me fazer acreditar que as maiores dificuldades encontradas ao longo do caminho podem ser pequenas junto à vontade de vencer.

Aos meus pais Raimundo Gadelha e Dalvanira do Nascimento o meu eterno agradecimento por sempre primarem por minha educação e pelo incentivo e compreensão durante essa caminhada. Também à minha irmã Alice Gadelha, pela amizade e auxílio nesta jornada.

A minha querida orientadora, Profª. Drª. Carla Giovana Cabral, que me guiou nesse estudo com paciência, cuidado e atenção. Agradeço, de forma especial, pelo carinho, pelo apoio e por acreditar neste trabalho. Sou imensamente grata pela oportunidade que tive de conviver e aprender com a pessoa maravilhosa que é, além de poder compartilhar incertezas que, tão sabiamente, soube transformar em ricas reflexões.

À professora Mycarla Lucena, pela colaboração, e por tantas vezes compartilhar comigo suas experiências acadêmicas, que serviram de alimento no início desse percurso.

Ao grupo de pesquisa PANDORA, que me acolheu. Agradeço pelo empenho nas pesquisas, reuniões e aprendizados, pelos eventos compartilhados, pela amizade vivida. Esse trabalho tem a participação especial de Luísa Mirelle, Leonardo Bezerra, Alax Gabriel, Elidiane Barbosa, Igor Sampaio. A presença contagiante da alegria de todos ficará comigo.

Aos colegas de Pós-graduação do PRODEMA, pelas risadas, alegrias e dificuldades enfrentadas, certamente crescemos juntos nesta trajetória. Agradeço especialmente às companheiras Maria Luísa e Layana Alves, que vivenciaram comigo todas as etapas dessa trajetória e a João Medeiros, pela parceria e desabafos, pela amizade que brotou nessa caminhada.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente que, atenciosamente, me acolheram ao longo desses dois anos.

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contribuição para a finalização desse trabalho.

Agradeço, ainda, a todos os que, aqui, não foram nomeados, mas, certamente, foram também essenciais para que esta etapa fosse cumprida.

Por fim, agradeço a Ascamar, em especial, à Rosileide Nascimento, por toda a ajuda e presteza no contato com a associação, bem como a todas as mulheres catadoras com quem conversei e convivi, sem as quais este trabalho não existiria, e que, com paciência, tanto me ensinaram. Agradeço imensamente e dedico a elas este trabalho, esperando que ele possa fornecer uma contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, e sustentável.

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Nesta dissertação de mestrado, buscou-se compreender as relações de gênero e sustentabilidade no contexto das mulheres catadoras da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis (Ascamar), localizada em Natal, Rio Grande do Norte. Para tanto, procurou-se analisar as relações de gênero apropriando-se da divisão sexual do trabalho baseada nos princípios de separação e hierarquia e das relações de poder, como também analisar a percepção das catadoras quanto ao meio ambiente e a sustentabilidade a partir do trabalho, vivência e o cotidiano. A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa com uma abordagem etnográfica com obtenção dos dados através da observação participante, entrevistas semiestruturadas e escrita de diários de campo. Foram entrevistadas 20 mulheres catadoras. Para a interpretação dos dados foi utilizada a Análise Crítica do Discurso. Este estudo mostra evidências da situação de desigualdade que se manifestam na divisão de tarefas e na qualificação dessas tarefas dentro da associação. Além disso, verificou-se que essas mulheres estão inseridas em um ciclo intergeracional de pobreza que as coloca em condições de vulnerabilidade social. A análise da percepção quanto ao meio ambiente e a sustentabilidade revelou que as catadoras se reconhecem como agentes ambientais, pois compreendem que o trabalho de catação gera vários benefícios para o meio ambiente e para o meio urbano. Entretanto, enfrentam sérias condições de precariedade, além de discriminações e falta de reconhecimento em relação ao trabalho. Nota-se a necessidade de políticas públicas que favoreçam o reconhecimento e a inclusão social, além da garantia de condições mais seguras e dignas de vida e trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres catadoras. Relações de gênero. Divisão sexual do trabalho. Reciclagem. Sustentabilidade.

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In this masters dissertation, the aim was to understand gender relations and sustainability in the context of the women pickers of the Association of Collectors of Recyclable Materials (Ascamar), located in Natal, Rio Grande do Norte. In order to do so, we sought to analyze gender relations by appropriating the sexual division of labor based on the principles of separation and hierarchy and power relations, as well as to analyze the perception of the women pickers regarding the environment and sustainability from work experience and daily life. The methodology used was the qualitative research with an ethnographic approach with obtaining the data through participant observation, semi-structured interviews and writing of field diaries. Twenty women pickers were interviewed. The Critical Discourse Analysis was used to interpret the data. This study shows evidence of the inequality situation manifested in the division of tasks and in the qualification of these tasks within the association. In addition, these women were found to be inserted in an intergenerational cycle of poverty that places them in conditions of social vulnerability. The analysis of the perception of the environment and sustainability revealed that the collectors recognize themselves as environmental agents because they understand that the selective collect work generates several benefits for the environment and for the urban environment. However, they face serious precarious conditions, as well as discrimination and lack of recognition in relation to work. There is a need for public policies that favor social recognition and inclusion, as well as ensuring safer and more dignified living and working conditions.

KEYWORS: Women pickers. Gender relations. Sexual division of labor. Recycling. Sustainability.

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Figura 1- Regiões da Cidade de Natal ... 36

Figura 2 - Área da estação de transbordo com o galpão da Ascamar ... 40

Figura 3 - Parte externa do galpão da Ascamar/Coocamar ... 40

Figura 4 - Parte interna do galpão da Ascamar/ Coocamar... 41

Figura 5– Catadora arrumando o bag na coleta porta a porta. ... 44

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Tabela 1 - Geração de resíduos por regiões brasileiras ... 26

Capítulo 1

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CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO ... 35

METODOLOGIA GERAL E PERCURSO METODOLÓGICO ... 41

CAPÍTULO 1 - “Catadoras de materiais recicláveis em Natal: gênero, meio ambiente e divisão sexual do trabalho” ... 48

Introdução ... 50

Mulheres e divisão sexual do trabalho... 54

Metodologia...56

Resultados e discussão ... 58

Considerações finais ... 64

Referências ... 66

CAPÍTULO 2 – “Sustentabilidade e gênero: Um estudo sobre mulheres catadoras na perspectiva do desenvolvimento como liberdade”...70

Introdução... 72

Catadoras e Catadores e o desenvolvimento...75

Área de estudo...81 Metodologia ... ... 82 Resultados ... 83 Considerações finais... 89 Referências... 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 94 REFERÊNCIAS...96 APÊNDICE...103 ANEXOS...105

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na minha graduação. Durante dois anos fui bolsista do Programa de Meio Ambiente – PROMAM – programa de extensão ligado à Pró-Reitora de Extensão da Universidade Potiguar – UnP, em Natal/RN. Esse programa trabalhava com alunos dos cursos de Ciências Biológicas e Gestão Ambiental no intuito de conscientizá-los acerca da importância de preservar e conservar o meio ambiente através de atitudes como a reciclagem de materiais.

Inicialmente, esse programa atuava como um trabalho de extensão dos eventos que a instituição desenvolvia com foco, principalmente, na reciclagem de papel e na política dos 3R’s, ou seja, um conjunto de ações que consiste em reduzir, reutilizar e reciclar o lixo produzido. Por ser um projeto de extensão era realizado em parceria com escolas, igrejas, creches, eventos institucionais e prefeituras do Estado.

Ao longo de sua trajetória, o PROMAM cresceu e sua visibilidade aumentou a tal ponto que passou a receber todo material reciclável (papel) da instituição. Devido a grande demanda de papel (provas, folders, anúncios, murais, panfletos, cartolinas entre outros) que a instituição utilizava e, por não conseguir reciclar todo o tipo de papel na confecção de papel reciclado, procuramos uma das associações de catadores em Natal. Foi assim que conheci a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis – Ascamar.

Meu primeiro contato com as catadoras da Ascamar se deu através da coleta de papel. No dia da coleta chegava ao laboratório de reciclagem um caminhão, dirigido por um homem, com um grupo de mulheres catadoras que carregavam todo papel passível de ser reciclado para o caminhão.

Quando decidi participar do processo seletivo para o mestrado, procurei a professora Carla Giovana Cabral (minha orientadora) e expus minha vontade de trabalhar com reciclagem. Por trabalhar com questões de gênero, a professora me incentivou a fazer um projeto sobre gênero e reciclagem. Assim, me lembrei das mulheres catadoras que chegavam à UnP para recolher os papéis da instituição. Como já tinha interesse em trabalhar com a temática reciclagem, uni meu interesse e desafio aos da professora. Por essa razão, procurei relacionar a perspectiva de gênero com minha área de atuação. Até então, não havia tido contato com os estudos de gênero.

Com o aprofundamento dos estudos de gênero, o objetivo da pesquisa foi amadurecendo. Através das orientações com a professora, comecei a observar as

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questionei se haveria uma divisão de tarefas regidas pelo gênero na associação. Desse questionamento surgiu o interesse de compreender as relações de gênero existentes na Ascamar.

Acompanhei o trabalho das mulheres catadoras durante alguns meses, andando pelas ruas debaixo do sol escaldante da cidade de Natal, subindo no caminhão da coleta seletiva, puxando os bags (grandes sacolas) pelas ruas, batendo de porta em porta, sendo recebida por uns e rejeitada por outros, almoçando nas praças e bebendo água nas casas. Partilhei os desafios da triagem e separação, os desconfortos de tirar dos bags os diferentes tipos de material, principalmente plástico, as pausas de apenas dez minutos para o lanche, em meio aos recicláveis e a preocupação das catadoras para que eu não me machucasse.

Vale ressaltar que ao longo dessa pesquisa foram criados laços de amizade e identificação com essas mulheres. Mulheres simples, mulheres guerreiras, mulheres verdadeiras. Confesso que esse estudo não foi fácil, principalmente devido à complexidade das diferentes realidades sociais entre as catadoras e eu, mas a experiência foi extremante válida pela troca de conhecimento e aprendizagem. Por isso, desejo que esta pesquisa possa motivar outros estudos sobre essa temática, gerando novos questionamentos com mulheres catadoras, combatendo assim as diferenças. Boa leitura!

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INTRODUÇÃO

Atualmente, sustentabilidade é uma palavra muito utilizada nos estudos que abordam as questões ambientais. Geralmente, relaciona-se com a exploração dos recursos naturais e tem como objetivo obter o equilíbrio entre a retirada de matéria-prima do meio ambiente e a preservação do mesmo, pois é cada vez mais crescente a consciência de que os recursos naturais são finitos e é necessário tomar providências para o seu uso controlado, de maneira que não acentue a degradação ambiental.

A degradação ambiental, conforme os estudos de Leff (2010) é gerada pelo crescimento econômico e desemboca na crise ambiental, na qual o autor considera uma crise de civilização, marcada pelo predomínio do desenvolvimento tecnológico sobre a organização do meio ambiente. Com isso, destacam-se, os impactos ambientais crescentes gerados pelo modo de produção capitalista dominante baseado na utilização dos recursos naturais de maneira desenfreada, alheio aos ritmos de reprodução da natureza (QUINTANA & HACON, 2011). A crise ambiental é o resultado do desconhecimento de limites que desencadeou no imaginário econômico a ilusão de um crescimento ilimitado e de uma produção infinita (LEEF, 2009).

Com isso, essa crise trouxe à tona a importância de limites para a humanidade. Esses limites, de acordo com Leff (2003), re-significam a história e são apresentados como limite do crescimento econômico e populacional; limite dos desequilíbrios ecológicos e das capacidades de sustentação da vida; limite da pobreza e da desigualdade social.

A crise civilizatória, baseada no aumento da economia e caracterizada pela produção e consumo crescentes, esgota e contamina os recursos naturais, levando a um questionamento sobre o modo de produção contemporâneo. Conforme Munhoz (2000), a maneira como se dá o crescimento econômico compromete o meio ambiente e, seguramente, prejudica o crescimento, pois a destruição do ecossistema compromete a qualidade de vida da sociedade, reduzindo os bens e serviços que a natureza oferece a humanidade.

Nesse contexto, Boff (2014) considera estar diante de uma guerra, fruto da ganância e do poder, pois não ter limites significa por em risco à saúde do planeta. Partindo dessa premissa, a crise ambiental alcança toda a humanidade e atinge os mais variados grupos sociais de forma desigual. Baseado nesse entendimento, Velasquez (2003) aponta que os estudos de gênero e meio ambiente buscam compreender como as

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relações de diferenciação e dominação baseadas no gênero contribuem para a produção, conhecimento e transformação do meio ambiente.

Atualmente, a importância do papel da mulher para a sustentabilidade vem ganhando mais espaço nas discussões globais. Castro e Abramovay (2005) afirmam que a abordagem de gênero na questão ambiental é essencial para evidenciar elementos fundamentais na construção de um desenvolvimento sustentável com equidade.

De acordo com a ONU Mulheres (2012), as mulheres representam a maioria da população pobre no mundo e a dimensão sexual do trabalho expressa a complexidade da articulação de gênero e meio ambiente. Entende-se, portanto, que os estudos de gênero e meio ambiente consideram que a sustentabilidade só será alcançada quando houver a superação das desigualdades, principalmente de gênero e raça (GARCIA, 2012).

Na narrativa que segue, estudos de gênero e meio ambiente estão centrados em entender as questões de gênero relacionadas; à agricultura (SILIPRANDI, 2002); pesca (DI CIOMMO, 2007; CAVALCANTI, 2010; FONSECA et al, 2016); conservação (FREITAS et al, 2012; ALMEIDA E MARTINS, 2008). Entretanto, conforme Dias (2009), é necessário ampliar as pesquisas sobre gênero e meio ambiente no contexto urbano, uma vez que a maioria desses estudos encontram-se voltados para o meio rural.

Uma das maiores problemáticas urbanas gira em torno dos resíduos sólidos, pois quando dispostos inadequadamente nos territórios urbanos repercutem negativamente sobre a qualidade do meio ambiente e da vida da população (SIQUEIRA E MORAIS, 2009). Nesse contexto, a coleta seletiva e a reciclagem aparecem como alternativas para minimizar as consequências do consumo desenfreado da sociedade. Entretanto, devido a ausência de programas eficazes de coleta seletiva na fonte geradora, essa atividade é desenvolvida principalmente por catadores/as de materiais recicláveis.

De acordo com Dias (2009), no Brasil a catação de materiais recicláveis sustenta a cadeia de reciclagem. Para Medeiros e Macedo (2006), a catação de materiais é considerada uma atividade precária e insalubre, devido às condições de trabalho que a maioria dos/as catadores/as enfrentam.

Além disso, vale destacar que, segundo estimativas do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR (2014) existem mais de 800 mil catadores no Brasil, e 70% desses trabalhadores são mulheres, ou seja, as mulheres representam a maioria na catação. Pesquisas realizadas por Martins (2005); Feitosa (2005); Leal (2010); Mendez (2005); Costa (2007); Oliveira (2011); Valin (2016) e Coelho (2016) corroboram com os dados do movimento. São pesquisas com mulheres catadoras que

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também tratam das relações de gênero, divisão sexual do trabalho, justiça social, além de trabalharem as questões de raça, classe e gênero (CHERFEM, 2014), e mulheres na economia solidária (MOREIRA, 2013).

De acordo com Coelho (2016), quando se trata do trabalho feminino no universo dos catadores, os fatores de precariedade são agravados. Segundo Ribeiro, Nardi e Machado (2012, p.252), “as mulheres ocupam a margem mais precária e mais desgastante na cadeia produtiva da catação/reciclagem”. De acordo com os autores, a mulher sofre uma sobrecarga de atribuições, em razão, por exemplo, da dupla jornada de trabalho, pela necessidade de atender as demandas do trabalho produtivo e reprodutivo, o que contribui para a maior precarização do seu trabalho.

Em Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, essa realidade não é diferente. Conforme os estudos de Souza et al (2014), observa-se uma predominância feminina nas associações e cooperativas de reciclagem de materiais. As mulheres se sobressaem quantitativamente nas cooperativas e associações em Natal, configurando 60% do total de catadores (SOUZA et al., 2014). Ainda que em um universo menor, a pesquisa aqui apresentada confirma esses dados.

Considerando esse contexto de predominância feminina em galpões de reciclagem, levantam-se alguns questionamentos quanto às relações sociais estabelecidas nos ambientes de trabalho. Sendo assim, questiona-se: como são estabelecidas as relações de gênero no cotidiano do trabalho na catação de resíduos sólidos? Existem desigualdades nas relações de gênero nas etapas do trabalho de coleta e separação de resíduos sólidos? Quais? As catadoras percebem seu lugar social nas relações de gênero? Ainda em articulação com os estudos de gênero e em relação ao trabalho com materiais recicláveis, questiona-se: qual a percepção das mulheres catadoras em relação à sustentabilidade? As catadoras se reconhecem como agentes ambientais?

Partindo desse panorama, o presente estudo é resultado de uma pesquisa com as mulheres catadoras da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis (Ascamar), localizada em Natal, Rio Grande do Norte. O objetivo geral da pesquisa foi conhecer e analisar como as mulheres/catadoras compreendem as relações de gênero em seu ambiente de trabalho e cotidiano, e ainda, analisar a sua percepção sobre as relações entre gênero, meio ambiente e sustentabilidade, especialmente as contradições existentes entre discursos e realidades. Os objetivos específicos: compreender a divisão sexual do trabalho, na Ascamar; identificar as relações de gênero no trabalho realizado

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pelas mulheres e conhecer a sua percepção sobre o meio ambiente e sustentabilidade através da reciclagem.

Para alcançar os objetivos propostos foi realizada uma pesquisa qualitativa com uma abordagem etnográfica, no período de março de 2016 a julho de 2017, através do uso das técnicas de observação participante, diários de campo e entrevistas semiestruturadas. Para a análise dos dados optou-se por realizar a Análise Crítica do Discurso.

Essa dissertação está organizada por uma Introdução Geral, Revisão de Literatura e Fundamentação Teórica, seguida da Caracterização Geral da Área de Estudo, Metodologia Geral, dois capítulos que correspondem a artigos científicos a serem submetidos à publicação e Considerações Finais. Os artigos estão padronizados conforme as normas das revistas, previamente selecionadas.

O primeiro capítulo possui como título: “Catadoras de Materiais Recicláveis em Natal: gênero, meio ambiente e divisão sexual do trabalho”. Nesse capítulo, discutem-se as relações de gênero, apontando as relações de poder e a divisão sexual do trabalho baseada nos princípios de separação e hierarquia. Esse artigo foi submetido à Revista Ambiente e Sociedade, encontra-se em processo de avaliação e está formatado de acordo com as normas da mesma.

O segundo capítulo, intitulado “Sustentabilidade e Gênero: um estudo sobre mulheres catadoras na perspectiva do desenvolvimento como liberdade” tem por intuito fazer uma crítica à condição de agentes ambientais das catadoras devido aos contextos de vulnerabilidade social a qual estão inseridas, através da análise da percepção das catadoras sobre meio ambiente e sustentabilidade. Este capítulo está formatado de acordo com as normas da Revista Sustentabilidade em Debate e será submetido após a defesa da dissertação e as correções sugeridas pela banca.

Esta pesquisa se justifica pela relevância desse grupo social, constituído, geralmente, por mulheres negras ou pardas, com pouca escolaridade, chefes de família, que trabalham na informalidade, são invisibilizadas e que vivem na luta pela sobrevivência. Esse estudo contribui para a discussão teórica, com foco nas relações de gênero e meio ambiente, além de auxiliar com uma nova perspectiva para estudos de gênero na cadeia da reciclagem.

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Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável

Nas últimas décadas, provavelmente nenhum conceito tenha sido citado tantas vezes discutido e empregado em várias pesquisas, como o conceito de sustentabilidade, ao ponto de existir diversas dimensões sobre esse termo. Em seu sentido lógico, sustentabilidade é a capacidade de se sustentar, de se manter. Uma atividade sustentável é aquela que pode ser mantida para sempre. Desse modo, a exploração de um recurso natural exercida de maneira sustentável nunca esgotará (MIKHAILOVA, 2004).

Dentro do contexto apresentado, Sachs (2008) explica que a sustentabilidade muitas vezes é vista e utilizada apenas para expressar a dimensão ambiental, no entanto esse conceito apresenta diversas dimensões. Para Sachs (2008), o conceito de sustentabilidade seria formado por oito componentes: 1) a sustentabilidade econômica, voltada para um desenvolvimento econômico equilibrado; 2) a sustentabilidade ecológica, ligada à preservação dos recursos naturais e limite dos recursos não renováveis; 3) a sustentabilidade ambiental, pautada no respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais; 4) a sustentabilidade territorial, que se refere à distribuição adequada dos assentamentos humanos e, consequentemente, a distribuição espacial; 5) a sustentabilidade social, que abrange a desigualdade e está voltada para a igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais; 6) a sustentabilidade cultural, voltada para a necessidade de se evitar conflitos culturais; 7) a sustentabilidade política (nacional), que se refere à democracia e, por fim, 8) a sustentabilidade política (internacional) ligada à gestão do patrimônio global, como herança comum da humanidade.

Nessa perspectiva, diante de tantas dimensões, a sustentabilidade conduz a uma reflexão sobre desenvolvimento em seu aspecto sustentável. Anos atrás havia pouca preocupação com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, pois se acreditava que os processos tecnológicos desenvolveriam condições de suprir quaisquer dos problemas ambientais. Porém, isso não aconteceu, pelo contrário, houve um aumento da utilização dos recursos naturais, consequentemente, do meio ambiente de maneira insustentável. Esse fato denota que os problemas ambientais alcançam proporções que representam um verdadeiro desafio à sobrevivência da humanidade (LEFF, 2010).

Isto contribuiu para o desenvolvimento de mais estudos relacionados com o conceito da sustentabilidade e de medidas de desenvolvimento sustentável. Essa trajetória teve início em 1972 na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente

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Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo, que colocou a dimensão ambiental na agenda internacional e foi a primeira reunião organizada pelas Nações Unidas em favor do meio ambiente, como também marcou o início da tentativa de definir o conceito de desenvolvimento sustentável.

Porém, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, conhecida como ECO-92 ou Rio-92, convocada dois anos após a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Brundtland, na Noruega, consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável. A Organização das Nações Unidas, através do relatório Nosso Futuro Comum, publicado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, elaborou o seguinte conceito: “Desenvolvimento sustentável é aquele que busca as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades” (CMMAD, 1888, 1991, p.2).

Na Eco-92, também foi elaborada uma extensa agenda, denominada Agenda 21, com sugestões que deveriam ser discutidas pela sociedade no âmbito local, nacional e global. Essa agenda baseava-se em um documento de 40 capítulos que se referia a um acordo firmado por 179 países, com a intenção de promover o desenvolvimento sustentável (LAGO, 2013).

Assim, em 2002, na Cúpula Mundial, o conceito de desenvolvimento sustentável foi expresso com o objetivo baseado na melhoria da qualidade de vida de todos os habitantes e o uso limitado de recursos naturais para não exceder a capacidade da Terra (MIKHAILOVA, 2004).

Nesse contexto, o desenvolvimento sustentável consolidou-se com o objetivo de construir um modo de vida sustentável, pautado em três dimensões: econômica, ambiental e social, que contemplavam o crescimento e equidade econômica, a conservação de recursos naturais e do meio ambiente e o desenvolvimento social.

Em 2002, dez anos após a ECO-92, a ONU realizou a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo, África do Sul. O objetivo era rever as metas propostas pela agenda 21, porém os resultados foram frustrantes, pois os dez anos após a Eco-92 constituíram o período de maior crescimento econômico da história e o desenvolvimento esteve bastante associado à globalização (LAGO, 2013).

Em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, conhecida como Rio+20, instituiu o documento “o Futuro

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que queremos” como um ponto de partida para o estabelecimento de uma agenda global de desenvolvimento sustentável para o século XXI.

De fato, a Rio+20 tratou a responsabilidade de decisões políticas e ambientais na perspectiva do compromisso com o futuro, ressaltando o compromisso com a vida e o bem estar das pessoas. Os principais temas abordados tratavam sobre a “economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável”, “erradicação da pobreza” e “estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”. Os diálogos abordavam desemprego, trabalho decente, combate à pobreza, padrões sustentáveis de produção e consumo (LAGO, 2013).

Entre uma conferência e outra, o desenvolvimento sustentável foi sendo definido e a noção de sustentabilidade foi sendo divulgada. De fato, conforme os estudos de Leff (2010), a sustentabilidade aponta para o futuro e implica a necessidade de superar a ideia hegemônica de desenvolvimento, pautada no crescimento econômico. Pois, percebeu-se que o intenso crescimento econômico não se traduzia, necessariamente, na conservação dos recursos naturais e nem no desenvolvimento social.

Portanto, para Leff (2009), o objetivo da sustentabilidade está na busca em equilibrar o crescimento econômico e o meio ambiente, para que haja um crescimento sustentado que possa assegurar o equilíbrio ecológico e a igualdade social. Nesse pensamento, entende-se que a sustentabilidade só ocorrerá quando as condições econômicas e sociais forem melhoradas ao longo do tempo, sem exceder a capacidade ambiental.

Em decorrência disso, é necessário apontar para uma nova concepção e novas formas de pensar o desenvolvimento. Uma vez que o modelo de desenvolvimento interfere diretamente na ascensão da sustentabilidade.

Abordagem sobre desenvolvimento

O desenvolvimento é tratado pelos estudiosos de forma distinta. Veiga (2008) apresenta três abordagens na compreensão desse conceito. Primeiramente, o desenvolvimento pode ser visto como “sinônimo de crescimento econômico”, podendo este ser medido por meio de indicadores tradicionais como o Produto Interno Bruto per capita (PIB). Por muito tempo, o desenvolvimento esteve associado apenas ao crescimento econômico, principalmente porque não havia nenhum indicador além do PIB per capita para que ele pudesse ser medido. Entretanto, desde que o Programa das

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Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o crescimento econômico como único viés para o desenvolvimento passou a ser insuficiente (VEIGA, 2008).

A segunda abordagem consiste na compreensão do desenvolvimento como uma “ilusão”, pensando ser possível a quebra da hierarquia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Desta forma, para o autor: “desenvolvimento é uma ilusão, ou seja, no sentido estrito de acúmulo de riqueza por parte significativa de um número de países, de modo que tal avanço significaria, em algum momento, seu ingresso no núcleo orgânico” (VEIGA, 2008, p. 22).

Um autor que corrobora com essa segunda abordagem é Celso Furtado. Para esse economista brasileiro, o desenvolvimento também não passa de um mito ou ilusão, tendo em vista que seria impossível estender os padrões de consumo dos países desenvolvidos atualmente ao resto da humanidade, simplesmente pelo fato de não haver recursos suficientes disponíveis para que cada sociedade possa atingir um determinado tipo de desenvolvimento (FURTADO, 2001).

Outro autor que aborda essa discussão é o economista e sociólogo Giovanni Arrighi em seu livro “A ilusão do desenvolvimento”. Em seus estudos, Arrighi procura mostrar a discrepância existente entre os países periféricos ou semiperiféricos, e os países que detém a grande riqueza mundial e compõe o “núcleo orgânico” de países centrais. Para Arrighi (1998) é improvável que países periféricos ascendam à economia capitalista mundial, pelo fato de a riqueza se concentrar nos países centrais. Por esse motivo, desenvolvimento torna-se uma ilusão, na visão do autor.

A ideia de “caminho do meio” é a terceira abordagem de Veiga (2008) na compreensão de desenvolvimento. Neste, o autor, demonstra que o desenvolvimento não deve ser reduzido ao simples crescimento econômico, muito menos ser tratado como uma ilusão. Esse caminho leva em conta o desenvolvimento baseado em modelos que não ponham em risco os recursos naturais e estabeleçam melhores condições de vida para os indivíduos. Como exemplo disso podem ser citadas as ideias de Ignacy Sachs (2008); Amartya Sen (2000) e Enrique Leff (2009), que corroboram com o mesmo pensamento, relacionando o desenvolvimento à igualdade social.

Segundo o economista polonês Ignacy Sachs, atualmente há uma necessidade de buscar um novo paradigma para o desenvolvimento, pautado na combinação do crescimento econômico, do desenvolvimento social e da preservação ambiental. Conforme as palavras do autor é necessário pensar o desenvolvimento como sendo

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socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado ao mesmo tempo (SACHS, 2008).

Sachs (2008) afirma que o desenvolvimento deve ser buscado e pensado, além do viés econômico, com a devida atenção às questões sociais, buscando-se “promover a homogeneização da sociedade, reduzindo as distâncias sociais abismais que separam as diferentes camadas da população” (SACHS, 2008, p. 117). Nesse entendimento, Veiga apresenta o pensamento de Sachs defendendo a ideia de que:

[...] O desenvolvimento pode permitir que cada indivíduo revele suas capacidades, seus talentos e sua imaginação na busca da autorealização e da felicidade, mediante esforços coletivos e individuais, combinação de trabalho autônomo e heterônomo e de tempo gasto em atividades não econômicas. [...] Maneiras viáveis de produzir meios de vida não podem depender de esforços excessivos e extenuantes por parte de seus produtores, de empregos mal remunerados exercidos em condições insalubres, da prestação inadequada de serviços públicos e de padrões subumanos de moradia (VEIGA, 2008, p 80-81).

A partir desse contexto, outro autor que entende o desenvolvimento na perspectiva de “caminho do meio” é o indiano Amartya Sen. Para ele, o conceito de desenvolvimento está diretamente relacionado com a melhoria de vida dos indivíduos, logo, com o fortalecimento de suas liberdades. A ideia de liberdade expressa pelo autor refere-se à capacidade de atingir a vida que se deseja e a remoção das fontes de privações, como pobreza e tirania, negligência dos serviços públicos como saúde e educação, ausência de oportunidades econômicas e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2000).

Neste sentido, Sen (2000) demonstra que usufruir das liberdades é o principal objetivo do desenvolvimento. E também se coloca contrário a ideia que identifica o desenvolvimento apenas como crescimento econômico. Assim, entende-se que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades que os indivíduos podem desfrutar para melhorar sua condição de vida.

Inúmeras pessoas em todo o mundo são vítimas de várias formas de privação de liberdade como: acesso à educação, saúde, saneamento básico, água tratada, por isso padecem lutando contra a morbidez, frequentemente sucumbindo até a morte (SEN, 2000). Nesse entendimento, ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e influenciar o mundo, questões que são necessárias para o

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processo de desenvolvimento. Pois, na análise de Sen (2000), o desenvolvimento deve estar relacionado com a melhoria de vida dos indivíduos e da sociedade. Nesse contexto, o autor afirma.

“O desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo com a melhora de vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo” (SEN, 2000 p.29).

Outro aspecto abordado por Sen, já citado anteriormente, é a condição de agente dos indivíduos, alegando que os agentes são considerados como responsáveis pela transformação de mudanças sociais. Nesse sentido, a condição de agente de uma pessoa emerge como um pilar fundamental para o desenvolvimento.

Sachs (2009) concorda com Sen (2000) entendendo que o desenvolvimento deve acontecer de maneira que a maioria da população tenha seus direitos básicos garantidos, ou seja, um desenvolvimento com sustentabilidade ambiental e social. Dessa maneira, entende-se a sustentabilidade como um novo paradigma para o desenvolvimento. Um novo estilo de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável no acesso e no uso dos recursos naturais e na preservação da biodiversidade; socialmente sustentável na redução da pobreza e das desigualdades sociais; promotor da justiça e da eqüidade; culturalmente sustentável na conservação do sistema de valores, práticas e símbolos de identidade; politicamente sustentável ao aprofundar a democracia e garantir o acesso e a participação de todos nas decisões de ordem pública (GUIMARÃES, 2001).

Nessa perspectiva, um autor que aborda essa temática é o sociólogo ambientalista mexicano, Enrique Leff. Conforme seus estudos, o caminho para a sustentabilidade está ligado ao desenvolvimento. Leff (2003) afirma que a ideia de desenvolvimento com base em crescimento econômico gerou as externalidades econômicas e o crescimento sem limite que levou a uma insustentabilidade.

De acordo com Leff (2003), a sustentabilidade atrelada ao desenvolvimento anuncia o limite da racionalidade econômica e proclama os valores da vida, da justiça social e do compromisso com as futuras gerações. Para o autor, a racionalidade econômica está ligada ao entendimento de acúmulo do capital, às economias de escala,

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à aglomeração urbana, à globalização do mercado e à concentração da riqueza.A partir de tais entendimentos, Leff considera que para haver sustentabilidade é necessário superar a ideia histórica que repousa nessa razão. Para ele, a sustentabilidade não pode resultar da exploração dos processos naturais e sociais gerados pela racionalidade econômica.

Baseado nesse contexto, a compreensão da sustentabilidade e do desenvolvimento são essenciais ao estudo da atividade de catação de materiais recicláveis, no aspecto ambiental e social, pois o aumento dos resíduos sólidos está ligado aos padrões insustentáveis baseados na razão econômica. Trata-se de uma compreensão de sustentabilidade e desenvolvimento na direção do “caminho do meio” proposto por Veiga, ou seja, baseado em modelos que não ponham em risco os recursos naturais e estabeleçam melhores condições de vida para os indivíduos.

Catadores/as de materiais recicláveis

A crise ambiental, evidenciada pela escassez dos recursos naturais, reflete as consequências do modo de produção e consumo produzidos pelo modelo de desenvolvimento baseado no crescimento econômico. Esses padrões insustentáveis resultam em sérios problemas ambientais, por exemplo, a crescente demanda de resíduos sólidos nos aglomerados urbanos.

No Brasil, de acordo com a pesquisa da Associação Brasileira de Empresas e Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em 2012 foram gerados 62,7 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU). Já em 2016, esse número aumentou, consideravelmente, para 78,3 milhões de toneladas. Isso significa que em apenas quatro anos houve um aumento de 24% na geração de RSU no País.

Conforme mencionado, em 2016, 78,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos foram geradas no Brasil. Dessa quantidade, 71,3 milhões de toneladas foram coletadas, no entanto, sete milhões de toneladas tiveram uma destinação final imprópria (ABRELPE, 2016).

Ainda em 2016, no que diz respeito à disposição final dos RSU, 41,7 milhões de toneladas coletadas tiveram como destinação os aterros sanitários. Porém, mais de 29,7 milhões de toneladas coletadas foram enviadas para lixões e aterros controlados que não possuem sistemas e medidas necessárias para proteção do meio ambiente contra danos e

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degradações (ABRELPE, 2016). Esse número é preocupante: comparativamente, equivale a 203 estádios do Maracanã lotados de resíduos com destinação imprópria.

Os índices de geração e coleta de RSU nas regiões brasileiras apresentam grandes diferenças. A Tabela 1 apresenta a estimativa da população nas grandes regiões (IBGE), número de municípios em cada região do país, a quantidade de toneladas geradas e o percentual de coleta dos RSU.

Tabela 1 - Geração de resíduos por regiões brasileiras

Regiões Projeção população (IBGE) Número de municípios Toneladas de RSU Percentual coletado Sudeste Sul Centro-Oeste Norte Nordeste 70.190.565 24.564.983 11.296.224 12.342.627 46.995.094 1.668 1.191 476 450 1.794 104.790 22.581 16.988 15.444 55.056 98% 95% 94% 81% 79% Fonte: Elaboração própria. Dados IBGE (2016) e ABRELPE (2016)

Conforme a Tabela 1, a região com maior índice populacional e, consequentemente, maior geração de resíduos no Brasil é a região Sudeste, cuja quantidade de resíduos coletados também é a maior entre as regiões. No entanto, a região Nordeste possui o maior número de municípios com o segundo maior índice populacional, sendo o segundo maior gerador de RSU. Entretanto, é a região com o mais baixo índice de coleta de RSU. Essa demanda acarreta grandes preocupações, não só em decorrência do aumento dos resíduos, mas, principalmente, pela falta de áreas disponíveis para o seu destino final de maneira adequada (BESEN, 2011).

Toda essa problemática é bastante antiga. A preocupação e as discussões sobre essa temática foram essenciais para a formulação de um conjunto de políticas públicas com foco em resíduos sólidos. No ano de 2010, entrou em vigor no Brasil a Lei 12.305, que estabelece a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010), sancionada após cerca de 20 anos de tramitação. A lei objetiva minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental (art. 3º, XVII, PNRS).

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Essa legislação confere competência aos municípios para a gestão integrada dos resíduos sólidos. Vale ressaltar que a PNRS (Lei 12.305/10), introduz responsabilidades diretas aos municípios quanto ao manejo dos resíduos sólidos especialmente para reduzir o impacto ambiental. Na PNRS, também constam os principais instrumentos para a gestão de resíduos, assim definidos: planos de gestão integrada de resíduos sólidos; análise e avaliação do ciclo de vida dos produtos e logística reversa.

Com base nesta lei, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: redução, reutilização e reciclagem dos resíduos sólidos, além do seu tratamento e disposição final de maneira adequada, ainda é de responsabilidade de governos estaduais e municipais conceder incentivos a coleta seletiva e a reciclagem. Entretanto, mesmo após a PNRS, ainda existe muita dificuldade por parte dos órgãos gestores quanto ao gerenciamento dos RSU.

Por conta disso, em 2012, na Rio+20 através da perspectiva do compromisso com o futuro foram estabelecidas metas a serem alcançadas, tais como: redução de resíduos e de seu depósito no solo; investimento no reaproveitamento, na coleta seletiva e na reciclagem; compostagem e recuperação da energia e inclusão sócio produtiva de catadores (JACOBI e BESEN, 2011). Todavia, essas metas ainda não foram totalmente alcançadas.

No que se refere à participação dos catadores, a inserção desses trabalhadores em associações e cooperativas foi uma forma escolhida pela PNRS para promover sua inclusão social. Vale ressaltar que a PNRS também tem como objetivo a inclusão social e a emancipação econômica dos indivíduos que compõem essa categoria de trabalhadores no Brasil (BRASIL, 2010a, art. 15, V).

Conforme Coelho (2016), a presença dos catadores e catadoras tem-se constituído uma importante pauta nos debates acerca da sustentabilidade e do manejo dos resíduos sólidos. Isso se deve ao fato de que atualmente, no Brasil, existe um número expressivo de pessoas que trabalham direta e indiretamente com resíduos, cuja qualidade de vida, muitas vezes, é proporcional à qualidade do processo que envolve o destino desses resíduos (COELHO, 2016), ou seja, geralmente, são trabalhadores que ocupam uma posição marginal na sociedade, com poucas oportunidades no mercado de trabalho devido a baixa escolaridade, além de sofrerem vários tipos de exclusão no mercado de consumo e na dinâmica das relações sociais (IPEA, 2013).

O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010) apontou que existiam no Brasil 398.348 catadores de materiais recicláveis. Em

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relação às regiões do País, o censo revelou que o Sudeste concentra o maior número de catadores (161.417), representando 42%; seguido da região Nordeste, segunda maior região com presença de catadores (116.528), com 30%; a região Sul (58.928), com 14,7%; a região Centro-oeste (29.359), com 7,3% e; a região Norte (21.678), com 5,6% do total (IPEA, 2013).

A Companhia Empresarial para a Reciclagem (CEMPRE), em seus levantamentos constatou que há cerca de 1.100 organizações de catadores em todo o país. Isso evidencia a ascensão dessa categoria laboral e seu papel imprescindível para a reciclagem (CEMPRE, 2013).

Entretanto, as estimativas do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) (2014) indicam o número de 800 mil trabalhadores em atividade no Brasil. Segundo o IPEA, alguns fatores sociológicos podem explicar a discrepância dos dados em relação às estimativas, como, o fato de algumas mulheres exercerem outras atividades, como o cuidado do lar e da família, e tratar a coleta de resíduos como uma atividade complementar. Por essa razão, muitas mulheres catadoras não identificaram a catação como atividade essencial e mantém a identidade de domésticas ou trabalhadoras do lar como atividade principal na pesquisa (MNCR, 2014).

Esses trabalhadores desempenham um papel fundamental no que concerne à busca pela sustentabilidade, pois contribuem para a construção de um ciclo produtivo ambientalmente saudável. Em decorrência desses fatores, entende-se que o catador de material reciclável é um trabalhador essencial para sociedade.

Entretanto, embora essa atividade profissional seja reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, desde 2002, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), por contribuir para o aumento da vida útil dos aterros sanitários e para a diminuição da demanda por recursos naturais, esses trabalhadores desenvolvem suas atividades sem garantias trabalhistas e de maneira totalmente precária.

Roos, Carvalhal e Ribeiro (2010) afirmam que os catadores exercem sua atividade na informalidade e sem os atributos de um trabalhador registrado, o que os autores consideram uma dimensão importante de precariedade, pois estão desprotegidos das inseguranças que atingem essa atividade (sem renda mínima, proteção contra acidentes ou problemas de saúde).

Outro ponto abordado pelos autores supracitados ressalta que a ocupação de catador não é uma livre escolha, mas, sim, o processo de exclusão do mercado de

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trabalho formal que os direcionam para atividades informais, na busca por obtenção de renda e garantias de sobrevivência (ROOS, CARVALHAL e RIBEIRO, 2010).

Vale ressaltar que essa atividade também é desenvolvida em condições insalubres, o que torna o trabalho ainda mais sacrificante, além de enfrentarem a invisibilidade, através dos preconceitos pela própria natureza do trabalho (por trabalhar com o que a sociedade considera lixo), também enfrentam a exclusão social por estarem imersos em situação de pobreza e vulnerabilidade.

Medeiros e Macedo (2006) argumentam que há inegáveis ganhos ambientais para a sociedade no trabalho de catação, além de contribuir com uma possibilidade de inclusão desses catadores no mercado de trabalho. Entretanto, faz-se uma crítica ao fato de a catação de materiais se revelar como uma exploração de trabalho que se apoia num discurso ambiental.

Para Bosi (2008), no Brasil o processo de reciclagem em grande escala se tornou viável porque o recolhimento e a separação dos resíduos se evidenciaram como uma tarefa de baixo custo. De acordo com o autor, tal atividade necessitava ser realizada “por trabalhadores cuja remuneração compensasse investimentos de tecnologia para o surgimento do setor de produção de material reciclado” (2008, p.67).

Ferraz, Gomes e Busato (2012) acrescentam que essa força de trabalho é composta por trabalhadores sem contrato e com uma produtividade que possa ser definida pelo pagamento por produção. Ou seja, se não fosse a mão de obra barata do catador, o processo de reciclagem não seria lucrativo a ponto de estimular empresários a investirem nesse nicho de mercado.

Nesse sentido, os catadores enfrentam uma situação paradoxal. Por um lado, são responsáveis pela transformação do lixo em mercadoria de interesse de grandes indústrias, que tanto lhes confere um papel central de agentes ambientais ao efetuarem um trabalho essencial no controle da limpeza urbana. Por outro lado, ocupam uma posição marginal na sociedade, com poucas oportunidades no mercado de trabalho, bem como diferentes tipos de exclusão no mercado de consumo e na dinâmica das relações sociais (IPEA, 2013).

Dentro do contexto explicado, outro aspecto em que os catadores estão inseridos são os contextos de vulnerabilidade e exclusão social. Rodrigues et al (1999) apresentam quatro condições para a vulnerabilidade social. A primeira está na severidade das condições de trabalho, que no contexto dos catadores enfrentam longas horas de trabalho pesado e insalubre; a segunda refere-se a segurança e higiene; a

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terceira constitui as contrapartidas financeiras, que no caso dos catadores são mínimas; a quarta apresenta-se como garantias sociais que são inexistentes no contexto de trabalho dos catadores.

Nessa direção, percebe-se que os catadores encontram-se expostos a várias condições de vulnerabilidade que afetam o trabalho laboral e qualidade de vida. Além de estarem inseridos em contextos de exclusão, fragilização e ruptura dos vínculos em várias dimensões da vida social. Vale destacar que, se tratando do trabalho feminino no universo dos catadores, esses fatores são agravados, conforme será apresentado a seguir.

Abordagem sobre gênero

Historicamente, a afinidade mulher/natureza foi reforçada pelos processos biológicos de reprodução, o que seria considerado como um determinismo biológico (ANGELIN, 2014). Na acepção do determinismo biológico é a partir das diferenças sexuais que a sociedade constrói seu entendimento de masculino e feminino e consequentes relações assimétricas de poder. Disso decorre, uma naturalização, características tais como a sensibilidade, o cuidado e a proteção com a natureza foram histórica e socialmente atribuídas às mulheres.

Partindo dessa premissa, esse pensamento reforça estereótipos em relação ao papel da mulher. Esse entendimento também atribuí às mulheres a separação da esfera pública, restando-lhe apenas a esfera privada, em condições de subordinação frente ao homem. Entretanto, essa ideia de mundos separados começou a perder o sentido a partir dos novos lugares sociais que as mulheres passaram a ocupar em detrimento das lutas feministas. Se a dicotomia das esferas pública e privada acontecia sob a justificativa de somente o homem pertencer ao espaço público, tal ideia perdeu um pouco sua sustentação, pois as mulheres também passaram a conquistar esse espaço.

No final da década de 70, o entendimento de papeis sociais atribuídos aos homens e mulheres, determinados pelo contexto cultural, político e econômico ganhou maior evidência através do termo gênero. Segundo Scott (1995), a palavra “gênero” começou a ser utilizada “como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos” (SCOTT, 1995, p. 1). Nessa direção, gênero passou a ser compreendido como uma categoria analítica para explicar com profundidade as mudanças na sociedade, questionando os significados em torno do ser homem e do ser mulher em diferentes instituições e organização da vida social (CHERFEM, 2014).

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Assim, Scott, enfocando as relações de poder, afirmou que o gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” (SCOTT, 1995, p.7).

Diante disso, por ser uma construção social, a forma de relação entre homens e mulheres resulta das interações históricas, políticas, econômicas e sociais. Entretanto, em várias situações, essas relações envolvem desigualdades. Com base neste entendimento, vale ressaltar que as mulheres ao longo da história foram marcadas pelas desigualdades e pela invisibilidade em vários âmbitos sociais.

De acordo com Barreto et al. (2015), as desigualdades de gênero são o resultado de processos históricos que precisam ser contextualizados e compreendidos e são as principais consequências da forma como as concepções de gênero estruturaram a vida social. Aprofundando esta discussão a partir de uma noção das relações de poder presente em Michel Foucault, bem como revendo o conceito de gênero em distintas teorias, Scott apresenta a sua definição de gênero, abordando dois aspectos em especial:

[...] a definição de gênero tem duas partes e várias sub-partes. Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser analiticamente distintas. O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder (SCOTT, 1995 p.21).

Nesse sentido, gênero colabora para dar significado as relações de poder, principalmente na forma de dominação e subordinação, especialmente da subordinação das mulheres em relação aos homens. O poder muitas vezes se caracteriza como opressão, autoritarismo, abuso e dominação. Como aponta Foucault (1995, p. 242), “o exercício do poder não é simplesmente uma relação entre parceiros individuais ou coletivos; é um modo de ação de alguns sobre outros”.

Nesse sentido, o autor ressalta que o poder se apresenta nas dimensões macro e micro nas relações de gênero, pois mesmo a mulher obtendo uma pequena parcela do poder, conferido socialmente em maior escala aos homens, oferece resistências às situações impostas, logo, percebe-se que a mulher não é por natureza dominada e possui seu campo de poder e o exerce também, mesmo em graus menores.

Assim, salienta-se que relações de poder apresentam diferenças, expressas nas categorias de gênero, classe social, sexualidade e raça/etnia, que são demarcadas historicamente por hierarquias, discriminação e desigualdades.

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No que concerne as desigualdades, Louro, destaca que:

“As justificativas para as desigualdades precisam ser buscadas não nas diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação” (LOURO, 2014, p. 22)

Vale ressaltar que a igualdade entre homens e mulheres é um desafio nas relações sociais. Como aponta Lisboa (2009), o empoderamento das mulheres representa a condição para a equidade de gênero. A equidade de gênero se refere as oportunidades iguais para mulheres e homens desenvolverem o seu potencial. Enquanto, igualdade de gênero significa que mulheres e homens, devem desfrutar do mesmo status na sociedade; usufruir dos mesmos direitos e oportunidades, o mesmo nível de respeito podendo então aproveitar as mesmas oportunidades de fazer escolhas sobre suas vidas (UE-PAANE, 2015).

Como isso, o desafio está na árdua luta da desconstrução dos paradigmas pautados na biologia dos sexos e nos papéis de gênero destinados a homens e mulheres na sociedade. Um conceito importante para a compreensão do processo de constituição das práticas sociais, permeadas pelas construções dos gêneros, configura-se na divisão sexual do trabalho.

A divisão sexual do trabalho estabelecida historicamente entre pessoas de sexo oposto fundamenta-se na ideia da relação antagônica entre homens e mulheres, mas também nas relações de opressão que sofrem os sexos (ALVES, 2013). Essa divisão é um importante conceito para a compreensão do processo de constituição das práticas sociais. Para Kergoat (2009), a divisão sexual do trabalho é uma forma de divisão social decorrente das relações sociais do sexo.

Percebe-se na afirmação de Hirata (2002, p. 280) que a “divisão social e técnica do trabalho é acompanhada de uma hierarquia clara do ponto de vista das relações sexuadas de poder”. Uma das suas principais características está na ideia de situar os homens no campo produtivo e as mulheres no campo reprodutivo. Além disso, como aponta Kergoat (2000), baseia-se em dois princípios, o da 'separação' que distingue trabalhos de homens e trabalhos de mulheres, e o da 'hierarquização' que indica ser maior o valor do trabalho de homens. Como considera Hirata e Kergoat;

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“A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é moldada histórica e socialmente. Tem como característica a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado” (HIRATA; KERGOAT, 2007, p.599).

Nesse sentido, essas assimetrias reforçam desigualdades, com a ideia de valores distintos, ou seja, produção vale mais do que reprodução, assim o trabalho das mulheres vale menos que o trabalho dos homens. Dentro do contexto explicado, pode-se constatar que a divisão sexual do trabalho modela as formas do trabalho e ressalta as desigualdades entre os sexos.

Entretanto, os estudos de Baylão e Schettino (2014) afirmam que a divisão sexual do trabalho é reforçada e apropriada pelo capital na medida em que o trabalho feminino é incorporado no processo produtivo sob condições precárias e deterioradas, só se diferenciando em categorias profissionais, à ascensão na carreira, à desigualdade salarial e ao acesso à qualificação. Ainda de acordo com os autores, apesar das mudanças ocorridas durante o passar do tempo não houve uma divisão igualitária entre homens e mulheres, evidenciando a persistência de antigas discriminações (BAYLÃO e SCHETTINO, 2014).

A divisão sexual do trabalho dificulta o acesso das mulheres ao mundo produtivo, configurando-se um obstáculo para a sua inserção nas atividades produtivas remuneradas e, quando realizadas, são geralmente atividades precárias. Isso colabora para perpetuar um ciclo de pobreza que atravessa gerações de mulheres. As desigualdades de gênero, marcadas pelas normas e valores, pela hierarquização do poder e pela divisão sexual do trabalho, deixam as mulheres em maior situação de vulnerabilidade socioambiental. Esse panorama está presente no contexto das mulheres catadoras de materiais recicláveis que foram pesquisadas para a elaboração desta dissertação.

Mulheres na reciclagem

A inserção das mulheres no mercado de trabalho, segundo Méndez (2005), aconteceu devido às mudanças ocorridas, principalmente, a partir da Revolução

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Industrial, que colaboraram para o início da divisão entre o mundo público, restrito aos homens e o mundo privado, reservado às mulheres.

Embora a entrada das mulheres no mundo do trabalho tenha representado uma conquista, ainda há obstáculos a serem enfrentados, tais como: discriminação, baixos salários e dupla jornada de trabalho. Conforme destaca Araújo (2005), as mudanças ocorridas no mundo do trabalho para a manutenção da reprodução do capital promoveram o processo de globalização, e isso impulsionou o crescimento do trabalho precário, terceirizado e informal. Ainda de acordo com o autor, os efeitos desiguais e excludentes atingiram em maior número as mulheres.

Para Martins (2005), o fato de a precariedade atingir em maior proporção a população feminina, pode ser visualizado através da presença majoritária das mulheres em galpões de reciclagem. Em decorrência disso, Leal (2010) aponta que a inserção das mulheres na reciclagem é motivada pelo desemprego e pela falta de oportunidades no mercado de trabalho, o que ocasiona a busca por estratégias de sobrevivência. Com a crescente exclusão no mercado de trabalho e a queda dos rendimentos de várias famílias em situação e pobreza, a catação de materiais para muitas mulheres passou a ser uma alternativa de renda.

No Brasil, conforme estimativas do MNCR, dos 800 mil catadores, as mulheres representam 70% desse quantitativo. Geralmente, as que estão inseridas nesse contexto são mulheres negras, com pouca escolaridade e chefes de família (MNCR, 2014). Submetem-se a essa atividade devido à obtenção de recurso financeiro para si e suas famílias, mesmo que essa atividade proporcione pouco prestígio social, invisibilidade, preconceitos, dupla jornada de trabalho, além de péssimas condições de vida e trabalho. Avançando um pouco mais nessa questão, conforme os estudos de Cherfem (2014), a relação entre gênero, raça e classe na atividade da catação aumenta ainda mais a desigualdade na cadeia da reciclagem. Ainda de acordo com seus estudos, a autora, reforçando o MNCR (2014) afirma que pelo fato do trabalho de catação não exigir alta qualificação profissional, acaba por atrair, principalmente, mulheres negras, desempregadas, com baixa escolaridade e chefes de família (CHERFEM, 2014).

Essa realidade se estende às catadoras de materiais recicláveis em Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, uma cidade de médio porte, que sempre apresentou dificuldades na gestão pública de resíduos sólidos urbanos na questão de depósito, acondicionamento e destinação final (FIGUEIREDO, 2006).

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Natal tem uma produção diária de aproximadamente 0,83 quilos de lixo por habitantes/dia (SEMURB, 2016). Isso significa que apenas um habitante produz quase um quilo de resíduo por dia. A Companhia de limpeza Pública da Cidade do Natal (URBANA) é o órgão gestor dos serviços de limpeza pública no município.

Diariamente, são recolhidas na cidade entre resíduo urbano e domiciliar pouco mais de 850 toneladas (TRIBUNA DO NORTE, p.6, 22 out. 2017). Desse montante, 560 toneladas são consideradas resíduos domiciliares. Ainda de acordo com a Urbana, 45% são considerados lixo seco (papel, plástico, papelão e metais) e 55%, lixo úmido (matéria orgânica), que tem como destino o aterro sanitário de Ceará-Mirim.

Entretanto, não é a Urbana que realiza a coleta seletiva na cidade, pelo contrário, são as associações e cooperativas de catadores que amenizam os problemas de gerenciamento dos RSU em Natal. Essa prática de o Estado transferir a responsabilidade para as associações e cooperativas é comum no Brasil. Para avançar nesta pesquisa, o próximo tópico traz informações sobre a caracterização da cidade de Natal.

CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO

O presente estudo foi realizado na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte (Nordeste do Brasil). Natal é uma cidade de médio porte que possui uma área de 172 km2, situa-se na mesorregião Leste Potiguar e limita-se com as cidades de Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante e Extremoz. Conforme a Figura 1, a cidade é composta por 36 bairros. De acordo com o Censo do IBGE (2000, 2010), no ano 2000, possuía 712.317 habitantes, atingindo em 2010 uma população de 803.739 habitantes, notificando um aumento de 13% de habitantes nesse período.

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Fonte: SEMURB (2015)

Conforme mencionado, a cidade de Natal é composta por 36 bairros distribuídos em quatro zonas administrativas: Norte, Sul, Leste e Oeste. Dentre essas, conforme o censo do IBGE (2010), a Zona de maior índice populacional é a Zona Norte, com uma população de 303.543 habitantes, compondo 37,7% da população. A Zona Oeste apresenta uma população de 218.405 habitantes, compondo 27,17% da cidade, estando em segundo lugar entre as zonas mais populosas.

A Zona Oeste é formada por 10 bairros, são eles: Quintas, Nordeste, Dix-Sept Rosado, Bom Pastor, Nossa Senhora de Nazaré, Cidade da Esperança, Guarapes, Felipe Camarão, Planalto e Cidade Nova. Além de ser uma região que possui mais bairros em situação de riscos como: alta pobreza, vulnerabilidade social e violência, abrigam uma

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