UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE sANTA
CATARINA
CENTRO
SÓCIO-ECONOMICO
DEPARTAMENTO
DE
sERvIÇO
SOCIAL
JARDIM
ILHA CONTINENTE;
UM
PROCESSO
DE
ORGANIZAÇÃO
COMUNITÁRIA
EM
ARTICULAÇÃO
COM
O
MOVIMENTO
`
POPULAR
DE
FLORIANÓPOLIS
Âpføvado Poli:DSS
_ f'"<lš'_/J_2_./3
\M5/
mà
cosrlChefe dd Do o de Serviço $0|=IB\ .
°SE'“"“"
LUCIANE APARECIDA
EOLDA
CENTRO
SÓCIO-ECONOMICO
DEPARTAMENTO
DE
SERVIÇO
sOCIAL
JARDIM
ILI-IACONTINENTEz
UM
PROCESSO
DE
ORGANIZAÇÃO
COMUNITÁRIA
EM
ARTICULAÇÃO
COM
O MOVIMENTO
POPULAR
DE
FLORIANÓPOLIS
Monografia
apresentadaao Departamento
deServiço Social
da
Universidade
Federal deSanta Catarina,
para
obtençãodo
Título deAssistente Social.
LUCLANE
APARECIDA
BOLDA
À
Comunidade
-
Aos meus
pais, Valdeia eGumercindo,
que estiveram presentes,mesmo
diante de
minha
ausência.Amo
vocês!-
Aos
meus
irmãos Gabriel,Giane
e Valério, pelocompanheirismo
ecompreensão.
Uma
amizade
etema...-
À
Eliete,que
acreditouno
meu
trabalho eajudou-me
a concluir esta etapa.Uma
grande profissional euma
grande amiga...!As
palavras são limitadas paraagradecer-lhe. . .
“Muita
força”I-
Ao
Jader, pelo incentivo constante,acompanhando
afetivamente todos osmomentos
desta trajetória e que, deuma
fonna
especial, “mostrou-nos” a ausência dos obstáculos. Registromeu
carinho...-
À
Lu,companheira
durante estes anos.Sabemos
que esta é apenas urna-
À
Ivete, pela paciência e estímulona
orientação deste trabalho,contribuindo para a superação de
algumas
limitações.Meu
profimdo
agradecimento.C-
Às
lideranças
da
Comunidade
Jardim Ilha Continente, que efetivamentecontribuíram
com meu
crescimento profissional e pessoal. Acredito nesta luta I-
Ao
CentroAcadêmico,
embora
precisasse privar-me dele, durante arealização deste trabalho: nossas discussões e lutas
foram
significativas neste processo.Acredito
que
ocaminho
é este.-
E
a todos que, diretaou
indiretamente,apoiaram-me
e contribuíram para aconcretização deste trabalho. Registro o apoio de Gisele,
Noemi,
Adriana,INTRODUÇÃO
... .. 1 -COMUNIDADE
JARDIM
ILHA
CONTINENTE:
EXPRESSANDO
AS CON-
TRADIÇÕES
SOCIAIS
... ..2 -
A
LUTA
PELA
CONQUISTA
DA
MORADIA
E
SUA
RELAÇÃO
COM
O
MOVIMENTO
POPULAR DE
FLORIANÓPOLIS
... ..3 -
A
ASSOCIAÇÃO
DE
MORADORES
E
AS
LUTAS
COTIDIANAS
... ..4
-O
PAPEL
DAS
ASSESSORIAS
... ..CONSIDERAÇÕES
FINAIS
... ..BIBLIOGRAFIA
... ..INTRODUÇÃO
Sob
características próprias deum
detenninado contexto histórico, opresente trabalho configura-se a partir dos condicionantes das relações
desencadeadas durante nosso período de estágio
na
Comunidade
Jardim
IlhaContinente, vinculado ao “Setor de Assessoria às Organizações Comlmitárias”
do
CEDEP
- Centro deEducação
e Evangelização Popular.Embora
constituída poruma
celta autonomia, nossa intervençãono
cotidianodessa
Commndade
esteve pautada pelos objetivos centrais desse centro de assessoria;ou
seja, foiuma
constante a preocupaçãocom
aformação
de lideranças,numa
perspectiva de desencadear
um
processo detomada
de consciência histórico-críticaacerca das contradições sociais que
peipassam
o sistema capitalista e, ainda, dedimensionar o conjunto de atores sociais
que
secolocam na
cena política da cidade;desenvolver estratégias de articulação entre os sujeitos coletivos, tanto
no
nívelintemo
do
processo organizativoda Comunidade,
como
entre diferentes agentesda
sociedadefortalecimento
da
luta deuma
fração da classe subaltema. Para tanto,procuramos
participar dos diferentes espaços de discussão e articulação
no
cotidiano daComunidade:
reuniões dosJ
grupos organizados e da Associação de Moradores,
assembléias gerais, contatos informais
com
os moradores,bem
como
participaçãonos
seusmomentos
de lazer e, ainda, engajamentoem
espaços de discussão earticulação
dimensionados
aos interesses dosMovimentos
Sociais,promovidos
poragentes
da
sociedade civil e política.Articulada às condições históricas objetivas da
Comunidade
Jardim
IlhaContinente, a construção de nosso objeto de investigação esteve constantemente
permeada
pelas representações subjetivas de lideranças daComunidade.
Sob
apretensão de nosso trabalho
não
se limitar auma
simples sistematização e análise dedados, destinados aos arquivos acadêmicos, objetivamos analisar e
acompanhar
adinâmica das relações impostas pela realidade investigada,
comprometendo-nos
com
uma
ação coletiva e transformadora,que
contribua para o processo deformação
econscientização dos participantes,
bem
como' para a melhoria de suas condições devida.
Mediante
esse processo, os objetivosque deram
origem ao presente estudoforam
delirnitados a partir de discussõescom
algumas
lideranças comunitárias, sobreas
demandas
impostas pelo processo organizativo,em
que
se definiram prioridadesque deveriam
ser aprofundadas pelo Serviço Social:“. . .
Para
mim
da
Diretoria,acho que a
estagiária, neste caso,deveria servir
como
um
eixo ligandoComunidade
à
Diretoria.Quero
dizer,
aproximar
mais, fazercom
que
as pessoas assistam mais às7
“. . .
Comunicação
com
a
Comunidade,
para
maior
participaçãocom
a
Diretoria. ” (Junho/1993). z. .
Reunir
asComunidades para
um
trabalhomais
conjunto. ” (Junho/ 1993).
A
partir de entãoprocuramos
analisar, historicamente, as articulações daslutas dos sujeitos coletivos (Associação de Moradores, grupos e moradores)
da
Comunidade
Jardim
Ilha Continente,no
seu processo organizativo, e ainda sua articulaçãocom
lutasmais amplas
dosMovimentos
Sociais de Florianópolis,que
_.
vão além
da
defesa de interesses particulares eque
buscam
intervirna
formação
daspolíticas gerais de organização
ou
de transformaçãoda
vida social. ”(SCHERER-
WARREN,
1993: 116). Para tanto, nossa participaçãono
cotidiano dacomunidade
foi a base para os instrumentos de investigação utilizados: observação e relatórios de
reuniões, principalmente,
da
Associação de Moradores, sob a metodologiada
Pesquisa-Ação, baseando-nos
na concepção
deMichel
Thiollent (1988).A
análise dos resultadosda
investigação permeia a presente exposição, sobum
resgate históricoda
lutada
Comunidade
Jardim
Ilha Continente pormoradia
e suarelação
com
oMovimento
Popular de Florianópolis, ao longo de seu processoorganizativo,
bem
como
suas relações de lutas cotidianas, perpassadas por avanços edesafios. Para tanto,
buscamos
resgatar questões relevantesda
práxis dosMovimentos
Sociais nas décadas de70
e 80, contextualizando, assim, o período deMediante
aprodução
deum
intensofluxo
migratório, desencadeadafundamentalmente na década
de 70, aComunidade
constitui-seno
espaço urbanocomo
concentração de força de trabalho,que
contribui para aacumulação
capitalista,produzindo a sua própria exclusão social, econômica, política e cultural.
Dessa
forma, procuraremos analisar
como
osmoradores
colocam-se nessenovo
espaço,que
os obriga a viver sob precárias condições de vida, sejano
âmbitoda
saúde,educação, habitação,
ou
mesmo
do
lazer, sofrendo aindaum
significativo processo deaculturação e perda de sua identidade social;
como
secolocam
frente ao principalmediador
das determinações conjunturais e estruturaisdo
processo de urbanização,na
sua luta pela cidadania;ou
seja,abordaremos
também
o papeldo
Estado nessecontexto,
bem
como
sua relaçãocom
as classes populares, centrando-nosna
históriade luta
da
Comunidade
Jardim
Ilha Continente.Entendendo
a Associação deMoradores
como
instrumento de articulação dasrelações cotidianas
da
base dosMovimentos
Populares, e, fundarnentahnente,como
espaço de
formação
política e construção deuma
nova
consciência, dissertaremoshistoricamente acerca de sua constituição
na
Comunidade
em
foco, analisando suasrelações
com
outros sujeitosque
constituem o processo de organização,bem
como
arelação
com
osmoradores
como
um
todo. Suas conquistas e participaçãonos
espaçosinstitucionais, e
em
momentos
de discussãocom
outras comunidades, será oenfoque central de nosso trabalho.
Finalmente, sob a
compreensão
deque
a presença de assessoriasna
luta9
que determinam
a dinâmicado
seu processo organizativo, discorreremos acerca deseu papel
na
Comunidade
Jardim
Ilha Continente, visto que nessa realidade seexpressa significativamente.
Acreditamos que
a presente exposição caracteriza-secomo
uma
tentativa dedelinear
algumas
inquietações coletivas referentes auma
determinada realidadesocial.
Por
realizar-se sob limitações acadêmicas e pessoais, entretanto,observamos
a necessidade de
um
aprofundamento na
questão pornós
abordada, o que poderáAs
CONTRADIÇÕES
s0cIAIs
Entender a
Comunidade
Jardim
Ilha Continente - CJIC,como
expressão dascontradições sociais, supõe
uma
análise das inter-relações dos fatores que aconstituem, e
perpassam
sua história e seu cotidiano.Devido
àcomplexidade
intrínseca desses
inúmeros
condicionantes,que
sefundem
nos aspectos culturais,econômicos, sociais e políticos,
temos
clarezada
impossibilidade de compactá-losneste estudo.
Tentaremos brevemente
sistematizaruma
análise das condiçõesobjetivas e subjetivas nas quais se
encontram
os sujeitos históricosda
referidaComunidade.
Nas
proximidades daAvenida
Ivo Silveira eda
rua Santos Saraivano
Bairrode Capoeiras, Florianópolis,
há
uma
área de 32.225,75 m2,em
que
a saúde seencontra constantemente ameaçada, entendida
não
apenas quanto a doenças,mas
quanto à falta de condições
que
representem qualidade de vidaem
todos os níveisll
adequado, expressando
um
quadro estadualque
indicaum
índice de49,0%
dedomicílios -
ou
seja, 2.225.577,segundo
dadosdo
IBGE
(1991) - quenão atendem
aum
ou mais
dos critérios necessários parauma
sobrevivência digna,como
abastecimento de
água
com
canalização intema, esgotamento sanitário ligado à redegeral de esgoto
ou
fossa séptica e lixo coletado.Um
lugaronde
amaior
parte(57,65%) do
material utilizado nas construções émínimo
e destituído de segurança;onde
pessoassobrevivem
sob precárias condições de trabalho, o que as colocaem
situações
sub-humanas
pela exploração desenfreada - a sua maioria atuacomo
biscateiros
(38,34%)
- sendo, desta forma, variável onúmero
de desempregados;entre as mulheres,
10,88%
trabalhamcomo
domésticas.A
rendamensal
familiarvaria entre
um
a dois saláriosmínimos
(40,26%), que é o limite da subsistência detrês a seis pessoas; dessa forma, vive-se diariamente sob a angústia e a incerteza
da
garantia de
uma
alimentação básica e desconhece-se urna política de planejarnentofamiliar. Constata-se, portanto, que a saúde, aqui, apresenta-se enquanto acesso
restrito,
ou
quase inexistente.O
acesso ao serviço público limita-se ao Posto deSaúde
localizado
na
Comunidade
ao lado, oMorro
da
Caixa. Utiliza-se, portanto,do
Sistema
Único
deSaúde
(SUS), estabelecido a partir da Constituição de 1988,mediante a municipalização dos serviços administrativos, técnicos e financeiros.
Assim, as
mais
de250
famíliasda
Comunidade
Jardim
Ilha Continente,bem
como
agrande maioria
da
população brasileira, passarn a submeter-se ao atendimentonos
Centros e Postos de saúde,
que
seencontram
constantementeem
escassez derecursos
humanos
e financeiros.São
longos seus diasou
meses
de espera poruma
atendirnento imediato
no
setor privado.A
medicina preventiva deixa para aquelasfamílias de ser
uma
necessidade,dando
espaço a situações emergenciais.Uma
análisemais
aprofimdada
a respeito dessa problemática,no
entanto, exigiriaum
outro espaçode sistematização, devido a sua complexidade, o
que
foge ao presente estudo.A
precariedade das condições de vida daComunidade
não
se esgota aí. Eladefronta-se, ainda,
com
a destituição à educação.O
ensino público toma-se neste casoprivado, pois a rotina
do
trabalhocomeça
cedo demais e a escola acaba setomando
um
espaço esquecido, supérfluo, inacessível. Transforrnando-se precocementeem
força de traballio, crianças e jovens
vêem
reduzidas suas possibilidades de acesso àeducação.
A
maioria das criançasque
aindapermanece na
escola freqüenta oColégio Polivalente, localizado
na
Av. Ivo Silveira,próximo
àComunidade.
As
farnílias
que
não podem
manter
os filhosem
creches domiciliares, por elasserem
pagas, deparam-se
com
a falta de vagas nas creches públicas, pois aComunidade
encontra-se ainda destituída de
um
espaço capaz de atender a essademanda.
A
grandemaioria dos moradores, que se encontra entre
26
a 41 anosde
idade(60,60%
dosmoradores),
não
possui o primeiro grau completo(65,90%)
e6,10%
são analfabetos,o
que
expressa claramente a sua gradativa exclusão educacional, jáque
se trata deuma
Comunidade jovem
1.
A
taxa de analfabetismo,em
Florianópolis, corresponde a11,64
%,
sendoque
em
Santa Catarina encontramosum
índice de13,72%
(IBGE/
1991).Um
quadro bastante contraditório, frente à garantiado
ensinoobrigatório e gratuito apresentada pelo Estado, que prevê
25%
da
receita orçamentáriaà educação,
sem no
entanto, prover a igualdade de condições de acesso ao ensino.13
O
lazer, para osmoradores
dessaComunidade
é, portanto, colocadoem
último plano.
O
único espaço garantido para isso são as ruas, ocupadas pelas crianças.A
maioria dos adultos, geralmente oshomens,
contenta-seem
reunir-se nos baresexistentes
na
própriaComunidade
e, às mulheres, restam-lhes osmomentos
em
que
seencontram
nas casas vizinhas. Freqüentemente,no
entanto, amaior
partedo tempo
livre é invadido pelos
programas
de televisão.Não
seria necessário irmosalém
desse espaço físico, para evidenciarmos adesigualdade social
que
se manifesta nessas condições de miséria. Bastaria queolhássemos
as condições deuma
outra realidade que a cerca (anexo 1).“
Diante desse quadro a
Comunidade
convive diariamentecom
a violência.Violência entendida
em
dois níveis; porum
lado, enquanto enfrentamento enegação
àscondições de miséria, de opressão e
dominação
que lhe são impostas e, por outro, aviolência de
um
sistema que retira a vida,quando
obrigahomens
e mulheres aviverem
em
condições sub-humanas.Conforme
analisaABRANCHES
(l985:34-5), aocaracterizar a situação de destituição
em
que vive a maioria da população brasileira:” mobilizam
para
o trabalho os ƒilhosem
idade escolare aqueles
membros
em
menor
condição de trabalhar (velhos, inválidos) eprecisam
submeter-se,no
conjunto,a
uma
sobrecarga de trabalhopara
obtera
renda
parca
que
lhes garantaa
subsistência precária.São
imposiçõesda
necessidade,que
tolhema
liberdade, poisconsomem
as energias exclusivamentena
luta contraa
morte.Não
podem
cuidarsenão
desua
mínima
persistência física, material.( ..)
Essa
ditadurada
necessidade sequer garantea
sobrevivênciamaterial íntegra.
Todo
o tempo, ospobres
vivemapenas
para
não
morrer. ( . .)
Para
sobreviver,consomem
mais horas de trabalho,subtraídas
ao
estudo,ao
descanso,ao
lazer,à
busca de opções aletrabalho e renda,
ao
exercícioda
criatividade,à ação
política, aosEncontramos, dessa forma, a expressão da exclusão
econômica
e socialem
toda a sua intensidade.
Uma
exclusãoque
se constitui a partir dacomplexidade
deum
sistema
que
só é capaz de reproduzir-se através da exploração e opressão da vida demilhões e milhões de pessoas.
Homens
e mulheresvêem-se
obrigados a vender sua força de trabalho,tornando-se objeto de
um
modo
deprodução
capitalista,com
valor insuficiente para asua própria reprodução física, produzindo, assim, a negação de sua necessidade vital.
A
produção
e reproduçãodo
capitalismo implica a reprodução deuma
crescenterelação de
dominação
e opressão: . .A
acumulação
da
miséria é proporcionalà
acumulação
do
capital. "(IAMAMOTTO,
1986: 62).Quanto mais
o trabalhadorproduz, tanto
mais
setoma
dependente e alheiodo
seu trabalho; quantomais
produz ariqueza
do
outro, tantomais
reproduz sua destituição.Na
relação de forças entre os grandes produtores imobiliários deFlorianópolis e o grande contingente de força de trabalho destituída de propriedade,
encontram-se os determinantes
da negação
à habitação deuma
imensa
parcela dapopulação.
A
grande maioria dos trabalhadoresda
Comunidade
Jardim
IlhaContinente, constituindo-se
mão-de-obra da
construção civil, vê-se obrigada a lutarpelo
que produz
em
grande escala: moradia.Tais relações imanentes
do
sistema capitalistasupõem
o desenvolvimento deum
espaço possível de aglutinardemandas,
suscetível de atrairum
grande contingente15
encontra-se intrinsecamente articulado aos condicionantes da produção e reprodução
do
capital, desenvolvendo as condições necessárias -aumento
dosmeios
deconsumo
produtivo e de consrnno individual e coletivo - para a sua reprodução. Esse processo
de urbanização desenvolve
novas
necessidadesno
conjuntoda
sociedade,determinando
um
novo
modo
de vida social.A
urbanizaçãonão
oferece apenascondições para o desenvolvimento
da produção
e da força produtiva,mas
abrangeainda a reprodução
do
capitalno
conjunto da sociedade.A
urbanização . .não
éde
modo
algum
um
fenômeno autônomo
sujeitoa
leis de desenvolvimento totalmentedistintas das leis
da
acumulação
capitalista. . .“(LOJKINE,
1981: 137).Fruto desse processo político-ideológico,
que
se traduz atravésdo
fluxo
migratório, a
Comunidade
Jardim
Ilha Continente constitui-se concentração de forçade trabalho, contribuindo para a reprodução
do
capitalismo.As
primeiras ocupaçõesna
área derarn-se por volta de 1983, por famílias provenientes fundamentalrnente dosEstados
do
Paraná(13,44%)
eRio Grande do
Sul (5,88%), edo
interior de SantaCatarina (47,9_0%).
Na
medida
em
que
uma
significativa fração popular é expulsade seu espaço rural, devido à ausência de políticas agrícolas, enfatizada por
um
Estadoexcludente, definem-se
novos meios
deconsumo
produtivo pertencentes aocapitalista, condicionando os linrites de seu
consumo
individual e coletivo, (saúde,educação, transporte, alimentação, habitação, etc). Essa grande
massa
detrabalhadores passa a vender sua força de trabalho por
um
valor abaixodo
mínimo
desua subsistência, colocando-se à
margem
de seus direitos trabalhistas.O
espaçourbano
e, portanto, os aglomerados populacionais, incluindo as inúmerascomunidades
de produção.
A
concentração, portanto, de contingentes populacionaisnum
espaçorestrito
não
supõe apenasum
inchaço territorial,mas
a determinação de condições paraa
manutenção do
capital.Conforme
expressaLOJKINE
(1981: 121), “Asformas
deurbanização
são
antes demais
nada
formas
da
divisão social (e territorial)do
trabalho. . .
”
Dessa
forma, a cidade toma-se o principal espaço de desenvolvimento daluta de classes.
O
urbano não
é apenasum
espaço de desigualdade de acesso aosmeios
deconsumo,
mas
expressão da centralização política eeconômica
pelo Estado epelos grandes capitalistas, representando os interesses
da
classe dominante.O
Estadoassume
papel decisivono
processo de adaptação e socialização desseaglomerado
humano
às suasnovas
relações sociais de produção. Contraditoriamente, o espaçourbano
exige a formulação de políticas quepossam
cooperarna
reprodução dessaforça de trabalho.
Apesar
de constituírem-se despesasnão
rentáveis, contribuem paraa
produção
ideológicado
equilíbrio social e coletivo,camuflando
as contradições econtrolando os conflitos de classes; são, portanto, integrantes
do
desenvolvimento dascondições necessárias de produção.
O
processo de urbanização defme-se, pois, sob detemiinações políticas,econômicas
e sociais,mediadas fundamentalmente
pelo Estado. Por se apresentarcomo
agente gerenciadorda
relação capital-trabalho, o Estado toma-se o principalmediador
das lutas de classes.'
Dessa
forma, o conflito urbano toma-se visível,mediante as reivindicações ao Estado; ao
mesmo
tempo
em
que deveempreender
meios
para atender às exigênciasdo
capitalismo, deve dar respostas às forçasem
17
pelo desenvolvimento urbano,
ou
seja, “devidoà
heterogeneidade de interesses que secondensam
em
tornodo
Estado,a
ele competirá,como
resposta,dar
coesão político-ideológica
à
sociedade. ”(GOHN,
1982: 23).Esta
nova
realidade,que
setomou
significativamentecomplexa na
décadade 70, levou-nos a crer
que
a verdadeiraconfiguração do
chamado
“milagreeconômico”
então alardeado era outra.Do
ponto de vista deuma
redistribuiçãoeconômica
e estagnação das desigualdades sociais,não
ocorreu milagre.Houve, na
verdade,
um
período de acirramentoda
exploração e repressão das classes populares,uma
profunda contenção das manifestações e reivindicações. Sehouve
um
milagre,ele ocorreu
somente
para1%
da
população; a maioria continuava recebendomenos
de
um
saláriomínimo. Sobrevivemos
aum
modelo
concentrador e excludente.Conforme
coloca-nosHABERT
(1992: 15): “A milagrosaexpansão
da
economia
brasileira fazia-se, pois,
a custada
pauperização edo
silêncioforçado
de imensoscontingentes de trabalhadores assalariados. ”
Além
de todo o pesodo
aparatorepressivo, presenciamos a
uma
tentativa manipuladora de legitirnaçãodo
poderpolítico autoritário, através
do
discurso pautadono
equilíbrio econômico.As
transformações
econômicas
em
nível mundial, portanto, ocorridas durante ogovemo
Geisel, exigiram
uma
nova forma
dedominação
política.De
acordocom
a análise deSADER
(1982: 177):“...
a
forçado
regime estava e estásempre
diretamente ligada àscondições reais de reprodução
do
sistema, deuma
reprodução que
seja igualmente reprodução
da
burguesiaem
sua
diversidade ecomplexidade. Se esta reprodução (incluindo
a
reprodução
dealianças sobre as quais se alicerça o Poder)
não
pode
ser mantida, oO
regime político então vigente perdeu, assim, sua legitimidade..A
centralização
do
poder,no
entanto, ainda esteve assegurada, durante o período deabertura política, pelo desenvolvimento de
uma
ação estatal tecnoburocratizada, queinvestiu
num
processo de despolitização da sociedade civil. Essanova
relaçãopermitiu a proliferação e intensificação de organizações individualizadas e
corporativas,
demonstrando
significativo potencial para conter os conflitos de classes.A
década
de80 retomou
gradualmente ogovemo
populista,quando
buscou, pormeio
da
cooptação e de políticas paternalistas e clientelistas, responder àsdemandas
das classes dominadas, a fim de integra-las ao sistema de produção e reprodução
do
capitalismo, mediante o incentivo ao processo de urbanização, e coibir suas lutas
organizadas,
não ameaçando,
assim, o poderdo
grupo hegemônico.A
nova
representação
da
política institucionalizada mantinha-se, dessa forma, sobum
discursodemocratizante de
um
Estado provedor das desigualdades sociais.Durante esse período ocorreu urna significativa inversão
no
quadropopulacional brasileiro.
Na
década de 50,64%
da população viviana
zona
rural eapenas
36%
permanecia na zona
urbana. Jáem
1990, constata-se que a área urbanaabrange
um
índice de75%
da população, enquanto a área rural, apenas25%.
O
Estado catarinense expressa esse
mesmo
desequilíbrio.Em
1960 a área rural contavacom
68%
da população e a urbana,com
32%.
Atuahnente apenas35%
delaencontra-se
no campo
e65%,' nos
espaços urbanos. Essenovo
quadro apresentaum
19
Seria necessária a construção de 12,5 milhões de moradias populares, para se resolver
o
problema da
escassez habitacionalno
país.(IBGE/
1991).Com
a extinçãodo
BNH
-Banco
Nacional de Habitação,em
1986,presenciamos atualmente a ausência de
uma
política habitacional voltada para asclasses populares. Durante o período de 1964 a 1986, o
BNH
construiu 4,5 milhõesde habitações, sendo,
no
entanto,somente
18%
destinada à população de baixa renda.Fundamentalmente na década
de 80,com
o significativo acréscimono
índice dedesemprego,
houve
uma
escassez de recursosdo
FGTS
-Fundo
de Garantia porTempo
de Serviço, destinados aofmanciamento
de moradias populares.O
govemo
Collor (1989) criou o
PAI
- Plano deAção
Irnediata, oPROHAP
-Programa
deHabitação Popular e ainda o
PROAREAS
-Programa
de Urbanização de Áreas,dando
continuidade à elaboração deprogramas
com
o caráter de incorporação demão-
de-obra
do
beneficiário, retirando parcial responsabilidadedo
Estado frente aoproblema
habitacional,na medida
em
que
utiliza o discurso da participação popularenquanto suporte de ação política.
O
govemo
Itamar Franco desenvolveu o projeto“Habitar Brasil”, voltado aos centros urbanos
com
até50
mil habitantes, e o“Programa
Morar
Município”, para cidadescom
menos
de50
mil habitantes.Atualmente, discute-se o projeto
do “Fundo
Nacional de Habitação Popular”, aindanão
aprovado. Constatamos, portanto,que
as limitações e fragrnentações das políticasgovernamentais voltadas a essa problemática ocorre devido à ausência de
uma
articulação
com
urna política fundiária e,mais
ainda, à desassociaçãocom
políticasagrárias.
O
problema da
habitaçãonão
poderá ser resolvidosem
a efetivação deum
capaz de oferecer, à população de baixa renda, condições de acesso
não
somente àterra, mas,
em
seu sentidomais
amplo, à moradia, enquanto viabilizaçãodo
exercícioda
cidadania.Transcendendo
esse lirnite capitalista,concordamos
com
a análise deENGELS
(1953: 116), ao escrever que:Para
acabar
com
esta escassez dehabitação
não
existesenão
um
meio: abolira
exploração ea
opressaoda
classeoperária
pela
classedominante
“.Em
Florianópolis, ofluxo
migratório irriciou-se principalmenteno
fmalda
década
de 70,em
meio
aum
período de criseeconômica
e política.A
capital~
catarinense depara se entao,
com
um
processo de entumescirnento,demarcado
pelocrescimento de áreas concentradas de pobreza e miséria,
chegando
elas aum
total de67,
segrmdo dados
levantadosem
19832.A
“Ilhada
Magia”
retira de seuspescadores as
mínimas
condições de sobrevivência sob a pesca artesanal, expulsando-os para o centro comercial, única fonte
econômica do
municípioalém do
turismo.Este
em
maior
grau,em
nome
da
especulação imobiliária, aliado à “super-valorização”do
serviço público, aparececomo
foco de atração ao migrante. Florianópolis torna-se,dessa forma, a “esperança de urna vida
mais
digna” para aqueleque
desconheceque
seu único espaço de “turismo” será
na
indústriada
construção civil,como
operário.A
constituiçãoda
Comunidade
Jardim
Ilha Continente esteve e estápermeada
porum
conjunto de forças contrárias à legitirnação da concentração deurna fração populacional, de baixo nivel de renda,
num
espaço considerado altamentevalorizado.
A
valorizaçãodo
seu solo dificultou, e ainda dificulta, a construçãodo
direito àmoradia
e a viabilizaçãodo
seu processo de urbanização. Atualmente,2Dados levantados em 1983, por assessorias ao Movimento Popular de Florianópolis que atualmente integram o
21
expressando as relações sociais, políticas,
econômicas
e culturaisdo
espaço urbano,configura-se
um
intensomovimento
de entrada e saída de migrantesno
interior dacomunidade,
devido à escassez de solo urbano, ou,no
sentidomais
exato, àconcentração e
má
distribuiçãodo
solo, _à inoperância dos recursos destinados àhabitação e à ausência de políticas capazes de
romper
com uma
intervenção estatallimitada ao imediatismo, clientelismo e ao corporativismo, inerente à própria cultura
política
do
país,na
resoluçãodo problema
damoradia
popular. Contraditoriamente, sepor
um
lado a atual urbanizaçãoda
áreada
Comunidade
Jardim
Ilha Continenteexpressa a conquista ao atendimento das necessidade coletivas de seus moradores, o
que
é necessário ser considerado, por outronão
resolveu oproblema
de inúmerosmigrantes
que
chegam
diariamente à cidade, isto é,não
apresentou saídas para aquestão
da moradia
popularno
município, devido ao seu caráter corporativo.Nesse
período,no
entanto, Florianópolis presenciavaum
grandefluxo
delutas reivindicativas pela conquista
da
moradia..A
Prefeitura Municipal, por pressão
do
Movimento
Popular, institui,em
julho de 1989, oFMIS
-Fundo
Municipal deIntegração Social, tendo
como
principal objetivopromover
o reassentamento defamílias
de
baixa renda e discutir a questão habitacionalna
cidade.A
atuaçãodo
órgão, porém, esteve submetida à burocratização de
uma
política populista,não
oferecendo alcance político expressivo.
Somente
com
seu último processoeleitoral,
em
agosto deste ano, perpassado por intensas discussões desencadeadas porlideranças comunitárias e assessorias ao Movirnento Popular é
que surgem novas
perspectivas de transformação
no
âmbito da questão habitacionalno
município.A
representativa
no
Conselho do
FMIS,
configura
um
novo
espaço de participaçãopopular
na
gestãoda
cidade, questãoque
iremos aprofundar posteriormente.Atualmente
aComunidade
Jardim
Ilha Continente ainda sofreum
processode integração
na
malha
da
cidade; os valores da vidano
campo
confundem-se
com
asnovas
práticas e acepçõesdo
urbano, caracterizando a construção deuma
nova
consciência política de
forma
lenta e gradativa. Durante o processo de luta pelaconquista
da
moradia, seusmoradores
sofreram significativas transformaçõesno
nível ideológico.
Nesse
processo dialético de luta e construçãoda
consciênciapolítica , as classes populares, entendidas
como
o conjunto decamadas
subordinadasà
espoliação e à
dominação
política, econômica, social e cultural,passam
a organizar-se.A
luta pelo acesso aosmeios
deconsumo
coletivo,bem
como
a construção eredefinição
da
cidadania, deu-se mediante intenso confrontocom
o poder público.As
conquistasempreendidas
pelaComunidade
Jardim
Ilha Continentemarcam
odesenvolvimento de
um
potencial para a definição denovas
perspectivasno
processo de transformação social. Esses, e outros eixos teóricos que se constituíram
2 -
A
LUTA
PELA CONQUISTA
DA MORADIA
E
SUA
RELAÇÃO
COM
O
MOVIMENTO
POPULAR DE
FLORIANÓPOLIS
z
O
processo deocupação na
áreada
Comunidade
Jardim
Ilha Continente,bem
como
dasdemais comunidades que
se constituíramem
Florianópolis, foimarcado
por
uma
forte resistência frente ao poderhegemônico,
cultural, social,econômico
epoliticamente.
A
produção
político-ideológicaque
se desenvolveuno
paísintensamente, a partir
da
década de 50,configurando
o intensomovimento
migratório,
marcou
o início de todoum
processo de aculturação deum
povo,igualmente
dominado na
sua condição de trabalhador rural,mas
que
ainda possuía agarantia de sua subsistência, e
mantinha
relações de solidariedade entre osque
seencontravam
em
semelhante destituição. Essa população reconhecia seu espaço e seugrupo e identificava-se
com
ele.A
valorizaçãodo
sujeito enquanto identidade social ecultural, ao contrário,
dá
lugar ao individualismo e àmassificação
a partir de valoresda
sociedade capitalista.Agentes
em
luta, “invadidos” porum
processo desociedade
permeada
pela significação políticado
grupo hegemônico.(CHAVES,
1987).
Homens
e mulheres defrontam-se, assim,com
novos
valores ecom
anecessidade de conviver
com
o divergente.Conforme
analisaSADER
(1988: 99),baseando-se
em
PETRINI:
“. . _
O
processoque do ponto
de vistada
sociedade éde
integração,consiste
para
o migrantena desagregação
dos laços de solidariedadea
pessoas egrupos
sociais,na perda
da
fidelidadea
valores e idéiasque
resultamnuma
sistemática de desapropriação desua
identidade”(apud
LIMA
&
CUNHA,
1992: 29).partir de
uma
necessidade coletiva imediata - a conquista deum
espaçode
moradia
- desenvolvem-se relações de solidariedadena
busca de estratégias de lutapolítica.
As
práticas cotidianas representam, assim, o espaço deconstmção
deuma
nova
identidade coletiva e deum
processo detomada
de consciência, a partir deinteresses
comuns.
As
novas
relações,que vão
seformando
no
conjunto das lutas cotidianas,defmem
uma
nova
ação _e expressão coletivana
reprodução das relaçõessociais, determinando a construção de
uma
nova
cultura política. . .As
relaçõessociais cotidianas,
embora
revelem-se reificadas, escondidas, ocultaspor
estemodo
de produção, se
apresentam ao
mesmo
tempo
como
fundantes de reflexõesque
buscam
extrapolar o
modo
de ser e depensar
da
sociedade burguesa. ”(SIMIONATTO,
1989: 126).
Ao
mesmo
tempo
em
que
a luta desses sujeitos coletivos estápermeada
por valores capitalistas, ela possui a potencialidade para construir
uma
nova
identidade social.
A
dominação
capitalistanão
ocorre demodo
linear,mas
perpassada25
espaços, construindo
uma
nova
consciência.O
sistema estabelece, historicamente, ascondições objetivas para a sua própria negação e contradição, expressando, a todo
momento,
a luta de classes: “ . . é o acirramento das contradiçõesque provoca
a
abertura de espaços de lutas e confrontos
em
diferentes níveisda
vida social, políticae econômica. ”
(GOHN,
1985: 18).A
representação de “invasor”que
transgride aordem
historicamente estabelecida é, portanto, substituída pela caracterização deuma
camada
popularque
vive a espoliação urbana e luta pelos seus direitos, mediante aconsciência coletiva
da
desigualdade.É
na
unificação dos interesses, aliada à próprianecessidade material,
que
se estabelece a confrontação à ideologia dominante; éa
vivênciana
área
ea
própria participação nosmovimentos
sociaisque
seformam,
dentro e
fora
dela,que vão
se encarregar de transformara
visão e as significaçõesanteriores. ”
(CHAVES,
1987: 10). Essa interiorizaçãoda ocupação do
espaçourbano,
como
direitoque
lhe é negado, é a base para a legitimação da luta pelamoradia,
marcando
o início .da superaçãodo
imobilismo e a construção deuma
nova
identidade,
na
confrontação ao poder político e econômico.“Não
é necessariamente,a
miséria crescente,
mas
a
consciênciada
pobreza que
contribuipara
a
mobilizaçãopopular.”
(DURHAM,
1984
apud
AMMANN,
l986:10).Durante todo o processo de luta da
Comunidade
Jardim
Ilha Continentepela moradia, constatamos a emergência de
novos
sujeitos sociais,com
significativopotencial
na
construção de urnanova
cidadania.a
transformação de necessidadese carências
em
direitos,que
seopera
dentro dosmovimentos
sociais,pode
ser vistacomo
um
amplo
processo de revisão e redefiniçãodo
espaçoda
cidadania. ” (com
suas carências, e a crescente espoliação da qualidade de vida é, portanto, amediação do
processo de luta.A
busca de acepções diferenciadas quanto àemergência
deinúmeros
sujeitos históricos deve, portanto, estar pautada,no
campo
de sua luta, pela conquista dos direitos políticos e sociais. Direitos
que
se articulamentre si, de
forma que
um
é condição de possibilidadedo
outro.(MOISÉS,
1981apud
SCHERER,
1987: 39).Ç
Na
medida
em
que
asComunidades unificam
suas lutasno
confronto aoEstado,
começa
a surgirna
cena política da capital catarinense oMovimento
PopularUrbano,
voltado para a transfonnação das relações dedominação
e exploração,expressando as contradições irnanentes
da
sociedade capitalista e,no
seu sentidomais
amplo, as próprias contradições de classes.
De
acordocom
aconcepção
deBALLÓN
(1983: 225):
“...
a
categoriamovimento popular
refere-sea
um
sujeito social epolítico,
a
uma
vontade coletivaque
sintetiza as massas, eque
temnas classes
sua
determinação principal.O
povo
como
sujeito deação
históricanão
se constituià
margem
das classes, mas,ao
contrário,acompanha
omesmo
processo de constituição das classes; e asformas
e característicasque assume correspondem ao
nível egrau
dedesenvolvimento destas últimas.”
(apud
CAMACHO,
1987)Os Novos
Movirnentos Sociais, defmem-se, assim,na
superação destas lutasespecíficas,
buscando
construirum
novo
projeto político democrático, questionando ecombatendo
o autoritarismodo
Estado, interferindono
processo histórico dasociedade, desenvolvendo significativas transformações nas relações de classes.
27
estruturais
onde
se encontram.Mesmo em
locaisem
que taisMovimentos
não
apresentam alto grau de desenvolvimento, já apontam,
em
termos gerais, perspectivasde
mudança.
Com
as inúmerasocupações
e as intensas tentativas de despejo aque
estãosujeitas, as
comunidades da
capital catarinense fortalecem suas associações demoradores
e articulam suas lutas, através da comissão dos Sem-Teto, estruturadaem
1982, confrontando-se
com
o então governo populista de EsperidiãoAmim.
Ocorreu
nessa
época
um
intenso periodo de discussões e manifestaçõesem
tomo
dos interessescoletivos de inúmeras
Comunidades,
expressando o grandefluxo
dosMovimentos
Sociais
no
país,que
incorporouum
projeto político e cultural capaz de constiuir apráxis revolucionária;
um
projetoque
sefundamenta na
construção de estratégias deampla
participaçãoda
base, constituindo relativaautonomia
em
relação ao Estado eaos partidos políticos. . .
As
lutaspor
transformações radicais travam-seno
âmbitoda
'sociedade civil ', visandoà
conquistado
consensoda
maioriada
população, eorientam-se, desde o início,
para
influir e obter espaçosno
seio dos própriosaparelhos de Estado,
já que
esses sãoagora permeáveis à ação
das forçasem
conflito”.
(COUTINHO,
1992: 37).Não
dissolvendo as necessárias articulaçõescom
estes agentes, os
movimentos
sociais da década de80
rompem
com
o
atrelamentopresente
na
sua historicidade.Ao
contrário dosmovimentos da década
de70
que,erguendo
a bandeirada
autonomia, a fnn de assumirum
caráter combativo frente aoregime totalitário, transformou a sociedade civil
num
espaço diferenciado de fazerpolítica, postergando os “espaços institucionais tradicionais”
(TELLES,
1987).O
história
da
sociedade brasileira. Ocorre, nesse período,um
processo de abertura denovos
canais de participação, ainda que construídosem
espaços insólitos dearticulação, devido aos próprios lirnites impostos à sociedade civil.
O
medo
darepressão abafou grandes manifestações políticas,
dando
lugar a lutas reivindicativas apartir de interesses imediatos
nos
locais de moradia.Apesar
disso, osmovimentos
sociais
possuíam
substantiva consistênciano
seu processo auto-organizativo, o queabriu brechas para sua posterior redefinição.
De
acordocom
as condições sociais,políticas e
econômicas da
época, taismovimentos
foram, significativamente, agentesque
possibilitaram a abertura denovas
perspectivas para as lutas das classes populares.“O
que
sepode
dizer éque
nas condições opressivas daquelesanos
(década de 70), os
movimentos
populares, tão pontuaisem
suasreivindicações , tinham
um
alcance simbólicoque
ultrapassava osentido imediato de conflitos locais
para
mobilizar e articularcomo
experiência compartilhada as várias opressões vividas
em
lugaresdiferenciados.
Dava
assim, projeção política eabriam
novoshorizontes
à
opressão e violência vindasdo
Estado.É
possível aindadizer que,
fazendo
aparecer omundo
cotidianoda
moradia
como
lugar
onde
se realizavaa
organização e luta contra as condiçõesvigentes, esses
movimentos
ganhavam
significado deuma
reaberturado
socialcomo
alternativa política. ”(TELLES,
1987: 6l)Essas lutas
no
cotidiano das classes populares, portanto, realizadasfundamentahnente
nos seus locais de moradia,assumiram
um
caráter revelador dascondições de exclusão e opressão presentes nas relações sociais
do
sistema capitalista,adquirindo potencial para contribuir
com
a redefmição da cultura, precedendo àtransformação
do
poder centralizadordo
Estado.Os
Novos Movimentos
Sociais29
postura
assume
um
caráter denegação
aomodelo
dominante e opressor,não
somentena
confrontaçãocom
as políticas institucionais, mas, sobretudo, nas suas relaçõescotidianas, construindo
um
processo de democratização e participação, legitimando elegalizando suas lutas organizadas.
Definem-se
como:
agentes históricos
que expressam
a
cada momento,
asformas
históricas de opressão, de miséria, de injustiça, de desigualdade, etc,
mas
expressam
também
o devir, através desua
crítica, de suas lutasna
busca
de novas alternativaspara
ocomando
deuma
nova
historicidade.”
(SCHERER-WARREN,
1989
apud
LIAL4&
CUNHA,
1992: 20).
Apesar do
alargamentodo
poder, durante o período de abertura política,que
permitiu a abertura de
novos
espaços de exclusão e controle, perpassando as relaçõescotidianas
da
sociedade, e as intensas tentativas de contenção das manifestações, aclasse popular sobrepujou o imobilismo. Frente a
um
Estado aliado à classeempresarial, e a urna crise
econômica
caracterizada poruma
forte recessão, aocrescimento
do desemprego
e à significativa concentração de renda, viveu-se,na
década
de 80,uma
fase quantitativa e qualitativamente de grandes mobilizações:greves sob alto grau de organização; a expressiva
campanha
das diretas-já; asconquistas populares
na
Constituição de 1988; a legalizaçãodo
PT
- Partido dosTrabalhadores,
em
1982; a independência dos sindicatos frente ao Estado,marcando
osurgimento
da
CUT
- CentralÚnica
dos Trabalhadores,em
1983, e a ascensão dospartidos de esquerda ao poder institucional - fundamentalmente, a conquista ao
segundo
tumo
das eleições presidenciais de 1989, pelo candidatodo
PT
Luís Inácioacirramento de
ocupações
dosSem-Terra
e as intensas discussões, nos locais deemprego
e moradia, aliados a agentes expressivoscomo
os partidos de esquerda, os sindicatos e a Igreja Progressista. Esses acontecimentosmarcaram
um
novo
rumo
na
históriado
país, tendo expressivo papelna
corrfrontaçãocom
o poder estatal,denunciando
sua ilegitimidade e omissão frente às classes populares, contribuindo paraa abertura de
novos
espaços políticos.Esse potencial transformador já se
configurava
no
final dadécada
de 70,quando
presenciamos manifestações populares contra oaumento do
custo de vida,mobilizações estudantis e feministas, lutas pela anistia política, inúrneras greves de
canavieiros, bancários e, expressivamente, de metalúrgicos.
Em
Florianópolis, oMovimento
Popular estavaem
seu estágio embrionário; asComunidades
Morro
do
Mocotó
eMonte
Cristoforam
as primeiras a organizarem efetivo confrontocom
opoder
público.A
história de luta pela moradia, daComunidade
Jardim
Ilha Continente,deu-se, portanto,
num
período de acirramento das manifestações e reivindicaçõespopulares,
quando
a dinârnica social e política exigia a intensificaçãodo
confrontofrente ao
poder
público.A
desapropriação da áreaem
que
aComunidade
se localiza,em
1990,não
foi, portanto, outorgada pelo Estado,mas
conquistada atravésda
lutados sujeitos coletivos
que
secolocaram na
cena política da cidade.As
intensass
repressões sobre as manifestações
da
classe popular, nesse período, defrontaram-secom
a necessidade de definição de urnanova
postura institucional.O
Estadobuscou
1
estabelecer relações de parceria
com
esses sujeitos coletivos, a fun de enfraquecer as31
implica, portanto, determinados
momentos, não somente
uma
ação coercitiva,mas
abusca do
consenso, por parteda
sociedade civil.De
acordocom
a concepção deFALEIROS
(1991: 47):o
Estado
resume, condensa, mediatiza as relações sociais,segundo
as correlações de forçada
sociedade civil.O
aparelhoestatal
não
estásomente
em
função
dos interessesda
classedominante. Ele
pode
integrar, dominar, aceitar, transformar,estimular certos interesses das classes dominadas.
O
Estado éhegemonia
e dominação.A
hegemonia
representasua
capacidade deorientar o conjunto
da
sociedade, de arbitrar os conflitos entre asclasses e os conflitos de classe, de estabelecer
uma
certa coesãosocial. Pela dominação, o Estado
impõe
a
repressão,a
força emanu
militari, destroi as oposições e resolve os conflitos. ”
Sendo, pois, “produto
da
correlação de forças”,ou
“expressãoda
luta declasses”
(SERRA,
1992),que
se estabelecemna
unidade dialética entre SociedadeCivil e Sociedade Política, o aparelho de Estado, nesse caso, deixa de assrunir
uma
postura coercitiva, já
que
conjunturalmente, estanão
lhe permite assegurar ahegemonia
políticado
grupo social dominante.O
Estado, pois,não
éum
mero
instrumento
da
classe dominante,ou
totalmenteautônomo
em
relação à sociedadecivil.
O
Estado
burguêsnão
éum
bloco monolítico; justamentepor
serperpassado
pelas lutas,
há
brechas e espaçosno
seu interior,composto
de aparelhosque
sãocarregados de
ambigüidades
e conflitualidades. "(GOHN,
1991: 36).Os
Movimentos
PopularesUrbanos
caracterizam-secomo
agentes capazes de fortalecer as relaçõesna
sociedade civil, isto é,como
sujeitos históricos voltadospara o desenvolvimento e construção
da hegemonia
ideológica da sociedade civil,|
0
pautada
nos
interessesda
classe subaltema.Devido
àcomplexidade
das relaçõeseconômicas
e políticas, e, ainda, à ampliaçãodo
Estado nas sociedades capitalistas,toma-se
necessáriauma
constante luta pela conquista dahegemonia
civilou
na
expressão de
GRAMSCI,
é necessárioempreender
uma
“guerra de posição”(SIMIONATTO,
1993), antesda tomada do
poder político.A
buscada
unidadepolítico-ideológica de diversos setores da sociedade civil, por
meio
deum
amplo
processo de organização e participação consensual,
defme
a potencialidade dosMovimentos
Populares,na
medida
em
que
permite construiruma
nova
cultura política.A
lutada
Comunidade
Jardim
Ilna Continente, portanto,não
ocorreuisolada,
mas
articuladacom
um
conjunto de forças históricas presentesno
contexto social e político de Florianópolis, caracterizado pelo acirramentodo
conflito entreMovirnento
Popular e poder público.As
relações de solidariedade e a constituiçãode interesses
comrms
imediatosforam
a base para a construção dessa vontadecoletiva popular.
O
fortalecimento desse espaço políticodefme
urnanova
política institucionalizada.Com
a conquistado
solo urbano, presenciamosum
refluxo
da lutada
Comunidade
Jardim
Ilha Continente, expressando o conjunto de forças engendradaspelas
demandas
impostas pelomeio
urbano.Os
diferentesmomentos
defluxo
erefluxo, presentes
na
história dosMovimentos
Sociais, integram o jogo de forçaspolíticas
na
dinâmicada
sociedade, isto é, de acordocom
as correlações de forças políticas e sociais, osMovimentos
reagem
deforma
diversificada.Na
dialética entreação
do
Estado e lutas dosMovimentos
Sociais,defmem-se
perspectivas de33
coletivos. Estes,
não
estabelecem relações apenascom
o Estado,mas
aindacom
outros agentes envolvidos
no
processo. Durante toda sua história de luta, aComunidade
Jardim
Ilha Continente contoucom
a assessoriado
CAPROM
- Centro deApoio
ePromoção
ao Migrante, sendo este sujeito co-responsável pela dinâmicado
processo organizativoda Comunidade.
A
análise desta relação, iremosA
intensificação dasdemandas na
participação política e enfrentamento aopoder
público,bem
como
a dinâmica das lutas dosMovimentos
Populares, eacirramento das péssimas condições de vida, suscitam a necessidade de se
estabelecer
um
espaço de articulação política e de sínteseno
cotidiano dascomunidades, capaz de representar os interesses coletivos
da
base.A
partir dessanecessidade,
surgem
as Associações de Moradores,que expressam
o caráterorganizativo
da
base dosMovimentos
Populares:Uma
forma
de organizaçãopopular que
pode
propiciara
transformação
do meio
em
que
vive, transformandotambém a
vidadas pessoas.
Ela
é o espaçoonde
as necessidades são expressas, aspropostas apresentadas, avaliadas e materializadas pelos seus
componentes. ”
(CALDERANO,
1989: 30)Esta
forma
de organização permiteromper
com
o autoritarismo presente nas35
participação democrática, nas discussões
em
tomo
dos interesses coletivos, mediante adescentralização
do poder
e a co-responsabilidade entre osmembros.
Um
espaço'em
que
se expressa o cotidiano das classes populares; suas necessidades, ideologias,valores culturais e, fundamentalmente, sua história, perpassada pela resistência e
luta contra a opressão e exclusão política, social, cultural e econômica.
~7f'A Associação de
Moradores
caracteriza-secomo
um
instrumentonão
apenas de articulação
do
processo organizativo dasComunidades,
mas
ainda - e éneste sentido
que entendemos
o seu potencial transformador -como
espaço deformação
política dos sujeitos envolvidos,na
medida
em
que
se sustenta a partir dediscussões e
reflexões
sobre as necessidades e interesses deuma
fração popular,transcendendo os limites individuais, pois
sugerem
a construção deuma
práxis deacordo
com
a vontade coletiva.É
na
dialética entre luta e ação reflexivaque
seconstrói
uma
nova
consciência.A
necessidade pelamoradia
foi omotivo
aglutinador de interesses e forçasdos
moradores da
Comunidade
Jardim
Ilha Continente que,rompendo
com
oindividualismo, constituem,
em
março
de 1985, sua primeiraforma
de organização:uma
comissão
provisória,formada
por três moradores,com
a finalidade de representaros interesses comunitários
na
luta pela conquista da moradia,que
se estabeleciafundamentalmente
no
confrontocom
o poder público.Somente
a08
de abril de1989
se realiza a primeira eleição para a Diretoria da Associação de Moradores,
composta
por sete lideranças. .