Vida de Fotógrafo
Fotógrafo e montanhista,
Marcio Bruno divide-se
entre registrar pessoas de
forma inusitada, trabalhos
corporativos e imagens de
escaladas perigosas
imagens
Um construtor de
POR DIEGO MENEGHETTI
Retrato da ciclista carioca Daniela Genovesi, que venceu, em 2009, os 5 mil quilômetros da prova Race Across America na categoria solo
L
ogo cedo, aos 17 anos, o paulista Marcio Bru-no decidiu se aplicar em duas áreas que acre-ditava serem prazerosas profissionalmente: fotografia e esportes radicais. Ele conta que, na época, a ideia era trabalhar com algo que proporcionasse uma vida de viagens. A partir daí, dedicou tempo, es-tudo e muito treino para hoje, aos 35 anos, seguir com a carreira de fotógrafo profissional aliada a ex-pedições pelo mundo afora como alpinista.O resultado da união dessas atividades, aparen-temente distintas, pode ser visto no humorado ensaio que ilustra esta reportagem, encomendado a ele por uma revista especializada em esportes outdoor. Os retratos, produzidos pelo próprio Marcio, unem a sensibilidade do lado esportista, ao registrar os atletas com destaque para as habilidades de cada um, e a téc-nica do fotógrafo, ao utilizar perspectiva, cenário e iluminação que compõem as imagens criativas de for-ma bem trabalhada.
“Os retratos buscam aproximar, com um toque de humor, cada atleta com o esporte que pratica. A primeira foto que fiz, por exemplo, foi com uma equi-pe de corrida de aventura, a Quasar Lontra, que ga-nhou várias provas em 2009, entre elas o circuito
Ad-radicais
Vida de Fotógrafo
O canoísta Pedro Oliva, que pratica caiaque extremo e desceu uma cachoeira de 39 metros, quebrando o recorde mundial de altura
Fo to s: M ar ci o B ru no
venture Camp, o mais disputado do Brasil. Na imagem, quis evi-denciar a questão da união do grupo”, diz Marcio.
A foto, realizada na Cidade Universitária, em São Paulo (SP), foi planejada momentos antes de ser feita. “De acordo com a proposta inicial, em todas as fo-tos eu precisaria estar em uma posição acima dos atletas, su-bindo em alguma árvore ou coi-sa parecida para fotografar. Sa-bia que em algumas ocasiões isso seria possível e, em outras, teria que resolver de alguma forma. Caminhando pela USP, local combinado para fazer o retrato da equipe, encontrei uma árvore na qual seria possível subir e fo-tografar de cima para baixo e que, coincidentemente, tinha raízes que pareciam galhos e fo-lhas caídos no chão e se asseme-lhavam à copa da árvore”, conta Marcio.
Resolvida a questão da pers-pectiva, o fotógrafo explica que outra dificuldade foi posicionar os atletas deitados de forma a passar a sensação de movimento, sem parecer muito falsa, mas também para que o observador percebesse que se tratava de uma situação montada. “Dirigir e po-sicionar as pessoas para retratos às vezes pode ser um obstáculo, mas, no caso desse ensaio, todos os atletas toparam a proposta, por mais louca que fosse, e, as-sim, ajudaram bastante no tra-balho”, afirma.
Os retratos dos outros atle-tas, cada um especializado em uma modalidade esportiva di-ferente, seguiram com a mesma proposta, com ângulo de visão
em 90º de cima para baixo e as pessoas deitadas, em situações simuladas e divertidas. “A foto com o Felipe Camargo, escala-dor que se destacou em 2009 por ter superado uma via de su-bida dificílima em Rodellar, na Espanha, também foi pensada pouco tempo antes de fazermos. A janela na foto restou da refor-ma que fiz em casa e a cortina peguei emprestada da cozinha
da minha mãe. O vaso é da mi-nha mulher... Como tive liber-dade para criar os cenários, pu-de arriscar situações inusitadas, mas também tive que providen-ciar todos os elementos para as fotos”, relata.
Marcio diz que se identifica com o registro de atletas pro-fissionais, por também ser es-portista e primar pela relação das pessoas com a natureza. Ele
Os retratos foram
produzidos pelo
próprio fotógrafo,
com elementos
simples para
compor a cena
A paulistana Poliana Okimoto, campeã da Copa do Mundo de maratonas aquáticas, também foi retratadaVida de Fotógrafo
conta que outro retrato que gos-tou ter feito foi com Lois Neu-bauer, piloto de asa-delta que ficou paraplégico após um aci-dente, há 14 anos. Hoje, o atleta continua a voar e competir por meio de asas adaptadas.
Como boa parte dos profis-sionais da área, Marcio iniciou a carreira com trabalhos
varia-dos, fazendo fotos de casamen-tos a still. “Comecei a trabalhar como frila de eventos para outro fotógrafo, que me pagava um cachê e eu nem via as fotos pron-tas. Depois, fui convidado para trabalhar para um suplemento de comércio exterior que havia no Estadão, basicamente com retratos de executivos. Na im-prensa, fiz fotos também para o jornal DCI”, relembra.
Após a passagem pelos veí-culos de comunicação, Marcio começou a desenvolver traba-lhos para agências e assessorias de imprensa, aproximando-se ainda mais da fotografia corpo-rativa. Foi quando se especiali-zou em retratos. “Fotografar gente é o que eu mais gosto, pois posso desenvolver uma lingua-gem própria, trabalhar luz e di-reção de forma diferenciada, e contar uma história em uma mesma imagem. Além disso, fa-zer retratos envolve um pouco de psicologia e comunicação. É o que acho mais interessante na fotografia: uma mescla de téc-nica, composição e inter-relação humana”, afirma.
Profissional multiuso
Como fotógrafo freelancer para diversos clientes corpora-tivos e editoriais, Marcio man-tém um estúdio na capital pau-lista. Contudo, segue com a pre-dileção pelos retratos. “Em fotos de expedições, ou mesmo de eventos, é possível contar uma história por meio de diversas imagens. No retrato, você pre-cisa sintetizar tudo o que quer dizer em apenas um clique. Esse poder de síntese que o retrato tem é que me instiga. Numa foto como a do Lois, feita na Pedra Grande, em Atibaia (SP), tive que planejar tudo o que queria
Marcio Bruno
atuou em vários
segmentos da
fotografia até
descobrir o que
realmente queria
Retrato de Felipe Camargo, primeiro brasileiro a escalar uma via de graduação 9A, trajeto considerado dificílimo no escalada esportiva Fo to s: M ar ci o B ru no
A união da equipe de corrida de aventura Quasar Lontra foi o argumento que Marcio usou para compor o retrato
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dizer com a imagem, toda a his-tória de superação do atleta, usando as formas e o ambiente adverso”, conta.
Para o trabalho, Marcio usa uma Canon EOS 5D Mark II,
com um conjunto generoso de lentes profissionais da série L: 15 mm, 17-40 mm, 24-70 mm, 70-200 mm, 85 mm e uma 100 mm Macro mais usada para fotos em estúdio. Para a ilumi-nação, utiliza geralmente uma tocha Variolite 800 da Mako e outras duas cabeças 3003, da mesma fabricante, junto a um softbox. No ensaio com os atle-tas de aventuras, todo esse equi-pamento foi movido por um ge-rador a gasolina, que Marcio le-vava aos locais das fotos.
“Contudo, fazer retratos para revistas é diferente de trabalhar com o setor corporativo. O cliente que paga pela foto, geralmente, quer uma imagem que mostre co-mo a empresa deve ser vista pelo mercado. Para o setor editorial, você pode posicionar o leitor fren-te àquela imagem. O leitor, não
necessariamente, é cliente daquela empresa, não tem uma relação direta com o contratado. Assim, é possível ousar mais nas fotos”, diz.
Fazer retratos com humor a fim de atrair a atenção para a imagem é um recurso interes-sante e tem sido usado bastante pelo mercado editorial. “Mas é preciso tomar cuidado para não abusar do recurso, como foi o caso, por exemplo, do retrato de Ivan Zurita na capa da revista
Dinheiro Rural (maio de 2009,
na qual o presidente da Nestlé foi retratado com leite escor-rendo pela boca enquanto be-bia), que dividiu opiniões de pes-soas que gostaram da imagem e outras que acharam de mau gos-to”, comenta Marcio.
O fotógrafo explica que, pa-ra retpa-ratos diferenciados, é im-Acima, o surfista Adriano de Souza, conhecido como Mineirinho, que ganhou troféu no principal circuito de surfe mundial
Retrato do piloto Lois Neubauer, feito por Marcio Bruno
Fo to s: M ar ci o B ru no
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o necessário para fazer um bom trabalho de produção.
“O fotógrafo conhece a pes-soa minutos antes, o que é muito ruim para o trabalho. Em todo retrato, é preciso um período prévio para preparar a foto. Eu peço, geralmente, uma hora e meia para chegar antes no local, estudar o espaço, fazer testes de luz e conseguir eventuais auto-rizações para a imagem. Outro problema constante é que o pes-soal que faz o briefing para o re-trato inclui muitos elementos na foto. Eles não têm a noção de que, às vezes, a imagem que bolaram não tem como ser pro-duzida. Cabe ao fotógrafo estu-dar as possibilidades e ter jogo de cintura para lidar com esses entraves”, ensina.
portante que o fotografado te-nha confiança no fotógrafo. As-sim, é essencial conversar com a pessoa antes da foto, para ex-plicar como o trabalho será feito e, logo que possível, mostrar o resultado no monitor da câmera. “Isso dá confiança ao retratado, principalmente no mercado cor-porativo. Há casos em que você pede para a pessoa colocar o pé em cima de uma cadeira e ela já pensa que você vai fotografá-la de forma embaraçosa. O fotó-grafo sabe como ficará o resul-tado, mas o fotografado não”, explica Marcio.
Segundo ele, outro obstáculo em retratos de empresários, por exemplo, é a apertada agenda dos executivos, muitas vezes com tempo incompatível com
Para o alto e além
Além da fotografia profis-sional, Marcio se destaca pelo perfil aventureiro que traz desde a adolescência. O último feito do fotógrafo alpinista foi escalar o Monte Roraima, na fronteira brasileira com a Venezuela e a Guiana. A expedição, realizada em janeiro de 2010 com os par-ceiros de escalada Eliseu Fre-chou e Fernando Leal, foi a pri-meira via brasileira escalada pela proa do monte.
O Roraima está a 2.875 me-tros e tem um topo que forma um planalto com 17 quilômetros de extensão por 6 quilômetros de largura. Algumas paisagens do fil-me Up - Altas Aventuras (Disney/ Pixar, 2009) foram inspiradas no tepui brasileiro (formação rochosa Durante 12 dias,
Marcio Bruno e dois amigos escalaram o Monte Roraima, que fica na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana
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que se assemelha a uma mesa). Em 2008, Marcio e os amigos já haviam tentado a escalada dos 500 metros da parede do Rorai-ma, mas a expedição foi frustrada. Voltaram em 2010 e, após 12 dias de escalada, conseguiram chegar ao topo. De lá, Marcio pôde ex-perimentar o sentido literal da imagem em grande angular.
Nas expedições em que atua como escalador, Marcio con-centra-se no esporte, embora fa-ça algumas fotos e vídeos da aventura. “Já fui para expedi-ções, como na África, com a fun-ção de fotografar. Em outras via-gens, porém, vou como escala-dor, e fotografar se torna uma tarefa secundária, pois lidamos com alto risco e a sobrevivência depende da dinâmica da esca-lada”, explica.
Embora seja uma área com poucos profissionais especializa-dos, Marcio diz que a fotografia de aventura ainda não é um cam-po rentável para ser praticada exclusivamente. “A equação entre ser esportista e trazer material publicável, como fotos e vídeos da expedição, é fundamental pa-ra conseguir patrocínios papa-ra as expedições. Há vários atletas bons que não conseguem pro-duzir material para divulgação posterior”, afirma – veja mais so-bre o trabalho de Marcio em
marciobrunophoto.blogspot.com. Contudo, mesmo como fo-tógrafo de aventura e especiali-zado em fotos de pessoas, Mar-cio conta que ainda não conse-guiu capitalizar esse mercado. “É evidente que, se alguma em-presa quiser uma foto que en-volva escalada, por exemplo, é interessante para ela contratar meu serviço, pois tenho proxi-midade com o tema, conheço os locais para fotos, horários de luz, onde se posicionar... Mas esse mercado de foto especiali-zada, pelo menos no meu seg-mento, não existe no Brasil. Co-meça a haver uma movimenta-ção neste sentido, mas ainda é pequena”, finaliza.
Barracas de descanso ancoradas em um único ponto, a 300 metros de altura, na escalada de 12 dias Marcio Bruno durante a expedição que chegou ao topo do Monte Roraima, em janeiro de 2010
Eliseu F
rechou